COMPRA E VENDA
DEFEITOS
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DE FACTO
Sumário

O prazo de caducidade para o exercício do direito à reparação ou substituição dos defeitos de coisa móvel vendida é o previsto no art. 917º do CC, que deverá ser aplicado por interpretação extensiva, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato, como para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso.
A caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento do direito que seja concreto, preciso, sem carácter vago ou genérico.
Importa tal efeito a actuação da vendedora de um automóvel que, relativamente a uma reclamação de defeitos, declara que “ … todas as anomalias foram rectificadas, com excepção do forro do banco …”

Texto Integral

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO
José … intentou acção ordinária contra C …, Lda., alegando em síntese que, em 6/9/01, o autor comprou à Ré um veículo novo, de marca Citroen Xsara. Após a entrega do mesmo, o Autor verificou que o veículo apresentava anomalias e de imediato reclamou junto da Ré.
As deficiências não foram suprimidas todas. Em 3/12/01, a Ré considerava resolvidos cerca de 90% dos problemas apresentados pelo autor. Para não agravar as anomalias, o Autor não utilizou a viatura até meados de Janeiro de 2002.
O A. sofreu danos morais e danos patrimoniais resultantes da não utilização do seu veículo.
Concluiu pela procedência da acção com a consequente anulação do contrato de compra e venda referente ao veículo e a condenação da Ré a pagar ao Autor contra a sua restituição no estado actual, o valor do preço pago e das despesas do contrato, tudo no montante de 19.279,11 €, bem ainda, os danos patrimoniais no montante de 2.032,92 € e a título de danos morais, o valor de € 2.500,00. Subsidiariamente, pede a condenação da Ré a restituir ao A. a parte do preço considerado em excesso, em virtude do valor que atribuído ao veículo, actualmente, com os defeitos, a liquidar na pendência dos autos, ou em execução de sentença
Citada a Ré contestou, em síntese, alegando que a acção para exigir a reparação ou substituição de coisa vendida, caduca passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada, o que já sucedeu.
As anomalias invocadas pelo autor foram corrigidas, com excepção do forro do banco, pois, quando foi recebido o tecido, o autor não disponibilizou o veículo para que o trabalho fosse feito. O Autor litiga de má fé. Concluiu pela procedência da excepção deduzida e pela improcedência da acção, devendo o autor ser condenado como litigante de má fé.

Na sua réplica concluiu o Autor pela improcedência da excepção arguida.

Foi proferido o respectivo despacho saneador e organizada a matéria de facto relevante assente e a provar.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória da caducidade, absolvendo a Ré “Carsil – Camejo, Ramalho e Silva, Lda” dos pedidos contra si formulados pelo autor José.

