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INVENTÁRIO
LICITAÇÃO
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
Sumário
Nos termos do art. 1374º do CPC, “licitante” é aquele a quem foi adjudicado o bem posto em arrematação. A lei pretende que aos herdeiros não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isso possível, os não conferentes ou não licitantes deverão ser inteirados em outros bens da herança; e se estes forem de natureza diferente, podem aqueles herdeiros exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias. Em princípio, para o preenchimento dos quinhões, apenas se deve proceder à venda de bens quando os bens não doados ou não licitados sejam de natureza diferente dos doados ou licitados e os não licitantes exigirem a composição dos quinhões em dinheiro. Não deverá admitir-se a composição em dinheiro pelo produto resultante de venda judicial quando aos não licitantes sejam atribuídos bens da mesma natureza embora de espécie diferente. Para efeitos de preenchimento dos quinhões, nos termos da al. b) do art. 1374º do CPC, deve considerar-se que são da mesma natureza um prédio urbano e uma parcela de terreno destinada a construção urbana situada dentro dum aglomerado populacional.
Texto Integral
Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido na 14ª Vara Cível da comarca de Lisboa, em 19.03.2004, que determinou a forma à partilha e que ordenou que se procedesse à venda da verba nº 1.
Para mais facilmente se compreender transcreve-se o despacho na parte essencial:
«As heranças são constituídas pelos mesmos bens, a saber, três imóveis.
Os inventariados deixaram os ss. herdeiros:
F..., filho dos inventariados, casado com Margarida... no regime da comunhão geral de bens;
José..., filho dos inventariados.
Na pendência do inventário faleceu F, sucedendo-lhe Margarida, com quem era casado e H. e C..., seus filhos, que dos inventariados são netos.
.....
A verba n.º 3 foi adjudicado em comum e na proporção dos quinhões a todos os interessados.
Houve licitações quanto à verba n.º 2.
Os interessados não se pronunciaram quanto à verba nº 1.
Deverá proceder-se à partilha da forma que a seguir se consigna:
Somam-se os valores dos bens descritos com os aumentos resultantes das licitações, sendo o valor da verba n.º 1 aquele que vier a resultar da venda a ss. determinada.
Divide-se esse valor em duas partes iguais, por tantos filhos terem tido os inventariados.
Uma dessas metades cabe a José....
A outra metade divide-se em duas partes iguais, sendo uma delas a meação da interessada Margarida. A outra metade subdivide-se em 3 partes iguais, cabendo cada uma dessas terças partes aos interessados Margarida.., com quem era casado e H... e C....
.....
Os preenchimentos serão conforme as licitações.
A elaboração do mapa da partilha (artº 1375º do C.P.C.), deverá aguardar a venda da verba nº 1, a fim de que se possa apurar o respectivo valor, que será o produto da venda a ss. determinada.
No tocante à verba n. 1 pese embora a circunstância de se tratar também de bem imóvel, tem características bem diversas do bem licitado e do bem adjudicado em comum.
Inexistindo acordo entre as partes, determina-se a respectiva venda judicial por propostas em carta fechada, pelo valor base da avaliação».
Dele agravou o referido José, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
1. Não existe suporte legal para a determinação da venda judicial do bem que integra a verba nº 1.
2. Uma vez que esse bem é da mesma natureza quer do que compõe a verba nº 3 quer do que integra a verba nº 2 – sendo certo que são essas únicas três verbas que constituem o acerto hereditário.
3. Para se saber se os bens são ou não da mesma espécie e natureza, há que atender às categorias que resultam das próprias disposições relativas ao inventário: hoje o disposto no art. 1345º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
4. Basta que se trate de “imóveis” para serem bens da mesma natureza.
5. No caso dos autos, até são da mesma espécie (todos eles de natureza urbana).
6. Mas nem sequer é admitida a composição em dinheiro pelo produto da venda judicial quando se trata de bens atribuídos da mesma natureza, embora de espécie diferente.
7. Por isso, o imóvel da verba nº1 deve ser adjudicado aos recorridos, na proporção dos respectivos quinhões.
8. Não há que determinar a venda judicial da verba nº1 para obter uma qualquer quantia em dinheiro.
9. Tudo se resume a uma mera questão de tornas de que os Agravados são credores e que os Agravantes estão dispostos a pagar-lhes.
