CHEQUE SEM PROVISÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Critérium - Sistemas Informáticos L.da. veio propor esta acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra BES - Banco Espírito Santo S.A., pedindo que este seja condenada a indemnizá-la por danos extra-patrimoniais no valor de esc. 5.000.000$00 e por danos patrimoniais no valor de esc. 46.670.000$00.
Em síntese alegou que, em 28/05/95, solicitou ao R. a emissão de um cheque no valor de USD 75.957.00, equivalente à quantia de esc. 13.066 604$00 que se destinava à empresa CTT, a título de pagamento de fornecimentos; que o cheque foi devolvido por falta de provisão, tendo a A. insistentemente solicitado ao R. que mandasse efectuar o pagamento do cheque o que só veio a suceder bem mais tarde; que, como consequência a CTT não mais contratou com a A. qualquer fornecimento, o que lhe causou danos patrimoniais e extra-patrimoniais pelos quais o R. é responsável, em virtude da sua actuação.
O R. contestou, impugnando os factos aduzidos pela A., inclusive que procedeu nos precisos termos em que o podia fazer, nomeadamente quanto a exigência de normas internacionais, ordenando por transferência bancária o pagamento, mantendo-se o cheque na posse da A.
Elaborado Despacho Saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de esc. 7.430.000$00
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Desta decisão interpuseram recurso a Ré e a Autora.
Admitidos os recursos como apelação, a Autora apresentou as alegações constantes de fls 173, nelas formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1. Os documentos escritos podem ser elaborados através do desenho manual de letras, números e /ou outros caracteres juridicamente significativos, denominando-se então de manuscritos. Podem, outrossim, ser elaborados através da aposição (desenho) daqueles caracteres por meios mecânicos, denominando-se então de documentos dactilografados ou mecanográficos; criados (elaborados), portanto, por meio de uma máquina. Quer os documentos manuscritos, quer os documentos dactilografados ou mecanográficos são espécies do género «documento escrito», cuja característica essencial é a de serem elaborados, criados, produzidos ex-novo – Cf. pontos XXV e XXVI das alegações.
2. As «reproduções mecânicas», como o nome indica, são documentos elaborados, criados, produzidos a partir de uma realidade preexistente, anterior. Nos termos do artigo 368.° do CC, elas representam factos ou coisas já existentes (tenham ou não esses acontecimentos ou esses objectos tido intervenção humana prévia) - Cf. pontos XXVII a XXIX das alegações.
3. Os documentos n.os 3 e 4 juntos ao requerimento entregue em 29 de Outubro de 2002 (cf. fls. 123 e 124) para prova do quesito 20.° da base instrutória, devam ser qualificados como «outras reproduções mecânicas». Na verdade, eles não foram elaborados manualmente e ex-novo, nos termos supra expostos, mas sim mecanicamente e ex post, uma vez que reproduzem coisas e factos a eles anteriores: por um lado, a facturação dos produtos neles identificados; por outro lado, os registos contabilísticos dessas operações.
4. Não tinha a Autora o ónus de apresentar «qualquer suporte documental que permita aferir da veracidade de tais números» (cf. fls. 145), já que a Ré nunca impugnou a exactidão destes (nem de outros) documentos. Ora, nos termos do artigo 368.° do CC, «as reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão».
5. A circunstância de não terem sido exibidos os documentos originais (esses sim, são documentos escritos em sentido próprio), em nada colide com a qualificação dos referidos documentos n°s 3 e 4 (e demais semelhantes) como «outras reproduções mecânicas», visto que a exibição dos "originais" apenas consubstancia um ónus a cargo do apresentante, mas apenas no caso de a exactidão das reproduções mecânicas apresentadas ter sido impugnada pela outra parte, o que não foi o caso. Cf. pontos XXXII e XXXIII das alegações.
6. Dada a força probatória legal destes documentos, não poderia o Excelentíssimo Juiz a quo julgar os factos neles representados como não provados na totalidade (cf. fls. 158), porquanto as reproduções mecânicas não impugnadas (como é o caso) não estão sujeitas à livre apreciação do julgador, pelo que, a Autora, ora recorrente, considera a valoração em sentença dos meios de prova apresentados como documentos n°s 3 e 4 juntos ao requerimento de 29 de Outubro de 2002, menos acertada.
