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RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CONTRATO-PROMESSA
Sumário
Em princípio, o contrato promessa de compra e venda de um prédio não transfere para o promitente comprador a sua posse mesmo que, em virtude do contrato, este passe a ocupá-lo, sendo então mero detentor ou possuidor precário. Mas concedido pelo promitente-vendedor ao promitente-comprador o gozo e fruição do bem, este pode defender a sua posição com recurso aos meios possessórios. Pedida a restituição provisória de posse, não se verificando as circunstâncias previstas no art. 393º do CPC, nada obstando a que se decrete uma providência inominada deste que existam os elementos suficientes.
Texto Integral
G., M e C
Requerem
Contra
A e L
Procedimento cautelar não especificado, nos termos dos artigos 381º e ss do CPC.
Para tanto alegam, em síntese:
Que são as únicas herdeiras de J., falecido em 29.07.2003;
Que, em 31.05.19991, este celebrou com os RR um contrato promessa de compra e venda, pelo qual estes prometeram vender-lhe o prédio urbano descrito na CRP do Seixal sob o nº 19.645;
Que o falecido J. pagou a totalidade do preço e entrou logo na posse do imóvel prometido vender;
Que a escritura pública só não foi outorgada por razões burocráticas;
Que foi sempre o falecido que tratou de tudo em relação ao prédio até à morte;
Que as AA, após o falecimento do J., puseram fechaduras novas e trancaram os portões com correntes e cadeado;
Que os RR nunca ocuparam ou usaram o prédio desde 1992 até Junho de 2004, ou seja, durante 12 anos;
Que o falecido entrou na posse do prédio em 17.12.92 e que as AA a mantiveram até que os RR, em junho de 2004, destruíram as correntes postas pelas autoras e forçaram as fechaduras do prédio nele entrando e ocupando-o sem conhecimento ou autorização das AA;
Que, portanto, as AA, por si e pelo falecido entraram na posse do imóvel desde 17.12.92, usufruindo-o e pagando os encargos e os RR nunca se opuseram a tal ocupação até junho de 2004;
Existe o perigo de os requeridos procederem à venda do prédio a terceiros.
E concluem pedindo que lhes seja feita a entrega do imóvel, devendo os RR pagar a quantia de 250,00 euros por cada dia de ocupação.
A providência foi indeferida liminarmente, com os seguintes fundamentos:
Nos termos do artigo 395º do CPC, o possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito e não se verifiquem os pressupostos do artigo 393º pode usar o procedimento cautelar comum desde que se verifiquem os respectivos requisitos;
As requerentes alegam estar na posse do prédio desde 1992, como se proprietários fossem;
Tais poderes de facto exercidos sobre bem imóvel durante certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito correspondente à sua posse nos termos do artigo 1287º do CC;
Tendo em consideração que não decorreram 15 anos, as AA ainda não adquiriam o direito correspondente ao exercício dos poderes de facto mantidos sobre o prédio, pelo que são meras possuidoras do prédio;
A lei garante ao possuidor o uso dos meios previstos nos artigo 1276º do CC para defesa da posse;
Todavia, nos termos do artigo 1278º, o possuidor será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito;
A verdade é que os requeridos se presumem titulares do direito de propriedade, pois o mesmo encontra-se registado a seu favor, pelo que não é possível decretar contra eles a providencia de restituição de posse requerida;
Nos termos do nº 3 do artigo 392º do CPC poderia ser decretada outra providência;
Todavia, as requerentes, embora tenham deixado expresso o receio de que os requeridos vendam ou cedam o imóvel a terceiros, não articularam factos concretos donde resulte este perigo iminente.
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Deste despacho recorreram as AA, formulando as seguintes conclusões:
1ª - É manifestamente violento e merecedor de toda a censura quem por arrombamento (destruição de fechaduras e correntes) volta a ocupar o imóvel que há 12 anos cedeu por força do contrato promessa de compra e venda (e tendo recebido a totalidade do preço).
2ª - Tendo as requerentes (em procedimento cautelar não especificado) invocado a existência desse contrato que dizem ter cumprido, tendo invocado a existência do referido comportamento dos promitentes vendedores, tendo invocado a demora da acção definitiva, resulta da experiência comum que o direito das requerentes está imediatamente vulnerável às mãos de tais promitentes vendedores se tiverem de esperar pelo resultado final da referida acção.
3ª - Assim estão preenchidos todos os requisitos legais para ser deferido o referido procedimento cautelar, pelo que o seu indeferimento liminar viola o disposto nos artigos 381º e 393º ambos do C.P.C.
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O M.º juiz sustentou tabelarmente o seu despacho.
