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HERANÇA
COMPRA E VENDA
LEGÍTIMA
Sumário
I- A compra e venda de um imóvel que integra o património hereditário efectuada apenas pelo cônjuge meeiro traduz-se na alienação de coisa integrada em património colectivo e deve ser exercida em conjunto por todos os herdeiros (artigo 2091º/1 do Código Civil) II- O herdeiro a quem coube tal imóvel pode propor acção de reivindicação pedindo o reconhecimento da propriedade sobre o imóvel e sua entrega considerada a ineficácia, quanto a ele, dessa venda outorgada por escritura-pública mas que não logrou registo definitivo (artigos 892º, 1404º, 1311º todos do Código Civil). III- Considerando que não é admissível a redução/conversão dessa venda por forma a que o comprador seja colocado na posição do adquirente de uma quota-parte, ou seja, de um direito de compropriedade, daí não se retira que o reconhecimento da propriedade e da ineficácia do aludido negócio implique a entrega do imóvel ao autor. IV- Pode dar-se o caso de, com a aludida venda e apenas por causa dela, se considerar extinto o contrato de arrendamento que justificou a venda ao inquilino com base no direito de preferência que o vendedor lhe reconheceu e, assim sendo, a ineficácia da venda não se pode traduzir, para este efeito, na sua eficácia extintiva do arrendamento que se há-de considerar subsistente face à nulidade da venda de coisa alheia.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
1. (A) e (B) propuseram no dia 20-3-2000 acção declarativa com processo ordinário contra (C) e (D), falecido no dia 5-12-1999 e do qual a ré foi habilitada como única sucessora, pedindo a sua condenação a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre a fracção identificada nos autos (fracção “A” do R/C Dtº do prédio urbano sito na Av. 1º de Maio AAF, Casal do Marco, Seixal) condenando-se os RR a entregá-la imediatamente, livre e devoluta (pedido alterado na réplica: fls 95) declarando-se ainda nula a escritura de compra e venda outorgada entre o marido da ré e o pai da A. com as legais consequências daí decorrentes.
Na contestação alega a ré que, ao adquirir no dia 23-4-1986 por 500.000$00 a fracção onde habita há mais de 30 anos, tanto ela como o marido desconheciam que lesavam o direito da A; desde a data da escritura passou a comportar-se como proprietária, pacifíca, publicamente e sem oposição o que era do conhecimento dos AA desde a data do registo de aquisição (Ap. 06/130686, registo caducado conforme anotação de 29-1-1991); deduziu reconvenção onde refere que foi arrendatária da aludida fracção durante mais de 15 anos, que vive na casa há mais de 30 anos: a entender-se que o negócio celebrado é nulo parcialmente (o vendedor era proprietário de 1/2 da fracção), deve o mesmo ser reduzido em conformidade declarando-se que o marido da ré adquiriu metade indivisa do imóvel; o valor de mercado da aludida fracção é de 16.000.000$00 e, assim, deve a ré ser indemnizada pela quantia de 8.000.000$00; a ré, se for declarada a nulidade, perde o preço que pagou e perde a habitação o que tudo lhe causa prejuízo que valoriza em 2.000.000$00.
Deduz pedido reconvencional em que pede a redução do negócio declarando-se que pela referida escritura o marido da ré adquiriu ao pai da autora metade indivisa da fracção condenando-se os AA a indemnizá-la no montante de 8.000.000$00 a título de danos patrimoniais e 2.000.000$00 a título de danos não patrimoniais; subsidiriamente, para o caso de se entender que o contrato é nulo na totalidade, pede a indemnização total de 18.000.000$00 (de danos materiais, 16, e morais, 2).
A acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção considerando-se, no texto da sentença, que a Ré tem direito ao recebimento do preço pago, em razão da declarada nulidade, no montante de 500.000$00.
