APRECIAÇÃO DA PROVA
MEIOS DE PROVA
Sumário

Texto Integral

Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO:
1.1. Das partes:
1.1.1. Autora:
1º - URBINDÚSTRIA – SOCIEDADE DE URBANIZAÇÃO E INFRAESTRUTURAÇÃO DE IMÓVEIS, S.A.
1.1.2. Ré:
1º - ICOMATRO – MADEIRAS E DERIVADOS, S.A.

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1.2. Acção e processo:
Acção declarativa com processo ordinário.
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1.3. Objecto da apelação:
1. A sentença de fls. 553 a 571, pela qual a acção foi julgada procedente e o pedido reconvencional improcedente.
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1.4. Enunciado sucinto das questões a decidir:
1. Da não apreciação crítica de todas as provas;
2. Da falta de alegação da localização das estremas do prédio da A.;
3. Da impugnação das respostas dadas aos quesitos 1º e 2º, os quais devem ser dados como não provados;
4. Da repetição do julgamento para se apurar a localização das estremas do prédio da A. e da R.
5. Da impugnação da resposta dada ao quesito 3º, o qual deve ser dado como não provado;
6. Da aquisição por usucapião, pela R., da parcela em conflito.
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2. SANEAMENTO:
Foram colhidos os vistos.
Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre apreciar e decidir.
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3. FUNDAMENTOS:
3.1. De facto:
Factos que o Tribunal recorrido considerou provados:
1. Pelas inscrições G-1 e G-2, emergentes das aps. Nº 02/920128 e nº 01/920128, mostra-se inscrita a favor da A. a aquisição, por transferência de património, do prédio rústico, sito nos Foros da Catrapona, freguesia de Paio Pires, concelho de Seixal, denominado “Vinha do Melo”, composto de vinha, terra de semeadura e árvores de fruto, com a área de 97.080 m2, que confronta a norte com (A), a sul com caminho público, a nascente com (B), estrada e (C) e a poente com caminho público e (D), inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 21 da secção “G”, formado pelos prédios nº 210 do livro B-1 e nº 2.202 do livro B-6, conforme descrição nº 838/920114 da Conservatória de Registo Predial do Seixal.
2. Pela inscrição nº 10.667, de 18 de Novembro de 1958, foi registada a favor da Siderurgia Nacional, S.A.R.L. a aquisição por compra a(E), (F), (G) e esposa, (H), do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o nº 210 a fls. 107 do livro B-1, que foi anexado ao nº 2.202 para formar o prédio referido em 1.
3. Pela inscrição nº 9.978, de 5 de Dezembro de 1957, foi registada a favor da Siderurgia Nacional, S.A.R.L. a aquisição por compra a (D) e esposa, (I), do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial do Seixal sob o nº 2.202, a fls. 114 do livro B-6, que foi anexado ao nº 210 para formar o prédio referido em 1.
4. Uma parcela de 597,68 m2 do prédio rústico da A. foi objecto, no ano de 1971, de expropriação amigável levada a efeito pelo Gabinete da Ponte sobre o Tejo para os Caminhos de Ferro Portugueses, pelo que actualmente a área do prédio da A. é somente de 96.482,32 m2.
5. O terreno descrito em 1 confina a norte com o terreno descrito na Conservatória de Registo Predial do Seixal sob o nº 16/110285, e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 20º da secção “G”.
6. Pela inscrição G-1, emergente da ap. nº 01/110285, mostra-se inscrita a favor da R. a aquisição, por compra a (J) e outros, do prédio rústico, sito nos Foros da Catrapona, Pinhal das Areias, freguesia de Paio Pires, concelho do Seixal, composto de culturas arvense e pinhal, com a área de 18.000 m2, que confronta a norte com (L), a sul com (M), a nascente com (N) e a poente com caminho público, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 20 da secção “G”, conforme descrição nº 16/110285 da Conservatória de Registo Predial do Seixal.