7. O Digníssimo Juiz a quo aderiu totalmente ao julgamento da matéria de facto, constante de despacho, por ele não proferido, de 6 de Março de 2003, no qual se procedeu a uma incorrecta qualificação jurídica dos documentos apresentados para provar os factos alegados no quesito 19.° [cf. fls. 7 e 144]. A Autora entende que assenta numa incorrecta valoração dos meios de prova apresentados (os referidos documentos), que devem ser qualificados como reproduções mecânicas e, por isso, impugna a Douta sentença de 4 de Dezembro de 2003, viciada de erro de julgamento Cf. pontos XXXVII a XLI.
8. Mas não só, pois que a sentença ostenta abertamente a nulidade (n.° 1 do artigo 201.° do CPC) decorrente da violação do princípio da plenitude da assistência dos juizes [n.° 1 do artigo 654.° do CPC] e do decurso do prazo de 30 dias, imposto pelo artigo 658.° do CPC.
9. A lei impõe ao juiz, no momento em que profere a sentença, uma reapreciação da matéria de facto - «o exame crítico» imposto no n.° 3 do artigo 659.° do CPC. E esta exigência deve ser interpretada na sequência do n.° 1 do artigo 654.° do CPC, pois é deste momento vivo que o juiz retira a sua convicção sobre a demonstração da realidade dos factos alegado pelas partes e é deste momento humano que irá nascer uma decisão judicial que, soberanamente e em nome do povo, administrará a Justiça.
10. A necessidade de proferir sentença «dentro de 30 dias», como dispõe o artigo 358.° do CPC, foi pensada tendo em conta que o juiz que julga a matéria de facto em tribunal singular deve ser o mesmo que sentenciará os pedidos deduzidos pelas partes.
11. Passado o prazo, considera-se que a impressão causada na audiência final já não estará tão viva na memória do julgador e, por isso, a prolação de sentença depois do prazo de 30 dias é sempre susceptível de influir no exame e na decisão da causa, pelo que não fará o menor sentido classificá-lo como meramente ordenador, especialmente se o juiz que proferiu a sentença não interveio no julgamento da matéria de facto.
11. Por despacho de 14 de Janeiro de 2004 [cf. fls. 170], foi o deferido o requerimento de interposição de recurso, datado de 9 de Janeiro de 2004. Porém, foi-lhe atribuído efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 692.°, n.° 1 do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março.
Ora, tendo em conta o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 199/2003, de 10 de Setembro, ao presente recurso de apelação deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do n.° 1 do artigo 692.° do CPC.
Termos em que e nos melhores de Direito, sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, conferindo-lhe efeito meramente devolutivo e alterando-se a sentença recorrida, no sentido de:
Reconhecer a força probatória plena do documento n.° 6 junto à petição inicial e, em consequência, dar como provado o quesito n.° 19.° da base instrutória;
Reconhecer a força probatória plena dos documentos n.os 3 e 4 juntos ao requerimento entregue em 29 de Outubro de 2002 (cf. fls. 123 e 124) e, em consequência, dar como provado o quesito 20.° da base instrutória;
Condenar a Ré no pagamento de 46.440.000$ (quarenta e seis milhões, quatrocentos e quarenta mil escudos) na moeda ora com curso legal), quantia acrescida de juros de mora desde a data da citação e de juros compulsórios desde o trânsito em julgado deste acórdão;
Declarar, subsidiariamente a nulidade da sentença, nos termos do n.° 1 do artigo 201.° do CPC, por violação dos artigos 658.° e n.° 1 do artigo 654.° do CPC.
