DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

Texto Integral

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

Acordam na 9.a Secção Criminal de Lisboa:


No processo comum singular n.° 14/00.OSILSB do 6.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido (AT) foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática da contra-ordenação, p. e p. nos arts 27.° e 29.° do Regulamento de Sinalização de Trânsito e arts. 146.° al. e) e 139.° do C. Estrada em concurso com um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art 137.°, n.° 1 do C.Penal e una crime de ofensas à integridade física por negligência e p. no art. 148º, n.° 1 e 3, com referência ao art. 144.0, al. a) do C.Penal.
Realizada a audiência, sem documentação da prova produzida, por a mesma ter sido prescindida pelos intervenientes processuais, por sentença, decidiu-se:

(A)Julgar o arguido (AT) autor material em concurso real crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137°, n°1 do C.Penal e de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n°1 e 3 do C.Penal
Condenar o arguido pela prática de tais crimes:
- na pena de 1 ano de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir por 7 setes meses;
- na pena de 9 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses;
Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas e condenar o arguido na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 10 meses;
Ao abrigo do disposto no art. 50° do C. Penal e atentas as razões supra aduzidas na suspensão execução desta pena de prisão pelo período de 3 anos, com efeito a partir do trânsito em julgado da sentença;
C) Julgar o arguido autor material da contra-ordenação p. e p. pelos arts 27° e 29° do Regulamento da Sinalização de Trânsito e em consequência condenar o arguido na coima de 40 (quarenta) euros;
D) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo
demandante (JB) o contra "Império Bonança-Companhia de Seguros SA " e em consequência condenar esta última a pagar àquele: - A quantia de 5.255, 59 Euros (cinco mil duzentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos)) a título de danos patrimoniais;
E)A quantia de 67.340 (sessenta e sete mil trezentos e quarenta Euros) a título de perda da capacidade de ganho, ambas acrescidas de juros de mora vencidos desde 2-12-2002 (cfr. fls. 349) até 30-04-2003 à taxa anual de 7% (Portaria 263/99 de 12-04) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 08-04) e ainda juros vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento;
A quantia de 40.000 Euros (quarenta mil) a título de danos morais acrescida de juros vincendos a partir da presente data e até integral pagamento;
E) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduzir contra Companhia de Seguros Bonança, e em consequência condenar esta última a pagar-lhe a quantia de
6 535,42 Euros relativa às prestações por morte já pagas por esta última, acrescidas de juros de mora vencidos desde 2-12-2002 (cfr. fls. 349) até 30-04-2003 à taxa anual de 7% (Portaria 263/99 de 12-04) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 08-04) e ainda juros vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento;
F) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduzir contra Companhia de Seguros Bonança e em consequência condenar esta última a pagar-lhe a quantia de 24.423, 42 Euros relativa ao subsídio de doença pago, acrescida de juros de mora vencidos desde 08-03-2003 (cfr. fls.432) até 30-04-2003 à taxa anual de 7% (Portaria 263/99 de 12-04) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 08-04) e ainda juros vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento;
G) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo
Hospital Garcia de Orta conta Companhia de Seguros Bonança,SA e em consequência condenar esta a pagar-lhe a quantia de 5.528, 04 Euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 2-12-2002 (cfr, fls. 349) até 30-04-2003 à taxa anual de 7% (Portaria 263/99 de 12-04) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 08-04) e ainda juros vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento;
H) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Santa Maria contra Império - Companhia de Seguros Bonança AS e em consequência condenar esta a pagar-lhe a quantia de 296,29 Euros acrescida de juros de mora vencidos desde 2-12-2002 (cfr. fls. 349) até 30-04-2003 à taxa anual de 7% (Portaria 263/99 de 12-04) e desde aí até ao presente à taxa legal anual de 4% (Portaria 291/03 de 08-04) e ainda juros vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento;
I) Condenar o arguido, quanto à parte crime, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em Esc. 79.81 euros a que acresce 1% a favor do C. G. T , nos termos do art. 13°, n°3 do DL 423/91 de 30-10- a procuradoria em %z UC (514° n°1,do C.P.P. e 85 °, n °l al. b) e 95° n °1 do C. C.J..) e nos demais encargos legais;
J) Condenar demandantes e demandados nas custas quanto parte civil na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do regime de isenção de que beneficiam as demandantes;
K) Ordenar que, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o arguido entregue na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial que a remeta a esta, a carta de condução (art. 500°, n°2 do C.P.P.), sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência;
L) Ordenar a comunicação da presente decisão à Direcção-Geral de Viação (art. 500°, n°1 do C.P.P).

