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PENHORA
Sumário
1- É de suspender a instância executiva em relação à penhora de veículo automóvel até que o exequente demonstre no processo ter requerido o cancelamento do registo da reserva de propriedade sobre tal bem
Texto Integral
Acordam os juizes do Tribunal da Relação de Lisboa
Na execução nº 119/00, entre outros bens, o recorrente/exequente nomeou para penhora o veículo automóvel…., na posse dos executados.
Após a penhora deste e subsequentemente à junção pelo exequente de certidão do Registo de Automóveis de onde se alcançava que a reserva de propriedade do dito veículo se encontrava inscrita em favor do exequente com data anterior ao registo da penhora, ordenou a Mma juíza «a quo» a suspensão da instância executiva em relação à penhora do veículo automóvel até que o exequente demonstre ter requerido o cancelamento do registo da reserva de propriedade.
Não se conformando com tal despacho, dele recorreu o exequente, juntando alegações e concluindo assim: 1- É perfeitamente admissível, é válido, é legitimo, é legal, que o detentor dareserva de propriedade possa nomear à penhora, o bem sobre que incide talreserva, sendo certo que nesse caso estará a renunciar ao seu "domínio"sobre o bem, tanto mais que nos casos em que o detentor da reserva de propriedade opta pelo pagamento da quantia em divida - em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre a qual a mesma incide - deixa de poder fazer operar a reserva de propriedade constituída, deixa de poder reivindicar para si o bem. 2. A não ser assim, em tais casos - opção pelo pagamento da quantia em divida - o acordo, entre credor e devedor, de constituição de reserva de propriedade por parte do credor faria com que este não pudesse nomear à penhora o bem sobre o qual havia incidido tal reserva, pelo que, em tais casos a constituição de reserva de propriedade por parte do credor não só não o beneficiaria como o prejudicaria, inclusivamente, em relação aos outros credores do devedor, o que, para além de ser claramente injusto e ir contra o espírito do direito, estaria em manifesta oposição com a vontade das partes ao acordar na reserva de propriedade. 3. A validade, legitimidade e legalidade de o detentor da reserva de propriedade poder nomear à penhora o bem sobre tal reserva incide, é ainda mais evidente e justificada nos casos em que a reserva de propriedade foi constituída pelo devedor em favor do credor apenas como mera garantia do cumprimento de um contrato de mutuo para financiamento da aquisição, pelo devedor, do veículo automóvel sobre que incide a reserva, e não para assegurar ao credor a propriedade do bem; pois nesse caso a reserva de propriedade visa apenas garantir que enquanto o contrato de mútuo não estiver cumprido o veículo cuja aquisição tal mútuo financiou não possa ser vendido pelo devedor sem conhecimento e autorização do credor, por forma a assegurar que em caso de incumprimento do contrato, pelo menos o veículo financiado possa assegurar, precisamente através da sua nomeação à penhora, o pagamento coercivo da divida, de parte dela pelo menos, e impedir que tal veículo possa ser penhorado por terceiros. 4. O facto de a reserva de propriedade estar eventualmente registada não impede o prosseguimento da penhora e muito menos impõe que não se ordene a respectiva venda e se declare a suspensão da acção executiva, pois de acordo de harmonia com o disposto no artigo 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam. 5. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, deve agir-se de acordo com o que se prescreve no artigo 832° do Código de Processo Civil caso a penhora ainda não tenha sido efectuada ou esteja a sê-lo, ou com o que se prescreve no artigo 119° do Código do Registo Predial caso a penhora já tenha sido realizada e a dúvida surja por o bem não estar registado em nome do executado mas em nome de outrem, e não ordenar o prosseguimento para a fase da venda. 6. Assim, tendo o despacho de fls. ordenado a penhora do veículo dos autos, tendo a ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da divida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre a qual a mesma incide - o que, como referido, seria, neste caso, ilegítimo -; tendo a exequente renunciado ao "domínio" sobre o bem - pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia ao recorrido -; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam; e não se prevendo no artigo 119° do Código do Registo Predial o levantamento oficioso da penhora é manifesto que no despacho recorrido se errou e decidiu incorrectamente. 7. No despacho recorrido, ao decidir-se pela forma como se decidiu erradamente se interpretou e aplicou o disposto, nos artigos 824° e 888° do Código de Processo Civil, violou também o disposto nos artigos 5°, n° 1, alínea b) e 29° do Decreto-Lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro, artigo 119° do Código do Registo Predial e artigos 408°, 409°, n° 1, 601° e 879°, alínea a), todos do Código Civil.
Questões
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente(arts 690 e 684 nº 3 do CPC), importará apreciar e decidir se, para prosseguimento da execução, se lhe imporá que proceda a registo do cancelamento da reserva de propriedade sobre o automóvel penhorado e o demonstre na mesma execução.
Os Factos, que servirão de suporte à decisão do recurso
1- O exequente, nomeou, entre outros, à penhora, o veículo automóvel 04-...-MT, vendido ao executado, porém sob reserva de propriedade a favor daquele.
2- A reserva de propriedade referida foi objecto de registo na CRA, mantendo-se a inscrição desse facto.
3- O aludido automóvel foi penhorado, conforme requerido, penhora essa depois registada na CRA, constando como sujeito activo o exequente e passivo o executado.
O Direito
A jurisprudência da Relação de Lisboa tem estado dividida quanto à solução da presente questão.
A favor da que defende o recorrente, os Acórdãos que este enuncia e de que juntou cópia.