Foi interposto recurso da decisão onde se sustenta que o contrato de compra e venda outorgado no dia 23-4-1986 entre o pai da A. e a Ré e seu falecido marido é um contrato válido: válido, porque os compradores se encontravam de boa fé, quando da escritura, por desconhecerem que metade do aludido prédio integrava a herança aberta por óbito da mãe da A., mulher do vendedor, óbito ocorrido no dia 11-8-1961; sustenta a recorrente que, caso se entenda que o negócio celebrado pelo pai da A. é parcialmente nulo, então deve ser reduzido nos termos do artigo 292º do Código Civil considerando-se válido em relação à metade que pertencia ao pai da apelante; reclama o pagamento dos danos que correspondem a metade do valor de mercado da aludida fracção que calcula em 80.000 euros; mais pede a ré indemnização a título de danos morais de 10.000 euros.
Resulta provado desta acção o seguinte:
A- A fracção acima identificada encontra-se registada desde 2-11-1992 em nome dos AA. B- A Ré ocupa a aludida fracção. C- A fracção encontrava-se registada desde 31-3-1986 em nome de (E) casado com (F) D- A referida (F) faleceu no dia 11-8-1961 no estado de casada com (F). E- (F) faleceu no dia 30-10-1990. F- No dia 22-3-1985 (F) constituiu procurador(G) a quem conferiu poderes para vender pelo preço e demais condições que entender convenientes quaisquer prédios sitos no concelho do Seixal. G- Foi, assim, outorgada escritura de compra e venda da fracção já referenciada no dia 23-4-1986 em que intervieram como outorgantes o marido da Ré e o referido (F) representado por(G). H- O preço da venda foi de 500.000$00. I - A Ré e marido pagaram os impostos em seu nome relativos ao andar desde 1986 em diante no montante total de 8.339$00. J- No dia 4-2-1985 foi enviada ao marido da ré a carta junta a fls 53 onde se refere: “ (G), na qualidade de procurador de (E), proprietário do prédio Lote nº AAF situado na Azinhaga do...onde o Sr. (D) é inquilino, vem por este meio informar o Sr. que resolveu vender os andares aos próprios inquilinos pelo preço de 350.000$00 (trezentos e cinquenta mil escudos) pelo que esperamos uma decisão definitiva se estão ou não interessados e no período de 20 dias a contar desta data, não obtendo essa resposta ficaremos livres de opções, podendo vender a quem nós entendermos”
Factos controvertido:
1- O valor actual da referida fracção é de € 79807,70? 2- O marido da ré nunca concluiria a venda se apenas comprasse metade do imóvel? 3- A Ré e marido foram arrendatários da fracção durante mais de 15 anos? 4- O montante pago a título de renda era de 390$00 mensais? 4- A Ré habita na fracção há mais de 30 anos? 5- Desde 23-4-1986 que a ré se passou a comportar como proprietária única e exclusiva do andar usando-o e fruindo-o e nele habitando exclusivamente? 6- E fê-lo sem oposição de ninguém designadamente da A.? 7- A A. não recebeu quaisquer notas de liquidação relativamente à aludida fracção? 8- A A. nunca se opôs à situação de ocupação do andar por parte da Ré (até ao envio da carta de fls 20, cartas de 20-1-2000)? 9- Os AA sabem desde a data do registo de aquisição a seu favor - Ap. 24921102 - que o marido da Ré havia comprado ao Adamastor, pai da A., a já referida fracção em 23-4-1986? 10- A A. não se preocupou em pagar quaisquer impostos desde 1986 porque sabia bem que a titularidade do imóvel pertencia ao marido da Ré? 11- O pai da A. não se preocupou em pagar quaisquer impostos desde 1986 porque sabia bem que a titularidade do imóvel pertencia ao marido da ré? 12- A Ré sofre um profundo desgosto com o receio de vir a perder a sua casa? 13- E desde que foi citada passa noites sem dormir?
Apreciando:
2. (F) procedeu à venda de um imóvel, propriedade do casal que integrava a herança aberta por óbito de sua mulher.
A A. já era à data da venda (23-4-1986) herdeira do património hereditário deixado por óbito de sua mãe (11-8-1961) que, segundo se refere na escritura de habilitação junta com a petição (fls 12/14), casou com (F) no regime de comunhão geral de bens.