Inconformada com a decisão, veio a “Império Bonança — Companhia de Seguros, S.A." interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação e as seguintes conclusões:

1 ª - A culpa do acidente de viação que os autos relatam não teve por base factos concludentemente inequívocos.
2ª - Sendo certo que não há factos que possam contrariar a culpa do arguido e segurado da demandada, não deixa de ser verdade que, a conduta do demandante dever-se-á considerar como concorrencial dos danos que sofreu, nos termos que estabelece o art. 570 ° do C. Civil.
3ª - Deverá considerar-se, para cálculo da indemnização a atribuir ao demandante, que o comportamento do mesmo tem manifesta influência na dimensão do sinistro.
4ª - Para cálculo da indemnização, deverá considerar-se não a idade de 70 anos mas, antes, a idade de 65 anos, por ser aquela que, em sede legal, é atendida para efeitos de reforma.
5ª - Deverá considerar-se que a incapacidade atribuída ao demandante não o impedindo de desenvolver plenamente a sua actividade, não deverá ser equiparada àquelas em que essa relação é manifesta.
6ª - Ainda que se considere que, no futuro, o demandante tenha dificuldades acrescidas para o desempenho da sua actividade, o montante indemnizatório deverá considerar-se excessivo.
7' - Deverá considerar-se, também, excessiva a quantia de 40.000 euros atribuída ao demandante a título de danos não patrimoniais, não apenas por ofender princípio da equidade, mas, também, porque se considera excessiva se comparada com a que em sede de jurisprudência é entendida como justa em caso de morte.
8a - Ao demandante deverá atribuir-se uma quantia não superior a 8.000 contos, ou 39.903,3 euros, a título de danos de natureza patrimonial decorrente da desvalorização de que ficou afectado.
9a - Ao demandante não deverá ser atribuída uma quantia que exceda os 4.000 contos, ou 19.951, 92 euros, por ser esta mais equitativa, por mais justa e adequada.
10a - Pelo que se acaba de descrever, a douta sentença violou os arts. 483°, 562°,564° e 566° n°s 1 e 2 do C.Civil, no que respeita à indemnização concedida ao demandante a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes.
11ª - A indemnização atribuiria ao demandante, a título de danos não patrimoniais, por excessiva, ofende e viola o disposto no art. 496° do C.Civil.
Nestes termos, acolhendo as considerações que, modestamente, aqui se deixam escritas, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que reduza o montante da indemnização respeitante aos danos patrimoniais para 8.000 contos, ou 39.903,32 euros e o montante da indemnização relativa aos danos não patrimoniais para 4.000 contos, ou 19.951,92 euros,(...).

O ofendido (AT) respondeu concluindo que a sentença sob recurso não merece a censura apresentada pela demandada civil, razão por que, devem ser julgadas improcedentes as suas doutas motivações de recurso; apresentando recurso subordinado da sentença que considerou parcialmente procedente o pedido de indemnização por si formulado .

(…)


II.

Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art. 412.0, 414.° e 420.0, n° 1 do Código de Processo Penal) sendo por isso determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência (art. 419.0, n.° 4, al. a) do Código de Processo Penal).
***
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas: rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.° n.° 2 e a rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.

A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente. É o caso dos autos.