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Por sua vez a Apelante BES – Banco Espirito Santo S. A. nas alegações que juntou a fls 191 formulou as seguintes
CONCLUSÕES
1º No dia 28 de Maio de 1997, a A. solicitou ao BES, S.A. a emissão de um cheque no valor de USD 75.957,00, equivalente a esc. 13.066.604$00 que se destinava à empresa CTT, fornecedora da A. de material informático, na Alemanha, a título de pagamento de fornecimentos;
2º O BES, S.A., nesse dia emitiu o cheque n2 LCH673134 e debitou a importância de esc. 13.066.604$00, na conta da A. devidamente provisionada;
3º Cheque para ser pago através do Chase Manhattan Bank, em New York, U.S.A.;
4º Aquele cheque foi apresentado para desconto pelo beneficiário do mesmo, CTT, no seu Banco na Alemanha, o Deutsche Bank;
5º Toda a mercadoria adquirida pela A. àquele fornecedor CTT era a pronto de pagamento e não a crédito;
6º Como resulta do documento a fls. 115 dos autos, junto pela A; pelo menos o movimento da factura n° 100697 em nome daquele fornecedor, com data de 11 de Junho de 1997 foi movimentada posterior àquela data, 28 de Maio de 1997;
7º À solicitação do Banco sacado Chase Manhattan Bank de autorização para pagamento do cheque, dado o seu valor efectuado em 10/6/97, e em resposta para esse dia, não poderia ser respondida, nesse dia por ser feriado em Portugal e os serviços do BES, S.A. se encontrarem encerrados;
8º Confirmação efectuada a 11 de Junho de 1997;
9º O pagamento do valor daquele cheque foi efectuado por transferência bancária, efectuada pelo BES, S.A. para a CTT, na Alemanha, a 24 de Junho de 1997, não tendo sido devolvido aquele cheque ao Banco emitente;
10º A relação estabelecida entre o Banco Espirito Santo, S.A. e a Criterium — Sistemas Informáticos, Lda. foi um contrato ou convenção do cheque, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos; e, com a entrega do cheque ao beneficiário, cumpriu o pagamento que se propusera, cabendo ao BES, S.A. proceder àquele pagamento e assumindo as respectivas obrigações em caso da devolução do mesmo, conforme se estipula na lei uniforme sobre cheques;
11º O BES, S.A. não faltou culposamente, ou com culpa, ao cumprimento da obrigação que se vinculara, ou seja pagar o cheque, por si emitido através do Chase Manhattan Bank, nem a A. aqui apelada teve quaisquer prejuízos decorrentes da emissão daquele cheque.
12º O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, aplicou erradamente o disposto no art. 798º do C.C. e não valorizou os documentos juntos aos autos.
Requer-se, pois, a V. Ex.as. seja a sentença recorrida revogada, decidindo-se pela improcedência da acção com a consequente absolvição da Ré, Banco Espirito Santo, S.A.
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A Apelante Criterium - Sistemas Informáticos S.A. contra-alegou em resposta às alegações da Apelante Bes – Banco Espirito Santo S.A..
Remetidos s autos ao tribunal da Relação, nada obstando cumpre apreciar e decidir.
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Questões a decidir
Sendo o âmbito do recurso determinado, face ao disposto no art. 684º e 690º do C. P. Civil, em face das conclusões do recorrente, face ao teor das conclusões da Apelante Crítério são as seguintes as questões que coloca:
1 – Atribuição do efeito ao recurso
2 - nulidade da sentença decorrente da violação do princípio da plenitude da assistência dos juizes a que se refere o art. 658º e do não cumprimento do prazo de 30 dias, imposto pelo art. 658º do C. P. Civil.
3 - Força probatório do docs. juntos a fls. 19, 123 e 124, juntos como docs. nº 3 e4 para prova do quesito 20 e sua repercussão no julgamento da matéria de facto e nas respostas dadas aos pontos 19º e 20º da base instrutória.
4 – Fixação da indemnização na quantia de 46.440.000$00
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Por sua vez A Apelante Bes – Banco Espirito Santo suscita a questão de erro de julgamento na aplicação do disposto no art. 798º do C. Civil
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Das questões processuais suscitadas
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efeito atribuído ao recurso.
A apelante Critérium insurge-se contra o efeito suspensivo atribuído ao recurso e defende que, ao mesmo, deve ser atribuído efeito devolutivo.
O art. 1º do decreto lei 38/2003 de 8 de Março introduziu várias alterações ao Código de Processo Civil e veio fixar no artigo 692º à apelação, como regra, o efeito meramente devolutivo.
A norma transitória do artigo 21º do diploma estabeleceu no nº 1, no que respeitava ao C .P. C, que as alterações mencionadas, exceptuadas as constantes no nº 2 só s aplicavam nos ou relativamente aos processos instaurados a parir do dia 15 de Setembro de 2003.
O diploma entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003.
Porém, antes da entrada em vigor do referido decreto lei, foi publicado o Decreto nº 199/2003 que veio introduzir alterações ao regime transitório previsto no artigo 21º do dec. Lei nº 38/203 de 8 de Março. Segundo o preâmbulo deste diploma tais alterações “destinam-se a fazer aplicar aos processos pendentes em 15 de Setembro de 2003 os novos regimes ... de efeito meramente devolutivo dos recursos de apelação ...
O artigo 21º, na versão anterior, dispunha que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 38/2003 só se aplicavam nos ou relativamente aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.
Segundo o artigo 21º nº 4 na redacção introduzida no artigo 3º deste último decreto lei, as normas do artigos ... 692º, 693º do C. P. Civil aplicam-se aos recursos interpostos, depois de 15 de Setembro de 2003, de decisões proferidas nos processos pendentes ou findos nessa data.
