Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Sumário
I- A prescrição do procedimento contra-ordenacional não necessita de ser invocada por quem dela possa beneficiar, sendo de conhecimento oficioso. II- Tendo as normas sobre prescrição do procedimento contra-ordenacional sofrido alterações, há que aplicar o regime que for mais favorável ao arguido, o que há-de ser definido pela apreciação em bloco de cada um dos regimes, não sendo lícito construir soluções a partir da conjugação de elementos de uma e outra lei.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
O IDICT/IGT, Subdelegação das Caldas da Rainha, na sequência de auto de notícia levantado aos onze dias de Setembro de 2001, aplicou a “Marteleira Hotelaria, Ldª” a coima de € 4.250,00, por ter considerado que esta cometeu a identificada infracção ao disposto no artº 10º, nºs 1 e 2, do DL 421/83, de 2/12, a que corresponde, em abstracto, nos demais termos legais invocados, a coima de € 4.140,02 a € 11.771,63.
A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa, dela interpondo recurso para o Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha, que negou provimento ao recurso.
Com tal juízo se não conformou de novo a arguida, interpondo recurso para esta Instância, cuja motivação concluiu assim: (...)
Respondeu o MºP, concluindo no sentido da infundada argumentação do recorrente, com a consequente manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
x
Vem assente a seguinte factualidade:
1 – A Arguida dedica-se à industria hoteleira e possui, em Peniche, uma unidade designada por Hotel Praia Norte, onde emprega 30 trabalhadores, nomeadamente a recepcionista (A)
2 – Segundo o mapa de horário de trabalho apresentado no IDICT de Leiria, em 05/07/00, e afixado no local de trabalho, a recepcionista (A), na terça feira, tem o horário de trabalho compreendido entre as 9 e as 12:30 horas a que corresponde a letra “G” do mesmo mapa.
3 – No dia 11/09/01, terça feira, pelas 15:30 horas, a referida trabalhadora encontrava-se no seu local de trabalho habitual, desempenhado funções próprias de uma recepcionista, tendo realizado num período das 12:30 às 16:00 horas, 3 horas e 30 minutos de trabalho suplementar.
4 – A arguida ao tempo da visita inspectiva não possuía livro de registo de trabalho suplementar.
5 – A arguida não efectuou o registo de trabalho suplementar realizado pela trabalhadora (A) no dia 11/09/01.
x
Cumpre apreciar e decidir, em primeiro lugar, uma questão prévia - se o procedimento contra-ordenacional está extinto por prescrição.
Neste particular aspecto, a recorrente nada referiu nem na impugnação judicial nem no recurso para este Tribunal da Relação. Todavia, a prescrição não necessita de ser invocada por quem dela possa aproveitar, sendo de conhecimento oficioso- artº 277º, nº 1, in fine, do Cod. Proc. Penal
Vejamos, então, se essa prescrição se verifica.
O D.L. nº 433/82, de 27/2, reveste-se de natureza subsidiária relativamente ao R.G.C.O.Laborais, por força do disposto no artigo 2º deste regime legal, aprovado pela Lei nº 116/99 de 4 de Agosto.
Estabelece o artigo 3º desse D.L. nº 433/82, na redacção introduzida pelo DL nº 244/95, de 14/9: Aplicação no tempo 1. A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende. 2. Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
As normas sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional (artºs 27°, 27º-A e 28.° do DL nº 433/82, de 27/2) sofreram uma alteração significativa através da Lei nº 109/2001, de 24/12.
No caso sub judice, a infracção consumou-se a 11 de Setembro de 2001, ou seja, em data anterior à entrada em vigor deste último diploma legal.
Há, assim, que apreciar, se à luz das normas dos artigos 27º, 27º-A e 28º do DL nº 433/82, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 109/2001, de 24/12, complementadas pela lei subsidiária, que é o Código Penal, por força do artº 32º do citado DL, se se verifica a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
No caso de tal não acontecer, haverá ainda, de acordo com o princípio da aplicação da lei mais favorável (nº 2 do artº 3º do DL nº 433/82), que averiguar se a prescrição se verifica pela aplicação das referidas disposições legais na redacção introduzida pela Lei nº 109/2001.
E há que optar, em caso de regime de sucessão das leis penais, pela aplicação em bloco, tese sustentada no Ac. do STJ de 15/2/89 (BMJ 387, 163),que firmou jurisprudência no sentido de que "em matéria de prescrição do procedimento criminal deve aplicar-se o regime mais favorável ao réu, mesmo que no momento da entrada em vigor do Código Penal de 1982 estivesse suspenso o prazo de prescrição por virtude da acusação deduzida”, quando defende que "(...) não se pode escolher de cada uma das leis os preceitos isolados que forem mais favoráveis ao agente, mas há que aplicar uma só lei, prescrevendo um conjunto normativo (bloco) definidor do regime do instituto ou infracção. Assim, não é licito construir regimes particulares pela conjugação de elementos retirados de uma e outra lei, com o perigo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente”.