* * *

Como resulta da lei (art.° 412.º, n.° 1 do C.P.P.) e é entendimento uniforme da jurisprudência, são as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso na medida em que é nelas que o recorrente resume as razões do seu pedido.
E de acordo com as conclusões da motivação de ambos os recorrentes, o que está em causa nos presentes recursos é a indemnização arbitrada em sede de decisão do pedido do cível.

Realizado o julgamento em primeira instância, resultaram provados os seguintes factos:

1)- No dia 7 de Janeiro de 2000, pelas 12.40 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula …, pela Av. Padre Cruz, no sentido de marcha sul-norte;
2)- No interior desse veículo seguia, como ocupante, (FM);
3)- Em sentido oposto circulava, pela mesma Rua, o motociclo de passageiros, matrícula... conduzido pelo ofendido JB, na segunda hemi.faixa de rodagem a contar da direita, atento o seu sentido de marcha;
4)- A referida Avenida Padre Cruz está dividida em quatro semi-faixas da rodagem em cada um dos sentidos;
5)- Atento o sentido de marcha seguido pelo arguido, a Av. Padre Cruz: cruza, à esquerda com a Avenida Professor Vieira de Almeida, apresentando-se direita do cruzamento, a Av. Rainha D. Amélia;
6)- Atento o sentido de marcha seguido pelo veículo do arguido, existia um sinal vertical de obrigação que o obrigava a seguir em frente no cruzamento, não lhe sendo permitida a mudança de direcção à esquerda de forma a entrar na Av. Professor Vieira de Almeida;
7)- A entrada no cruzamento com essa Rua e a Av. Rainha D. Amélia, era regulada por sinais semafóricos, quer para o trânsito que circulasse no sentido Norte-Sul, ou seja, o sentido de marcha seguido por(JB), quer para o que circulava no sentido Sul Norte, ou seja o sentido de marcha seguido pelo veículo do arguido;
8)- Ao chegar à entrada desse cruzamento, o arguido tinha o sinal na cor verde e prosseguiu a marcha;
9)- Sensivelmente ao mesmo tempo, o motociclo conduzido por (JB), em obediência ao sinal semafórico que se encontrava na cor verde, entrou no cruzamento em referência;
10)- Inesperadamente, o arguido, em pleno cruzamento, muda a direcção do seu veículo para a esquerda, interceptando assim a trajectória seguida pelo motociclo conduzido por (JB), colocando assim o seu veículo no sentido de marcha da Rua Professor Vieira de Almeida;
11)- Nessa altura e sensivelmente na segunda semi faixa de rodagem a contar da direita, atento o sentido de marcha que seguia o motociclo já no cruzamento da Avenida Padre Cruz com a Rua professor Vieira de Almeida dá-se o embate entre o veículo conduzido pelo arguido e o motociclo conduzido por (JB), tendo este condutor sido projectado para o solo, embate que ocorreu com a parte frontal do motociclo e a parte central lateral direita do veículo do arguido;
12)- Após o embate o motociclo ficou tombado no solo nesse local e o arguido guinou o seu carro para a direita e imobilizou-o em cima do separador lateral da avenida Padre Cruz com a rua prof Vieira de Almeida;
13)- Em consequência deste embate, o ocupante do veículo do arguido, (FE), sofreu as lesões traumáticas abdominais e raquimedulares descritas nos autos e que foram causa directa e necessária da sua morte;
14)- Em resultado desse embate, o ofendido (JB) sofreu as lesões descritas nos autos e que lhe determinaram um período de doença desde 07-01-2000 a 17-02-2002;
15)- Das ofensas sofridas resultou, em concreto perigo para a vida de (JB);

