DENOMINAÇÃO SOCIAL
Sumário

Conflito entre firmas ou denominações sociais.
Princípio da novidade e do exclusivismo.
No juízo de sobre a confundibilidade entre as firmas e denominações sociais em cotejo dever-se-á ter em conta não só as actividades concretamente exercidas pela Ré, mas também as actividades permitidas e contidas no seu amplo objecto social , definido no contrato de sociedade

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - AUDI AG, sociedade Alemã, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra AUDITRADING – Importação e Exportação, Lda., pedindo que seja declarada a nulidade do art.º 1 do contrato de sociedade da Ré, e, consequentemente, a respectiva denominação social, condenando-se a mesma a abster-se de usar a expressão “Auditrading” ou outra que inclua a palavra “Audi”, no exercício do seu comércio, designadamente, na sua denominação social, como marca, nome ou insígnia de estabelecimento, logotipo, no seu papel timbrado, ou sob qualquer outra forma.
Alegou para tanto, em síntese que:
A sua denominação social é “AUDI AG” e é titular do registo de várias marcas internacionais caracterizadas pela expressão “AUDI”, sendo a denominação social da R. confundível com a sua denominação e com os seus sinais distintivos, gerando situações de erro ou confusão no consumidor e potenciando a prática de actos de concorrência desleal.
Por outro lado, a Ré tem um objecto social amplo que abrange a actividade de importação e exportação e a representação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio, pelo que nos termos estatutários poderá importar, exportar, representar quaisquer mercadorias, nomeadamente aquelas que a Autora assinala com as suas marcas AUDI.
A inclusão da expressão AUDI na denominação social da Ré AUDITRADING viola os direitos da Autora e é susceptível de originar situações de confusão no espírito do consumidor, que será levado a concluir que a Ré é uma empresa do grupo ou se acha associada à Autora, pelo que há fundamento legal para a anulação da denominação social da Ré.
Citada, a Ré contestou alegando que não há coincidência gráfica e fonética entre as expressões AUDI e AUDITRADING, pelo que a sua denominação social não é confundível com a da A. nem com os seus sinais distintivos. Acrescenta que existem inúmeras empresas que utilizam o prefixo “AUDI”, prefixo esse que é genérico e que a sua actividade comercial nada tem a ver com a da A. pelo que não há risco de situações de erro ou confusão.
Acrescenta ainda que usa a sua denominação há mais de cinco anos e que a A. não comunicou ao RNPC a existência das suas marcas.
Em sede de reconvenção pede a condenação da A., caso a acção venha a ser julgada procedente, no pagamento de uma indemnização reparadora dos prejuízos que irá ter pela alteração da sua denominação social.
Na réplica, a Autora alegou que a expressão Audi não tem carácter genérico, e que a comunicação ao RNPC reveste uma mera função preventiva, não havendo que considerar um qualquer prazo de cinco anos para efeitos de propositura da acção.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.
Saneado o processo, fixou-se a matéria de facto assente e a base instrutória.
Após julgamento, o Tribunal respondeu à matéria de facto, pela forma que consta de fls. 315 a 318.