7. A descrição registal do mencionado prédio foi realizada com base nas declarações da R. constantes da requisição junta de fls. 21 a 24.
8. Por escritura de 30-11-83, lavrada de fls. 50 a 54 no livro de notas para escrituras diversas nº 71-C do Cartório Notarial do Seixal, (J) e outros declararam vender à R. e esta declarou aceitar a venda do prédio identificado em 6, pelo preço de Esc. 4.300.000$00.
9. A R., para efeitos de pagamento de SISA, declarou pretender pagar esse imposto com referência à compra por Esc. 4.300.000$00, a (J) e outros, duma parcela de terreno para construção urbana, sito nos Foros da Catrapona, Pinhal das Areias, freguesia de Paio Pires, concelho do Seixal, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 20 da secção “G”, com menção de que na Repartição de Finanças foi apresentado um pedido de rectificação de área no sentido de passar a constar 18.000 m2, e não 12.880 m2 conforme consta da matriz rústica.
10. Da descrição constante do artigo matricial do prédio rústico com o nº 20 da secção “G”, consta que a sua área é de 12.880 m2.
11. Em meados de 1984, a R. construiu um armazém pré-fabricado, constituído por pilares e cobertura, sendo as suas partes laterais e frontal abertas para o exterior e a parte traseira fechada, e ainda uma casa em tijolo.
12. No dia 10 de Maio de 1996, a R. deu entrada na Repartição de Finanças do concelho do Seixal com o pedido de rectificação da descrição da matriz do prédio rústico inscrito sob o art. 20 da secção “G”, para passar a constar com a área de 18.000 m2, não tendo sido a mesma rectificada por falta dos documentos necessários.
13. As construções referidas em 11 foram implantadas numa faixa de terreno pertencente à A. e com a localização que resulta do mapa topográfico de fls. 333.
14. Essas construções ocupam uma área total de 2.501,83 m2, mas, devido à expropriação mencionada em 4, somente 1.904,15 m2 dessa área de implantação pertence actualmente ao terreno da A.
15. À data em que comprou o terreno, a R. sabia que o mesmo não tinha a área de 18.000 m2, como consta da escritura, mas somente 12.880 m2.
16. A ocupação pela R. da faixa de terreno mencionada em 13 está a impedir a A. de considerar a área de 1.904,15 m2 no projecto de loteamento para a 2ª fase do Parque Industrial do Seixal.
17. A A. viu-se obrigada a excluir aquela área como área de venda, já que a realização da obra em duas fases traria um agravamento de custos.
18. O preço unitário por metro quadrado (m2) da parcela que a A. deixou sem utilização é de Esc. 14.000$00, reportando-se este preço ao terreno depois de urbanizado.
19. Concretizada a compra do terreno, a R. ocupou o mesmo, a partir de 1984, com intenção de aí instalar o seu negócio de serração e venda de madeiras nacionais e exóticas, por grosso e a retalho.
20. No local onde o terreno da R. confronta com o prédio então pertencente à Siderurgia Nacional, S.A.R.L., existiam uns marcos, os quais formavam uma “linha quebrada”.
21. O terreno da R. era o mais elevado.
22. A R. entrou em contacto com os serviços da Siderurgia Nacional responsáveis pelo património imobiliário da empresa e propôs-lhe um alinhamento das estremas entre os dois prédios.
23. A Siderurgia Nacional mandou um topógrafo fazer um levantamento do local.
24. O topógrafo efectuou o levantamento topográfico e produziu plantas que espelhavam e continham o alinhamento preconizado.
25. A R. continuou a construção dos seus pavilhões a qual já tinha iniciado aquando do contracto referido em 22.
26. Desde finais de 1984, a R. armazena madeiras no prédio em causa e veio a construir as edificações referidas em 11 na área que hoje ocupa, à vista de toda a gente e de molde a ser observada e conhecida por todos e quaisquer interessados.
