Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
SUSPENSÃO DO PROCESSO
INJUNÇÃO
DESCONTO
ENTREGA DE QUANTIA
PENA DE MULTA
Sumário
A entrega/pagamento de quantia a instituição de solidariedade social no âmbito da suspensão provisória do processo não deve ser descontada no montante da pena de multa em que o arguido venha a ser condenado, porque: i) foi voluntariamente aceite, ii) contraria frontalmente o art. 282.º n.º 4 do CPP, iii) não constituir sanção penal previstas no tipo legal, iv) poder ser imposta para além da condenação numa pena (vg. indemnização, condição da suspensão da execução da prisão) e v) uma quantia entregue a terceiro não compensa o montante que deve ser entregue ao Estado a título de multa.
Texto Integral
Rec nº 324/13.7SGPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal
Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto
No Proc. Sumaríssimo nº 324/13.7SGPRT.P1 do Tribunal da Comarca do Porto – Porto – Instância Local – Secção Pequena Criminalidade – J3 foi julgado o arguido B…,
e por sentença foi decidido: “Pelo exposto, vai o arguido condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,5, o que perfaz a multa total de € 440. Vai ainda condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses. Consigna-se que deve ser descontado o período de um mês da injunção de entrega da carta de condução que o arguido cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo que lhe foi aplicada (cifrando fls. 50 e 56), bem como a quantia de € 280 (duzentos e oitenta euros) na liquidação da pena de multa a realizar (cifrando fls. 98 a 102) pela mesma razão. O arguido deve entregar, para cumprimento do restante período da pena acessória, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, a sua carta de condução neste tribunal, ou em qualquer posto policial, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do C.P.
Recorrem o MºPº, o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões: 1. Dispõe o artigo 80º, do Código Penal que: "1. A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. 2. Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.” 2. Nos presentes autos o arguido somente possui um dia de detenção que importa descontar, para ser considerado aquando da execução da pena de multa aplicada, nos termos do disposto no artigo 80º, n.º 2, do Código Penal. 3. Ora, de acordo com o preceituado no n.º 4, do artigo 282º, do mesmo diploma normativo, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas. 4. A suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o objeto do processo. 5. Trata-se de um despacho proferido numa fase inicial do inquérito e necessita, além do mais, da concordância do arguido. 6. Acresce que é uma decisão que não põe fim ao processo. 7. O fim do processo só ocorrerá no final do decurso do prazo da suspensão, caso o arguido cumpra as injunções ou regras de conduta fixadas, com despacho de arquivamento ou no caso contrário, o processo prossegue – artigo 282.º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal. 8. Referindo-se à pena acessória prevista no artigo 69º, do Código Penal, refere o Prof. Figueiredo Dias o seguinte: “Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. Uma tal pena – possuidora de uma moldura penal específica – só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma de cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão. 9. A injunção que foi fixada ao arguido aquando da suspensão provisória do processo, tem uma natureza completamente diferente da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a que alude o artigo 69º, do Código Penal e que aqui foi aplicada ao arguido num total de três meses. 10. Desde logo a lei refere-se como injunção de não conduzir e após condenação em pena acessória. Por outro lado, aquando da pena acessória temos comunicação para a entidade rodoviária, se a carta do arguido se encontrar no regime provisório, o mesmo fica, por determinação do I.M.T. inabilitado para conduzir, uma vez que a mesma caduca automaticamente. Mais, se conduzir durante o período de cumprimento da pena acessória comete um crime. Ora, tais analogias não podem ser realizadas, nem aplicadas na injunção de proibição de conduzir veículos a motor. A única consequência para o arguido no incumprimento da mesma é o prosseguimento dos autos por incumprimento da injunção aplicada. 11. Acrescente-se que a injunção aplicada é inferior ao mínimo legal para ser equiparada a pena acessória, o que desde logo é indicativo que não possuem a mesma natureza. 12. Mais se o arguido fosse detetado a conduzir no cumprimento da injunção de proibição de conduzir aplicada a título de suspensão provisória do processo certamente não seria acusado e julgado pela prática do crime de violação de proibições, conforme o que aconteceria caso o arguido fosse detetado a conduzir durante o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor aplicada por condenação transitada em julgado. 13. Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 6/3/2012, proferido no âmbito do Proc. 282/09.2SILSB.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, no qual se refere: “A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal (nos termos elencados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 69º, do Cód. Penal) e no pressuposto material de (em face das circunstâncias do facto e da personalidade do agente), o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, responde às necessidades de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano. De facto, é o conteúdo do facto de natureza ilícita que justifica a censura adicional dirigida ao arguido em função de razões de prevenção geral e especial e que constituem a razão de ser de aplicação da pena acessória.” 14. Mais, a injunção a que o arguido se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. 15. O arguido fez a entrega da carta de forma voluntária, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou, tendo como finalidade a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281º, do Código de Processo Penal. 16. Ora, de acordo com o preceituado no n.