Inconformado o A. recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Para além do pedido formulado pelo A. relativamente ao veículo, formulou, ainda, um pedido de condenação da R. a pagar os danos de natureza patrimonial e morais derivados da paralisação do veículo.
2. A condenação da R. no ressarcimento desses danos deriva do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos.
3. Enquanto as questões derivadas da compra e venda defeituosa (anulação/reparação/restituição do excesso do preço) devem ser decididas de acordo com as disposições contidas nas secções V e VI, do Capitulo I, Titulo II, do Livro lI e, ainda, 285°/294° do Código Civil, a da responsabilidade civil deve ter tratamento autónomo, com base nos arts. 483° e segs. do mesmo Código.
4. O prazo para o exercício do direito a exigir a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e morais é um prazo prescricional de três anos.
5. Tendo a entrega do veículo ocorrido em 7/9/2001, os danos patrimoniais e morais ocorrido posteriormente, e a acção para pedir o seu ressarcimento sido intentada em 21/06/2002, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de três anos.
6. O comprador tem o direito a exigir a anulação do negócio com base em erro, a reparação ou substituição do veículo defeituoso e a indemnização pelos prejuízos.
7. Era sobre o R. que impendia o ónus (como facto impeditivo/extintivo do direito do A) de provar que os defeitos não eram do seu conhecimento.
8. Não se provou que os defeitos não eram do conhecimento da R. no acto da venda.
9. Como condição para o exercício do direito (anulação, reparação, substituição, indemnização) por parte do comprador exige-se que tenha feito a denúncia ao vendedor nos trinta dias imediatos ao conhecimento e dentro do prazo de seis meses após a entrega da coisa.
10. O A. fez a denúncia à R. de imediato a lhe ter sido entregue o veículo e por três vezes até 11 de Dezembro de 2001, muito antes de decorridos os seis meses após a entrega do veículo.
11. A R. aceitou a denúncia não tendo levantado qualquer objecção quanto à sua tempestividade e aceitou debelar as anomalias.
12. A R. considerou em 3 de Dezembro de 2001 que estavam debeladas, apenas 90% das anomalias.
13. A R. manteve igual posição na acção.
14. O reconhecimento, nos termos das três conclusões anteriores, de que se mantêm 10% das anomalias, é urna causa impeditiva da caducidade no tocante a essas anomalias.
15. Essas anomalias ainda existentes após as intervenções da R. são as que constam do relatório pericial, traduzidas nas respostas dadas aos artigos 2° e 9° da base instrutória.
16. A R. para sustentar a sua excepção de caducidade alegou que os defeitos invocados pelo A. punham em causa o bom funcionamento do veículo e, por isso o exercício do direito do A não poderia ser atendido, com base no art. 921º do Código Civil.
17. Apenas ficou provado que as anomalias punham em causa o valor do veículo e não o seu uso.
18. Pelo que não se verifica a hipótese pré-figurada pela R. e a excepção de caducidade invocada.
19. A MM Juíza apreciou o exercício do direito relativamente às anomalias que punham em causa o valor do veículo.
20. A questão referida na conclusão anterior não foi suscitada pela parte, pelo que a MM Juíza estava impedida legalmente sobre ela se pronunciar.
21. Ao fazê-Io a MM Juíza violou os princípios do dispositivo e do inquisitório e praticou um acto nulo, de acordo com os arts. 264°, 265° e 668°- d) do CPC e 333°-2 e 303° do Código Civil.
22. A Lei trata, apenas, excepcionalmente os casos derivados de vendas defeituosas aquando de simples erros e relativos à garantia de bom funcionamento.
23. No tocante ao exercício do direito do comprador só nas duas situações anteriores é que é estabelecido um prazo de caducidade curto (de seis meses).
24. Nos demais casos de venda de coisa defeituosa não é aplicável o regime daquelas situações consignadas nos arts. 917° e 921° do Código Civil, por estas serem restritivas de direitos.
25. As normas que, como as referidas na conclusão anterior, estabelecem prazos de caducidade para o exercício de direitos são insusceptíveis de interpretação extensiva.
26. No caso dos autos o prazo para o exercício do direito (anulação/reparação/ indemnização) é prazo geral consignado no art. 309° do CC e não o do art. 917° do CC.
27. A MM Juíza não decidiu sobre o pedido de indemnização e decidiu erradamente a excepção de caducidade e, por consequência não apreciou correctamente os demais pedidos do A.
28. O A. tem direito, em alternativa, à reparação das anomalias do veículo detectadas na peritagem efectuada nos autos, à redução do preço em função do custo de reparação de tais anomalias nos termos dos orçamentos existentes nos autos, à substituição do automóvel no estado actual, por outro idêntico, no estado novo e sem anomalias, para além dos danos de natureza moral (arts. 543°-2 e 914° do Código Civil).
29. Aos danos morais atribui o valor de 2.500,00€, atentos os elementos resultantes dos autos e os de carácter notório para o caso em apreço.
30. A douta decisão recorrida violou o disposto nos Arts. 303°, 309°, 333°- 2, 483°, 496°, 498°, 911 °-1, 914° e 916° do Código Civil e 264°, 265° e 668-d) do CPC.

Contra-alegou a Ré que concluiu que ao julgar procedente a excepção peremptória de caducidade, pelos fundamentos constantes da douta sentença recorrida, a Mma Juiza “a quo" interpretou e aplicou correctamente o direito e a lei, nomeadamente, os arts. 916º, nº2, 917º, 921º, nº 4 e 1224º do CCivil e o art. 664º do CPC.

Corridos os Vistos legais,

Cumpre apreciar e decidir
Sendo as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), em causa está essencialmente a questão da excepção da caducidade do direito que o comprador pretende fazer valer pela venda de coisa defeituosa.