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3.2. De direito:
1. A primeira questão a apreciar é a da não apreciação crítica de todas as provas.
2. A Recorrente alega tal, com base na invocação da existência no processo de diversos documentos que, tidos em consideração, levariam a diferentes conclusões quanto à área do prédio da A. (ver fls. 595 e 596 das suas alegações) e aos quais a decisão sobre a matéria de facto não alude.
3. Dispõe o art. 653º nº 2 do C.P.C. que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que forem decisivos para a convicção do julgador.
4. O facto de terem sido juntos ao processo diversos documentos que, conjugados entre si, apontam para soluções diferentes quanto à área do prédio da A. e o Tribunal se ter decidido por certa área em detrimento de outras a que esses documentos levariam não significa que não tenha tomado em consideração todos esses mesmos documentos. Apenas significa que deu prevalência, para formar a sua convicção, a uns em detrimento de outros.
5. O Tribunal especificou aqueles elementos probatórios em que fundou a sua convicção, como lhe impõe a parte final do preceito citado. A lei não impõe a análise crítica de todas as provas, não obriga a que o Tribunal tenha de referir-se a cada uma de per si, fazendo a triagem das provas relevantes e indicando o porquê, das irrelevantes e indicando o porquê, trabalho que se poderia tornar ciclópico, quando estivessem no processo muitos documentos, sem nenhuma vantagem para a boa decisão da causa. Satisfaz o preceito em causa a análise crítica das provas em que fundou a sua convicção, ou seja, a indicação dessas provas e do respectivo valor em termos de formação da convicção do tribunal.
6. Por isso, em conclusão, o facto de o Tribunal não se ter referido a todos os documentos que foram carreados para o processo não significa que o Tribunal não os tenha considerado, para formar a sua convicção. Apenas significa que não os considerou relevantes para fundar as respostas que deu à matéria de facto.
7. Mas se assim é, então a Recorrente poderia obstacular a que os documentos referidos por si impunham uma solução diferente daquela que o Tribunal adoptou. Esta questão, porém, será apreciada a propósito da impugnação das respostas dadas aos quesitos 1º e 2º.
8. Julga-se, assim, improcedente a posição da Recorrente quanto a esta questão.
9. A segunda questão levantada pela Recorrente consiste na falta de alegação da localização das estremas do prédio da A., por parte desta, na petição inicial, bem como na incúria, por parte do Tribunal, de saber e conhecer esses elementos.
10.Compulsando a petição inicial, verifica-se que, no art. 9º, a A. alegou que “a ré construiu, numa faixa de terreno pertencente ao prédio da autora (...)”, e, no art. 11º, que “A faixa de terreno ocupada pela ré tem uma área de 2.501,83 m2, conforme resulta do levantamento topográfico que aqui se junta sob o doc. nr. 6”.
11.Por sua vez, compulsando o dito documento nº 6, constante de fls. 39, verifica-se a existência de uma faixa sombreada, representada a norte do prédio da A. a que foi indicada a área de 2.501,83 m2. Dessa planta resultam os contornos das propriedades em relação de contiguidade.
12.Por isso, não se pode dizer que a A. não indicou as estremas do seu prédio: fê-lo por referência à planta que juntou como documento nº 6.
13.Por sua vez, o Tribunal, em resposta ao quesito 1º, indicou as construções realizadas pela R. como tendo sido feitas numa faixa de terreno com a localização que resulta do mapa topográfico de fls. 333, o qual, uma vez compulsado, verifica-se ser muito semelhante ao de fls. 39, quer quanto aos contornos da área sombreada quer quanto à indicação do valor da dita área.
14.Improcede, assim, a posição da Recorrente quanto a esta questão.
15.A terceira questão consiste na impugnação das respostas dadas aos quesitos 1º e 2º, os quais devem ser dados como não provados, segundo a Recorrente, por força da invocação de três argumentos que se passam a apreciar.