O decreto lei 199/2003 entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003
O presente processo foi instaurado a 97-12-09 e a decisão de que se recorreu foi proferida a 03/12/04.
Trata-se, pois, de decisão proferida em processo pendente a 15 de Setembro de 2003.
Por isso às apelação interpostas devia ter sido atribuído o efeito devolutivo.
Face ao exposto acordam em alterar o efeito da apelação e em fixar-lhe o efeito devolutivo.
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Nulidades da sentença
Defende a Apelante Critérium que se declare nula a sentença, nos termos do nº 1 do artigo 201º do C. P. Civil por violação dos artigos 658º e nº1 do artigo 654º do C. P. Civil
O art. 654º nº 1 do C. P. Civil. dispõe que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juizes que tenham assistido a todos os actos de instrução e julgamento da matéria de facto.
Coloca em recurso a seguinte questão: pode o juiz que não assistiu à audiência de discussão e julgamento proferir sentença sobre as respostas dadas ao questionário por outro.
Em situação normal é deve ser o juiz que procedeu ao julgamento quem deve proferir a sentença.
Será nula a sentença quando é um outro juiz a proferir a sentença.
No nº 2 e 3 do artigo 654, regula-se as situações de falecimento, impossibilidade, transferência, promoção, aposentação, mas nada se diz à situação mais vulgar desses impedimentos surgirem depois de proferida decisão sobre a matéria de facto.
Os artigos 666 a 670 tratam dos vícios e da reforma da sentença tratam dos vícios e das nulidades da sentença. Neles não se refere como vício ou nulidade a hipótese de a sentença provir de quem não assistiu a instrução á discussão e julgamento da matéria.
Face ao exposto, estando fixados os factos resultante da discussão e julgamento , face a estes e a outra prova junta, porventura, ao processo, o Juiz não está impedido de julgar por falta de fundamentos de facto e de tirar as adequadas ilações de direito.
Face ao exposto a sentença não está afectada de nulidade – Cfr Ver. Ordem dos Advogados, 1º , nº 1, 53 e 54 e Ac STJ, de 10.11.1992: BMJ, 431º - 576.
Pelas mesmas razões também não se verifica a nulidade com fundamento no facto de ter sido proferida para além do prazo de 30 dias a que se refere o artigo 658º do C. P. Civil.
Trata-se apenas de uma irregularidade que poderá sujeitar o magistrado a sanção disciplinar por incumprimento dos prazos ou sujeitar o Estado ao pagamento de uma indemnização, mas que não constitui nulidade. Ainda que tal pudesse considerar-se, tratar-se-ia de nulidade a enquadrar no artigo 201º nº 1 e a arguir pela forma e prazos constantes no 205º nº 1 do C. P. Civil.
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Da matéria de facto
A Apelante critério impugnou a decisão sobre a matéria concernente ás respostas dadas aos pontos 19 e 20 da base instrutória apoiando-se nos documentos que juntou a fls 19 123 e 124.
Não colhe tal impugnação.
Vejamos:
A decisão do Tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se ocorrem as hipóteses a que se reporta o art.º 712º nº 1 do CPC.
Terão os documentos juntos o valor probatório que a apelante lhes atribui?
Ainda que o documentos referidos pudessem considerar-se reproduções mecânicas, não teriam o valor que a Apelante lhes atribui
Com efeito, tais documentos foram elaborados pela Apelante e apenas provam a sua elaboração e aquilo que deles se fez constar e não mais do que isso. Provam que a Apelante efectuou uma mapa das vendas realizadas em determinado período mas não comprovam se esse foi o montante efectivo das vendas ou se tais vendas foram efectuadas.
A não impugnação da letra ou assinatura dos documentos referidos, face ao disposto nos artigos 373º, 374º e 376 apenas comprova a sua autoria, mas não que os factos nele contidos são verdadeiros ou estão provados, já que se trata de factos favoráveis aos interesses do declarante.
Com efeito, as relações apresentadas não tem suporte documental suficiente e os factos alegados na petição, que com eles se pretende provar com elas, foram impugnados.