III – FACTOS PROVADOS
1. Em 6/9/01, o A. comprou à Ré, o veículo de marca Citroen, modelo Xsara 1.4 SX 5 portas, com a matrícula 84-62-SG.
2. O veículo em questão era novo.
3. O A. entregou à R., além do preço do veículo a quantia de € 264.93.
4. A aquisição do direito de propriedade respeitante ao veículo identificado em A), encontra-se inscrito a favor do A., desde 18/10/01, na C.R.Automóvel de Lisboa.
5. A entrega do veículo do A. ocorreu no dia 7/9/01.
6. O A. enviou e a R. recepcionou em 21/11/01, a missiva datada de 9/11/01 entre outro, com o seguinte teor:
“(…). No dia 7/9/01 procedi à aquisição do veículo em referência. O veículo foi vendido como sendo novo. Acontece que logo nesse dia, após verificação geral ao mesmo notei as deficiências que constam em relação anexa.
Essas deficiências levaram-me a ponderar que eventualmente ou, o veículo não era novo ou sofreu algum acidente, já que não parece crível que pudesse vir assim da fábrica.
Apresentei de imediato reclamação junto de V. Exas., tendo ficado nas vossas oficinas durante um dia, contudo, não só não foram reparadas as deficiências, como agravadas.
Por tal acto apresentei nova reclamação directamente na Citröen.
Durante dois dias permaneceu então o veículo para rectificação e verificação.
As deficiências não foram totalmente corrigidas, permanecendo as assinaladas na relação anexa com um sublinhado.
Anexo igualmente fotografias de alguns defeitos.
Não posso aceitar tal situação já que adquiri um carro novo, sem defeitos, portanto e, não uma viatura usada ou acidentada.
Assim, serve a presente para no prazo de oito dias procederem à substituição da viatura por outra nova ou à devolução do preço e anulação da venda” (cfr. doc. constante de fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. Junto com a missiva imediatamente antes referida o A. enviou e a R. recepcionou o doc. constante de fls. 14, com o seguinte teor:
“Folga exagerada no capot do motor;
Banco do condutor faz muito barulho (mesmo estando sentado e a conduzir);
Alavanca de regulação da altura do mesmo banco roça na estrutura fazendo já riscos na mesma.
Tampa de fusíveis dentro do habitat, não fecha correctamente;
Tampa da coluna do som do rádio na frente esquerda tem folga (provavelmente há algum perno partido);
A viatura foge muito para a direita em andamento, sendo necessário a correcção;
Riscos no espelho retrovisor direito;
Encosto do banco traseiro com folga (levou fita adesiva para não abanar);
Pequena amolgadela na embaladeira esquerda junto à coluna;
Forro do tecto direito fora do lugar;
Grelha do capot e pára-choques com cor diferente (ligeiramente mais escuro);
Forro do banco do condutor junto ao air-bag está fora do lugar”.
8. Igualmente, junto com a missiva imediatamente antes identificada o A. enviou e a R. recepcionou fotografias de alguns defeitos.
9. A R. enviou e o A. recepcionou a missiva datada de 3/12/01, entre outro, com o seguinte teor:
“Em resposta à carta de V. Exa. e conforme é do seu conhecimento, à data da recepção da mesma já todas as anomalias foram rectificadas, com a excepção do forro do banco cuja peça já foi pedida e ainda não chegou.
Deste modo consideramos que cerca de 90% dos problemas estão já solucionados.
Caso V. Exa. tenha mais alguma anomalia que deseje rectificar, agradecemos que nos contacte, assim como nós o faremos logo que chegue o referido forro (cfr. doc. constante de fls. 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. O A. celebrou um contrato de financiamento com a “Credifin – Banco ao Consumo, S.A., para a compra do veículo identificado em A).
11. O veículo identificado em A) foi adquirido pelo A. à Ré, pelo preço de € 19.014,18.
12. Após a entrega do veículo o autor procedeu a uma verificação geral do mesmo tendo descortinado as seguintes anomalias:
- Folga no capot do motor;
- Barulho no banco do condutor;
- Tampa dos fusíveis dentro do habitat, não fecha correctamente;
- A viatura foge para a direita em andamento;
- Riscos no espelho retrovisor direito;
- Encosto do banco traseiro com folga;
- Pequena amolgadela na embaladeira esquerda junto à coluna;
- Grelha do capot e pára-choques com cor diferente.
- Forro do banco do condutor com anomalia.
13. Tendo de imediato reclamado, tais anomalias, perante a ré.
14. Que as aceitou debelar.
15. Tendo solicitado que o veículo ficasse nas suas oficinas durante um dia para o aludido efeito.
16. A Ré não suprimiu todas as anomalias reclamadas pelo autor.
17. Tendo então o A. apresentado nova reclamação à marca Citroen, em Portugal.
18. O veículo permaneceu 2 dias nas instalações desta para a verificação e correcção das anomalias.
19. A Citroen, com o conhecimento da ré e em substituição desta, procedeu aos seguintes arranjos:
Aplicou laca envernizada - dupla camada, reapertou charriot, reparou tampa dos fusíveis, pintou capot, desmontar banco e reapertou calhas, fixar forro do banco e fixar encosto do banco.
20. O A. em 11/12/01 manifestou à R. a sua discordância quanto às anomalias que no entender da R. estavam debeladas.
21. Na mesma data o A. solicitou à R. uma posição quanto a 3 possíveis soluções possíveis para o caso:
retoma do veículo e entrega de outro novo, sem custos;
retoma do veículo e devolução integral do preço;
manutenção do contrato com redução do preço e entrega do valor a abater.
22. Não se tendo a ré pronunciado quanto a estes pedidos.
23. O A. havia adquirido o veículo, para seu uso diário nas deslocações entre Oeiras onde reside e, as instalações da marinha, no Alfeite, onde trabalha.
24. O A. teve que utilizar transportes públicos para ir trabalhar.
25. A quantia de € 264,93, é relativa a despesas do contrato de financiamento que o A. celebrou.
26. A ré procedeu a reparações, com o consentimento e a aprovação da Citroen que as considerou abrangidas pela “garantia”.
27. As fotografias que constituem fls. 16 a 23, são anteriores a 6/11/01.
28. As anomalias invocadas pelo autor afectam o seu valor.

III – O DIREITO
Delimitada a matéria de facto que as partes nem sequer impugnaram, interessa passar ao objecto do presente recurso.

