Conflito entre firmas ou denominações sociais.
Princípio da novidade e do exclusivismo.
No juízo de sobre a confundibilidade entre as firmas e denominações sociais em cotejo dever-se-á ter em conta não só as actividades concretamente exercidas pela Ré, mas também as actividades permitidas e contidas no seu amplo objecto social , definido no contrato de sociedade
Custas pela A. (art. 446.º, n.º 1, in fine, do Cod. Processo Civil).»
Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, que foi admitido como apelação.
As alegações, a Recorrente apresentou as seguintes conclusões :
1).O elemento prevalecente das marcas e denominação social da Apelante é a palavra AUDI : isto é, é esse elemento que lhes confere eficácia distintiva e que é retido na memória dos consumidores.
2)A palavra TRADING, da denominação socia1 AUDITRADING, por si só, não tem eficácia distintiva bastante já que é uma palavra de uso corrente da 1íngua inglesa e que significa comércio.
3)A comparação entre os sinais em confronto deverá, pois, ser efectuada apenas entre AUDI (da denominação socia1 AUDITRADING ) e AUDI (da denominação social e marcas da Apelante): ou seja, os sinais em confronto são exactamente iguais.
4)AUDITRADING é susceptível de ser traduzido como "o comércio de AUDI" .
5)A Apelante é uma grande empresa muito conhecida em todo o mundo, gozando a sua denominação socia1 e marcas AUDI de grande divulgação e renome em Portugal.
6)Por outras, as marcas AUDI da Apelante são marcas notórias.
7)E tal como sustenta a doutrina e jurisprudência maioritária, a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que a marca notória deixa na memória do público uma lembrança certa e persistente: o risco de confusão é maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece, como é o caso da notória.
8)Assim, o facto de as marcas AUDI serem notoriamente conhecidas dos consumidores de todo o mundo e, especia1, dos consumidores portugueses, agrava a possibilidade de ocorrer situações de erro ou confusão entre essas marcas e a denominação AUDITRADING, a qual será certamente tomada como uma simples variante, extensão ou uma associada da Apelante AUDI.
9)Por outro lado, ao contrário do que se considerou na sentença recorrida, não é através da comparação das actividades efectivamente exercidas em cada momento que se poderá verificar se essas actividades são ou não concorrenciais, ou como dispõe o art.º 33.º, n.º l, do Decreto-Lei n. 129/98, de 13 de Maio, se se inserem no mesmo âmbito de exclusividade.
10)Com efeito, é jurisprudência pacifica que o âmbito de exclusividade de cada sociedade deve ser procurado no objecto social, tal como se encontra descrito no respectivo pacto socia1, e não na actividade efectivamente prosseguida por essas sociedades em cada momento, a qua1 como se compreende poderá mudar de um dia para o outro.
11)E tanto assim é que o Registo Naciona1 de Pessoas Colectivas (RNPC) quando é chamado a pronunciar-se sobre a susceptibilidade de confusão de determinada denominação social registanda com outras denominações sociais já registadas, apenas pode ter em consideração o objecto social de cada uma dessas sociedades e não, como é óbvio, as actividades concretamente prosseguidas em determinado momento (as quais desconhece).
12) Ora, a Apelada tem um objecto social muito amplo, que inclui, nomeadamente, a concepção, produção, comercialização de bens industriais em Portugal e no estrangeiro, incluindo a actividade de importação e exportação e a representação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio.
13)Por esse motivo, embora a actividade efectivamente exercida pela Apelada consista no comércio de preservativos, o seu objecto socia1 permite que, a qualquer momento, a Apelada inicie a importação ou comercialização de veículos e motores de todos os tipos, seus acessórios, assim como todas as máquinas, ferramentas e outros artigos técnicos (precisamente as actividades da Apelante).
14)Ou seja, a Apelada poderá a qualquer momento, comercializar artigos concorrenciais dos que são fabricados e comercializados pela Apelante, como por exemplo os que atrás se mencionaram.
15)Aliás, é o próprio Tribunal a quo que admite que: "É certo que o objecto social da R. é amplo e pode eventua1mente nele caber a comercialização de veículos automóveis ou peças".
16)Também não deve ter merecimento o entendimento do Tribunal a quo, de acordo com o qual, deveria ter sido demonstrada a ocorrência de alguma situação concreta de erro ou confusão entre a denominação social e marcas da Apelante AUDI e a denominação social da Apelada AUDITRADING
17)Salvo o devido respeito, é errado este entendimento perfi1hado na sentença recorrida, pois sob a Apelante não recai qualquer ónus que impusesse tal prova.
18)Na verdade, de acordo com o disposto no art. 33.º,n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, a mera susceptibilidade de poderem vir a ocorrer situações de erro, confusão ou risco de associação entre as firmas AUDI e AUDITRADING e as marcas AUDI é quanto para se anular a denominação social da Apelada.