Face ao exposto, improcede a impugnação á matéria de facto e às respostas dadas aso quesitos 19º e 20º
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Do exposto, dá-se como provada a seguinte matéria de facto:
1º - A A. tem por actividade a comercialização de sistemas informáticos; Al A)
2º - No dia 28 de Maio de 1997, a A. solicitou ao R. a emissão de um cheque no valor de USD 75.957.00, equivalente em escudos à quantia de 13.066 604$00; Al. B
3º – Esta quantia destinava-se à empresa CTT, fornecedora da A. de material informático na Alemanha, a título de pagamento de fornecimento; Al. C)
4º – Nesse mesmo dia o BES - Banco Espírito Santo emitiu o cheque n° LCH673134 e debitou à A. a importância de esc.13.066 604$00, tendo esta previamente provisionado a conta para esse efeito; Al. D)
5º – O volume de negócios anual com a CTT era de esc. 360.000 000$00, o que proporcionava à A. uma margem de lucro de 21,7% obtida com a venda dos produtos informáticos; Al. E
6° - Provado apenas que, quando o fornecedor da A. se dirigiu ao banco para descontar o referido cheque, o mesmo não foi pago, tendo-lhe sido devolvido; R. Q. 1º
7° - Provado apenas que o fornecedor CTT contactou a A. imediatamente e informou-a de que o cheque não havia sido descontado e, dias mais tarde, informou a A. de que não voltaria a efectuar-lhe mais fornecimentos; R. Q. 2º
8° - Esta situação, bem como o profundo desgosto pela mesma, foi comunicado pela A. ao R.; R. Q. 3º
9° - Insistentemente a A. foi solicitando ao R. que mandasse efectuar o pagamento do cheque; R. Q. 4º
10° - Tendo a A. solicitado a resolução do problema aos gerentes do BES da dependência de Santo Amaro, Sr. Carvalho Pires e Sr. Jorge Pena; R. Q. 5º
11° - Bem como ao gerente da Direcção Regional de Campolide, Sr. José Botelho; R. Q. 6º
12° - Os gerentes do R. prometeram à A. que o problema ia ser resolvido rapidamente, sendo o cheque pago e que iriam explicar à CTT que a A. não tinha responsabilidade no sucedido; R Q. 7º.
13° - Provado apenas que no dia 17 de Junho de 1997, o R. enviou à A. um fax em que a mesma dizia enviar cópia das mensagens enviadas ao fornecedor CTT e que esperava que o assunto tivesse ficado resolvido, tendo enviado cópia de outro fax dirigido à CTT e cópia das ordens de pagamento desse dia ao Deutsche Bank, em Munique e Chase Manhattan Bank 12° - R. Q. 8° e 9° e 12º;
13° - Provado apenas que apesar de a quantia titulada no cheque ter sido paga pelo BES à CTT esta não voltou a contratar com a A. qualquer fornecimento até ao ano 2000 : R. Q. 13º
14° - Provado apenas que por essa razão a A. viu-se obrigada a comprar alguns produtos no mercado nacional, onde não era possível comprar as mesmas quantidades, sendo por isso mais cara a compra de tais produtos, com a consequente perda de lucro; R- quesito 14º.
15° - Provado apenas que a A. não tinha, na altura, um fornecedor alternativo que lhe entregasse aquele tipo de produtos nas mesmas condições em que a A. contratava com a CTT; R. Q. 15º
16° - Provado apenas que o pré-pagamento dos produtos é desvantajoso por implicar um pagamento sem disponibilidade imediata do produto para revenda; R. Q. 16º
17° - Provado apenas que o fornecedor CTT ficou aborrecido com a situação; Resp. quesito 17º;
18° - Entre a A. e o seu fornecedor CTT existia uma boa relação comercial, o que pressupunha que esta se iria manter pelo menos por mais um ano; R. quesito 18º
19° - Provado apenas que na sequência do referido, a A. viu as suas margens de lucro descer, em valor não apurado; R. ao quesito 19º e 20º
20° - O fornecedor da A. exigiu a esta uma indemnização de USD 63.35 equivalente em dinheiro português a esc. 180.000$00 e a A. pagou; Resp. ao quesito 21º
21° - A A., a fim de resolver esta situação com o seu fornecedor, teve um acréscimo nas despesas gerais de escritório (telefonemas e faxes para a Alemanha, etc) no valor de esc. 50.000$00; R. Q. 22
22° - Provado apenas que o cheque foi emitido pelo R. para ser pago através do Chase Manhattan Bank que não procedeu ao seu pagamento por o R. ter, em 9 de Junho de 1997, comunicado a tal banco que não devia efectuar o pagamento de cheques de valor superior a USD 10.000 sem autorização do mesmo, tendo tal banco pedido ao R. que confirmasse ou autorizasse tal pagamento até ao dia 10 de Junho de 1997, de modo a evitar que o cheque fosse devolvido sem pagamento, resposta que não foi dada até tal data; Resp. quesito 23º e 25º
26° - Provado apenas que o cheque foi apresentado a pagamento ao Chase Manhattan Bank; R. quesito 26º.