16)- Como consequência permanente das lesões
sofridas, (JB) apresenta síndroma pós-traumático, que determina uma taxa de incapacidade permanente fixável em 10% a nível psiquiátrico, parésia do 6° par craniano, diminuição do movimento de elevação e rotação interna do membro superior esquerdo (elevado a 1300);
17)- O embate ficou a dever-se à conduta do arguido "supra" descrita, que realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda, num local em que tal lhe era vedado por lei, não tendo tido sequer o cuidado de verificar se a podia fazei sem perigar o restante trânsito;
18)- ). O arguido agiu livre e conscientemente, querendo realizar a manobra descrita, sem prever que em consequência de tal conduta podia originar o embate com o referido motociclo e consequente morte do ocupante do seu veículo e lesões da integridade física de (JB);
19)- Sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei;
20)- Na sequência do acidente o ofendido foi transportado pelo INEM ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa;
21)- Ali entrou em estado de coma, ficando internado, até 27/012000;
22) Recuperou a consciência cerca de duas semanas após o acidente;
23) Em 27/01, foi transferido para o Hospital Garcia de Orta, em Almada;
24) Manteve-se internado neste Hospital no Serviço de Neurocirurgia, até 04/02/00, data em que lhe foi concedida "alta" para o domicílio, com acompanhamento permanente de terceira pessoa;
25) De entre as diversas lesões diagnosticadas em consequência do acidente contam-se as seguintes: traumatismo cranio-encefálico grave, com contusão do tronco cerebral e higromas bifrontais; e fractura dos ossos do nariz;
26) Em resultados desssas lesões, no imediato, sobrevieram para o demandante complicações, tais como: oftalmoplegia intemuclear, incontinência e diminuição da força muscular;
27) Tais lesões provocaram no ofendido urna situação de incapacidade absoluta para o trabalho durante de 7-01-2000 a 17-02-2002;
28) O exame oftalmológico efectuado pelo ofendido a 20/10/2000, revelou paralisia bilateral dos músculos rectos externos;
29) Do foro da neurologia e neurofisiologia, foram detectadas na pessoa do ofendido `Perturbações graves da esfera emocional de tipo ango-depressivo reactivas as alterações funcionais relacionadas com a visão".., alteração da memória visual;
30) Psiquiatricamente, concluiu-se que o ofendido "sofre de um síndrome pós-traumático, caracterizado por dificuldades de atenção e concentração, baixa de memória, ansiedade, humor deprimido, irritabilidade, insónia, alterações do comportamento e impulsividade.., que diminuem o nível de eficiência pessoal e profissional que sob o ponto d e vista psiquiátrico justificam uma taxa de incapacidade parcial permanente fixável em 10%... ";
31) Para além das acabadas de referir, foram ainda registadas as seguintes sequelas:
a) uso de óculos de correcção com lente prismática à esquerda;
b) parésia do 6° par craneano;
c) diminuição do movimento de elevação e rotação interna do membro superior esquerdo;
32) Em Março de 2002 o ofendido (JB) mantinha-se de "baixa", desde a data do acidente, atribuída pela "médica de família";
33) O ofendido fez várias sessões de fisioterapia - quer no Hospital Garcia de Orta, quer posteriormente na Clínica Nova Almada - para recuperação funcional do membro superior esquerdo e para tratamento de lombalgia;
34) Apesar disso, mantém queixas dolorosas, na coluna vertebral, por causa de uma fractura da vértebra lonThar Li, que inicialmente não foi detectada, apesar das suas insistentes referências a dores, aquando das consultas em medicina externa no Hospital Garcia de Orta;
35) Só mais tarde foi confirmada a existência de tal fractura em exame radiografico realizado no Hospital Garcia de Orta;
36) Assim como, mantém queixas do foro oftalmológico, por diminuição da acuidade visual e diplopia;
37) Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, a primeira em 05/112001 e a outra, em 07/01/2002, através do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Mana;
38) Em consequência do acidente o ofendido ficou afectado de Incapacidade Geral Permanente Parcial de 35%, por causa das sequelas, irreversíveis, consistentes em: paralisia bilateral dos músculos rectos externos com estrabismo e diplopia, na diminuição da mobilidade do membro superior esquerdo, síndrome comocional pós-traumático traduzido por dificuldades de atenção e de concentração, baixa de memória, ansiedade, humor ligeiramente deprimido, irritabilidade, insónia, alterações do comportamento e impulsividade ligeiramente aumentada e lomabalgias residuais,
39) No exame médico legal efectuado em 23-04-2003 foi ainda considerado que tal incapacidade compatível com as actividades de gestão exercidas pelo ofendido, embora lhe exija grande esforço acrescido para o seu desempenho, mas sendo incompatível com a actividade de engenheiro civil;
40) (JB) sofreu dores intensas, nos momentos que se seguiram ao acidente e à medida que foi recuperando o conhecimento, assim como, nos períodos de convalescença, sendo qualificado o "Ouantum Doloris" relativo ao período de incapacidade temporária absoluta como considerável, no exame médico-legal efectuado em 23-04-2003;
41) Suportou dores e incómodos na realização das sessões de fisioterapia;
42) Sentiu-se em perigo de vida e, por causa da gravidade das lesões tem vivido ansioso e angustiado, ante a perspectiva de não mais poder recuperar mental e fisicamente;