No âmbito da sociedade conjugal o património do casal constitui uma propriedade colectiva e não uma compropriedade por isso que aos cônjuges não é lícito requerer a divisão, nem podem dispor da sua “quota” ou alienar ou onerar parte especificada de qualquer dos bens comuns, nem sequer dispor de qualquer quota ideal; “ na propriedade colectiva há contitularidade de duas (ou mais) pessoas num único direito, tal como na compropriedade (artigo 1403º); mas, além de conter um único direito, na propriedade colectiva há ainda um direito uno, enquanto na compropriedade há um aglomerado de quotas dos vários comproprietários. A propriedade colectiva é, assim, uma comunhão una, indivisível, sem quotas” (Direito da Família, 1999, pág 457).
Assim, também salientava Pires de Lima na Revista de Legislação e de Jurisprudência a pág 254 em anotação ao Ac. do S.T.J.de 18-3-1960 (Barbosa Viana) Ano 93º (1960/1961) que“ a inexistência de bens comuns, no sentido matrimonial da expressão, não exclui a possibilidade de existência de propriedade comum entre marido e mulher...
Não se trata, ao fazer-se a distinção entre estas duas espécies de condomínio, dum simples jogo de palavras. São duas figuras perfeitamente diferenciadas, ambas admitidas na nossa lei, sendo a primeira designada pelos autores, propriedade colectiva, de índole predominantemente germânica e a segunda compropriedade, de índole predominantemente romanista. Na propriedade colectiva há direitos por parte de cada consorte a uma quota dum património indiviso; na compropriedade a uma quota de bens determinados. Exemplos da primeira espécie temo-los, no nosso direito, na comunhão de bens entre cônjuges e na herança indivisa. Cada consorte ou cada co-herdeiro não tem direito a uma parte de cada um dos bens que constituem o respectivo património, mas a uma parte do todo. E, precisamente por isso, é que o Código de processo civil estabelece processos distintos para pôr termo ao condomínio num e noutro caso. Havendo propriedade colectiva, faz-se a partilha em inventário com base em licitações; havendo compropriedade, divide-se a coisa comum em acção de arbitramento. E ainda porque são figuras distintas é que o § único do artigo 1051º deste Código supõe a hipótese, noutro caso juridicamente incompreensível, de a compropriedade ter a sua origem numa partilha em processo de inventário”
3. No caso vertente, a venda do imóvel efectivou-se dissolvida a sociedade conjugal e, por isso, a venda não poderia deixar de ser efectivada por todos os herdeiros (artigo 2091º do Código Civil)
O prédio integrava, assim, uma propriedade colectiva, o património hereditário, que constitui uma universalidade jurídica e, por isso, até à partilha os herdeiros são titulares do direito a uma fracção ideal do conjunto, “não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar, sendo certo que só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinados bens da herança” : ver Ac. do S.T.J. de 26-1-1999 (Silva Paixão) B.M.J. 483-211.
Se um dos herdeiros, designadamente o cabeça-de- -casal, vender um dos bens do património hereditário sem intervenção dos demais herdeiros, uma tal venda será ineficaz em relação a esses herdeiros que podem, na pendência da indivisão, pedir a restituição dos bens da herança contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título (artigo 2075º/1 do Código Civil).
Assim, a venda de bem da herança traduz-se, tal como se decidiu, numa venda de coisa alheia de acordo com o disposto nos artigos 892º, 1404º ,1408º/2 e 2091º,nº1 todos do Código Civil.
A venda é nula e o comprador, ainda que de boa fé, não pode opor a nulidade a terceiro como é o caso da A. que não outorgou a escritura nem consentiu na venda, antes ou depois da escritura.
É que uma tal venda considera-se ineficaz (artigo 406º/2 do Código Civil) em relação ao verus dominus valendo aqui o aforismo res inter alios acta aliis non prodest nec nocet e nemo plus iuris transferre potest quam ipse habet.
