CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Sumário

A redução da cláusula penal, nos termos do art. 812º, nº 1 do CC, não é de conhecimento oficioso.
Mas o pedido de redução não tem de ser feito de forma explícita, bastando para o efeito uma atitude do devedor que deixe perceber, ainda que de forma implícita, um desacordo seu relativamente ao montante exigido, em razão do excesso do mesmo.
O juiz só pode reduzir a cláusula penal quando esta seja manifestamente excessiva, mas não invalidá-la ou suprimi-la.
As dificuldades económicas do devedor, nomeadamente por um dos membros do agregado familiar ter perdido o emprego, não tornam por si só a cláusula penal manifestamente excessiva.
Para a aplicação do artigo 437º do CC não basta que se alterem as circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar (base do negócio) e que daí resulte lesão para uma delas. Essa alteração terá de ser anormal, e, a manter-se o contrato na situação inicial, que daí resulte grave ofensa aos princípios da boa fé e ainda que essa manutenção ultrapasse os riscos próprios do contrato
Para os efeitos do n.º 1 do artigo 437º não releva a circunstância de uma da partes se ter colocado na situação de não poder pagar o empréstimo contraído para compra de um veículo automóvel por ter ficado desempregada e, consequentemente, por deixar de ter possibilidades económicas para efectuar o seu pagamento.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Banco ... propôs acção com processo ordinário
contra
A ...  e  J...,
Pedindo que estes fossem condenados solidariamente a pagar-lhe a importância de E 14.505,39, acrescida de E 1.567,44 de juros vencidos até 14.08.2003, e de E 62,70 de imposto de selo sobre estes juros e ainda os juros que sobre a dita quantia de E 14.505,39 se vencerem, à taxa anual de 18,26%, desde 15.08.2003 até integral pagamento, bem como o imposto de selo à taxa de 4% sobre este juros.

Para tanto alega, em síntese, que:
no exercício da sua actividade, concedeu à ré mulher crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado a importância de 16.609,97 euros;
o empréstimo e respectivos juros seriam pagos em 72 prestações;
conforme expressamente acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;
mais foi acordado entre Autora e a referida Ré que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acresceria uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual ajustada - 14,26% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 18,26 %;
a referida ré, das prestações referidas, não pagou a 32ª e seguintes, vencida a primeira em 10 de Janeiro de 2003, vencendo-se então todas;
o total das prestações em débito pela Ré à Autora ascende a 14.505,39 Euros, quantitativo este a que acrescem juros - incluindo já a cláusula penal preferida que sobre ela se vencerem à referida taxa de 18,26% ao ano, desde a data do vencimento referido, ou seja, desde 10 de Janeiro de 2003, até integral e efectivo pagamento;
o empréstimo reverteu em proveito comum do casal.

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Os RR foram devidamente citados e contestaram, dizendo, em síntese que:
quando foi contraído o empréstimo ambos os RR auferiam rendimentos de trabalho dependente;
o R marido deixou depois de auferir qualquer rendimento;
entretanto nasceu uma filha do casal;
foi depois da situação de desemprego do marido que a ré deixou de pagar as prestações;
tornou-se impossível à ré pagar as prestações em dívida, pois apenas aufere o vencimento mensal de 549,28 euros;
a situação financeira da autora foi analisada aquando do empréstimo, pois teve que exibir as declarações de IRS;
verificou-se assim uma alteração significativa, imprevisível e anormal das circunstâncias dos RR  após a celebração do contrato, pelo que, nos termos do artigo 437º do CC, requereu que se proceda à sua modificação segundo juízos de equidade, por forma a ter em conta a manifesta impossibilidade de qualquer dos RR satisfazer as obrigações assumidas.
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A autora respondeu pronunciando-se pela improcedência da contestação.
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A acção foi julgada procedente no despacho saneador e os RR foram condenados a pagar solidariamente à autora a quantia de E 14.505,39 acrescida de juros de mora à taxa de 18,26% desde 10.01.2003, a que acresce o imposto de selo respectivo, até integral pagamento.