43) Sente-se incapacitado e vê-se fisicamente diminuído perante os seus consócios, familiares e amigos;
44) Até à data do acidente, o demandante era uma pessoa alegre, bem humorada e fazia amizades com facilidade, sendo estimado pelos trabalhadores, vizinhos e amigos;
45) Por causa das lesões infligidas no acidente, foi mais afastado do convívio daqueles e tomou-se uma pessoa introvertida, angustiada, facilmente irritável, impaciente e mal humorado;
46) Passou a sofrer de frequentes insónias e estados de depressão, mostrando-se intolerante, quer consigo próprio, quer com os outros, rejeitando, por vezes, a companhia de familiares e amigos;
47) Tem e terá recordações do acidente e sente-se marcado pelas lesões e sequelas do mesmo, limitativas das suas capacidades físicas, psíquicas e emocionais;
48) Deixou de conduzir, pois tomou-se excessivamente receoso dos riscos da condução;
49) As sequelas de que está afectado, terão tendência para se agravarem com o decorrer da idade do demandante, particularmente, as respeitantes à mobilidade do braço esquerdo e da coluna vertebral, sentindo já dores com as mudanças de temperatura e acarretarão para o próprio maiores despesas com assistência, medicamentos e aquisição de próteses oftalmológicas;
50) O ofendido (JB) nasceu em 12-04-1953;
51) Detém participações sociais em quatro empresas de construção civil, desempenhando, à data do acidente, as funções de gerente com remuneração em duas delas (.., S.A.), tendo uma remuneração mensal no conjunto de ambas empresas de 196 311597/ 979,14 Euros, 14 vezes /ano ;
52) Para além disso, (JB) recebia ainda as participações nos resultados das ditas empresas, em montante não apurado;
53) Desde a data do acidente, o demandante tem recebido o correspondente subsídio de doença, pago pela Segurança Social, embora ainda assim tal pagamento reflicta uma perda de rendimento mensal em montante não apurado;
54) Do acidente resultou também a perda total do veículo de (JB) de acordocom a peritagem realizada pelos Serviços da ora demandada, que avaliou os salvados em Esc: 150.000800;
55) (JB) depois de ter colocado o motociclo em venda, através de anúncios em Jornal diário, comunicou à demandada que o ia transaccionar pela melhor oferta que recebeu, e vendeu-o por Esc: 160.000800 ;
56) O demandante tinha adquirido o referido motociclo em 18/11/1999, e mantinha-o temporariamente, até lhe ser entregue um outro que, naquela época, encomendou;
57) Tendo, então, ficado consignado que o "Stand" faria a retoma do motociclo do demandante pelo valor de Esc: 1.150.000800;
58) Em consequência do acidente, (JB) ficou com o seu vestuário rasgado e estragado, pelo que teve as seguintes perdas:- blusão de cabedal ;- luvas próprias para a condução de motas; 1 camisa "Gani", umas calças; botas próprias para mota;
59) Ficou ainda danificado o capacete "Arai NR 3" de valor não inferior a 80.000800;
60) Desapareceu o identficador da via Verde no valor de 3.000$00;
61) Teve ainda a despesa com o reboque do motociclo no valor de 10.530500 ;
62) Á demandada, ao abrigo da apólice "...", garantia o risco de responsabilidade civil, emergente da condução o veiculo de matricula …, conduzido pelo ora Arguido e que esteve na origem do acidente;
63) Em consequência dos ferimentos sofridos por (JB) provocados por este acidente foi o mesmo assistido nos serviços de urgência do Hospital Garcia de Orta, para receber tratamento médico adequado à gravidade das suas lesões corporais, tendo este Hospital prestado serviços da sua especialidade ao ofendido no valor total de 5 528,04 Furos, conforme facturas juntas com os n °s 1494, 4178 e 7337;
64) Em consequência deste acidente o Hospital Santa Maria Assistiu o ofendido (JB) os seguintes serviços:
-- cuidados de saúde em episódio de urgência em 07-01-2000 no valor de 4290;
- Realização de 2 TAC' S" s uma ao crânio encefálico sem contraste e outra à coluna com contraste no valor de 253,39 Euros;
- cuidados de saúde em episódio de internamento do dia 07-01-2000 a 27-01 – 2000;
63) Com base no falecimento em consequência do acidente de (FM), beneficiário da segurança social n° 101112234 foram requeridas no Centro Nacional de Pensões, pela viúva (...) as respectivas prestações por morte, as quais foram deferidas;
66) Em consequência, o Centro Nacional de Pensões pagou à referida viúva, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de Fevereiro de 2000 a Março de 2002 o montante global de 6535,42 Euros, sendo o valor mensal a essa data de 128,24 Euros
67) Em consequência do acidente ficou o ofendido (JB), beneficiário da Segurança Social com o n° 10522,0621 afectado de incapacidade para o trabalho, tendo o instituto de Segurança social pago ao mesmo, no período compreendido entre 07-01-2000 a 05-01-2003 prestações pecuniárias relativas a subsídio de doença no valor de 24. 425, 42 Euros;
68) O arguido tem 55 anos de idade;
69) É casado;
70) A data referida em 1) trabalhava na construção civil;
71) Actualmente está reformado, recebendo uma pensão no valor mensal de 220 euros;
72) Vive com a mulher, a qual é doméstica;
73) Reside em casa própria;
74) Possui como habilitações literárias o 4° ano de escolaridade;
75) O arguido é titular de carta de condução desde 2601-78;
76) O arguido não tem antecedentes criminais. ".