Significa isto que o artigo 892º “ não estabelece a nulidade da venda de coisa alheia em relação ao dono desta, apenas se aplicando na relação entre o alienante e o adquirente; em face dos... proprietários do prédio, a venda efectuada...é ineficaz” (ver R.L.J., Ano 106º, 1973/1974, Vaz Serra, pág 26).
Por isso se defende que “ o verdadeiro proprietário não terá legitimidade para invocar a nulidade, já que em relação a ele o contrato será sempre ineficaz (artigo 406º,nº2), pelo que ele será sempre admitido a execer a reivindicação (artigo 1311º), sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda” (Direito das Obrigações, Luís Meneses Leitão, Vol III, pág 110).
Tudo isto referido, observa-se que o pai da autora, se tivesse recebido em partilha a aludida fracção, com tal aquisição validava-se o contrato (artigo 895º do Código Civil) e essa obrigação de sanar a nulidade da venda impunha-se-lhe nos termos do artigo 897º/1 do Código Civil em caso de boa fé do comprador.
4. Uma tal obrigação de convalidação vale apenas para o interveniente no contrato de compra e venda não se transmitindo, por constituir acto exclusivamente pessoal, ao herdeiro que vier a adquirir o imóvel; no entanto, porque de uma tal situação podem resultar prejuízos para o comprador de boa fé, o instituto do abuso do direito proporcionará uma resposta para aqueles casos em que os herdeiros, sabendo da alienação, aceitam que se lhes adjudique, e não ao vendedor, um bem integrativo do património hereditário para, depois, o reivindicarem ao comprador de boa fé. Constata-se que a autora, quando registou em 1992 a propriedade do imóvel a seu favor (a acção foi proposta em Março de 2000), se bem atentou no registo de aquisição a favor do marido da ré, isso significa que então tomou conhecimento de que existia um anterior registo provisório por dúvidas caducado desde 1991 que, no entanto não foi suprimido do registo.
Terá, pois, a A., falecido o pai, aguardado ainda quase 8 anos para avisar a ré (carta de fls 22) e propor a presente acção e em todo esse período, a confirmar-se o que foi alegado pela ré, não terá procedido ao pagamento de impostos respeitantes à aludida propriedade e seguramente em momento anterior, se soube da venda, igualmente não terá agido contra o comprador.
Certo é ainda que a lição da vida nos ensina que os outorgantes, mesmo quando dispõem de conhecimentos jurídicos, não atentam nas consequências das inscrições constantes do registo, confiando nas entidades aptas para realizar os actos. É natural, portanto, que o marido da ré, sabendo que o vendedor enviuvara, não se preocupasse, mesmo que de tal se apercebesse, com o facto de, no registo predial, continuar o prédio registado em nome do casal.
Talvez a A. do mesmo modo não tenha realizado o alcance, apesar do registo caducado de aquisição, de uma venda efectuada pelo pai estando a herança por partilhar.
Parece que o notário em exercício no Seixal também não se preocupou com estas questões e outorgou a escritura o que fortaleceu nos intervenientes a ideia da legalidade substantiva do acto que, a não existir, deveria levar à recusa na sua efectivação.
5. Neste contexto avulta a questão, central deste processo, de saber se é admissível ainda assim a redução do negócio por forma a que seja reconhecida à ré a propriedade incidente sobre 1/2 do aludido prédio.
Não é exacto que o artigo 902º do Código Civil exclua a possibilidade de redução fora dos casos nele previstos.De facto, as situações de contitularidade não são por ele abrangidas: “ o preceito aplica-se, não ao caso de os bens serem do vendedor e de outros comproprietários, mas de os bens distintos pertencerem ao vendedor e a outras pessoas. O vendedor aliena um prédio urbano, mas verifica-se que só alguns dos andares lhe pertencem; os outros são alheios. Ou vende um prédio rústico do qual só 3/4 lhe pertencem” (Código Civil Anotado, Antunes Varela, Vol II, 4ª edição, pág 194).