1. Da venda de coisa defeituosa
Pretende o A./Apelante a anulação do contrato de compra e venda referente ao veículo, condenando-se a Ré na restituição do preço pago e despesas do contrato, contra a entrega do veículo no estado actual, bem como em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. A título subsidiário pede o A. a condenação da Ré a restituir ao A. a parte do preço considerado em excesso, em virtude do valor que atribuído ao veículo actualmente, com os defeitos, a liquidar na pendência dos autos, ou em execução de sentença.
A primeira instância considerou, no entanto, procedente a excepção de caducidade, arguida pela Ré, que assim foi absolvida dos pedidos formulados.
Dispõe o art. 913º CC, que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á o prescrito na secção precedente (art. 905 CC e segs.), em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
Em causa está a venda de veículo automóvel em que foram detectadas anomalias.
De acordo com a matéria dada por provada, sabe-se que reclamadas as anomalias, pelo A., a Ré aceitou efectuar a reparação das mesmas. Para o efeito o veículo ficou nas oficinas da Ré durante um dia e, posteriormente, por mais dois dias para a verificação e correcção das anomalias.
Porém, o A. em 11/12/01 manifestou à R. a sua discordância por considerar que as referidas anomalias, que no entender da Ré estavam reparadas (à excepção da substituição do forro do banco do condutor, como a Ré admite na carta de 2/12/01 e na contestação), não tinham sido debeladas.
Nessa mesma data o A. solicitou à R. em alternativa a retoma do veículo e entrega de outro novo, sem custos; a retoma do veículo e devolução integral do preço; a manutenção do contrato com redução do preço e entrega do valor a abater. A Ré, no entanto, não tomou posição quanto a estes pedidos.

Como salienta Calvão da Silva(1) "se a coisa vendida apresentar os vícios aludidos no artigo 913º, poderá o comprador, conforme lhe aprouver, anular o contrato por erro ou dolo, se no caso se verificarem os requisitos legais de anulabilidade (artigo 905º), reduzir o preço (artigo 911º) ou exigir o exacto cumprimento, mediante a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa (artigo 914º). Em suma: uma situação de concurso electivo de pretensões decorrentes do erro ou do cumprimento inexacto é a característica da garantia tal qual se encontra regulada no direito positivo português”.
A este respeito refere Antunes Varela que "os direitos do comprador à reparação ou substituição não estão na dependência dos requisitos exigidos para a anulação do acto (p. ex. a essencialidade do erro) - facto que só confirma a autonomia da garantia edilícia (no sentido de autonomia do direito à reparação da coisa em face do direito de anulação do contrato)"(2)
O A. inicialmente veio exigir da Ré vendedora, a reparação de defeitos que denunciou atempadamente. Porém, alegando que apesar das reparações efectuadas o veículo apresentava defeitos, veio a juízo pedir a anulação do contrato, alegando que as limitações que o veículo apresenta põem em causa a subsistência do mesmo, pelo que se tivesse tomado conhecimento do estado do veículo não teria aceite a sua compra.
Como decorre do art. 913º do CC, são atendíveis, para efeitos de anulação e indemnização os seguintes vícios: a) os defeitos que desvalorizem a coisa; b) os que impeçam a realização do fim a que a coisa se destina; c) a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; d) a falta de qualidades necessárias para a realização constante do fim do contrato.
Estes os pressupostos objectivos fundamentais do direito do credor pedir a anulação, ou qualquer outro dos direitos conferidos pelo art. 911º, 914º, 915º, 918º e 921º do CC do negócio jurídico que teve por objecto a coisa defeituosa.
Por sua vez dispõe o art. 917º CC, que a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior, sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo do disposto no art. 287º, nº 2 CC.
Ainda a propósito dos prazos para denúncia de defeitos, no caso de compra e venda ou de empreitada, tem aplicação a Lei 24/96 de 31 de Julho (Lei do Consumidor). Para o efeito é necessário que o fornecimento de bens, prestação de serviços, ou transmissão de quaisquer direitos, seja feito por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios e os mesmos se destinem a uso não profissional (art. 2º da Lei 24/96).
Refere o art. 12º, nº 2, do citado diploma que o consumidor deve denunciar o defeito no prazo de 30 dias, caso se trate de bem móvel, ou de um ano se se tratar de bem imóvel, após o conhecimento e dentro dos prazos de garantia, previstos nºs 2 e 3 do art. 4º. O nº 3 do referido art. 12º, dispõe que os direitos conferidos ao consumidor caducam findo qualquer dos prazos referidos sem que o consumidor tenha feito a denúncia ou decorridos sobre esta seis meses, não se contando para o efeito o tempo despendido com as operações de reparação.
Tendo presente que a Ré exerce com carácter profissional, uma actividade económica e que o bem vendido se destinou a uso não profissional é de concluir que tem aplicação legal aos autos, nomeadamente o prazo de caducidade de seis meses constante do art. 12º, nº 3 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho (3), para intentar a respectiva acção.

2. Da caducidade
A responsabilidade do vendedor caduca, assim, se o comprador não fizer a denúncia respectiva dentro dos trinta dias seguintes ao descobrimento dos defeitos (art. 916º do CC).
Esta caducidade não se pode, porém, confundir com a caducidade da acção. A denúncia dos defeitos constitui um pressuposto eventual de que depende o exercício dos direitos do comprador, nomeadamente, com vista à anulação do contrato.
Ou seja, foi autonomizado um prazo para ser intentada a acção judicial para o exercício dos referidos direitos, nos termos do art. 917º do CC.