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Como resulta dos autos, não foi, na audiência de discussão e julgamento, feita a declaração a que aludem os 1 e 2 do art. 364. ° do C.P.P. o que, conforme o disposto no art. 428. ° N.° 2 Do C.P.P., vale como renúncia ao recurso em matéria de facto. Sem prejuízo, porém, do disposto nos 2 e 3 do art. 410º do mesmo diploma e tendo, evidentemente, presente o Acórdão do STJ de 95.10.19 (DR Ia Série A, de 95.12.28) que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento pelo tribunal de recurso dos vícios indicados no citado n. ° 2 do art. 410.° CPP.
Ora, como acima se deixou dito e decorre, aliás, da lei os presentes recursos têm de cingir-se à matéria de direito, nos termos do art. 428.° n.° 2 do C.P.P.
A menos que se fundem na existência dos vícios a que se alude no art. 410º. n.°s 2 e 3 C.P.P..
Sendo certo ainda que se não vislumbram na decisão recorrida vícios de que o tribunal conheça oficiosamente.
Daqui resulta que este Tribunal só pode e só deve apreciar os factos que constam da sentença.
A – Recurso da “Império Bonança - Companhia de seguros, S.A.":
Questiona a recorrente que a sentença quanto aos montantes das indemnizações atribuídas ao demandante a titulo de danos patrimoniais futuros ou, como se diz na douta sentença, relativos à perda de capacidade de ganho e a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais,
1) Insurge-se a recorrente contra o facto de a sentença recorrida ter considerado, para efeitos de cálculo da indemnização devida ao autor pelos danos patrimoniais futuros, o período de 70 anos e não o de 65 anos que considera o período laboral útil (idade da reforma).
Tem vindo a ser jurisprudência corrente e recente do Supremo Tribunal de Justiça que, no cálculo da indemnização por esta espécie de danos, se deve ter em conta, não exactamente a esperança média de vida activa do lesado, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente e segundo as estatísticas, a esperança média de vida dos homens é de sensivelmente 73 anos e a das mulheres acaba de ultrapassar os 80 anos) — neste sentido e por todos, Ac. do S.T.J., de 31-O3-2004, in www.dgsi.pt/jstj.nsf, que parafraseia o acórdão do S.T.J., de 28/9/95, CJSTJ, 30-36, <Onda a vida activa do lesado, por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece no mesmo momento e com ele todas as suas necessidades.».