16.À guisa de intróito, a Recorrente começa por dizer que o Tribunal fundou a resposta dada aos quesitos 1º e 2º apenas na prova pericial, levantando a questão de saber se o que os Peritos disseram é suficiente para criar a convicção certa, no Tribunal, de que as construções a que se reporta a alínea L) da matéria dada como assente foram erigidas em terreno pertença da A. E responde, logo de seguida, negativamente, com base nos tais três argumentos.
17.Assim, preliminarmente, impõe-se formular as seguintes considerações:
18.Por um lado, os factos constantes dos quesitos 1º e 2º não estão sujeitos a prova vinculada, ou seja, não são relativos a relações jurídicas indisponíveis, nem estão sujeitos meramente à prova documental, o que significa que é admissível a prova deles por qualquer meio de prova, nomeadamente, da prova pericial.
19.Por outro lado, a Recorrente não põe em causa o resultado da produção desse meio de prova, ou seja, não diz que os Peritos não afirmaram o que o Tribunal deu como provado em resposta aos quesitos 1º e 2º. Dito doutro modo, a Recorrente não diz que a prova pericial foi de molde a deverem ser dados como não provados os quesitos 1º e 2º. O que diz é que outra prova constante dos autos afasta a que resulta meramente da prova pericial.
20.Finalmente, uma última consideração preliminar: tendo a prova pericial sido realizada por um colégio de peritos, entre os quais se conta o indicado pela Recorrente, o Relatório daqueles foi dado por unanimidade, ou seja, tendo estado de acordo com ele o próprio perito indicado pela Recorrente.
21.Pode, assim, dizer-se que, pela análise crítica da prova pericial, os quesitos 1º e 2º mereciam a resposta dada pelo Tribunal recorrido. Importa agora ver se existe no processo outra prova que, analisada criticamente, leve a afastar a que resultou daquela.
22.Sob o primeiro argumento, aduz a Recorrente que os Peritos elaboraram o seu relatório a partir das plantas do Instituto Geográfico e Cadastral. Porém, tais plantas não são instrumentos legais autênticos que demonstrem a propriedade dos sujeitos inscritos como seus titulares ou de parte de um determinado prédio, devidamente cadastrado. Desde logo porque a inscrição cadastral também é declarativa.
23.A Recorrente faz incidir a sua alegação sobre a questão da inadmissibilidade de demonstração, a partir das plantas cadastrais levantadas pelo Instituto Geográfico e Cadastral (actual Instituto Português de Cartografia e Cadastro), da titularidade do direito de propriedade sobre determinado prédio, com o que se está completamente de acordo. O escopo do levantamento cadastral não é a determinação de quem é dono deste ou daquele prédio, por isso, não serve para aquela determinação.
24.O fim do levantamento cadastral é o conhecimento e determinação dos prédios existentes no nosso País, e não das pessoas que são titulares de algum direito sobre eles.
25.No sentido do que se disse dispõe o nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 172/95, de 18 de Julho, que aprovou o Regulamento do Cadastro Predial, segundo o qual designa-se por cadastro predial o conjunto de dados que caracterizam e identificam os prédios existentes em território nacional. Por sua vez, compulsando o nº 1 do art. 1º do referido Regulamento, que tem por epígrafe “Conceitos”, verifica-se que só contém referências objectivas, sem nenhuma subjectiva: define-se cadastro predial, prédio, área social, área cadastrada, prédio cadastrado, sem nenhuma referência a titularidades ou sujeitos delas.
26.Embora o cadastro geométrico tenha tido o seu início com uma finalidade fiscal, pretendendo-se conhecer os prédios para tributar o seu rendimento, conforme resulta dos Decreto nº 11.859, de 7 de Julho de 1926, 14.162, de 26 de Agosto de 1927 e, sobretudo, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45.104, de 1 de Julho de 1963, a verdade é que esse trabalho gigantesco que tem sido feito ao longo de quase oitenta anos, e que ainda não se encontra concluído, não pode ser desconsiderado, nem tido por sem valor algum.