Desta decisão recorreram os RR, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da decisão que, conhecendo do mérito da causa logo que terminaram os articulados, condenou os RR., solidariamente, ao pagamento à A. da quantia de E 14.505,39, acrescida de juros moratórias à taxa de 18,26% desde 10.01.2003, a que acresce o imposto do selo respectivo, até integral pagamento;
2. Os RR. pediram,  na contestação, uma modificação do contrato invocado como causa de pedir, de acordo com juízos de equidade, atenta a circunstância factual invocada pelos RR. (diminuição drástica dos rendimentos do agregado familiar a partir de 2002, subsistindo apenas um membro do casal com rendimentos profissionais, manifestamente parcos para satisfazer todas as necessidades básicas do agregado familiar), superveniente à celebração do aludido contrato;
3. Esse juízo de irrelevância dos factos invocados conduziu à supressão da fase da prova, dando-se hipoteticamente como admitida a sua prova na íntegra, até porque os documentos juntos com a contestação não foram impugnados na réplica;
4. A matéria alegada pelos RR foi porém, suficientemente abrangente para permitir uma concreta apreciação do carácter excessivo ou desproporcionado da cláusula penal convencionada entre A. e a R. mulher, à luz do que dispõe o artº 812º do Código civil.
5. Os RR pediram a modificação do contrato (de todo o contrato, isto é, do equilíbrio dele resultante em termos de prestações e contraprestações) em função da equidade, o que, obviamente deve entender-se como generalizável a todas as suas cláusulas e particularizável em relação a cada uma.
6. Uma revisão substancial dos montantes em dívida, tal como pedida pelos RR., passaria, desde logo, pelo regime prestacional e necessariamente teria de levar, se tivesse sido feita, a uma concreta apreciação da cláusula penal com vista à sua redução.
7. Sucede, porém, que a jurisprudência constante do nosso STJ tem sido no sentido de ser claramente dispensável a concreta invocação, na contestação, do dispositivo previsto no art.º 812º do Código Civil, bastando que se possa deduzir da posição expressa pelos RR. (ou mesmo sem qualquer posição expressa, como é o caso de os RR. não contestarem) a sua não concordância com os montantes exigidos pelos respectivos credores.  São disso exemplos os seguintes Acórdãos do STJ, todos consultáveis no BMJ ou na base de dados do ITIJ: Acórdão de 14/02/75, publicado no BMJ 244 p. 261; Acórdão de 10/09/2003; Acórdão de 30/09/2003; Acórdão de 06/03/2003; Acórdão de 15/12/998, entre outros;
8. Demonstrada a possibilidade processual do conhecimento da eventual desproporcionalidade ou do excesso manifesto da Cláusula Penal à luz do disposto no art.º 812º  do Código Civil, importa agora aplicar essa apreciação ao presente caso;
9. Na contestação pediu-se a modificação do contrato em função da equidade por virtude da alteração das circunstâncias com base nas quais as partes fundaram a vontade de contratar, nos termos do disposto nos artº s 437º e ss. do Código Civil;
10. Está claramente compreendida nessa alegação, a oposição dos RR. quer ao montante peticionado, quer à forma de proceder a tal pagamento, uma vez que a privação de rendimento por parte de um dos membros do casal tornou o rendimento mensal do agregado familiar claramente insuficiente para satisfação dos seus termos;
11. A cláusula penal concretamente acordada traduz-se no pagamento adicional de uma quantia de E 2.648,68 ao ano, ou seja, 18,26% de E 14.505,39;
12. Para um crédito concedido inicialmente para 72 prestações mensais, das quais 31 já estão pagas, significa que, ainda que se pudesse retomar o plano de pagamentos e efectuar as 41 prestações mensais em falta, correspondendo aproximadamente, a três anos e meio, estas estariam agravadas com mais de E 9.270,38 (3,5 X IE 2648,68) o que corresponde a cerca de 56% do montante inicialmente mutuado ( E 16.609,97).