27° - Provado apenas que o R. ordenou o pagamento da importância titulada no cheque ao beneficiário do mesmo, através de transferência bancária, pagamento esse recebido a 24 de Junho de 1997 pela CTT, tendo o BES comunicado à CTT que o atraso no pagamento não era da responsabilidade da A. nem sua; Resp. ao quesito 27º e 31º
28° - Provado apenas que a mercadoria embarcou no dia 28 de Maio de 1997 com destino à A., sendo paga após; Resp. quesito 29º.
29° - Provado apenas que o BES diligenciou que o pagamento da quantia titulada no cheque fosse efectuado no mais curto espaço de tempo possível, tendo dito à A. que os eventuais obstáculos ao seu pagamento não tinham nada a ver com o BES e sim com procedimentos, por força de regras internacionais, a cumprir pelo banco que pagaria o cheque – o Chase Manhattan Bank – quando na realidade foi o próprio BES que deu ordem ao banco, que efectuaria o pagamento, para não proceder a pagamentos de cheques de valor superior a USD 10.000, sem autorização; Resp. quesito 30º
30º - Provado apenas que o cheque, quando foi apresentado a pagamento ao Chase Manhattan Bank, não foi por este pago, tendo sido devolvido ao seu apresentante e que a quantia em causa foi paga após o envio à A. da mercadoria. Resp. ao quesito 35º
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O DIREITO
O Cheque é um titulo de crédito literal, autónomo e completo, representativo de numerário e de que se lança mão para se fazer um pagamento.
Porém só existe pagamento através de cheque, quando o beneficiário recebe do sacado, o banco, a importância que dele consta.
O cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos á disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque – art. 3º da Lei Uniforme.
Por virtude da referida convenção o banco sacado obriga-se para com o sacador, respondendo, por isso apenas perante o mesmo, de quem age como mandatário. O tomador do cheque não fazendo parte da convenção, não tem acção contra o banco sacado que recusa o pagamento, uma vez que este não se obrigou perante o tomador do cheque – cfr Ac. STJ, de 20-12-1977: BMJ, 272 – 217 e o comentário de Ferrer Correia e António Caeiro a este acórdão na Ver. de. Dir. Econ. 4ª (1978) pags 447 e ss
A relações entre o banco sacado e sacador configuram em consequência um contrato ou convenção de cheque pelo qual o banco acede a que o titular da conta mobilize os fundos que tem à sua disposição por meio da emissão de cheques ficando este com o direito de dispor desses fundos por meio de cheque e o banco obrigado a pagar o cheque apresentado a pagamento.
No caso em apreço, ficou provado que, no dia 28 de Maio de 1997 a A. solicitou ao R. a emissão de um cheque no valor de USD 75.957.00, equivalente em escudos à quantia de 13.066 604$00, destinado à empresa CTT, fornecedora da A. de material informático na Alemanha, a título de pagamento de fornecimento, tendo para o efeito previamente provisionado a sua conta e que nesse mesmo dia o BES - Banco Espírito Santo emitiu o cheque n° LCH673134 e debitou à A. a importância de esc.13.066 604$00.
Estando-se no domínio das relações contratuais, agindo o Banco como mandatário da Autora, o não pagamento do cheque quando apresentado a pagamento pelo tomador da mesma pode faze-lo incorrer em responsabilidade contratual face ao disposto no referido art. 3º da Lei Uniforme arts 406, 798, 1157 e 1161, 406, do C. Civil se se verificarem os pressupostos da obrigação de indemnizar e que são: a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo credor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo : Cfr Antunes Varela Obrig. 2ª ediç 2º, 90 e ss e no Ac. do S.T.J. in C.J. Ano IV – Tomo III – 1996 a págs. 52.
A ilicitude consiste, em geral, na ofensa de interesses alheios juridicamente protegidos e traduz-se aqui, em primeiro lugar, no incumprimento do contrato, ou seja, na falta de realização da prestação devida (art° 798° do C.Civ.), isto é da relação de desconformidade entre o comportamento devido e o comportamento observado. No entanto é ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento ou o seu cumprimento defeituoso e dos danos ocorridos.