19) A susceptibilidade de ocorrerem situações de erro ou confusão é uma conclusão jurídica à qual se chega através de um mero raciocínio apriorístico.
20) Note-se que, também, o art.º 5.º do Código da Propriedade Industrial dispõe que : os registos de marca, denominações de origem, nomes e insígnias de estabelecimento constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo : atente-se, a lei usa a expressão “confundíveis ” e não “ confundidos ”
21) Como se tal não fosse suficiente, a denominação social AUDITRADING produz efeitos que repugnam à consciência ética do comerciante médio de qualquer ramo de actividade, até porque a Apelante vê o seu prestigiado e conhecido nome AUDI associado ao comércio de preservativos.
22) Motivo pelo qual, permitindo a constituição de uma sociedade com a denominação social de AUDITRADING, quando a Apelante é titular de uma denominação social e marcas AUDI, notoriamente conhecidas em Portugal, potenciar-se-á a existência de situações de concorrência desleal, as quais estão previstas e punidas no art.º 260.º do Código da Propriedade Industrial.
23) Forçoso, também, será concluir que a sentença recorrida violou entre outras disposições legais o art.º 33.º, n.º 1 e 2, do D.L. 129/98 de 13 de Maio e ao artigos 5.º, n.º 3, 207.º e 260.º do C.P.I., aprovado pelo D.L. 16/95 de 24 de Janeiro.
Nestes termos, sustenta que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, deve a presente acção ser julgada procedente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II- O âmbito do recurso está, objectivamente, delimitado pelas questões postas nas conclusões das alegações da Recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do C.P.C.
Nas conclusões coloca-se essencialmente a seguinte questão :
Se a denominação social AUDITRADING da Apelada é confundível com a denominação social AUDI da Apelante.
Apreciando.
A marca serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto da actividade do comerciante, ao passo que a firma destina-se a individualizar o comerciante, ou seja , é um sinal distintivo dos comerciantes.
Em princípio os interessados têm liberdade para comporem a firma que pretendem adoptar conforme lhes seja mais conveniente, o que é compreensível atento o carácter obrigatório das firmas, devendo, porém, respeitar os princípios da verdade e da novidade que encontram consagração legal no D.L. 129/96 de 13 de Maio, que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas ( RNPC ).
Os elementos que compõem as firmas e denominações sociais devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividades do seu titular ( art.º 32.º, n.º 1 ).
O princípio da novidade impõe que a firma e a denominação social de cada comerciante seja distinta da dos outros comerciantes, assegurando assim a respectiva função distintiva, que consiste em individualizar ou distinguir o comerciante no exercício do seu comércio dos demais comerciantes.
Tal princípio tem acolhimento no art.º 33.º do mesmo diploma legal, onde no seu n.º 1 se prescreve que: « As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de erro ou confusão com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de actividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas ».
E, no seu n.º 2, que : « Os juízos sobre distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas ».
Para se ajuizar sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro « deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos” (art. 33.º, n.º 2).
Confrontando a denominação social da Ré apelada ( AUDITRADING ) não só com a firma da Autora apelante mas também com a sua marca, pode-se concluir que aquela contém a expressão AUDI que é idêntica ao elemento componente dos sinais da última.
Por outro lado, tal expressão AUDI representa o elemento prevalente da firma AUDITRADING-Importação e Exportação da Ré, pois que se trata do elemento constitutivo dessa firma mais adequado e idóneo a perdurar na memória do público, a impressionar, por ser dotado, por si, de eficácia distintiva.
Ao contrário, a expressão TRADING, por si, não tem eficácia distintiva já que é uma palavra de uso corrente na língua inglesa e que significa comércio ou troca, e os demais elementos são meros indicadores do tipo e do ramo de actividade, desempenhando aquele e estes elementos uma função acessória na composição da firma ou denominação social da Ré.
Novidade significa, pois, o mesmo que inconfundibilidade, e há-de ser aferida em relação ao conteúdo global da firma. Nesta perspectiva, a expressão AUDI é o elemento nuclear que se destaca na denominação social da Ré, por ser o mais idóneo a ser retido na memória do consumidor, e que é idêntico ao elemento constitutivo da denominação social e das marcas da Autora.
Neste sentido, Ferrer Correia in Lições de Direito Comercial, vol. 1.º, p. 299 a 301.
Pode, portanto, a firma da Ré ser confundida com a da Autora, havendo essa possibilidade ou risco de confusão em relação ao consumidor médio que poderá tomar uma sociedade por outra ou associar as duas sociedades numa relação de grupo ( quando tal relação não existe ), possibilidade essa que é agravada pelo facto de as marcas da Autora serem marcas notórias.
Coloca-se, agora, uma questão subsequente.