27.Como se diz no art. 2º do Regulamento do Cadastro Predial, acima referido, para efeitos de cadastro, a caracterização de um prédio é dada através da sua localização administrativa e geográfica, configuração geométrica e área. E por sua vez, o art. 4º diz que a localização geográfica de um prédio é determinada pelo posicionamento das suas estremas no sistema de coordenadas adoptado.
28.Por conseguinte, pelo Cadastro Predial fica-se a saber a localização geográfica dos prédios, a qual é dada pela posição das respectivas estremas no sistema de coordenadas que o IPCC adoptar, bem como fica-se ainda a saber a sua configuração geométrica e respectiva área.
29.O levantamento cadastral é feito com recolha de dados no campo (art. 20º), em dois tempos: um primeiro, conducente à caracterização provisória dos prédios (art. 21º); e um segundo, de caracterização confirmada (art. 24º) que é precedido de exposição pública, notificação aos proprietários (art. 22º) e possibilidade de reclamação (art. 23º).
30.Uma vez fixado o cadastro, as alterações de estremas resultantes de actos notariais serão comunicadas ao I.P.C.C., que procede às inscrições das alterações (art. 30º a 32º), a fim de manter o Cadastro actualizado.
31.Acresce que, se o Cadastro Geométrico inicial teve por fim objectivos fiscais, hoje, não acontece assim, havendo uma finalidade multifuncional, como se diz no Relatório do referido Decreto-Lei nº 172/95, possibilitando retractar de forma fidedigna a realidade administrativa e jurídica da propriedade imobiliária.
32.Assim, o facto do carácter declarativo do Cadastro não retira valor ao mesmo, pois que ele é, antes de confirmado, sujeito a um verdadeiro processo de contraditório, com publicidade suficiente para que, quando se torne definitivo, corresponda à realidade.
33.E de tal maneira é assim que o nº 4 do art. 5º do R.C.P. dispõe que a localização, configuração geométrica e área de um prédio determinadas nas termos do presente diploma fazem presunção, para todos os efeitos, da sua real localização, configuração e área.
34.Não releva dizer-se que o Regulamento não tem aplicação ao caso dos autos, porque é posterior ao Cadastro relativo ao prédio da A., dado que o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei que aprovou o Regulamento, o nº 172/95, estipulou que o cadastro geométrico relativo a prédios rústicos localizados em área considerada em regime de cadastro antes da vigência do presente diploma mantém-se em vigor até essa área ser objecto da primeira operação de renovação de cadastro. Ou seja, a lei estendeu o valor conferido ao novo cadastro ao antigo, provisoriamente até que se processe a renovação de cadastro.
35.Em síntese, diz-se que, embora as plantas cadastrais não permitam concluir pela titularidade dos direitos constituídos sobre os prédios cadastrados, como se alegou e com que se concorda, permitem, no entanto, determinar a identificação e características dos prédios propriamente ditos.
36.Pelo que o primeiro argumento não afasta a convicção do Tribunal baseada na prova pericial para responder positivamente aos quesitos 1º e 2º.
37.No segundo argumento, a Recorrente alega que a questão de se saber se as construções a que aludem os autos estão edificadas em terreno da A. só podia ser efectuada com precisão se tivessem sido discutidas as estremas dos dois terrenos na parte em que se tocam, o que não foi suscitado pela A.
38.Ora, como já se referiu supra, nos pontos 9 a 14, não é assim, uma vez que a referência às estremas está implícita com a remessa da questão para a planta topográfica de fls. 39, (doc. nº 6), feita pela A., na petição inicial, questão que foi retomada pelos Peritos no seu Relatório.
39.Como estes disseram, o levantamento topográfico, não foi feito a partir dos marcos pois estes não existiam no terreno, mas sim a partir das plantas cadastrais. Ora estas, como também já se disse presumem-se elaboradas de acordo com a realidade, até prova em contrário, que não foi feita, pelo que o consta do Cadastro tem de ter-se por verdadeiro.