Improcede, por conseguinte, esta questão.

II) Insurge-se a recorrente contra o montante dos danos não patrimoniais.
Consagra o artº. 496.°, n.° 1, do C. Civil a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O legislador deixa ao tribunal a tarefa de, por um lado, aferir o que é a gravidade merecedora da tutela jurídica e, por outro, em caso de verificação desse merecimento, determinar o valor adequado a ressarcir o dano, valor que será necessariamente influenciado pela extensão da respectiva gravidade.
A medição da gravidade do dano há-de ser feita coponderação das circunstâncias do caso concreto, à luz de critérios objectivos e não com base em padrões subjectivos e será apreciada em função da tutela do direito isto é, o dano deve revelar tal gravidade que justifique a atribuição de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado - Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral, 8' edição, vol. 1, pág. 617.
Para afixação do montante indemnizatório, m da a lei (n° 3 do art.° 496' C. Civil) que se usem juízos de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494 °, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre ai quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 1993, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 1, 1993, torno II, págs. 130 e segs. e cfr. também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1979, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 113, pag. 91 e de 18 de Março de 1997, na Colectânea de Jurisprudência, ano V, tomo 1, 1997,pag. 163 e segs. e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. 1, 9' edição, pag. 629.
Deverá ter-se ainda presente, com o vem afirmando a nossa jurisprudência, de forma constante, que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina – atenuar a dor sofrida pelo lesado. Na verdade, a jurisprudência do Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente no Supremo Tribunal de Justiça, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.° e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura a suportar - cfr. acórdão de 28 de Maio de 1998, revista n." 337/98 , mantendo plena actualidade o que se escreveu no Ac. STJ de 83.10.26 (BMJ 330-396): "é tempo de os tribunais inflacionarem as importâncias já que tudo sobe sem parar (lucros cessantes e danos emergentes). Todos têm de ganhar cada vez mais para enfrentar os altos custos. Até o preço da vida e da dor deve ser actualizado para não envilecer os respectivos valores".
A natureza compensatória da indemnização a arbitrar pressupõe, como acima se disse, que se tenha em conta não só o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado, mas também, as demais circunstâncias do caso entre as quais se contam a gravidade do dano causado – a intensidade e duração da dor física ou psíquica, ou dos sentimentos negativos provocados – sob pena de se por em causa a sua seriedade e o respeito devido a quem o sofreu.
Como se disse, nos danos não patrimoniais, na atribuição da indemnização deverá ter-se em consideração um juízo de equidade – ponderando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – e não os critérios fixados para a determinação da medida concreta da pena.
Pondera-se ainda que conforme ensina Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I , 2' Ed. Pág. 488) «a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por lado, visa compensar de algum modo mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente», não esquecendo que o agente da conduta que dá origem ao direito à indemnização não é a seguradora mas o arguido que com ela contratou a transferência da responsabilidade emergente da circulação do seu veículo e que é a culpa deste que se discute e não a da seguradora.
Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita a valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio.
Percorrida a matéria fáctica demonstrada e analisando a documentação clínica e relatórios constantes dos autos, não pode deixar de considerar-se a importância fixada na decisão como a resposta actualizada a que supra se alude. A mencionada quantia representa uma compensadora reparação pelo sofrimento moral do demandante, a reflectir a relativa extensão do mesmo em face da potencial dimensão que um dano num destes bens pode atingir", sendo, pois, manifestamente inglória a pretensão da recorrente nesta parte.