13. Em diversos acórdãos recentes entendeu este STJ relativamente a contratos de locação financeira ou de vendas a prestações com reserva de propriedade que não era nula uma cláusula penal equivalente a 20% do valor das rendas ou prestações vincendas.
14. Assim o entende também o Prof. Pinto Monteiro, na sua tese de doutoramento "Cláusula Penal e Indemnização" (Col.  Teses, Ed.  ALMEDINA, pags 741 e seguintes, maxime pág. 743 e 744) que considera terem de ser ponderados diversos factores, tais como a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que para este resultam do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes e a sua boa fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal;
15. Conclui-se assim que o montante global da indemnização razoável deveria limitar-se globalmente, e independentemente do tempo que venha a ser necessário para efectuar o cumprimento integral, intenção que os RR. nunca abandonaram, o que corresponderia a 20% de E 14.505,39, ou seja, E 2.901,00 (incumprimento integral).
16. Porém, para ter em conta a proporção do que foi já cumprido, importa considerar que corresponde a mais de 43% da obrigação, pelo que, em proporção, só 57% X 20% poderiam funcionar como cláusula penal para atender à proporcionalidade, o que significa 11,4% de E 14.505,39 ou seja, um total global de E 1.653,61.
E terminam pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, ponderando em concreto a situação dos RR. , determine a redução equitativa da Cláusula Penal por forma a que não ultrapasse 11,4% (56% de 20%) do montante global em divida, de forma similar a outros casos equiparáveis ao dos autos.

A apelada pede a confirmação da sentença, dizendo, em síntese, que a redução da cláusula penal não é de conhecimento oficioso e que no caso não se verificariam os respectivos pressupostos.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A autora, ao presente Banco, era antes uma sociedade financeira para aquisições a crédito, tendo então por objecto exclusivo o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º do Decreto-lei nº 206/95, de 14.8., tendo anteriormente a denominação de ....
2 - No exercício da então sua actividade comercial e com destino, segundo informação então prestada pela Ré à aquisição de um veiculo automóvel...., por contrato constante de titulo particular datado de 10 de Maio de 2000, ao diante junto em fotocópia e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concedeu à Ré crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, tenso assim emprestado à Ré a importância de 16.609,97 Euros;
3 - Nos termos do contrato assim celebrado entre Autora e a Ré, aquela emprestou a este a dita importância de 16.609,97 Euros, com juros à taxa nominal de 14,26% ao ano, devendo a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 72 prestações , mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Junho de 2000 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;
4 - De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela referida Ré ao seu Banco - mediante transferências bancarias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações;
5 - Conforme também expressamente acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;
6 - Mais foi acordado entre Autora e a referida Ré que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual ajustada - 14,26% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 18,26 %;
7 - A referida Ré, das prestações referidas, não pagou a 32ª e seguintes, vencida a primeira em 10 de Janeiro de 2003, vencendo-se então todas;
8 - A referida Ré não providenciou às transferências bancárias referidas - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a referida Ré, ou quem quer que fosse, as pagou à Autora;
9 - Conforme expressamente consta do referido contrato, o valor de cada prestação era de 353,79 Euros;
10 - O total das prestações em débito pela referida Ré à Autora ascende a 14.505,39 Euros, quantitativo este a que acrescem juros - incluindo já a cláusula penal preferida que sobre ela se vencerem à referida taxa de 18,26% ao ano, desde a data do vencimento referido, ou seja, desde 10 de Janeiro de 2003, até integral e efectivo pagamento;
11 - O imposto de selo ascende já a 62,80 Euros;
12 - O empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos Réus atento o veículo referido se destinar ao património comum do casal dos Réus;
13 – C.... nasceu em 13 de Julho de 2002, sendo filha dos Réus.

O DIREITO.

Uma vez que não vem posta em causa a matéria de facto, há que apreciar e decidir o seguinte:
a) Se a redução da cláusula penal pode ser feita oficiosamente;
b) Se in casu deve ser feita tal redução
I
A autora e a R. mulher celebraram um contrato de mútuo oneroso - artº 1142º do Código Civil- por via do qual aquela emprestou a esta a quantia referida, destinada à aquisição de um veículo automóvel.