40.Por outro lado, ao contrário da posição da Recorrente, irreleva saber quem e quando os marcos foram colocados e quem os retirou do local, exactamente porque os mesmos não se encontravam no local, e não resulta do processo que tivessem sido retirados há pouco tempo, de modo a poder-se facilmente reconstituir a sua posição no terreno.
41.Em síntese, a questão das estremas foi objecto de alegação e apreciação pelos Peritos e pelo Tribunal, tendo ganho vencimento a posição indicada a fls. 333, improcedendo, assim, o segundo argumento.
42.No terceiro argumento, a Recorrente invoca que quer a A. quer a R. indicam a área dos seus prédios por via meramente declarativa, sendo que o Tribunal da 1ª instância valorou negativamente este facto só contra a R. não já contra a A.
43.A afirmação da Recorrente não invalida a força de convicção do Tribunal na prova resultante da perícia, pelo que é despicienda para o efeito pretendido.
44.Porém, sempre se diz que a área de 97.080 m2 imputada ao prédio da A. provém já do tempo da Siderurgia Nacional, e ninguém a contestou, que se saiba neste processo, ao passo que a área indicada pela R. para o seu prédio – 18.000 m2 – não foi aceite pelos próprios serviços do I.G.C., por falta de documentos necessários (ver fls. 48), o que não aconteceu aquando da anexação dos prédios nº 210 e 2202.
45.Por isso, não houve nenhuma atitude de favorecimento do alegado pela A. em detrimento do alegado pela R., apenas por as declarações provirem de uma ou de outra. O Tribunal agiu de acordo com a realidade processual: ausência de contestação da área indicada pela A., que, aliás, já provinha da anteproprietária, versus indeferimento da correcção da área alegada pela R., pelos serviços institucionais próprios para apreciar a dita questão.
46.Ainda sob a rubrica deste terceiro argumento, insurge-se a Recorrente contra o facto de o Tribunal recorrido não ter tomado em boa nota o documento autêntico onde se vê que o prédio nº 2.202 tinha uma área de 72.000 m2, de que foi expropriada uma área de 8.032 m2, restando a área de 63.968 m2, a qual depois de somada à área do prédio nº 210 (34.880 m2) dá uma área superior à que qualquer das partes alega.
47.Acentua a Recorrente o facto de a sua conclusão provir de premissas assentes em documentos autênticos, mas, com o devido respeito, sem razão, porque a força probatória desses documentos reporta-se apenas ao facto das declarações neles contidas terem sido proferidas por quem deles consta como seus autores (art. 371º C.Cv.) mas não se estende à veracidade do que delas constam. Ou seja, não tendo sido objecto de apreciação pelo Tribunal, não se sabe se a área de 34.880 m2 indicada para o prédio nº 210 pelo respectivo vendedor corresponde à realidade, do mesmo modo que não se sabe se a área de 72.000 m2 constante para o nº 2.202 é a real, porque quanto a esta a decisão do Tribunal apenas serviu para adjudicar certas parcelas expropriadas, não para apurar da área dos respectivos prédios, embora a Recorrente tenha a seu favor, neste último caso, a certidão de fls. 507 a 509, segundo a qual o prédio estava inscrito na matriz sob o art. 25 rústico, com a área de 72.000 m2 (fls. 508 e 509).
48.Não se conhecendo a realidade da declaração relativa ao prédio nº 210, fica a dúvida sobre a sua verdadeira área, o que pode influenciar o resultado final da área do prédio nº 00828.
49.Relevante e decisivo para a determinação da área atribuída a este prédio, uma vez que existe desconformidade, ao menos aparente, com a soma das áreas dos prédios anexados de que ele resultou, seria a demonstração de como é que se chegou ao valor de 97.080 m2, a partir dos valores parcelares 34.880 m2 mais 63.968 m2, o que dá 98.848 m2. Mas isso a Recorrente não logrou efectuar.