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FACTOS PROVADOS :
Com interesse para a decisão da causa considerou-se assente a seguinte factualidade (factos provados constantes da matéria de facto assente, da resposta à base instrutória e das certidões juntas após a elaboração da BI pelas partes):
1 – A A. é uma sociedade comercial constituída na Alemanha e que adoptou em 1 de Janeiro de 1985 a denominação social AUDI AG.
2 – Nos termos do seu pacto social a A. dedica-se ao desenvolvimento, fabrico e comercialização de veículos, bem como veículos e motores de todos os tipos, seus acessórios, máquinas, ferramentas e outros artigos técnicos.
3 - A A. é titular do registo das seguintes marcas internacionais:
- 422.522 “AUDI”, registada internacionalmente em 28 de Maio de 1976 e concedida em Portugal por despacho de 4 de Maio de 1977, destinada a assinalar automóveis e partes de veículos;
- 504.971 “AUDI quattro”, registada internacionalmente em 9 de Agosto de 1986 e concedida em Portugal por despacho de 13 de Agosto de 1987, destinada a assinalar viaturas particulares e suas partes.
4 – As marcas referidas em 3) têm a configuração reproduzida a fls. 40 e 42.
5 - A autora teve conhecimento que em 1992 se constituiu em Portugal na sociedade R. com a denominação social “AUDITRADING – Importação e Exportação, Lda.
6 - A R. tem por objecto social a concepção, produção e comercialização de bens agrícolas e industriais em Portugal e no estrangeiro, incluindo a actividade de importação e exportação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio.
7 - A firma da sociedade R. foi certificada pelo RNPC e registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
8 – A A. é uma grande empresa, muito conhecida em todo o mundo, designadamente em Portugal, no exercício do seu comércio.
9 – O elemento da denominação social da A. – AUDI – e das suas marcas – AUDI – gozam de grande divulgação e renome em todo o mundo.
10 – Designadamente em Portugal.
11 – A R. importa preservativos desde a sua constituição.
12 – A R. nunca foi confundida com a marca de veículos automóveis AUDI.
13 – A denominação social adoptada pela R. teve como fonte o nome dos seus três sócios fundadores: (A), (B) e (D).
14 – O “I” final foi pensado para significar a actividade de importação que se supunha e veio a ser predominante.
15 – Nunca ninguém pensou ou actuou na ideia de que a sociedade R. pertencesse ou integrasse o grupo da A.
16 – A clientela da R. conhece-a como importadora de artigos de higiene vendidos em farmácias e supermercados.
17 – Nos veículos automóveis as quatro letras da marca AUDI da A. surgem acompanhadas de quatro argolas interpenetradas.
18 – Encontram-se registadas no RNPC quatro sociedades que contêm na sua denominação social a expressão “AUDI”.
19 – O prefixo “AUDI” usado pela R. nunca aparece desligado da frase “Trading – Importação e Exportação, Lda.”.
20 – A R. tem como instalações a sua sede, num 4º andar da R. dos Fanqueiros, e um armazém.
21 – O registo da firma da R. foi efectuado sem qualquer oposição.
22 – Se a R. alterasse a sua denominação social teria danos decorrentes da alteração de todos os instrumentos que utiliza na comercialização dos seus produtos.
23 – Nomeadamente impressos, publicidade, embalagens, carimbos e placas.
24 -E teria de executar diligências não previstas de sensibilização da sua clientela, seus fornecedores, seus prestadores de serviços e entidades públicas.
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Proferiu-se a seguinte decisão:
« Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção declarativa de condenação intentada por “AUDI AG” contra “AUDITRADING – Importação e Exportação, Lda.” improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo a R. de todo o pedido. ---

Custas pela A. (art. 446.º, n.º 1, in fine, do Cod. Processo Civil).»

Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, que foi admitido como apelação.

As alegações, a Recorrente apresentou as seguintes conclusões :

1).O elemento prevalecente das marcas e denominação social da Apelante é a palavra AUDI : isto é, é esse elemento que lhes confere eficácia distintiva e que é retido na memória dos consumidores.