Tendo em consideração os factos referidos, e colhidos os vistos legais, cumpre decidir de direito.
I
Salvo melhor opinião, os requerentes não invocam a seu favor o direito de propriedade sobre o imóvel com base na posse mantida por determinado período de tempo, pelo que não nos parece que se justifique a decisão no sentido de que as requerentes não adquiriram o mesmo por usucapião, sendo apenas possuidoras, uma vez que se presume que as requeridas são titulares do direito de propriedade, “não sendo possível decretar contra eles a providência de restituição de posse requerida”.
É que as requerentes alegam que têm estado na posse do prédio desde 1992 e que os requeridos, após a morte do promitente comprador, destruíram as correntes por elas colocadas e nele entraram ocupando-o, sem sua autorização, existindo o perigo de o venderem a terceiros.
Mas, depois de invocarem a posse durante 12 anos, acabam por concluir estarem verificados os requisitos previstos no artigo 381º do CPC.
Daí que não qualifiquem este procedimento como restituição provisória de posse.
A verdade é que nas alegações de recurso já invocam violação dos artigos 381º e 393º ambos do CPC. E este último refere-se precisamente à restituição provisória de posse.
Parece-nos, pois, haver aqui alguma confusão de conceitos e as alegações de recurso pouco ou nada relevam quanto à decisão recorrida.
Entretanto, como estabelece o artigo 395º do mesmo código, ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum.
Parece-nos ser justamente este o procedimento requerido pelas ora agravantes.
Entretanto, refere-se no douto despacho recorrido que, nos termos do artigo 392º, nº 3, poderia ser decretada outra providência. Todavia, acrescenta-se, embora as requerentes tenham expresso o receio de que os requeridos vendam ou cedam o imóvel a terceiros, não articularam quaisquer factos concretos donde resulte este perigo eminente.
Se bem entendemos, não poderia decretar-se outra providência por não terem sido alegados factos concretos donde resultasse o invocado receio (periculum in mora).
II
No fundo, parece-nos que a questão é esta, na tese das apelantes:
As requerentes alegam que, em virtude da celebração do contrato promessa de compra e venda (de que teria sido paga a totalidade do preço), o promitente vendedor passou a ocupá-lo (“entrou na posse do prédio”) com autorização dos RR, promitentes vendedores;
Quando o promitente comprador faleceu, em 29.037.03, as requerentes puseram fechaduras novas e trancaram os portões do prédio com correntes e cadeados;
Os RR não usaram o prédio desde 17.12.92 até Julho de 2004;
Nesta data, os RR destruíram as aludidas correntes, forçaram as fechaduras do prédio nele entrando e ocupando-o sem autorização das AA;
Deste modo, por si e pelo falecido “entraram” estas na posse do prédio desde 1992, sem oposição das requeridas, pelo que se verificam os pressupostos do artigo 381º referido, razão pela qual deve ser ordenada a sua entrega através deste procedimento cautelar.
III
Como vimos, parece haver alguma confusão sobre a qualificação a dar ao procedimento cautelar instaurado. Mas parece não haver dúvidas de que as requerentes alegam ter estado na posse do prédio, terem sido esbulhadas e pretendem ser restituídas à mesma posse.
Deste modo, em princípio, seria aplicável o processo de restituição provisória de posse previsto nos artigos 393º e s.s. do CPC (diploma do qual serão todas as disposições legais a citar quando não se indique outra origem).
Nos termos do artigo 393º “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
São pois, requisitos desta providência: a posse, o esbulho e a violência.
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º), a qual tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem (artigo 1252º).
Portanto, existe posse quando alguém actua como se fosse titular de um determinado direito.
Nos termos do artigo 1278º do CC: 1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito. 2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse. 3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual.
E como determina o artigo 1279º, “sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.
Naquele artigo estão previstas dois tipos de acções: manutenção e restituição de posse.
A 1ª tem como causa ou origem um acto de turbação: o possuidor não chega a ser esbulhado, mas apenas perturbado; a 2ª tem como causa o esbulho. In casu é invocado o esbulho e, por isso, tratar-se-ia de uma acção de restituição.
Este pressupõe a privação total ou parcial da posse.
Na cláusula 4ª do contrato promessa está previsto que o promitente comprador entre “na posse e fruição do prédio” dentro do prazo de 180 dias.
E as requerentes alegam que o falecido esteve na posse durante 12 anos.
É claro que a posse do direito de propriedade, que pertencia aos promitentes vendedores, não chegou a ser adquirido pelo promitente comprador, uma vez que ainda não foi celebrado o contrato prometido (escritura de compra e venda) e outro modo de aquisição não foi invocado.