50.E, assim sendo, não se vê fundamento para não tomar em consideração o valor global e mais actual de 97.080 m2 igualmente constante da matriz rústica e registo predial como o da área do prédio da A. em vez do pretendido pela Recorrente.
51.O valor de 94.998 m2 indicado pelos Peritos não resulta da medição no terreno, mas apenas dos cálculos efectuados a partir da planta cadastral, o que, dada a forma nada geométrica da propriedade em causa, pode implicar alguma diferença, para o valor indicado pela A. sem que isso se torne relevante para a decisão do pleito, pois o que está em causa é a área da parcela ocupada pela R., e não a concreta determinação da área do prédio da A. Foi sobre aquela área que os Peritos se pronunciaram centralmente.
52.Finalmente, as certidões de fls. 521 e 522, onde a A. indica a área de 72.273 m2 para o prédio nº 828 não significa nada para o fim de retirar credibilidade ao que os Peritos declararam, pois que a declaração tem data de 7 de Novembro de 2001, e assim como a A. pede a desanexação de uns tantos lotes, bem pode ter acontecido que já tivesse desanexado outros, e que, por isso, o prédio nº 828 já se encontrasse reduzido relativamente à sua área inicial.
53.Em conclusão, a Recorrente não logrou indicar qualquer prova que afaste ou diminua a credibilidade das declarações dos Peritos, e, por conseguinte, que afaste o fundamento em que o Tribunal recorrido se baseou para dar como provados os quesitos 1º e 2º, cuja resposta este Tribunal mantém inalterada.
54.Improcede, por isso, a posição da Recorrente quanto a esta questão.
55.A quarta questão cifra-se no pedido da Recorrente da repetição do julgamento para se apurar a localização das estremas do prédio da A. e da R.
56.Quanto a esta matéria já se disse que a posição deste Tribunal vai no sentido de que a questão das estremas está suficientemente tratada nos autos, para não carecer de elaboração de qualquer quesito suplementar, pois da planta de fls. 333 constam claramente as estremas dos prédios da A. e da R.
57.Além disso, também não se vê qual a matéria de facto alegada pelas partes que, não tenha sido já objecto de subsunção aos Factos Assentes ou à Base Instrutória, pudesse integrar um novo quesito, pois as pretendidas perguntas de concreta localização no terreno da colocação dos marcos (que nem se vê muito bem como é que isso se define no papel que é o suporte material dos processos, se calhar só através ...duma planta! ou da indicação das coordenadas geográficas dos marcos), quem os colocou e quem os retirou não constam do acervo de factos trazidos aos autos pelas Partes, sendo certo que o Tribunal só se pode servir dos factos alegados.
58.Improcede, por isso, este pedido.
59.A quinta questão consiste na impugnação da resposta dada ao quesito 3º, o qual deve ser dado como não provado, segundo a Recorrente, por virtude de o Tribunal não ter notado que os anteriores titulares inscritos na caderneta nada têm a ver com quem vendeu o terreno à R. por comparação com a escritura de compra e venda junta a fls. 30, ilação que sai reforçada com a circunstância de não ter sido exibida qualquer caderneta predial ou certidão da matriz, na escritura de compra e venda. E o Tribunal também não ter cotejado os elementos de fls. 28 a 30 com os de fls. 464 a 470, a partir dos quais se alcança a razão de ser documental que refere os aludidos 18.000 m2.
60.Compulsada a Base Instrutória, verifica-se que o quesito 3º tem a seguinte redacção:
§ À data em que comprou o seu terreno, a R. sabia que o mesmo não tinha a área de 18.000 m2, como consta da escritura, mas somente 12.880 m2?