Trata-se de um contrato de crédito ao consumo – artº 2º do D.L. n.º 359/91, de 21 de Setembro.
O contrato deve ainda ser qualificado como um contrato de adesão, com inclusão de cláusulas contratuais gerais –  D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro.
Trata-se igualmente de uma operação de crédito realizada por uma instituição de crédito ou parabancária – artº 1 do D.L. n.º 344/78, de 17 de Novembro.
Nos termos do contrato junto, a falta de pagamento de qualquer das prestações acordadas na data do vencimento implicava o vencimento imediato de todas elas e, em caso de mora sobre o montante em dívida, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, no total de 18,26%.
E o empréstimo foi contraído em proveito comum do casal.
Assim, tendo em consideração o preceituado no art. 406º nº 2 do CC, constituíram-se os RR na obrigação de reembolsarem o mutuante da quantia emprestada e dos respectivos juros, nas condições acordadas.
A verdade é que a certa altura os RR deixaram de pagar as prestações.
II
Estes, na contestação, não puseram em causa a validade do contrato nem sequer a taxa de juro acordada ou mesmo a obrigação de pagar.
O que eles pretendiam é que, ao abrigo do disposto no artigo 437º do CC, fosse modificado o contrato “segundo juízos de equidade, por forma a ter em conta a manifesta impossibilidade de qualquer dos RR satisfazer as obrigações pecuniárias exigidas, sob pena de caírem numa situação de pobreza extrema....”
Na sentença recorrida teve-se em consideração que as partes poderiam fixar livremente a taxa de juro tal como o fizeram.
Mas também foi referido que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal não é de conhecimento oficioso. E finalmente decidiu-se que dos factos alegados pelos RR, mesmo que integralmente provados, não consubstanciariam uma alteração das circunstâncias atendível nos termos do artigo 437º.
Neste recurso dizem os RR que a redução da cláusula penal é de conhecimento oficioso e que, ao pedirem a modificação do contrato, nele se englobava o pedido de redução da cláusula penal, e ainda que a matéria alegada pelos RR “foi suficientemente abrangente para permitir uma concreta apreciação do carácter excessivo ou desproporcionado da cláusula penal convencionada entre A. e a R. mulher, à luz do que dispõe o artº 812º do Código civil”.
Parece-nos que a redução da cláusula penal não é de conhecimento oficioso.
Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 812º defendem que “embora se não diga expressamente neste preceito, a redução terá que ser pedida pelo devedor, visto que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade (artº 282º). 
Também Calvão da Silva[1], depois de referir o direito comparado a nível europeu concluiu: “a nossa legislação não resolve a questão de saber se o tribunal tem o poder de reduzir oficiosamente cláusula penal manifestamente excessiva”.... “Porém... julgamos melhor solução dizer que o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultra petitum e ainda (...) que nos negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade (artº 282º) não se justificando a redução ex officio, em face do regime legal da anulabilidade, invocável apenas pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (artº 287º)”.
A. Pinto Monteiro defende a mesma posição[2].
Refere este professor que se trata de uma norma de protecção do devedor e que, por isso, se lhe for exigida a pena pelo credor e não solicitar a sua redução, nem reclamar ou reagir contra a sua manifesta excessividade, isso significará que ele não acha abusiva a atitude do credor, “pese embora o eventual montante da mesma, circunstância esta que não obsta, de per si, para legitimar a intervenção do juiz”.
No acórdão desta Relação, de 12.10.2000, citado na sentença (CJ Ano 2000, IV-114) foi decidido que o uso da faculdade de redução da cláusula penal manifestamente excessiva ao abrigo do disposto no artigo 812º do CC não é um poder que o juiz possa exercer oficiosamente, antes necessitando de ser pedida pelo devedor interessado, podendo fazê-lo por via da acção ou da excepção. E cita-se, além doutros, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 17.02.98 (BMJ 474-457).