2.1. Para o Apelante, no entanto, só nas situações decorrentes de vendas defeituosas, aquando de simples erros e relativos à garantia de bom funcionamento, é estabelecido um prazo de caducidade curto (de seis meses), isto é, nas situações a que se refere o art. 921º do CC, que se reporta a defeitos que põem em causa o bom funcionamento.
Porém não lhe assiste razão.
Sobre a questão do prazo de caducidade para o exercício do direito relativo a pedidos derivados do defeito da prestação são conhecidas fundamentalmente duas correntes:
a) a que defende que o prazo de caducidade previsto no art. 917º se deverá aplicar por interpretação extensiva às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa (art.º 914º)(4) e
b) uma outra, que o Apelante defende, no sentido da aplicação do art. 309º, ou seja, do prazo geral de prescrição de 20 anos(5).
Perfilhamos, a primeira corrente, que é hoje maioritária também na jurisprudência, e de que Pedro Romano Martinez(6) dá conta na seguinte passagem:
Apesar do art. 917º do C.Civil ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no art. 1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato, como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso.
De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à presunção geral de vinte anos (art. 309º do C.Civil); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artº. 921º, nº. 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos (art. 916º), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o art. 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
Em abono desta tese pode ainda dizer-se que a caducidade tem por objecto conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos e, por isso, os prazos de caducidade são geralmente curtos. Ora a aplicação do prazo geral de prescrição de 20 anos conduziria a uma indefinição anormalmente longa dos direitos e obrigações das partes e poria em questão o comércio jurídico.
Por outro lado, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia, e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos (art.º 916º), não parece curial que se distingam prazos para o pedido judicial.
Também a crítica expendida contra a tese dominante (antes da inovação introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25-10), de que o prazo de 6 meses previsto no art. 917º do CC não se coadunava com o prazo de 5 anos previsto no art. 1225º, n.º 1 do CC respeitante construção, modificação ou reparação de edifícios ou imóveis de longa duração, perdeu toda a sua força com o aditamento do n.º 3 ao art. 916º do CC, que alargou o prazo de denúncia para um ano depois dele conhecido e para cinco anos depois da entrega da coisa vendida, quando esta seja um imóvel.
De tudo quanto tinha dito se conclui que, pese embora tenha havido denúncia tempestiva dos defeitos da coisa pelo comprador, ainda assim, caducou o direito da acção pois que a mesma não foi intentada nos seis meses seguintes à referida denúncia, como decorre do disposto no art. 917º do CC que se aplica directamente ao pedido de anulação, como sucede no caso dos autos, afectem, as anomalias invocadas, o bom funcionamento do veículo ou, como aqui sucede, o seu valor.
O que releva é que o defeito se integre na previsão legal do art. 913º do CC.
2.2. Alega, ainda, o Apelante que tendo a Ré invocado, para sustentar a excepção de caducidade, o disposto no art. 921º do CC, que se reporta a defeitos que põem em causa o bom funcionamento e tendo ficado provado que as anomalias punham em causa o valor do veículo, não podia ter sido apreciado, como foi, o exercício do direito relativamente às anomalias que punham em causa o valor do veículo.
Vejamos.
Proíbe-se ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, o que não é o caso.
In casu, o tribunal, ao analisar e proceder à qualificação jurídica dos factos e tendo em conta que foi arguida a excepção de caducidade, concluiu que a configuração jurídica dada pela Ré/Apelada à situação concreta, remetia para a aplicação das regras previstas nos arts. 913º e 917º do CC e não para o disposto no art. 921º do CC.
Pese embora a proibição de que acima se deu conta, o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do disposto no art. 664º do CPC, cabendo-lhe apreciar os factos e comportamentos e dessa análise retirar as consequências jurídicas(7).
Por outro lado, expressa a lei que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (arts. 660º, nº. 2, 1ª parte e 713º, nº. 2, do CPC).
Foi o que o Mmº Juiz a quo fez na sentença recorrida, quando conheceu da arguida excepção de caducidade, tendo, no entanto, fundamentado a verificação da mesma em preceitos legais distintos do invocado pela Ré/Apelada, pelo que improcedem as conclusões de recurso com este fundamento.
2.3. Suscita também o Apelante a questão de que não tendo ficado provada a existência de simples erro não é aplicável ao caso dos autos o regime do art. 917º do CC, mas sim o contido no art. 287º do CPC.
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade referido à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio torna este anulável, desde que o último conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro (artigos 247º, 251º do Código Civil).
Também o declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo, isto é, por qualquer sugestão ou artifício empregue por alguém com a intenção ou consciência de o induzir ou manter em erro ou na envolvência de dissimulação pelo declaratário ou terceiro do seu erro, pode anular a declaração (artigos 253º, nº. 1, e 254º, nº. 1, do CC).
Efectivamente, a anulabilidade do contrato de compra e venda pode derivar do dolo do vendedor, que supõe um erro que é induzido ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro (art. 253º do CC). Neste caso, o comprador não tem de denunciar o vício ao vendedor, não sendo de aplicar o regime do art. 917º, mas antes, de acordo com o disposto nos arts. 913º e 905º do CC, o regime geral da anulabilidade de negócios jurídicos, contido no art. 287º do CC e que prevê o prazo de um ano para intentar a respectiva acção.
Porém, a causa de pedir da anulação do contrato de compra e venda não assenta no dolo, na medida em que não são alegados pelo A. quaisquer factos nesse sentido, a quem cabia, de acordo com o disposto no art. 342º, nº 1 do CC, a alegação e prova da existência de dolo.
O que o A. invoca é, antes, a existência de erro relevante quanto à qualidade do objecto do contrato de compra e venda em causa e que pressupunha a essencialidade para o A. do elemento sobre que incidiu o erro e o seu conhecimento ou cognoscibilidade por parte da Ré.
Em causa está, então, de acordo com os factos vertidos na petição inicial, a anulação do contrato de compra e venda de coisa defeituosa por erro.
Assim sendo, o regime aplicável é, sem dúvida, o que resulta do disposto nos art. 916º e 917º mostrando-se obrigatória a denúncia do defeito, por não se configurar, como se referiu, uma actuação dolosa da vendedora devendo a competente acção ser intentada no prazo de seis meses contados a partir da denúncia.