61.O Tribunal recorrido deu como provado este quesito, especificando que a sua prova assentou no teor do documento de fls. 26 a 28, caderneta predial referente ao prédio da R. onde consta a área de 12.880 m2, em conjugação com as regras da experiência comum e a normalidade da vida, atendendo às circunstâncias em que foi requerida pela R., na Repartição de Finanças, a rectificação da área daquele prédio. Tal pedido de rectificação – no sentido de passar a constar a área de 18.000 m2 – resultou de um mera declaração da R., não existindo qualquer suporte documental que justifique a veracidade da mesma, dado que o prédio em causa estava omisso na Conservatória e a área constante da matriz cadastral era de apenas 12.880 m2. Sendo a diferença de valores de 5.120 m2, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, surge como inverosímil que a R. não tenha procedido à verificação, em concreto, mediante medição, da área efectiva do prédio que estava a comprar.
62.Primeiro ponto: desconhece-se se o Tribunal recorrido notou ou não que os nomes dos titulares que constam da caderneta não são os mesmos dos que constam da escritura de compra e venda. Nem isso se revela importante para a resolução da questão em causa: a área do prédio transaccionado não se altera por o nome dos vendedores não ser o mesmo dos que figuram como donos do prédio na caderneta predial.
63.O certo é que quem declarou a área dos 18.000 m2 na escritura de compra e venda do prédio da R. foram os vendedores e não a R., não podendo ser imputada qualquer responsabilidade a esta por causa disso.
64.Segundo ponto, a caderneta predial ou certidão matricial não foram exibidas na escritura de compra e venda do prédio da R. Porém, esta sabia que delas constava a área de 12.880 m2 conforme resulta da declaração prestada aquando do pedido de liquidação da Sisa, onde se diz que “Foi nesta Repartição de Finanças apresentado em 27/8/82 um requerimento a solicitar a rectificação de área no sentido de ficar a constar 18.000 m2 e não 12.880 m2 conforme consta da matriz rústica”. A liquidação da Sisa é de 25 de Novembro de 1983 e a escritura de 30 seguinte.
65.Terceiro ponto, os documentos de fls. 464 a 470 referem-se a um prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o art. 24, com a área de 1,80 ha, ou seja, 18.000 m2. Porém, tais documentos não se mostram relevantes para a solução desta questão, uma vez que o prédio vendida à R. é o que está inscrito na matriz sob o art. 20 Secção G, ou seja, é outro prédio.
66.Finalmente, a prova resultante da presunção judicial não parece de afastar, pois que se está perante uma diferença de valor de quase um terço, sendo inadmissível especialmente para uma empresa que não se aperceba da verdadeira dimensão do que está a adquirir, ainda que não tenha mandado fazer um levantamento topográfico do prédio.
67.Em conclusão, não se vê fundamento para afastar a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao quesito 3º.
68.Improcede, por isso, a posição da Recorrente relativamente a esta questão.
69.Na última questão, há que apreciar a aquisição por usucapião, pela R., da parcela em conflito.
70.Segundo a Recorrente, a R. tem título de aquisição e registo deste.
71.Só que, realmente a R. não tem título de aquisição da parcela em discussão, porque se deu como provado que as construções efectuadas pela R. foram implantadas numa faixa de terreno pertencente à A. (facto m).
72.Por isso, o título que a R. tem refere-se ao seu prédio, e não sobre a parcela reclamada pela A.
73.Em face dos exposto, cai pela base toda a construção de aquisição por usucapião que a Recorrente desenvolveu, mantendo-se a construção que consta da sentença.
74.Improcede a posição da Recorrente também quanto a esta questão.
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4 DECISÃO:
1. Por tudo o exposto, nega-se provimento à apelação, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
2. Custas pela parte Recorrente (art. 446º nº 2 CPC).
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Lisboa, 8 de Julho 2004

Relator (Eduardo Folque de Sousa Magalhães)

1º Adjunto (Flávio Joaquim Bogalhão do Casal)

2ºAdjunto (Rogério Sampaio Beja)