A culpa, por sua vez, pode revestir as modalidades de dolo ou de negligência e caracteriza-se por um juízo de censura ou reprovabilidade pessoal decorrente de...o obrigado não só dever como poder ter agido de outro modo. No hipótese de negligência a censura do devedor funda-se em ele não ter agido com a diligência ou o discernimento exigíveis para ter evitado a falta de cumprimento da obrigação; No domínio obrigacional a culpa pela falta de cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso presume-se face ao disposto no artigo 799º do Código Civil, uma vez que é ao devedor que compete provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa e é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, medindo-se em abstracto tendo como padrão a diligência de um bom pai de família
O prejuízo do credor é o dano real ou efectivo por ele sofrido. O nexo de causalidade entre o facto e o dano pressupõe que o primeiro tenha sido não apenas a condição objectiva de produção do segundo mas ainda que, em abstracto e segundo as regras da experiência ou o curso normal das coisas, fosse apto a produzi-lo, nos termos do disposto no art° 563° do cit. código, inserido nas normas gerais da "obrigação de indemnização", aplicáveis também à responsabilidade contratual (cfr. A. Varela, na Rev. Leg. J., 123, pág.254)".
O prejuízo compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes e é determinado em função dos danos concretamente sofridos pelo devedor, os danos patrimoniais como os danos extra-patrimoniais.
Ficou provado, no caso em apreço: quando o fornecedor da A. se dirigiu ao banco para descontar o referido cheque, o mesmo não foi pago, tendo-lhe sido devolvido; o cheque foi emitido pelo R. para ser pago através do Chase Manhattan Bank que não procedeu ao seu pagamento por o R. ter, em 9 de Junho de 1997, comunicado a tal banco que não devia efectuar o pagamento de cheques de valor superior a USD 10.000 sem autorização do mesmo, tendo tal banco pedido ao R. que confirmasse ou autorizasse tal pagamento até ao dia 10 de Junho de 1997, de modo a evitar que o cheque fosse devolvido sem pagamento, resposta que não foi dada até tal data.
Incumbia ao Banco providenciar, tempestivamente, pelo pagamento do cheque emitindo a autorização que, segundo diz, era necessária ao seu pagamento e não criar obstáculos ao seu pagamento.
Ora, apesar de o Banco, R., ter alegado que era do conhecimento da A. que todos os cheques emitidos sobre o estrangeiro precisavam de confirmação de pagamento, quando o seu valor for superior a USD 10.000, como medida cautelar de segurança e que havia procedido nos precisos termos em que o podia fazer, nomeadamente quanto a normas internacionais, sendo estranho a eventuais desencontros havidos entre o beneficiário do cheque e o seu banco na Alemanha, o certo é que não logrou provar tais afirmações
Pelo contrário, provou-se que foi o próprio BES que deu ordem ao banco, que efectuaria o pagamento, para não proceder a pagamentos de cheques de valor superior a USD 10.000, sem autorização.
Aliás sempre competiria ao banco, agindo com diligência média, como o caso requeria, informar a A., aquando da operação, que o desconto do cheque poderia sofrer alguns atrasos em face do seu montante...
Assim e porque actuou com culpa e não ilidiu a sua presunção como lhe competia torna-se responsável pelos prejuízos que causou com a sua conduta face ao disposto no art. 798º do C. Civil..
Porque o R. agiu, como se referiu, com culpa, ofendeu interesses juridicamente protegidos, causando prejuízos à A. haverá que quantificar tais danos.
A indemnização deve ser fixada, em princípio, de modo a reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, a repor a situação patrimonial do lesado no estado em que se encontraria se não existissem os danos e, na impossibilidade de averiguação do valor exacto dos danos, deve recorrer-se à equidade, preferindo-se a situação mais razoável ou ajustada às circunstâncias do caso concreto (arts. 562° e 566° do Cód. Civil)".
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art° 496° do C.Civ.