10. O douto despacho recorrido violou o disposto no art. 1374º- b) do Código de Processo Civil dado que não estão reunidos os pressupostos da sua aplicação.
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Os agravados defendem a confirmação do despacho recorrido por considerarem que ambos os “grupos de interessados” se encontram na mesma posição jurídica em relação à verba nº 1, uma vez que:
- em relação à verba nº 1 nenhum deles licitou;
- em relação à verba nº 2 ambos os grupos licitaram;
- em relação à verba nº 3 foi a mesma adjudicada em comum a ambos os “grupos de interessados”.
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Cumpre apreciar e decidir.
A questão que se coloca é a seguinte:
- a herança é constituída por três bens imóveis, sendo as verbas nºs. 1 e 3 “uma parcela de terreno destinada a construção urbana”, situando-se a 1ª no concelho de Loures e a 3ª no concelho de Lisboa, sendo a verba nº 2 um prédio urbano destinado a habitação e situado no concelho de Caminha.
- uma vez que os inventariados tinham dois filhos e um deles faleceu, tendo deixado herdeiros, concorrem à partilha “dois grupos de interessados”, ou seja, por um lado, um dos filhos (o ora agravante) e do outro os herdeiros do outro filho (o falecido) (os ora recorridos);
- na conferência de interessados procedeu-se a licitações, tendo os interessados Margarida, H... e C.. (ou seja os herdeiros do falecido filho) dito que pretendiam licitar em bloco, o que fizeram;
- na verba nº 1 ninguém licitou; a verba nº 2 foi posta em arrematação e foi licitada pelo interessado José por 74.900.000$00; a verba nº 3 foi adjudicada por acordo a todos os interessados na proporção dos respectivos quinhões;
- no despacho recorrido foi decidido que se deveria proceder à venda da verba nº 1, pelo valor base da avaliação, uma vez que, “pese embora a circunstância de se tratar também de bem imóvel, tem características bem diversas do bem licitado e do bem adjudicado em comum”.
- o recorrente entende que se trata de bens da mesma natureza e, por isso, não existe suporte legal para a determinação da venda judicial do bem que integra a verba nº1, pelo que este deve ser adjudicado aos recorridos, na proporção dos respectivos quinhões.
- os recorridos defendem que também eles licitaram na verba nº 2 (esta verba, segundo eles, teria sido “objecto de licitação por ambos os grupos de interessados”), pelo que todos estariam em igualdade de circunstâncias relativamente à verba nº 1, razão pela qual se deverá proceder à sua venda, conforme decidido.
Tendo em consideração o preceituado no artigo 1374º do CPC há que apreciar e decidir o seguinte:
a) se efectivamente se deve considerar que os recorridos também licitaram na verba nº 2 para os efeitos em causa;
b) se os bens a partilhar são da mesma natureza e espécie, ou, pelo menos, da mesma natureza, nomeadamente, as verbas nºs. 1 e 2;
c) se se deve proceder à venda da verba nº 1 ou se esta deve ser adjudicada ao recorridos.
I
O artigo 1374º do CPC determina o seguinte na parte que agora interessa considerar: No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras: a) os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário; b) aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.... c) os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais.
Assim, em síntese:
1. Os bens licitados, doados, ou legados serão adjudicados aos respectivos beneficiários;
2. Os restantes, que sejam da mesma natureza dos referidos em 1, caso existam, serão atribuídos aos não conferentes ou não licitantes, e, não os havendo, terão estes direito a ser inteirados de outros bens da herança ou em dinheiro, se os respectivos interessados assim o exigirem;
3. Os restantes, se os houver, serão repartidos à sorte, em partes iguais, pelos interessados.
A licitação tem a estrutura de uma arrematação, pelo que o bem será adjudicado àquele que oferecer o maior lanço (artº 1371º)
Por isso, quando no artigo 1374º se fala em “licitante”, tem de entender-se que é precisamente aquele a quem foi adjudicado o bem posto em licitação.
A alínea a) parece ser bastante clara a este respeito, ao referir que os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante.
Se, por “licitante” se entendesse “aquele que licita, ou seja, que toma parte na licitação” (na arrematação) (como parecem entender os recorridos), os bens seriam adjudicados a todos eles, o que, obviamente, tornaria a licitação inútil, e seria mesmo um absurdo.