3. Reconhecimento do direito
Alega o A. que a Ré aceitou a denúncia não tendo levantado qualquer objecção quanto à sua tempestividade, aceitou debelar as anomalias e em Dezembro de 2001 reconheceu que se mantêm 10% das anomalias, o que constitui uma causa impeditiva da caducidade no tocante a essas anomalias e que segundo o Apelante são as que constam do relatório pericial, traduzidas nas respostas dadas aos artigos 2° e 9° da base instrutória.
Em causa está a interpretação da declaração constante na carta de 3/12/2001, que o A. diz ser de reconhecimento do seu direito à reparação das anomalias invocadas nesta acção (8), o que impediria a caducidade (art. 331º, nº 2 do CC).
Aí refere a Ré que “...todas as anomalias foram rectificadas, com excepção do forro do banco...”(...) considerando, por isso, que “...cerca de 90% dos problemas...” estavam solucionados.
O A. apenas em 21/6/2002, decorridos mais de 6 meses, reagiu com a interposição desta acção.
Põe-se agora a questão de saber se esta declaração pode ser valorada como reconhecimento, por parte da Ré, da razão do A. de ver eliminados os defeitos invocados.
O nº 2 do art. 331º dispõe que, quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido.
Sendo o direito disponível, se for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede, sim, a caducidade tal como a impediria a prática do acto sujeito a caducidade.
A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica. Por isso o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação(9).
Decisivo é que o reconhecimento seja concreto, preciso, sem ambiguidades, sem carácter vago e genérico.
Ora, o que a Ré, de forma clara e precisa, reconheceu foi a existência de defeito no forro do banco do condutor que declarou prontificar-se a substituir logo que o tecido encomendado para o efeito chegasse, como se refere na carta de fls. 24 dos autos (alegando em contestação que essa substituição só não foi efectuada porque o A. não se disponibilizou a deixar o veículo na oficina para o efeito, matéria esta que não provou).
A Ré (quer na carta em questão, quer na contestação) tomou claramente a posição de, por um lado, reconhecer a anomalia referente ao forro do banco do condutor e, por outro, não aceitar as restantes anomalias que o A. invocou, considerando que as mesmas já estavam reparadas.
Tendo presente o disposto nos arts. 217º e 236º do CC, há que concluir que o sentido da declaração de vontade revela que houve, por banda da Ré, reconhecimento, do direito do A. mas limitado ao defeito do forro do banco do condutor, que a Ré aceitou substituir.
Quais as consequências deste reconhecimento parcial?
Tendo presente o citado nº 2 do art. 331º do CC, o reconhecimento desta anomalia por parte da Ré, impede a caducidade do direito do A., mostrando-se, por isso necessária a análise dos pedidos feitos pelo A., ao abrigo do disposto no art. 913º do CC, mas limitados à análise da única anomalia que, neste momento, é possível apreciar.