Entende-se neles, em súmula, que, além de se não ver nenhum óbice a que o exequente nomeie à penhora um bem sobre que tem a reserva de propriedade, também que não lhe cabe o dever/ónus de proceder ao cancelamento do registo da reserva como condição do prosseguimento da execução, uma vez que, conforme ao prescrito no art 888 do CPC, após o pagamento do preço são oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam nos termos do art 824 nº 2 do CC.
Contra e no sentido defendido na decisão sob recurso, nomeadamente os proferidos na 2ª secção da mesma Relação entre outros os proferidos nos recursos 8063/03 e 9107/03 e os transcritos em www.dgsi.pt. nº convencional jtrl00025882 datado de 2.6.99 e www.dgsi.pt. nº convencional jstj00035675 de 24.9.98.
Em todos eles se entendeu que a execução não pode prosseguir após o registo da penhora definitiva de bem registado com reserva de propriedade a favor do exequente, enquanto este não proceder ao cancelamento de tal registo.
Há que optar por uma das vias de solução.
Antes de mais e porque nos parece de mais evidente resolução, importará abordar do relevo, para a solução da questão, do art 119 do CRP. Afigura-se-nos que nenhum. Logo e definitivamente por o seu regime pressupor o registo provisório da penhora, quando o dos autos foi lavrado como definitivo. A sua razão de ser é a de estabelecer um mecanismo que leve à conversão de um registo provisório, de arresto e penhora nomeadamente, em definitivo.
O recorrente intenta levar a execução até à venda do automóvel penhorado e ao pagamento da quantia exequenda por força do resultado da sua venda e ao mesmo tempo manter a garantia que lhe advém da reserva de propriedade sobre tal bem. Alegadamente, por à propriedade ter tacitamente renunciado. Pois que se renunciou à resolução do contrato e consequente à reaquisição da posse, optando pelo pagamento coercivo do preço, não se justificará acto que o oportuno cumprimento do art 888 do CPC torna despiciendo e sem alcance prático.
O certo, porém, é que em decorrência da penhora definitiva se mantém um registo da mesma, a par de outro de reserva da propriedade sobre o mesmo bem a favor do exequente.
A verdade também é que, tomando como certo e juridicamente assegurado o resultado da posição assumida pelo recorrente/beneficiário da reserva, parece faltar coerência à situação assim criada, concretamente um registo parecer em contradição com o outro e não se ver que a manutenção do registo da reserva no decorrer do restante dos actos executivos sirva quaisquer fins legítimos.
Verdade ainda é também que a manutenção do registo da reserva de propriedade sempre permitirá ao beneficiário/exequente durante o restante decurso da execução garantir-se da propriedade do bem contra terceiros e igualmente contra o comprador da faculdade de resolução do contrato de compra e venda(art 886 do CC) pela falta de cumprimento de qualquer uma das obrigações da contra parte, nomeadamente o preço integral(arts 409 e 934 do CC).
No tempo que decorre entre o registo da penhora e a venda, temos, dum lado a manutenção de registos contraditórios, o da penhora definitiva que pressupõe que o bem é pertença do executado ou de terceiros(arts 601 do CC e 821 do CPC) e o da reserva de propriedade que faz presumir ser ele do exequente(art 7 do CRP) e do outro a manutenção sobre o mesmo bem, por parte do exequente, de faculdades jurídicas que estão logicamente em oposição com a realidade subjacente à penhora.
Uma coisa é a alegada manifestação tácita da vontade do exequente, outra as faculdades legais que efectivamente lhe continuarão a assistir da manutenção do registo da reserva. Se assim não fora, sem explicação ou razão de ser ficaria aparentemente a interposição do recurso. A não ser que lhe estivessem unicamente subjacentes motivações académicas ou economicistas, ou de mera teimosia, o que se não concebe.
Parece que o indicar de bem, com reserva de propriedade a seu favor, à penhora para execução de obrigação do proprietário sob condição suspensiva e subsequentemente se passar à sua conversão em dinheiro, implicará previamente que a esta reserva se renuncie, com eficácia não só face ao executado como ainda a terceiros. A lógica das coisas assim o impõe, o princípio da certeza do direito também.
Não colhe a invocação pela recorrente do disposto no art 824 do CC. Reza ele que: os bens são transmitidos livres dos encargos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
Estamos com o entendimento assumido na 1ª instância. O cancelamento oficioso do registo a que se refere o art 888 do CPC não tem aqui aplicação. É que relativamente aos direitos reais que não sejam de garantia, os bens só são transmitidos livres deles se não houver registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia... E a reserva de propriedade é um direito real de gozo, não de garantia, não tendo aqui qualquer relevo o alegado interessegarantístico que teria estado subjacente à constituição da reserva. Tratando-se de um direito real em que vigora o princípio da tipicidade não colhe falar em intenções que tenham servido de razão de ser à constituição da reserva nem nas funções de garantia que alegadamente lhe subjazeram. Os tipos estão legalmente fixados, sendo com o respectivo regime que haverá de contar.
Conclui-se, assim e sem mais e mantendo a posição já adoptada noutros recursos, que o exequente terá que proceder ao cancelamento do registo da reserva de propriedade sob apreciação, só depois se impondo e justificando o prosseguimento da execução.
Tendo em conta todo o exposto, acorda-se em negar provimento do recurso, confirmando-se a douta decisão agravada.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 3.6.2004
Francisco Magueijo
Malheiro de Ferraz
Ana Paula Boularot