Na verdade, mal se compreenderia que, permitindo a lei que as partes fixem livremente o montante da indemnização exigível, viesse o juiz oficiosamente a reduzir a cláusula penal.
Destina-se aquele preceito legal a evitar abusos de credores menos escrupulosos e porventura aproveitando-se de um “estado de necessidade” do devedor ao estabelecerem a cláusula penal no momento da celebração do contrato. Com efeito, casos existem em que o devedor não está em condições de discutir todas as cláusulas do contrato, designadamente a cláusula penal.  Mas, quando lhe for exigida a pena, estará este em condições de pedir a redução, se for caso disso, e se verificarem os respectivos pressupostos.
São razões semelhantes às que permitem a anulação dos negócios usurários nos termos do artigo 282º do CC(é usurário o negócio em que alguém consciente ou inconscientemente tira partido da situação de necessidade, inexperiência, dependência psíquica ou fraqueza de carácter de outrem, para obter para si ou para terceiro, benefício excessivo ou injustificado). Da mesma forma se exige, pois, que o conteúdo do negócio seja manifestamente excessivo ou injusto. Também nestes casos o negócio só pode ser anulado a pedido do interessado (artºs. 286º e 287º).            
III
Na contestação, os RR não pediram expressamente a redução da cláusula penal.
Mas poderá entender-se que ao pedirem a modificação do contrato estavam os RR a referir-se também à redução da cláusula penal, uma vez que se pode entender que tal redução implica uma modificação do contrato?
Na citada obra, Pinto Monteiro refere que o pedido de redução não tem de ser feito de forma explícita, bastando para o efeito uma atitude do devedor que deixe perceber, ainda que de modo implícito, um desacordo seu relativamente ao montante exigido, em razão do excesso do mesmo, ainda que não haja formulado um pedido formal de redução da pena. No mesmo sentido cita o acórdão do STJ de 14.02.75 (BMJ 244-261) segundo o qual “é justificado o uso da faculdade do nº 1 do artigo 812º do CC quando o réu, embora não tendo pedido a redução da penas convencional, tenha impugnado o dever de a satisfazer na totalidade”.
A verdade é que se trata de conceitos diferentes.
Nos termos do artigo 810.º, nº 1 do CC, "as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal".
A cláusula penal é, pois, a convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer em caso de eventual incumprimento do contrato ( incumprimento definitivo ou de simples mora).
Com ela é fixado previamente o montante da indemnização devida. Nestes casos não há que averiguar se o credor sofreu ou não prejuízos e muito menos qual o seu montante, em caso afirmativo.
"Pela cláusula penal opera-se a liquidação antecipada e convencional dos prejuízos que resultariam do não cumprimento, evitando indagação e prova dos mesmos" [3].
A. Pinto Monteiro escreve:[4] "Cláusula penal é a estipulação mediante a qual as partes convencionam antecipadamente - isto é, antes de ocorrer o facto constitutivo de responsabilidade - uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor em caso de não cumprimento perfeito (maxime em tempo) da obrigação".
Trata-se, portanto, de uma sanção convencionada entre as partes, essencialmente ligada à ideia de mora e do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso do contrato. Dessa forma se evitam as dificuldades inerentes ao processo de avaliação da indemnização. O lesado terá direito à quantia previamente acordada com o lesante, não havendo lugar a outra indemnização. E trata-se de um valor fixo que pode, no entanto, em casos excepcionais, ser reduzida pelo tribunal, por razões de equidade.
Por outro lado, nos termos do nº 1 do artigo 437º do CC “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à sua modificação segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
            Na contestação, os RR alegam que a situação descrita na petição resultou duma significativa alteração das circunstâncias nas suas vidas, designadamente da perda do emprego do réu marido e do nascimento de uma filha do casal. E, por isso, apenas com o vencimento da mulher não podem continuar a pagar as prestações.
            E, ao abrigo desta disposição legal, pede a modificação do contrato “segundo juízos de equidade, por forma a ter em conta a manifesta impossibilidade de qualquer dos RR satisfazer as obrigações pecuniárias exigidas...”