No caso do artigo 902º “ a situação que ocorre é a de apenas se ter verificado parte do efeito translativo que se encontrava estipulado no contrato, o que constitui uma hipótese de invalidade parcial, havendo então que aplicar o regime do artigo 292º que determina que o negócio será totalmente nulo, se se puder concluir que ele não teria sido celebrado sem a parte viciada”(Direito das Obrigações, Luís Meneses Leitão, Vol III, pág 110).
Podemos, no caso em análise, dar como assente o seguinte: que a autora dispõe de legitimidade para reivindicar; que, apesar da herança indivisa constituir um património colectivo, lhe são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras da compropriedade ( e aqui haverá algo a dizer) e que a venda da fracção efectivada pelo pai da A. é ineficaz em relação a esta.
De facto, como já se disse, “ na propriedade colectiva há contitularidade de duas (ou mais) pessoas num único direito, tal como na compropriedade (artigo 1403º)”; ver ainda Ac. do S.T.J. de 22-05-2003 (Salvador da Costa) Revista n.º 1412/03 - 7.ª Secção onde se salienta: “ dada a natureza da realidade a que se reportam, as normas relativas à compropriedade são aplicáveis a todas as situações de indivisão, designadamente à herança indivisa, por se tratar de um património autónomo colectivo. É ineficaz o contrato misto de arrendamento rural e de parceria agrícola celebrado pelo cabeça-de-casal fora do quadro legal dos seus poderes de administração e sem o consentimento dos restantes herdeiros ou confirmação posterior destes”.
6. No caso de coisa comum já as opiniões se dividem.
Em anotação ao Ac. do S.T.J. de 14-6-1972(R.L.J., Ano 106º, pág 260 e seguintes, escreveu Vaz Serra: “ o prédio vendido pertenceu ao casal do vendedor e de sua mulher e não se fez partilha depois da morte de qualquer dos cônjuges.
Assim, os filhos, após a morte da mãe, ficaram, como herdeiros dela, contitulares dos bens do casal, juntamente com seu pai.
Este, embora fosse o cabeça-de-casal, não podia vender, sem intervenção dos filhos, um prédio da herança indivisa.
A consequência é a de que, tendo-o vendido sem tal intervenção, a venda é ineficaz em relação aos filhos.
Se os bens tivessem já sido partilhados e o prédio vendido houvesse sido adjudicado a qualquer dos filhos, só esse teria legitimidade para pedir a declaração de ineficácia da venda e a restituição do prédio, salvo quanto à parte que neste cabia ao vendedor, podendo então, por aplicação do regime (Cód Civil artigo 292º) da nulidade parcial dos negócios jurídicos (também aplicável no caso de ineficácia parcial) ser a venda declarada totalmente ineficaz ou ineficaz apenas em parte (nesta hipótese, o comprador ficaria na situação de comproprietário do prédio juntamente com o filho), conforme o que resultasse de tal aplicação. Os outros filhos não teriam legitimidade, visto os seus quinhões hereditários terem sido preenchidos com outros bens” (pág 264/265).
Importaria, pois, em tal caso, seguindo-se este entendimento, verificar se no caso se justifica a redução seguida de conversão que é aquilo que a Ré pretende abstraindo de considerações que se possam justificar face ao pedido indemnizatório que deduz.
A vontade conjectural das partes há-de, no entanto, ser vista, segundo nos parece, à luz da questão da subsistência do alegado contrato de arrendamento.
Sem nos querermos antecipar, até porque a matéria de facto tem uma palavra importante na apreciação deste litígio, uma das questões que se podem suscitar é a de saber se o marido da A. e o vendedor quereriam a venda convertida em venda de quota do direito de propriedade do prédio (“ o caso não seria, em rigor, só de redução, mas também de conversão do negócio jurídico - artigo 293º - pois o comprador, que declarou comprar o prédio, ficaria na situação de comprador de uma quota-parte deste, se a venda não fosse totalmente ineficaz” : Vaz Serra, loc. cit, pág 264)
Quanto ao comprador seguramente que sim se pressupusermos que nesse momento, ou seja, com o contrato de compra e venda já não seria possível a reposição da situação anterior, ou seja, o contrato de arrendamento.