2)A palavra TRADING, da denominação socia1 AUDITRADING, por si só, não tem eficácia distintiva bastante já que é uma palavra de uso corrente da 1íngua inglesa e que significa comércio.
3)A comparação entre os sinais em confronto deverá, pois, ser efectuada apenas entre AUDI (da denominação socia1 AUDITRADING ) e AUDI (da denominação social e marcas da Apelante): ou seja, os sinais em confronto são exactamente iguais.
4)AUDITRADING é susceptível de ser traduzido como "o comércio de AUDI" .
5)A Apelante é uma grande empresa muito conhecida em todo o mundo, gozando a sua denominação socia1 e marcas AUDI de grande divulgação e renome em Portugal.
6)Por outras, as marcas AUDI da Apelante são marcas notórias.
7)E tal como sustenta a doutrina e jurisprudência maioritária, a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que a marca notória deixa na memória do público uma lembrança certa e persistente: o risco de confusão é maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece, como é o caso da notória.
8)Assim, o facto de as marcas AUDI serem notoriamente conhecidas dos consumidores de todo o mundo e, especia1, dos consumidores portugueses, agrava a possibilidade de ocorrer situações de erro ou confusão entre essas marcas e a denominação AUDITRADING, a qual será certamente tomada como uma simples variante, extensão ou uma associada da Apelante AUDI.
9)Por outro lado, ao contrário do que se considerou na sentença recorrida, não é através da comparação das actividades efectivamente exercidas em cada momento que se poderá verificar se essas actividades são ou não concorrenciais, ou como dispõe o art.º 33.º, n.º l, do Decreto-Lei n. 129/98, de 13 de Maio, se se inserem no mesmo âmbito de exclusividade.
10)Com efeito, é jurisprudência pacifica que o âmbito de exclusividade de cada sociedade deve ser procurado no objecto social, tal como se encontra descrito no respectivo pacto socia1, e não na actividade efectivamente prosseguida por essas sociedades em cada momento, a qua1 como se compreende poderá mudar de um dia para o outro.
11)E tanto assim é que o Registo Naciona1 de Pessoas Colectivas (RNPC) quando é chamado a pronunciar-se sobre a susceptibilidade de confusão de determinada denominação social registanda com outras denominações sociais já registadas, apenas pode ter em consideração o objecto social de cada uma dessas sociedades e não, como é óbvio, as actividades concretamente prosseguidas em determinado momento (as quais desconhece).
12) Ora, a Apelada tem um objecto social muito amplo, que inclui, nomeadamente, a concepção, produção, comercialização de bens industriais em Portugal e no estrangeiro, incluindo a actividade de importação e exportação e a representação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio.
13)Por esse motivo, embora a actividade efectivamente exercida pela Apelada consista no comércio de preservativos, o seu objecto socia1 permite que, a qualquer momento, a Apelada inicie a importação ou comercialização de veículos e motores de todos os tipos, seus acessórios, assim como todas as máquinas, ferramentas e outros artigos técnicos (precisamente as actividades da Apelante).
14)Ou seja, a Apelada poderá a qualquer momento, comercializar artigos concorrenciais dos que são fabricados e comercializados pela Apelante, como por exemplo os que atrás se mencionaram.
15)Aliás, é o próprio Tribunal a quo que admite que: "É certo que o objecto social da R. é amplo e pode eventua1mente nele caber a comercialização de veículos automóveis ou peças".
16)Também não deve ter merecimento o entendimento do Tribunal a quo, de acordo com o qual, deveria ter sido demonstrada a ocorrência de alguma situação concreta de erro ou confusão entre a denominação social e marcas da Apelante AUDI e a denominação social da Apelada AUDITRADING
17)Salvo o devido respeito, é errado este entendimento perfi1hado na sentença recorrida, pois sob a Apelante não recai qualquer ónus que impusesse tal prova.
18)Na verdade, de acordo com o disposto no art. 33.º,n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, a mera susceptibilidade de poderem vir a ocorrer situações de erro, confusão ou risco de associação entre as firmas AUDI e AUDITRADING e as marcas AUDI é quanto para se anular a denominação social da Apelada.
19) A susceptibilidade de ocorrerem situações de erro ou confusão é uma conclusão jurídica à qual se chega através de um mero raciocínio apriorístico.
20) Note-se que, também, o art.º 5.º do Código da Propriedade Industrial dispõe que : os registos de marca, denominações de origem, nomes e insígnias de estabelecimento constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo : atente-se, a lei usa a expressão “confundíveis ” e não “ confundidos ”
21) Como se tal não fosse suficiente, a denominação social AUDITRADING produz efeitos que repugnam à consciência ética do comerciante médio de qualquer ramo de actividade, até porque a Apelante vê o seu prestigiado e conhecido nome AUDI associado ao comércio de preservativos.
22) Motivo pelo qual, permitindo a constituição de uma sociedade com a denominação social de AUDITRADING, quando a Apelante é titular de uma denominação social e marcas AUDI, notoriamente conhecidas em Portugal, potenciar-se-á a existência de situações de concorrência desleal, as quais estão previstas e punidas no art.º 260.º do Código da Propriedade Industrial.
23) Forçoso, também, será concluir que a sentença recorrida violou entre outras disposições legais o art.º 33.º, n.º 1 e 2, do D.L. 129/98 de 13 de Maio e ao artigos 5.º, n.º 3, 207.º e 260.º do C.P.I., aprovado pelo D.L. 16/95 de 24 de Janeiro.
Nestes termos, sustenta que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, deve a presente acção ser julgada procedente.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II- O âmbito do recurso está, objectivamente, delimitado pelas questões postas nas conclusões das alegações da Recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do C.P.C.
Nas conclusões coloca-se essencialmente a seguinte questão :
Se a denominação social AUDITRADING da Apelada é confundível com a denominação social AUDI da Apelante.
Apreciando.
A marca serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto da actividade do comerciante, ao passo que a firma destina-se a individualizar o comerciante, ou seja , é um sinal distintivo dos comerciantes.
Em princípio os interessados têm liberdade para comporem a firma que pretendem adoptar conforme lhes seja mais conveniente, o que é compreensível atento o carácter obrigatório das firmas, devendo, porém, respeitar os princípios da verdade e da novidade que encontram consagração legal no D.L. 129/96 de 13 de Maio, que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas ( RNPC ).
Os elementos que compõem as firmas e denominações sociais devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividades do seu titular ( art.º 32.º, n.º 1 ).
O princípio da novidade impõe que a firma e a denominação social de cada comerciante seja distinta da dos outros comerciantes, assegurando assim a respectiva função distintiva, que consiste em individualizar ou distinguir o comerciante no exercício do seu comércio dos demais comerciantes.