Começando, pela ordem natural das coisas, por questionar se se verifica a prescrição pela aplicação da lei vigente à data da infracção- o D.L. 433/82, antes da entrada em vigor da Lei 109/2001.
Nos termos do artº 27.°, tendo em conta a redacção introduzida a vários preceitos do DL nº 433/82 pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro, o prazo de prescrição do procedimento é de:
- dois anos, quando o máximo da coima é superior a escudos 750.000$00;
- um ano, nos restantes casos.
No caso dos autos, a infracção imputada à arguida ocorreu em 11/09/2001, sendo punível, na altura, com coima de € 4.140,02 a € 11.771,63, nos termos do artº 10º, nº 1 do DL nº 421/83, de 2/12, conjugado com o disposto no artº 11º, nº 1, do mesmo diploma, com as alterações introduzidas pela Lei nº 118/98, de 11/8, e conjugado com o disposto no artº 9º, nº 1, al. d), da Lei nº 116/99, de 4/8, e com o disposto no artº 7º, nº 4, al. d), da Lei nº 116/99, de 4/8, na redacção dada pelo artº 5º do DL 323/01, de 17/12.
Só que entretanto entrou em vigor, em 1 de Dezembro de 2003, e com excepção de algumas normas (cfr. artº 3º da Lei nº 99/2003, de 27/8), o Código do Trabalho, o qual, entre outros diplomas, revogou expressamente (artº 21º, nº 1 da referida Lei) o Dec-Lei nº 421/83, de 22/12 (lei do trabalho suplementar).
Nos termos do artº 615º do Cod. Trabalho, as “contra-ordenações laborais são reguladas pelo disposto neste Código, e subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”.
Actualmente as normas pelas quais foi aplicada a coima ao arguido encontram correspondência no artº 204º do Cod. do Trabalho, que, no seu artº 663º, nº 2, qualifica a violação do referido preceito como contra-ordenação grave, à qual é abstractamente aplicável, no caso de empresa de dimensão do recorrente (atento o seu volume de negócios, referido no auto de notícia, e não impugnado pela arguida), coima entre 10 UC’s e 20 UC’s- artº 620º, nº 3, al. c).
Esta legislação é nitidamente mais favorável ao arguido, pelo que lhe deve ser aplicada nos termos do artº 3º, nº 2, do DL nº 433/82, de 27/10.
Assim, atento o valor máximo da coima aplicável (€ 1.780,40), o prazo de prescrição é de um ano, nos termos citado artº 27º, al. b), do DL 433/82, antes da alteração produzida pela Lei 109/01, regime prescricional vigente à data da prática dos factos.
A prescrição do procedimento por contra-ordenação pode suspender-se ou interromper-se nos casos expressamente previstos nos art. 27°-A e 28º do D.L. 433/82.
Os Acórdãos n° 6/2001 e 2/2002, ambos do STJ para fixação de jurisprudência, publicados nos DR de 30/03/01 e de 5/03/02, respectivamente, assentaram o seguinte:
“A regra do n° 3 do artigo 121º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do art. 32º do DL 433/82, ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional”.
E "o regime de suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão das contra- ordenações, previsto no art. 27°-A do DL 433/82 na redacção dada pelo D.L. 244/95, de 14/09”.
Quanto à interrupção da prescrição, estabelece o artº 28º: “1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: " a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxilio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c)- Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição”.
Há que ter em conta que se encontra fixada jurisprudência pelo referido acórdão nº 06/2001 do STJ, no sentido de que é aplicável subsidiariamente o disposto no nº 3, do artigo 121º do Código Penal, que diz o seguinte:
“A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.
No caso em apreço, verificou-se, sucessivamente, a interrupção da prescrição:
- em 13/12/2001 – notificação do auto de notícia;
-em 04/01/2002- apresentação da resposta escrita pelo arguido
- em 25/09/2003 - notificação da decisão administrativa à arguida;
Nos termos do artº 121.°, n.º 2 do Código Penal, aplicável subsidiariamente, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Quanto à suspensão do procedimento, preceitua o artigo 27º-A: “A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal”.
No caso em apreço, não se verifica essa situação específica - o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.
Há, porém, que verificar se houve suspensão, com fundamento nos casos previstos no Código Penal, tendo em conta o citado acórdão nº 2/2002 do STJ para fixação de jurisprudência, que os tomou extensivos ao regime das contra-ordenações.
No caso dos autos, apenas é susceptível de aplicação a hipótese prevista na alínea b), do nº 1 do artigo 120º do Código Penal (com as devidas adaptações) ou seja, a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para a audiência em processo sumaríssimo.
Verifica-se que a carta para notificação da arguida da data para julgamento foi expedida em 17 de Dezembro de 2003- fls. 61, pelo que se verifica que, tendo os factos ocorrido em 11 de Setembro de 2001, o prazo prescricional de um ano, acrescido de metade (seis meses), terminou em 12 de Março de 2003, portanto em data anterior à da referida notificação, que determinaria a suspensão da prescrição.
Daí que tenha operado a prescrição.
x
Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em julgar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional movido nos autos contra o arguido/recorrente.
Sem custas em ambas as instâncias.