4. Da anulação do contrato
Sendo certo que o comprador pode, como lhe aprouver, pedir a anulação do contrato por erro reduzir o preço ou exigir o exacto cumprimento, mediante a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa, a verdade é que, caso opte pelo pedido de anulação, como é o caso, importa que se verifiquem os requisitos legais de anulabilidade (artigo 905º), o que exige a prova da essencialidade do erro.
Da aplicação do disposto nos arts. 905º a 912º, por remissão do art. 913º nº 1 do CC, conclui-se que só em caso de a coisa vendida sofrer algum dos vícios que excedam os limites normais inerentes às coisas da mesma categoria, o contrato é anulável(10).
Como se referiu, de acordo com os arts. 247º e 251º do CC, só o erro que atinja os motivos determinantes da vontade referido à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio torna este anulável, desde que o último conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro
Assim, a situação de erro relevante quanto ao objecto do contrato de compra e venda em causa pressupunha a essencialidade para o A. do elemento sobre que incidiu o erro e o seu conhecimento ou cognoscibilidade por parte da Recorrida.
Incumbia ao Recorrente o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito de anulação com base no erro (artigo 342º, nº. 1, do Código Civil), e, portanto, cabia-lhe, desde logo, alegar e provar que o defeito que o forro do banco apresenta, põe em causa a subsistência do contrato, pelo que se tivesse tomado conhecimento do estado do mesmo não teria efectuado a compra do veículo.
Ora, o A. funda o que diz ser o seu direito à anulação do contrato de compra e venda por erro, na existência de diversas anomalias que aqui não podem ser tomadas em consideração.
Porém, mesmo que pudessem ser tidas em conta, a verdade é que não está provado que o A. não teria comprado o veículo por preço nenhum se soubesse que ele tinha os alegados defeitos e que esse facto era conhecido da Ré. Mas, se assim, mesmo que se pudessem tomar em consideração todas as anomalias que o A. invoca, por maioria de razão, esse direito de anulação inexiste, quando apenas está em causa o forro de um banco do veículo (outro entendimento seria susceptível de constituir abuso de direito nos termos do art. 334º do CC).
Por conseguinte, não ocorrem, na espécie, os pressupostos da anulabilidade do contrato de compra e venda em causa com base existência do erro sobre os motivos determinantes da vontade, pelo que a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que o A. não ter o direito potestativo de impor à recorrida a anulação do contrato de compra e venda em causa com base no erro.
Improcede, portanto, o pedido principal.

5. Do pedido subsidiário
Não procedendo o pedido principal, importa a análise do pedido subsidiário(11) .
Já quanto ao pedido de condenação da Ré a restituir ao A. a parte do preço considerado em excesso, em virtude do valor que atribuído ao veículo com os defeitos ser inferior ao que foi pago, é de concluir que, tendo ficado provado que o defeito no forro do banco contribui para a desvalorização do veículo do A./Apelante, tem este direito à redução do preço, de acordo com o disposto no art. 911º do CC, em harmonia com essa desvalorização resultante do mencionado defeito.
Uma vez que se desconhece o quantum de tal desvalorização, não pode, neste momento, fixar-se o montante da redução do preço do veículo, devendo o mesmo ser liquidado em execução de sentença.

6. Indemnização por danos patrimoniais e morais
Para além do pedido principal de anulação do contrato e, subsidiário, de redução do preço, o A. formulou, ainda, um pedido de condenação da R. a pagar os danos de natureza patrimonial e morais, já que, segundo alega, se viu obrigado, para não agravar as anomalias, a paralisar o veículo, desde que o adquiriu até meados de Janeiro de 2002 (cfr. arts. 23º, 26º e 27º da petição inicial), o que lhe causou despesas no valor de €500.00, bem como cansaço e sofrimento.
De facto, a obrigação de indemnizar, derivada do cumprimento defeituoso, tendo embora regras específicas (arts. 908º a 910º e 915º, CC), não deixa de estar sujeita às disposições gerais dos arts. 562º e ss., do CC., sendo certo que assume uma função complementar dos outros meios jurídicos postos à disposição do credor.
O direito à indemnização está ainda reconhecido, em termos amplos no art. 12º da Lei nº 24/96 (Lei do Consumidor).
A este respeito apenas ficou provado que o veículo esteve paralisado durante 3 dias, nas oficinas da Ré (1 dia, da primeira vez em que foram efectuadas algumas reparações dos defeitos no veículo, e 2 dias, da segunda vez em que foram efectuadas outras reparações de anomalias).
Também se provou que o A. teve de utilizar transportes públicos para ir trabalhar.
Estabelece o art. 563º, do CC. que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão
Por sua vez, o art. 566º, do CC, refere que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo, em princípio, como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria nessa data se não fosse existissem danos.
Aqui, apenas está em causa, uma vez que não resultaram provados quaisquer outros danos, nomeadamente danos morais(12) , o ressarcimento da privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial e que tem sido objecto de controvérsia, quer na doutrina, quer na jurisprudência (13).
Esta concepção assenta no pressuposto de que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.
Esta tese é sustentada pela constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda patrimonial que deve ser tomada em consideração.
Basta a simples comparação entre a situação do proprietário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente para concluir que não existe entre ambas uma equivalência substancial.
Atendendo a que a lei concede ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, no caso da privação do uso do bem durante um determinado período (que origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar) impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente, já que tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição.