Portanto, há que considerar que “licitante” é aquele a quem foi adjudicado o bem objecto de licitação, finda a arrematação, no caso sub judice o ora recorrente, uma vez que a ele foi adjudicada a verba nº 2, em virtude de ter oferecido o maior lanço.
Quer isto dizer que a verba nº 1 não foi “objecto de licitação por ambos os grupos de interessados” e que, consequentemente,em relação a ela não estão em igualdade de circunstâncias todos os interessados.
Os ora recorridos deverão, pois, ser considerados como não licitantes e como não conferentes para os efeitos da alínea b) do artigo 1374º citado.
II
Pela descrição que fizemos dos imóveis não há qualquer dúvida de que as verbas nºs 1 e 3 são da mesma natureza e espécie, pois ambos são “uma parcela de terreno destinada a construção urbana”. Não se compreende, pois, salvo o devido respeito, a afirmação feita no despacho recorrido no sentido de que as verbas nºs. 1 e 3 têm “características bem diversas”. É que nos parece tratar-se, sem qualquer margem para dúvidas, de bens da mesma natureza e espécie, face à referida descrição.
Esta questão apenas poderá colocar-se em relação à verba nº 2, que é um prédio urbano, destinado a habitação, sendo a verba nº 1, como se disse, “uma parcela de terreno destinada a construção urbana”. Temos, assim, dum lado, um prédio urbano e doutro um lote de terreno para construção.
Deverá um prédio urbano ser considerado da mesma natureza e espécie dum prédio destinado a construção, para os efeitos em causa? Esta questão é muito importante porquanto:
o preenchimento dos quinhões faz-se em relação aos licitantes, donatários e legatários adjudicando-se-lhes os bens licitados, doados ou legados, respectivamente (no caso apenas um bem foi licitado não havendo bens legados ou doados). Relativamente aos não conferentes ou não licitantes a lei ateve-se ao respeito por um “princípio igualitário que visa fazer participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso, sejam bens valiosos e de venda fácil, ou bens de valor duvidoso” Sobre esta questões ver Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, vol. II, pag. 440 e s.s. que seguimos muito de perto.;
por isso, a existência de bens da mesma espécie e natureza dos bens doados e/ou licitados (aqui apenas nos interessa confrontar o bem licitado e a verba nº 1) e a possibilidade de atribuição deles aos não licitantes dita o procedimento a seguir no preenchimento dos quinhões; no caso de existirem tais bens serão os mesmos atribuídos aos não licitantes, neste caso aos referidos herdeiros do falecido filho dos inventariados (artº 1374º, nº 1 al. b. 1ª parte).
a alínea b) do artigo 1374º manda atribuir, sempre que possível, aos não licitantes e não conferentes bens da mesma espécie e natureza dos bens doados e licitados; não sendo possível a atribuição de bens da mesma espécie e natureza, aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos outros bens da herança, qualquer que seja a sua natureza ou espécie (excepto nos casos referidos na alínea d) que não vêm ao caso).
se aos não conferentes forem atribuídos bens de natureza diferente da dos bens legados, doados ou licitados, podem eles exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.
Daí a necessidade de se determinar se estamos perante bens da mesma natureza e espécie ou, pelo menos, da mesma natureza.
A este respeito citam Lopes Cardoso (ob. cit. nota 2549) e R. Capelo de Sousa Lições de Direito das Sucessões, II, 253- nota 983. o acórdão do TRL de 14.03.69 segundo o qual “para se saber se os bens a atribuir aos não conferentes ou não licitantes são ou não da mesma espécie e natureza dos doados ou licitados, há que atender às categorias de bens que resultam das próprias disposições relativas ao inventário, ou seja, as de prédios, crédito, direitos e acções, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro, prata, pedras preciosas e semelhantes, estabelecimentos comerciais, ou industrias, acções e partes ou quotas em sociedade” (artigos 1337 e 1338º então em vigor) (Ac. Rel. Lx.ª de 14.3.1969, na Jurisp. Rel., 15-288)”.
Vejamos.
A distinção entre prédios rústicos e urbanos nem sempre é fácil de fazer e varia consoante os ramos do direito Pode ver-se a propósito Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil”, I, Tomo II, pag. 121 e s.s..
Nos termos do artigo 203º do CC as coisas são imóveis e móveis...