Não é crível que, na base da boa fé, alertados vendedor e comprador para a situação desencadeada - a extinção com a compra e venda do contrato de arrendamento até então subsistente e que levara o vendedor a contactar o inquilino por lhe reconhecer preferência na aquisição do imóvel arrendado - não quisessem eles converter o negócio naquele outro que permitiria ao que fora inquilino continuar a fruir do local que lhe tinha sido arrendado.
Mas pode entender-se que as partes, assim sendo, não quereriam realizar o negócio retomando-se a situação anterior, ou seja, subsistindo o contrato de arrendamento.
Com a presente acção a A., a coberto da ineficácia, pretende a restituição da fracção pressupondo que a ré ocupava o local sem nenhum título pois impugnou a existência de um contrato de arrendamento.
No entanto, pressupondo-se que no momento da compra e venda as partes estavam vinculadas por um arrendamento, o que, aliás, é sustentado pela ré, não parece que a autora se possa valer da ineficácia, quanto a ela, da venda, aceitando simultaneamente, no entanto, a validade da venda celebrada entre o pai da A. e o marido da Ré para se considerar, com ela, extinto o contrato de arrendamento.
Fortes objecções se apontam à admissibilidade num caso destes à redução/conversão. Assim, segundo Menezes Leitão (loc. cit, pág 121) “ a manutenção do contrato com estas modificações vai implicar uma alteração substancial da posição do adquirente que o pretendia ser de um bem integral e é transformado em mero adquirente de uma quota indivisa, o que dificilmente corresponderá à sua vontade, especialmente se ele ignorava o estado de indivisão. Parece-nos, portanto, de aplicar integralmente o regime da venda de bens alheios que implicará a nulidade integral do negócio (artigo 894º) salvo se o vendedor vier a adquirir as quotas dos restantes consortes (artigo 895º)”.
No caso em apreço, repete-se, este entendimento seria o mais razoável a não ser que, no momento do contrato, se deva considerar o arrendamento, a ter existido, já findo ou em situação de resolução, hipóteses que não julgamos ocorrer, mas que carecem de passar pelo crivo probatório.
Uma outra objecção é ainda apontada por Carvalho Fernandes à admissibilidade da conversão nos casos em que, como acontece com o presente, a alienação respeita a coisa integrada em património colectivo, tal é o que se dá com bens integrados em herança indivisa. Considera ele que “dada a natureza do património colectivo, é manifesto que não faz aqui sentido atribuir ao negócio, em sede de conversão, a eficácia de alienação da quota parte do alienante no bem que é objecto do negócio. Por outro lado, o relevo que o elemento teleológico assume no património colectivo impõe a sua subsistência enquanto necessária à prossecução do fim a que está afecto. Acresce que a liquidação do património exige um acto jurídico específico - a partilha - para determinação dos bens que vão entrar na titularidade efectiva de cada um dos consortes” (A Conversão dos Negócios Jurídicos Civis, Quid Juris, 1993, pág 861).
A seguir-se estes entendimentos - que, no entanto, não são unânimes pois Vaz Serra admite, se bem o compreendemos, a contitularidade dos bens do casal projectada, depois, na conversão do negócio para a quota-parte do imóvel ou compra de um direito de compropriedade - a solução do presente caso bem pode passar pela procedência do pedido da autora, mas pela improcedência da entrega do imóvel face ao reconhecimento da subsistência do contrato de arrendamento por não poder a autora querer aproveitar-se da ineficácia da venda para ser reconhecida proprietária do imóvel e simultaneamente, se for o caso, pretender que a compra e venda seja reconhecida válida enquanto acto jurídico que implica relativamente ao arrendatário a extinção do contrato por confusão.
Impõe-se, por conseguinte, o prosseguimento da presente acção face à matéria controvertida.
Decisão: determina-se o prosseguimento dos autos com organização da base instrutória pois a matéria controvertida não nos permite decidir o litígio segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Custas pela parte a final vencida.
Lisboa,17/06/04
(Salazar Casanova) (Silva Santos) (Bruto da Costa)