Quanto a danos materiais a prova obtida fornece os seguintes elementos: O volume de negócios anual com a CTT era de esc. 360.000 000$00, o que proporcionava à A. uma margem de lucro de 21,7% obtida com a venda dos produtos informáticos; o fornecedor CTT contactou a A. imediatamente e informou-a de que o cheque não havia sido descontado e, dias mais tarde, informou a A. de que não voltaria a efectuar-lhe mais fornecimentos e apesar de a quantia titulada no cheque ter sido paga pelo BES à CTT esta não voltou a contratar com a A. qualquer fornecimento até ao ano 2000; por essa razão a A. viu-se obrigada a comprar alguns produtos no mercado nacional, onde não era possível comprar as mesmas quantidades, sendo por isso mais cara a compra de tais produtos, com a consequente perda de lucro e a. não tinha, na altura, um fornecedor alternativo que lhe entregasse aquele tipo de produtos nas mesmas condições em que a A. contratava com a CTT; o pré-pagamento dos produtos é desvantajoso por implicar um pagamento sem disponibilidade imediata do produto para revenda; o fornecedor CTT ficou aborrecido com a situação; por entre a A. e o seu fornecedor CTT existir uma boa relação comercial, o que pressupunha que esta se iria manter pelo menos por mais um ano; na sequência do corte da relação comercial, a A. viu as suas margens de lucro descer, em valor não apurado; O fornecedor da A. exigiu a esta uma indemnização de USD 63.35 equivalente em dinheiro português a esc. 180.000$00 e a A. pagou; A A., a fim de resolver esta situação com o seu fornecedor, teve um acréscimo nas despesas gerais de escritório (telefonemas e faxes para a Alemanha, etc) no valor de esc. 50.000$00.
Perante a matéria dada como provada conclui-se que a boa relação comercial existente entre o fornecedor CTT e a A. se deteriorou ao ponto de aquele deixar de fornecer os seus produtos a esta que teve inclusive de os procurar no mercado fornecedor alternativo em condições bem mais desvantajosas. Porém, tendo a A. alegado que os seus prejuízos ascenderam "à quantia anual de esc. 46.440 000$00" e que a sua margem de lucro se cifrou apenas nos 8,8% – quesitos 19° e 20° – só logrou demonstrar que "viu as suas margens de lucro descer, em valor não apurado" – resposta dada a tais quesitos.
Conforme se refere na sentença, uma vez que os autos não fornecem os elementos para apurar o valor exacto dos danos haverá então que decidir "ex aequo et bono", atendendo aos dados que conseguiram apurar-se, art° 566 n° 3 do C.Civ. Provou-se que, o volume de negócios anual com a CTT era de esc. 360.000 000$00, o que proporcionava à A. uma margem de lucro de 21,7% obtida com a venda dos produtos informáticos; mas não se provou que a margem de lucro da A. com a venda dos produtos fornecidos por outrém se cifrou apenas nos 8,8%, que nos leva a apontar para um diferencial de margem de lucro líquida de 2% sobre aquele montante, o que perfaz a quantia de esc. 7.200 000$00 (360.000 000$00 x 2%), que se arbitra, acrescida das importâncias de esc.180.000$00 e 50.000$00 que a A. teve de suportar e que se deram como provadas.
Quanto aos danos não patrimoniais, também no âmbito da responsabilidade contratual poderá haver lugar à sua indemnização como se decidiu no acórdão do S.T.J. de 21/03/95 (in BMJ 445, 487), nada obsta à indemnização pelos danos não patrimoniais.
Nos termos do art° 496 n° 1 do C.Civ., esta reparação só se justifica se a natureza da lesão o exigir ou se as circunstâncias que acompanham a violação do contrato forem de molde a determinarem uma grave lesão de bens ou valores patrimoniais, É esse o alcance da lei, imposto pela expressão "danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito" – Ac. R.L. in C.J. Ano XXIV – 1999 – Tomo IV, pág.118. Evidente que tais danos não podem reportar-se a dores físicas ou morais. Neste âmbito só se pode considerar a perda do prestígio ou reputação". Por outro lado a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado".
À A. competia, art° 342 n° 1 do C.Civ., provar que a situação lhe causara os tais graves danos, em termos de prestígio e reputação comercial. Porque tão só conseguiu demonstrar que a situação lhe causou profundo desgosto – quesito 3° - sendo todo o mais consumido pelas percas comerciais sofridas e antes quantificadas, pelo facto de ter perdido um fornecedor preferencial, óbvio se torna que não se justifica a indemnização por danos de natureza extra-patrimonial, não há lugar à fixação de indemnização por danos não patrimoniais.
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Quanto aos juros, A 1ª apelante não os pediu na petição.
Porém sendo o crédito reclamado pela autora ilíquido atento o disposto nos arts. 804 e 805º nº 3 do C. Civil, apenas são devidos juros desde a prolação da sentença, à taxa 12% nos termos da portaria 262/99, DE 12/4
Face ao exposto improcedem todas as conclusões formuladas pelos Apelantes e è de confirmar a sentença.
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Nestes termos, acordam em julgar improcedentes as Apelações e em confirmar a decisão.
Custas pelos Apelantes na proporção do vencido

Lisboa, 29/06/04

André dos Santos
Santana Guapo
Folque de Magalhães