E a alínea a) do nº 1 do artº 204º diz-nos que são coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos. E, como estabelece o seu nº 2, entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
A primeira questão coloca-se em saber se uma parcela de terreno situada num aglomerado urbano, ou seja, “uma parcela de terreno destinada a construção urbana”, deve ser considerada prédio rústico ou urbano. E a distinção civil entre prédios rústicos e urbanos não é muito precisa.
No entanto, tratando-se, como se trata, de um terreno onde não foi feita qualquer edificação, parece não haver dúvidas de que é um prédio rústico. É que prédio urbano é apenas o edifício incorporado no solo, ou seja, uma construção a ele ligada materialmente por qualquer meio, com carácter de estabilidade. E naquele terreno não existirá qualquer construção.
Para efeitos fiscais, por exemplo, no Código da Contribuição Autárquica (DL 442-C/88, de 30.11) adopta-se o critério da destinação do prédio, partindo-se da noção de prédio rústico dada no artigo 3º e dizendo-se no artigo 4º (por exclusão de partes) que “prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.
Portanto, a noção de prédio urbano é residual. E, no essencial, prédio rústico é um terreno não destinado à construção, afecto à produção de rendimentos agrícolas ou a ela destinadas.
Em anotação ao artigo 4º do referido C.C.A. escrevem F. Pinto Andrade e J. Cardoso dos Santos: “consequentemente, são prédios urbanos não apenas os edifícios habitacionais, comerciais, industriais ou de serviços, como ainda os terrenos para construção e aqueles que estão afectos a fins diferentes da agricultura, v.g. os campos de futebol, golfe ou ténis, os parques e jardins, depósitos de fábricas, campos de corridas., estacionamentos de veículos etç”.
A este propósito já escrevia em 1981 Alberto Xavier Manual de Direito Fiscal , I, 182.
que “o C.C. Predial separa os prédios rústicos dos urbanos, não de harmonia com um critério de estrutura física...como sucede com a lei civil, mas de acordo com o critério da afectação económica: prédio rústico é o que está afecto ou pode destinar-se á agricultura, compreendendo esta a exploração agrícola, silvícola ou pecuária; prédio urbano é o que está afecto a quaisquer outros fins, ou não pode destinar-se à agricultura (C.C.P, artº 5º)”.
Veja-se também, por exemplo, para efeitos de determinação do montante da indemnização nas expropriações por utilidade pública a classificação em “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” (artº 25º do C.E. aprovado pelo DL 168/99, de 18.09).
Temos, assim, que não é unívoca a distinção entre prédios rústicos e prédios urbanos.
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O artigo 1345º do CPC, ao determinar como deve ser apresentada a relação de bens nenhuma distinção faz entre prédios rústicos e urbanos, ao contrário do que sucede com outros bens, nomeadamente entre bens móveis e imóveis, limitando-se a fazer referência a “bens imóveis”.
Da mesma forma, o nº 2 do artigo 1346º determina que o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial (sem fazer distinção entre prédios rústicos ou urbanos).
Os prédios rústicos e os urbanos são, assim, para este efeito, tratados em igualdade de circunstâncias.
Repare-se que a lei pretende, como se viu, que aos não conferentes ou não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza da dos doados e licitados. E, não sendo isso possível, os não conferentes ou não licitantes deverão ser inteirados em outros bens da herança; mas, se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.
Portanto, em princípio, para o preenchimento dos quinhões, não se deve proceder à venda de bens. Isso só deverá ser feito no caso de os (bens) não doados ou não licitados serem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados e os não conferentes nem licitantes exigirem a composição dos quinhões em dinheiro.
No preenchimento dos quinhões, relativamente aos bens não licitados e não doados tem o juiz uma certa margem de discricionariedade na escolha dos que os preencherão (ao contrário do que sucede com os bens doados, legados ou licitados, como se viu); todavia, terá que ter em consideração o preceituado no artigo 1374º, tendo sempre em vista o princípio da igualização e do maior equilíbrio possível dos lotes. Seja como for, deverá, tanto quanto possível, atribuir aos não conferentes e não licitantes bens da mesma natureza dos licitados ou doados ainda que de espécie diferente.