Podemos, assim, considerar que os RR pediram implicitamente a redução da cláusula penal.
IV
Como dissemos, na cláusula penal as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer em caso de eventual incumprimento do contrato, que pode, no entanto, em casos excepcionais, ser reduzido pelo tribunal, segundo juízos de equidade.
Com efeito, determina o nº 1 do artigo 812º do CC que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente...”
Portanto, apenas se confere ao tribunal o direito de reduzir a pena convencionada, de acordo com a equidade, quando esta for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.
Como referem Pires de Lima e A. Varela[5], “a relevância da causa superveniente justifica-se em face dos princípios admitidos pelo código quanto à resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias (artºs. 437 a 439º)”. E ainda: “a razão que inspira estes preceitos identifica-se com a razão por que se proíbem os negócios usurários (artºs. 282º e 283º). Porque é usurária a pena, é que a lei permite uma redução equitativa”.
O juiz só pode, pois, reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não invalidá-la ou suprimi-la. E não poderá mesmo reduzi-la ainda que lhe pareça excessiva, se tal não for manifesto.
Na citada obra escreve Calvão da Silva[6]: “Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter a forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo coma equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente”.
Estamos perante um contrato de adesão com as respectivas cláusulas contratuais gerais.
E nos termos do artigo 19º, al. c) do DL 446/85, de 25 de Outubro,  são proibidas....as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
E embora não seja isto que esteja em causa, a verdade é que correm termos neste Tribunal vários recursos relativamente a contratos semelhantes e esta cláusula não tem sido considerada desproporcionada aos danos a ressarcir.
Resulta desta disposição legal que as cláusulas contratais gerais que consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado. São, portanto, cláusulas relativamente proibidas, o que significa que podem ser válidas para uns contratos e não o serem para outros, tudo dependendo dos casos em concreto.
Ora, em contratos como o dos autos é natural a fixação de taxas de juro elevadas, pelo risco que envolvem para o mutuante. E o ora apelado não pediu a resolução do contrato.
É certo que as aludidas taxas de juro podem conduzir aos resultados indicados agora pelos apelantes nas alegações de recurso. Mas tais taxas nem foram impugnadas.
De resto, quanto aos juros sempre se dirá o seguinte: embora estejamos perante um contrato de mútuo, para efeitos de taxa de juro, não está o mesmo sujeito aos limites previstos no artigo 1146º do Código Civil na medida em que esta disposição apenas se aplica aos mútuos civis e não àqueles que tenham natureza financeira, como é o caso dos autos. Na verdade, este preceito legal visa apenas os mútuos civis e não os que tenham natureza bancária; nestas circunstâncias, tendo em conta por um lado o princípio da liberdade de estabelecimento de taxas de juros remuneratórias, previsto no Decreto-Lei nº  344/78, de 17 de Novembro (artigo 7º), e por outro os montantes das taxas estabelecidos para este contrato, parece-nos que não existe «desproporção sensível» nas taxas acordadas, considerando que são perfeitamente válidas e conformes com o princípio geral das cláusulas contratuais gerais do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro[7].
Portanto, parece-nos que a cláusula em si não é manifestamente excessiva.
Aliás, na contestação os RR nem alegaram qualquer facto do qual se pudesse concluir pelo necessário excesso manifesto. E a eles competia fazer a prova dessa pretensa desproporção entre o valor da cláusula penal e os danos a ressarcir (artº 342º, nº 1 do CC). O que eles alegaram foi que, a partir de certa altura, o R. marido perdeu o emprego e que o salário da R. mulher é insuficiente para o pagamento das prestações.
As dificuldades económicas do devedor não tornam por si só a  cláusula penal manifestamente excessiva. Podem conduzir à situação de o devedor não poder cumprir, mas são situações diferentes.
IV
Como vimos, na contestação pediram os RR a modificação do contrato em função da equidade por virtude na alteração das circunstâncias com base nas quais as partes teriam fundado a decisão de contratar, nos termos do disposto nos artº s 437º e ss. do Código Civil.