Em princípio, o contrato promessa de compra e venda de um prédio não transfere para o promitente comprador a sua posse mesmo que, em virtude desse contrato, este passe a ocupá-lo, sendo então mero detentor ou possuidor precário. O promitente tem o corpus mas não o animus.
A verdade é que o promitente comprador passa a ocupá-lo em virtude de um acordo celebrado com o promitente vendedor, pois, caso contrário, não teria qualquer direito a fazê-lo. Verifica-se a tradição da coisa.
E, como resulta, por exemplo, do nº 2 do artigo 1037º do CC, a defesa da posse é também admitida relativamente aos direitos pessoais ou obrigacionais relacionados com as coisas e não apenas aos direitos reais. O arrendatário, embora não seja titular de um direito real sobre o prédio locado, pode defender os seus direitos pelos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes, ou seja, pelos meios possessórios.
Mas também o direito de uso e fruição concedido pelos promitentes vendedores ao promitente comprador, por ser um direito relacionado com as coisas, atribui a este a posse desse direito e, por isso, a possibilidade de defesa possessória do mesmo[1].
Deste modo, a posse obtida pelo promitente comprador em virtude do contrato promessa, ou seja, fundada na tradição obtida na sequência deste, poderá ser defendida pelos meios possessórios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e s.s.
Entretanto, como estabelece o artigo 395º, “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstancias previstas no artigo 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum”.
Este artigo veio clarificar a questão da limitação do acesso do possuidor (ou detentores equiparados) à tutela possessória fora das pressupostos exigidos para a restituição provisória de posse.
Por outro lado, nos termos do nº 3 do artigo 392º, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida.....
Assim, quando pedida a restituição provisória de posse, não se verificando as circunstâncias previstas no artigo 393º, mas havendo elementos suficientes para que seja decretada a restituição da coisa através do procedimento cautelar inominado, poderá ser este utilizado, nada obstando a que o juiz altere a forma do processo utilizado.
Portanto, não se verificando os pressupostos da restituição provisória de posse poderá ser facultado ao possuidor o procedimento cautelar comum.
IV
Nos termos do nº 1 do artigo 381º do CPC "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada assegurar a efectividade do direito ameaçado".
E o procedimento cautelar é sempre dependente da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurada como preliminar ou como incidente da acção - declarativa ou executiva (artº 383º, nº 1).
Finalmente estabelece o nº 1 do artigo 387º que "a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão".
São, pois, requisitos do decretamento de qualquer providência cautelar em geral:
a) probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente;
b) justo e suficientemente fundado receio de que outrem, antes de a acção - de que a providência é dependente - proposta ou a propor ser decidida, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito ameaçado.
E como determina o nº 2 do citado artigo 381º, o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
Os procedimentos cautelares implicam apenas uma apreciação sumária da situação (summaria cognitio), devendo o requerente fazer a prova (sumária) do direito ameaçado e justificar o receio da lesão ( artº 384º, nº 1).
As providências cautelares em geral destinam-se, pois, a evitar a lesão grave e dificilmente reparável que possa advir da demora da regulação definitiva da situação, ou seja, para obviar ao chamado "periculum in mora". Mas, para ser
decretado um procedimento cautelar basta um juízo de probabilidade ou verosimilhança, uma aparência do direito, um "fumus boni iuris". Porém, o receio deve ser justificado; todavia não se exige que seja certo, bastando que seja provável.
E a providência de restituição da posse pelo procedimento cautelar comum, nos termos do citado artigo 395º, exige também a verificação de todos os requisitos a que alude o artigo 381º.
V
Por todo o exposto, parece-nos que não se justifica o indeferimento liminar da providência.
E também não nos parece que se justifique a não audição dos requeridos.
É que, por um lado, não nos parece que esteja afastada a possibilidade de ser decretada a providência, pelas razões referidas e, por outro, a audição não põe em perigo o fim ou a eficácia da providência.
Com efeito, em princípio, o requerido deve ser ouvido. Só assim não será quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Não nos parece ser o caso.
E, por outro lado, a audição dos requeridos poderá fazer alguma luz sobre a questão que não parece muito clara, tendo em consideração que o contrato promessa já havia sido celebrado 12 anos antes e a circunstância de as requerentes alegarem que, após o falecimento do J. , elas próprias puseram fechaduras novas e trancaram os portões com correntes e cadeado.
E se as requerentes não alegaram factos concretos relativos ao periculum in mora sempre o tribunal as poderia convidar a fazê-lo nos termos dos artigos 265º, 265º-A e 508º todos do CPC.
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Por todo o exposto acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento da providência.
Sem custas.
Lisboa, 09.11.2004.
Pimentel Marcos
Vaz das Neves
Abrantes Geraldes
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