Tal princípio tem acolhimento no art.º 33.º do mesmo diploma legal, onde no seu n.º 1 se prescreve que: « As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de erro ou confusão com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de actividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas ».
E, no seu n.º 2, que : « Os juízos sobre distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas ».
Para se ajuizar sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro « deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos” (art. 33.º, n.º 2).
Confrontando a denominação social da Ré apelada ( AUDITRADING ) não só com a firma da Autora apelante mas também com a sua marca, pode-se concluir que aquela contém a expressão AUDI que é idêntica ao elemento componente dos sinais da última.
Por outro lado, tal expressão AUDI representa o elemento prevalente da firma AUDITRADING-Importação e Exportação da Ré, pois que se trata do elemento constitutivo dessa firma mais adequado e idóneo a perdurar na memória do público, a impressionar, por ser dotado, por si, de eficácia distintiva.
Ao contrário, a expressão TRADING, por si, não tem eficácia distintiva já que é uma palavra de uso corrente na língua inglesa e que significa comércio ou troca, e os demais elementos são meros indicadores do tipo e do ramo de actividade, desempenhando aquele e estes elementos uma função acessória na composição da firma ou denominação social da Ré.
Novidade significa, pois, o mesmo que inconfundibilidade, e há-de ser aferida em relação ao conteúdo global da firma. Nesta perspectiva, a expressão AUDI é o elemento nuclear que se destaca na denominação social da Ré, por ser o mais idóneo a ser retido na memória do consumidor, e que é idêntico ao elemento constitutivo da denominação social e das marcas da Autora.
Neste sentido, Ferrer Correia in Lições de Direito Comercial, vol. 1.º, p. 299 a 301.
Pode, portanto, a firma da Ré ser confundida com a da Autora, havendo essa possibilidade ou risco de confusão em relação ao consumidor médio que poderá tomar uma sociedade por outra ou associar as duas sociedades numa relação de grupo ( quando tal relação não existe ), possibilidade essa que é agravada pelo facto de as marcas da Autora serem marcas notórias.
Coloca-se, agora, uma questão subsequente.
Se conflito ou confundibilidade entre os sinais da Ré e da Autora deixará de relevar pela circunstância da actividade exercida por aquela não ser concorrencial com os serviços e actividade assinalados pela marca e objecto social desta .
Por outras palavras, se o princípio da novidade e do exclusivismo da firma cede nessa circunstância.
Na verdade, ficou provado que as marcas da A. assinalam veículos e seus componentes e que o seu objecto social consiste na desenvolvimento, fabrico e comercialização de veículos, bem como veículos e motores de todos os tipos, seus acessórios, máquinas, ferramentas e outros artigos técnicos.
Por seu turno, a R. tem por objecto social concepção, produção e comercialização de bens agrícolas e industriais em Portugal e no estrangeiro, incluindo a actividade de importação e exportação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio, dedicando-se à importação de preservativos desde a sua constituição e sendo conhecida como importadora de artigos de higiene.
Face a este quadro, poder-se-á afirmar que, entre elas, não haverá actividade concorrencial, por o segmento de mercado respectivo ser diferente, o que afastaria a possibilidade de os clientes da R. fazerem qualquer tipo de confusão ou associação entre ela e a firma da Autora e os produtos assinalados pelas marcas de que esta é detentora e titular.
Estando em confronto serviços e actividades tão diversificados, parece não fazer qualquer sentido pensar-se que uma empresa que comercializa preservativos está de algum modo ligada ao ramo automóvel.
Mas não é bem assim.
Com efeito, o objecto social da Ré é de tal modo amplo que nele cabe a importação de quaisquer mercadorias ou bens comerciais, designadamente, bens abrangidos pelo objecto social da Autora, como por ex. peças de automóveis, motores, ferramentas.
Assim, no juízo de sobre a confundibilidade entre as firmas e denominações sociais em cotejo dever-se-á ter em conta não só as actividades concretamente exercidas pela Ré, mas também as actividades permitidas e contidas no seu amplo objecto social , definido no contrato de sociedade.
A Ré importa preservativos mas pode passar a importar, por ex., peças de automóveis, ou seja, pode vir a exercer este tipo de comércio, contido no seu objecto social.
Por outras palavras, a Ré apelada poderá, a qualquer momento, comercializar artigos concorrenciais dos que são fabricados e comercializados pela Apelante.
Não obstante a actividade comercial exercida pela Ré não ser, actualmente, concorrente com a da Autora, não se pode, pois, deixar de concluir que as denominações sociais ora em confronto são susceptíveis de confusão ou erro entre si., nos termos dos art.º 33.º, n.º s 1 e 2, do D.L.129/98.
Quando para a lei , na formulação do juízo sobre a não susceptibilidade de confusão entre denominações sociais, se deve tomar em conta a afinidade ou proximidade das actividades, estas devem ser interpretadas como aquelas que estão contidas no objecto das sociedades, mesmo que não estejam a ser exercidas em dado momento, mas que possam vir a ser em momento ulterior, pois só assim o titular do registo definitivo anterior gozará, de forma absoluta, do direito ao uso exclusivo da firma ou denominação social.
Dado que a denominação social da Ré AUDITRADING é susceptível de ser confundida com a denominação social da Autora AUDI, pelas razões acima apontadas, o uso daquela denominação é ilegal por violar o direito desta última ao uso exclusivo da sua denominação social.
Tem, assim, a Autora o direito de exigir a proibição do uso ilegal da firma AUDITRADING, pela Ré apelada, nos termos do art.º 62.º daquele diploma legal.
Para além de tal conflito entre firmas, há um conflito entre a denominação social da Ré AUDITRADING e as marcas - AUDI - da Autora. uma vez que aquela denominação é susceptível de ser confundida com este sinal distintivo (marcaAUDI ).
Actualmente, este tipo de conflito encontra-se expressamente prevenido na lei.
Assim, no n.º 5 do referido art.º 33, quanto aos juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro, prescreve-se que « deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos »
Paralelamente, preceitua o art.º 5.º, n.º 3, do C.P.I. que: « Os registos de marca (...) constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo ».
A denominação social da Ré é susceptível de ser confundida com o sinal distintivo da marca AUDI, da Autora, pelas mesmas razões que se concluiu pela confundibilidade entre as firmas em confronto.
Na verdade, não obsta a tal conclusão a circunstância de a Ré não comercializar, actualmente, produtos idênticos ou afins daqueles a que se reporta a marca AUDI, pois que pode, em qualquer altura, passar a importar tal tipo de produtos, o que lhe é permitido pelo seu amplo objecto social.
Pelo que, o registo da marca AUDI constitui fundamento legal de anulação da denominação social da Ré AUDITRADING, nos termos do disposto nos artigos 33.º, n.º 5 do D.L.129/98 e 5.º, n.º 3, do CPI.