E alegam agora que está claramente compreendida nessa alegação, a oposição dos RR., quer ao montante peticionado, quer à forma de proceder a tal pagamento, uma vez que a privação de rendimento por parte de um dos membros do casal tornou o rendimento mensal do agregado familiar claramente insuficiente para satisfação das suas obrigações.
Para aplicação do artigo 437º é necessário:                  
a) que se verifique uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;
b) que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do próprio contrato.
Portanto, não basta que se alterem as circunstâncias em que as partes basearam a decisão de contratar (base do negócio) e que daí resulte lesão para uma delas. Essa alteração terá de ser anormal e, a manter-se o contrato na situação inicial, daí resulte grave ofensa aos princípios da boa fé e ainda que essa manutenção ultrapasse os riscos próprios do contrato.
É que todo e qualquer contrato comporta, em regra, um risco, umas vezes maior e outras menor. E, por isso, a alteração das circunstâncias apenas se torna relevante para o efeito se se mostrar desconforme com o risco normal desse contrato. Deve  tratar-se de um agravamento que não entre no álea ou risco do próprio contrato. E nos contratos de longa duração existe sempre um risco que deve ser calculado.
No caso sub judie, a R., não tendo outras fontes de rendimento teria de ponderar se podia pagar as prestações acordadas, caso ela ou o marido perdessem o emprego.
A estabilidade dos contratos é uma garantia de segurança nas relações comerciais, pelo que, em princípio, se devem manter. Mas poderá verificar-se uma alteração tão grave das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que justifiquem a sua modificação ou resolução.
Sobre esta questão se pronunciou - e bem - a sentença recorrida, no sentido de que o facto de o réu marido ter ficado sem emprego ou rendimentos na vigência do contrato não consubstancia uma alteração de circunstâncias para os efeitos daquela disposição legal, sendo certo que aquele nem sequer outorgou no contrato em causa.
As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não se alteraram. Apenas os RR se colocaram na situação de não puderem cumprir.
Estabelece o artigo 791º do CC que a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa a extinção da obrigação se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro. Mas tal não se verifica na obrigações pecuniárias.
Com efeito, a impossibilidade subjectiva que consiste em o devedor estar impedido de realizar a prestação por falta de meios económicos não é liberatória. Entre nós não se encontra consagrada a doutrina do limite do sacrifício.
Os RR pura e simplesmente colocaram-se em situação de incumprimento, por razões não imputáveis à autora ou à alteração anormal das circunstâncias em que basearam a decisão de contratar. A prestação é ainda possível e continua a  ter interesse para o credor.
No caso sub judice, a falta de pagamento é, pois, imputável aos RR.
E, como se disse, a alteração das circunstâncias terá de ser anormal, isto é, que não se configure como o previsível desenvolvimento duma situação que já seja conhecida à data da celebração do contrato. E esta alteração tem de referir-se àquilo em que as partes fundaram a decisão de contratar, ou seja, à chamada “base negocial” em que as partes assentaram o contrato.
Por outro lado, a exigência do cumprimento do contrato não afecta gravemente os princípios da boa fé.
Assim, para os efeitos do nº 1 do artigo 437º não releva a circunstância de uma da partes se ter colocado na situação de não poder pagar o empréstimo contraído para compra de um veículo automóvel por ter ficado desempregada e, consequentemente, por deixar de ter possibilidades económicas para efectuar o pagamento.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos RR, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 14.12.2004.


Pimentel Marcos
Vaz das Neves
Abrantes Geraldes
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[1] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pag. 275.
[2] Cláusula Penal e Indemnização, pag. 736 e 737.
[3] Pessoa Jorge in "Direito das Obrigações", pag 615.
[4] Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, pag. 136.
[5] RLJ Ano 121-221.
[6] Pag. 273.
[7] Ver neste sentido o acórdão de 17.06.2003 proferido no recurso nº 3057/03 desta 7ª  secção, com o mesmo relator.