Porém, in casu, como a privação do veículo foi consequência da reparação de anomalias existentes, nelas não se incluindo o defeito no forro do banco que não foi reparado, como se sabe, conclui-se que os três dias em que o A. esteve privado do uso do veículo foram consequência da reparação dos restantes defeitos que não podem já ser conhecidos por ter decorrido o prazo para ser intentada a acção judicial para o exercício dos direitos referentes àqueles defeitos, como acima se referiu.
Ou seja, não se provou que a existência de anomalia no forro do banco, para além da redução do preço a liquidar em execução de sentença tivesse causado ao A. quaisquer prejuízos, designadamente os referentes à privação do uso do veículo, na medida em que essa privação de uso não foi consequência da reparação desta anomalia, que como se sabe não foi debelada, mas pela reparação das restantes verificadas.

6.1. E porque assim é, a procedência da excepção da caducidade, impede, também, a apreciação do pedido de indemnização, pois procede da mesma causa de pedir.
De facto, não assiste razão ao Apelante quando sustenta que o prazo para o exercício do direito a exigir a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e morais é um prazo prescricional de três anos porque o ressarcimento desses danos deriva do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos, com base nos arts. 483° e segs. do mesmo Código, não estando sujeito ao prazo de caducidade do art. 917º do CC.
É sabido que o cumprimento defeituoso pode originar danos no objecto da prestação ou danos pessoais sofridos pelo credor ou provocados no restante património do credor ou de terceiros.
No primeiro caso, justifica-se o recurso às regras da responsabilidade contratual.
No segundo, é de admitir o recurso á responsabilidade extra contratual.
No caso em apreço, o pedido de indemnização está relacionado com a paralisação do veículo vendido pela Ré e que apresentava anomalias.
Trata-se manifestamente de prejuízo directamente relacionado com a prestação defeituosa, sendo a responsabilidade que daí advém de natureza contratual, estando, por isso, o referido pedido de indemnização sujeito ao prazo de caducidade previsto no art. 917º do CC, do mesmo modo que o direito de acção com fundamento nos defeitos que provocaram a paralisação.

IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente a Apelação, condenando-se a Ré a restituir ao A. a parte do preço correspondente à desvalorização resultante da existência do defeito no forro do banco do condutor, a liquidar em execução de sentença.

Custas pelo Apelante e Apelada na proporção, respectivamente, de 85% e 15% para cada um.
Lisboa, 1 de Julho de 2004.

Fátima Galante
Manuel Gonçalves
Urbano Dias
_____________________________________________________

(1)Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Colecção Teses, Almedina, Coimbra 1990, pág 230/231
(2)Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, pág 209.(3)Este diploma foi posteriormente alterado pelo DL nº 67/2003 de 8/4, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/5, relativo à venda de bens de consumo e às respectivas garantias, tendo mantido inalterado o prazo de caducidade (art. 5º, nº 4).
(4)P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. II, 4.ª Ed., pág. 919 anotação 3 ao art.º 917º; Mota Pinto e Calvão da Silva, «Responsabilidade civil do produtor», in Direito, Ano 121, II, pág. 292; Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso – Em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Liv. Almedina, Coimbra – 1994, pág. 413; Ac. do S.T.J. de 12/1/94, in C.J.STJ, 1994 tomo I, pág. 34; Acs.RL de 11.11.2003 (Relator Arnaldo Silva) e de 6.11.2003 (Relator Manuel Gonçalves), in www.dgsi.pt.
(5)Vd. Neste sentido, Acs. do STJ de 04-05-1995, CJ Ano (STJ) Ano III, tomo 2, págs. 63; de 18-04-1996, CJ Ano (STJ) Ano IV, tomo 2, págs. 29; de 12-11-1998, CJ Ano (STJ) Ano VI, tomo 3, págs. 106..
(6) Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso - em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina, Coimbra – 1994, pag. 367. Ainda entre outros, Carneiro da Frada, Contrato e deveres de protecção, Dissertação, Coimbra, 1989, págs. 84 e 85; P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. II, 4.ª Ed., pág. 919 anotação 3 ao art.º 917º
(7)Sobre a interpretação deste preceito legal vide: Castro Mendes, Manual de Proc. Civil, 1963, pag. 237; A. Reis, CPC Anotado, 5º, pag. 93 e 453; Vaz Serra, RLJ 105º-233, em anotação ao Ac. STJ de 15.10.71 e Acs. STJ de 2.4.76, BMJ 256º-83, de 10.5.88, BMJ 377º-461 e de 4.2.92, BMJ 414º -442.
(8)Sobre a problemática da declaração e dos comportamentos no negócio, vide Paulo Mota Pinto in “Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico”, Almedina, Coimbra, 1995, nomeadamente pags. 438 e segs.
(9)Vaz Serra in RLJ, 107º-24.
(10) Neste sentido Armando Braga, Contrato de compra e venda, 2ª ed., 1991, pags. 11 e segs..
(11)Como refere Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 2º - 155, nada obsta a que o comprador, como pedido subsidiário do de anulação, requeira a redução do preço.
(12)Existem «(...) prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar, e que em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa interactiva vida social hodierna», in Fernando Pessoa Jorge, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora , 1995, p. 555
(13) A este propósito vide Luís Meneses Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2000, pags 278/279; Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de impugnação do dano extracontratual, Almedina, 1998, pags. 676/677; Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2000..