Portanto, não deverá proceder-se à venda, nos termos referidos, quando existam no acervo da herança bens da mesma natureza, embora de espécie diferente. Ou seja: não deverá admitir-se a composição em dinheiro pelo produto de venda judicial quando aos não licitantes ou não conferentes sejam atribuídos bens da mesma natureza embora de espécie diferente.
A este propósito escreve Capelo de Sousa na citada obra a págs. 253 e 254, nota 983: «parece-nos que a natureza dos bens para os efeitos em causa, ligada também na nossa tradição jurídica à ideia de género deriva da sua inseribilidade nas categorias referidas em tais disposições (artºs. 1337º e 1338º antes citados na mesma nota) (v.g. imóveis, direitos de crédito....) e mais nos parece que a espécie dos bens deriva de factores que os identificam como pertencentes ontologicamente ao grupo de características comuns essenciais segundo os actuais hábitos de sociedade (por ex. andar em propriedade horizontal, quinta, courela, herdade etc.)».
É certo, como refere Lopes Cardoso a fls. 445 na citada obra, que “a partilha supõe igualdade e é mister fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau e evitar que uns, mercê de mais avultados meios de fortuna, possam, através de licitações em que se apropriaram dos melhores valores da herança, relegar aos demais co-herdeiros aqueles bens de difícil realização, susceptíveis de litígio ou sem rendimento”.
A verdade é que os bens foram previamente avaliados e a verba nº 1 iria mesmo ser vendida com base no valor da avaliação efectuada. Por isso não vemos que os recorridos sejam prejudicados e que não se respeite o referido princípio da igualização na partilha.
De qualquer maneira parece-nos que para os efeitos em causa se trata de prédios da mesma natureza, pois ambos pertencem à categoria dos imóveis (embora possam ser considerados de espécie diferente, designadamente para outros efeitos).
A figura nuclear do imóvel é o prédio.
Quer os prédios rústicos quer os urbanos são imóveis, ou seja, pertencem a este género ou categoria. Para muitos efeitos pertencerão a espécies diferentes, pois uns são urbanos e outros são rústicos, tendo uma finalidade diferente. E no caso, os imóveis não licitados destinam-se a construção urbana. Por isso, a sua finalidade, para já, é diferente. Mas tal não significa que para efeitos de inventário não possam ser considerados da mesma natureza e espécie, ou pelo menos da mesma natureza (e agora apenas nos interessa que sejam pelo menos da mesma natureza).
Parece-nos, pois, que para efeitos de preenchimento dos quinhões, nos termos da alínea b) do artigo 1374º do CPC, se deve considerar que são da mesma natureza um prédio urbano e “uma parcela de terreno destinada a construção urbana” situada dentro dum aglomerado populacional.
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Parece-nos, pois, poderem ser extraídas as seguintes conclusões:
I - A licitação tem a estrutura de uma arrematação, pelo que o bem licitado será adjudicado àquele que oferecer o maior lanço, e assim, quando no artigo 1374º do CPC se fala em “licitante”, tem de entender-se que apenas tem tal qualidade aquele a quem foi adjudicado o bem posto em arrematação.
II - A lei pretende que aos herdeiros não conferentes e não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza da dos doados e licitados. Mas não sendo isso possível, os não conferentes ou não licitantes deverão ser inteirados em outros bens da herança; e se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem aqueles herdeiros exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.
III - Em princípio, para o preenchimento dos quinhões, não se deve proceder à venda de bens. Isso só deverá ser feito quando os bens não doados ou não licitados sejam de natureza diferente da dos bens doados ou licitados e os não conferentes nem licitantes exigirem a composição dos quinhões em dinheiro.
IV – Portanto, não deverá proceder-se à venda, nos termos referidos, quando existam no acervo da herança bens da mesma natureza, embora de espécie diferente. Ou seja: não deverá admitir-se a composição em dinheiro pelo produto resultante de venda judicial quando aos não licitantes ou não conferentes sejam atribuídos bens da mesma natureza embora de espécie diferente.
V - Para efeitos de preenchimento dos quinhões, nos termos da alínea b) do artigo 1374º do CPC, deve considerar-se que são da mesma natureza um prédio urbano e “uma parcela de terreno destinada a construção urbana” situada dentro dum aglomerado populacional.
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Por todo o exposto acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, devendo a verba nº 1 ser adjudicada aos recorridos, na proporção dos respectivos quinhões.