B – Recurso subordinado do demandante cível (JB):

Alega o recorrente que, quanto aos danos patrimoniais, o tribunal a quo deu como provado que "67 – Em consequência do acidente ficou o ofendido (JB), beneficiário da Segurança Social com o n º..., afectado de incapacidade para o trabalho, tendo o Instituto de Segurança Social pago ao mesmo, no período compreendido entre 07-01-2000 a 05-01-2003 prestações pecuniárias relativas a subsídio de doença no valor de 24.425.42 Euros" o que é contraditório com o facto do tribunal recorrido ter dado por não provado que "o subsídio de doença pago pela segurança social perfaz o total de 17.616,12 Euros, até 13-03-2002".
Porém, a sentença encontra-se logicamente sistematizada, consignando clara e taxativamente a matéria fáctica dada como provada, a dada como não provada, fixada de acordo com um raciocínio lógico ecoerente, não havendo incompatibilidade entre os factos provados e não provados - e o Recorrente não pode retirar conclusões positivas da fundamentação de factos negativos - remetendo para a documentação e depoimentos relevantes para a boa decisão da causa. Tal raciocínio é comprovado pela Fundamentação de Direito constante da sentença sob o ponto 111, constante de fls. 23.
Alega ainda que " por meio de simples cálculo aritmético, se extrai a conclusão de que o demandante perdeu: a) a quantia de 16.698,46 Euros, correspondente à diferença entre as retribuições que deveria ter auferido desde 07/01/2000 até à data de 05/01/2003 (979,14E x 14 meses x 3 anos = 41.123,88E, deduzindo aquele valor dos subsídios da Segurança social – 24.425,42é)".
Tal conclusão não é correcta.
Efectivamente, o recorrente esquece que sobre o seu vencimento incidiam descontos, entre outros, para a Segurança Social (10% gerente) e para o 1:RS (6,8% em 1999), o que não acontece no que se refere à quantia recebida a titulo de subsidio.
Acontece porém que, e como bem refere a sentença sob recurso, no que se reporta às perdas salariais peticionadas, não resultaram as mesmas provadas. Na verdade apurou-se que o demandante tem recebido subsídio da segurança social, não se tendo apurado a diferença alegada entre o recebido pela segurança social e os rendimentos reais que teria, não fosse o acidente. E o ónus da prova competia ao demandante, nos te mos ali assinalados, o que este não logrou fazer, ficando assim afastada a indemnização por este dano peticionada.
O mesmo se diga quanto à alegada perda de rendimentos derivada dos proventos das participações sociais - note-se que da declaração de 1RS junta a fls. 521, relativa ao ano de 1999, se conclui ser o rendimento bruto do arguido de 0:12.423,06 (Esc.:2.490.600$00) o que perfaz o rendimento mensal de C:887,36 sem que da mesma declaração conste qualquer outro rendimento para além dos rendimentos prediais urbanos.
Quanto aos danos de natureza não patrimonial, vale e aqui se reproduz o que acima ficou dito em resposta ao recurso da demandada seguradora nesta matéria.
III.
1.° A sentença recorrida fez rigorosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento, a indemnização fixada foi a correcta e adequada, não ocorrendo os assacados vícios, pelo que não justificava a crítica que com a sua impugnação os recorrentes lhe dirige.
2.° Pelo exposto rejeitam-se liminarmente os recursos, por manifesta improcedência substantiva, confirmando-se a sentença recorrida.
3.° Custas a cargo dos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 6 UC's com I/4 de procuradoria e legal acréscimo.

Lisboa, 28/10/04

Trigo Mesquita

Almeida Cabral

Francisco Caramelo



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