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Não ficou provado que o objectivo da R. ao usar a expressão “AUDITRADING” fosse o de causar prejuízo à A. ou o de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, pelo que não ficou demonstrado que tenha havido concorrência desleal, por parte da Ré.
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Uma vez que o pedido reconvencional foi deduzido para ser conhecido apenas no caso de se julgar procedente a acção e uma vez que tal sucede, há que conhecer do mesmo pedido.
Na reconvenção, pede a Ré que a Autora seja condenada a pagar os danos produzidos pela extinção da firma.
Decorre do art.º 483.º, n.º 1, do C.C., que são elementos da responsabilidade civil extracontratual: o facto; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano ( Almeida Costa, Obrigações, 4.º, 364 ).
É manifesto que, na presente acção, não se provou qualquer actuação ilícita por parte da Autora, pelo que falha em absoluto um pressuposto essencial de tal tipo de responsabilidade civil, carecendo, assim, totalmente de fundamento o direito à indemnização a que se arroga a Ré na reconvenção, que, por isso, não pode deixar de improceder.


III – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida, declarando-se nulo o artigo 1.º do contrato de sociedade da Ré, a respectiva denominação social, condenando-se a mesma a, no exercício do seu comércio, abster-se de usar a expressão AUDITRADING ou outra que inclua a palavra AUDI, na denominação social, como marca, nome ou insígnia de estabelecimento, logotipo, no seu papel timbrado, ou sob qualquer outra forma.
Acorda-se ainda em julgar improcedente a reconvenção, absolvendo-se a Autora do pedido reconvencional.
Custas pela Ré.

Lisboa, 28/10/04
Gonçalves Rodrigues
Aguiar Pereira
Urbano Dias