Se conflito ou confundibilidade entre os sinais da Ré e da Autora deixará de relevar pela circunstância da actividade exercida por aquela não ser concorrencial com os serviços e actividade assinalados pela marca e objecto social desta .
Por outras palavras, se o princípio da novidade e do exclusivismo da firma cede nessa circunstância.
Na verdade, ficou provado que as marcas da A. assinalam veículos e seus componentes e que o seu objecto social consiste na desenvolvimento, fabrico e comercialização de veículos, bem como veículos e motores de todos os tipos, seus acessórios, máquinas, ferramentas e outros artigos técnicos.
Por seu turno, a R. tem por objecto social concepção, produção e comercialização de bens agrícolas e industriais em Portugal e no estrangeiro, incluindo a actividade de importação e exportação de todo e qualquer tipo de mercadorias do ramo de comércio, dedicando-se à importação de preservativos desde a sua constituição e sendo conhecida como importadora de artigos de higiene.
Face a este quadro, poder-se-á afirmar que, entre elas, não haverá actividade concorrencial, por o segmento de mercado respectivo ser diferente, o que afastaria a possibilidade de os clientes da R. fazerem qualquer tipo de confusão ou associação entre ela e a firma da Autora e os produtos assinalados pelas marcas de que esta é detentora e titular.
Estando em confronto serviços e actividades tão diversificados, parece não fazer qualquer sentido pensar-se que uma empresa que comercializa preservativos está de algum modo ligada ao ramo automóvel.
Mas não é bem assim.
Com efeito, o objecto social da Ré é de tal modo amplo que nele cabe a importação de quaisquer mercadorias ou bens comerciais, designadamente, bens abrangidos pelo objecto social da Autora, como por ex. peças de automóveis, motores, ferramentas.
Assim, no juízo de sobre a confundibilidade entre as firmas e denominações sociais em cotejo dever-se-á ter em conta não só as actividades concretamente exercidas pela Ré, mas também as actividades permitidas e contidas no seu amplo objecto social , definido no contrato de sociedade.
A Ré importa preservativos mas pode passar a importar, por ex., peças de automóveis, ou seja, pode vir a exercer este tipo de comércio, contido no seu objecto social.
Por outras palavras, a Ré apelada poderá, a qualquer momento, comercializar artigos concorrenciais dos que são fabricados e comercializados pela Apelante.
Não obstante a actividade comercial exercida pela Ré não ser, actualmente, concorrente com a da Autora, não se pode, pois, deixar de concluir que as denominações sociais ora em confronto são susceptíveis de confusão ou erro entre si., nos termos dos art.º 33.º, n.º s 1 e 2, do D.L.129/98.
Quando para a lei , na formulação do juízo sobre a não susceptibilidade de confusão entre denominações sociais, se deve tomar em conta a afinidade ou proximidade das actividades, estas devem ser interpretadas como aquelas que estão contidas no objecto das sociedades, mesmo que não estejam a ser exercidas em dado momento, mas que possam vir a ser em momento ulterior, pois só assim o titular do registo definitivo anterior gozará, de forma absoluta, do direito ao uso exclusivo da firma ou denominação social.
Dado que a denominação social da Ré AUDITRADING é susceptível de ser confundida com a denominação social da Autora AUDI, pelas razões acima apontadas, o uso daquela denominação é ilegal por violar o direito desta última ao uso exclusivo da sua denominação social.
Tem, assim, a Autora o direito de exigir a proibição do uso ilegal da firma AUDITRADING, pela Ré apelada, nos termos do art.º 62.º daquele diploma legal.
Para além de tal conflito entre firmas, há um conflito entre a denominação social da Ré AUDITRADING e as marcas - AUDI - da Autora. uma vez que aquela denominação é susceptível de ser confundida com este sinal distintivo (marcaAUDI ).
Actualmente, este tipo de conflito encontra-se expressamente prevenido na lei.
Assim, no n.º 5 do referido art.º 33, quanto aos juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro, prescreve-se que « deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos »
Paralelamente, preceitua o art.º 5.º, n.º 3, do C.P.I. que: « Os registos de marca (...) constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo ».
A denominação social da Ré é susceptível de ser confundida com o sinal distintivo da marca AUDI, da Autora, pelas mesmas razões que se concluiu pela confundibilidade entre as firmas em confronto.
Na verdade, não obsta a tal conclusão a circunstância de a Ré não comercializar, actualmente, produtos idênticos ou afins daqueles a que se reporta a marca AUDI, pois que pode, em qualquer altura, passar a importar tal tipo de produtos, o que lhe é permitido pelo seu amplo objecto social.
Pelo que, o registo da marca AUDI constitui fundamento legal de anulação da denominação social da Ré AUDITRADING, nos termos do disposto nos artigos 33.º, n.º 5 do D.L.129/98 e 5.º, n.º 3, do CPI.