º 4, do artigo 282º, do mesmo diploma normativo, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas. 17. Por outro lado, a injunção de pagamento da quantia de quatrocentos euros a uma I.P.S.S. à escolha que foi fixada ao arguido aquando da suspensão provisória do processo, tem uma natureza completamente diferente da pena de multa agora aplicada ao arguido num total de oitenta dias, à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos. 18. Mais, se o arguido não cumprir a pena de multa, for inviável a sua cobrança coerciva, a mesma pode ser convertida em pena de prisão subsidiária. Ora, tais analogias não podem ser realizadas, nem aplicadas na injunção de entrega de montante a uma instituição. A única consequência para o arguido no incumprimento da mesma é o prosseguimento dos autos por incumprimento da injunção aplicada. 19. Mais, a injunção a que o arguido se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena. 20. O arguido fez a entrega da quantia de duzentos e oitenta euros, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou, tendo como finalidade a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no artigo 281º, do Código de Processo Penal. 21. Sempre se dirá que qualquer que seja a decisão a proferir e atendendo a que já foram proferidas decisões em sentidos opostos quanto à mesma questão pelos Tribunais das Relações, nomeadamente do Porto, Lisboa, Coimbra e Guimarães, tendo as mesmas transitado em julgado, a questão que aqui se suscita, salvo o devido respeito por opinião em contrário, poderá oportunamente ser colocada ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 437º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, uma vez que a título exemplificativo se dirá que caso o arguido seja julgado no J1 ou J2 deste Tribunal não lhe é efetuado qualquer desconto em situações semelhantes e se o for no J3 é realizado e tal situação deverá ser idêntica para todos a fim de todos os cidadãos beneficiarem do mesmo critério, uma vez que não é indiferente cumprir um dois meses de pena acessória ou três meses. 22. No sentido que não deverá ser realizado o desconto, indica-se a título exemplificativo os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa 6 de março de 2012, 6 de junho de 2013 e 17 de dezembro de 2014 e o Acórdão da Relação do Porto de 28 de maio de 2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 23. Em sentido oposto, ressaltando-se a título exemplificativo os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19 de novembro de 2014 e 25 de março de 2015 e do Tribunal da Relação de Guimarães os Acórdão de 6 de janeiro de 2014 e 22 de setembro de 2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 24. Entendemos que deve não deve ser realizado qualquer desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nem na pena de multa aplicadas em concreto ao arguido,
O arguido respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência;
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta dos autos que:
- Ao arguido era imputada a prática de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao artigo 69º, nº 1 alínea a) do mesmo código.
- Foi proposta a pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,5 e a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.
- Foi notificado o arguido para, nos termos dos artigos 396.º e 397.º do Código de Processo Penal, querendo, deduzir oposição.
- O arguido não deduziu oposição e foi proferida a decisão supra;
- Os autos haviam sido objecto de suspensão provisória do processo mediante a injunção de entrega da quantia de € 400,00, à instituição de solidariedade social “Lar C…” (tendo entregue 280,00€) e de proibição de conduzir veículos durante dois meses que cumpriu e na frequência de um curso denominado de “Taxa Zero”;
Por haver incumprido a injunção de frequência do curso “ Taxa Zero” prosseguiu o processo.
+
São as seguintes as questões a apreciar: - Se o tempo cumprido no âmbito da injunção de proibição de conduzir deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir; - se a quantia paga a título de injunção deve ser descontada na pena de multa em que foi condenado.
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados e vista a decisão recorrida não se vislumbra nenhum deles.
Quanto às questões recursivas.
Ambas as injunções inibição de conduzir e pagamento da quantia de 280,00€ a favor de instituição de solidariedade social, se encontram no âmbito dos chamados processos de diversão, sendo o instituto da suspensão provisória do processo um dos meios de que se serve a justiça consensual, e relativa a “bagatelas penais” razão pela qual todos os sujeitos processuais têm de dar o seu assentimento (consenso) a tal suspensão e visa por esta via não apenas evitar o estigma do processo penal para o arguido como promover a celeridade processual e ao mesmo tempo prevenir os custos processuais, sem por em causa o fim das penas;
Assim o artº 281ºCPP permite a suspensão provisória do processo mediante injunções e regras de conduta aceites pelos sujeitos processuais, que por essa via se comprometam a cumpri-las, sendo que em caso de incumprimento o processo prossegue para julgamento (artº 282º4 CPP), o que se justifica pois como justiça consensual, assente na vontade de cumprimento das regras e injunções estabelecidas e voluntariamente aceites, justifica-se que em caso de incumprimento as mesmas tenham consequências, as quais para além desse prosseguimento do processo, se traduzem em “ as prestações feitas não podem ser repetidas.”.
Em face desta norma muito se tem escrito e decidido de modo divergente.
Em vista a encontrar a solução legal e justa cremos que há que distinguir:
- dum lado a injunção de proibição de conduzir por essencialmente estar em causa uma obrigação imposta por lei para o crime em apreço (a Lei 20/2013 de 21/2 inseriu a norma do nº3 do artº 281º CPP impondo que “….tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor.” pelo que não se trata de um dever consensual ou negociado (sem prejuízo de o arguido ser livre de aceitar ou não a suspensão provisória)
- do outro a entrega da quantia acordada
Quanto à primeira (injunção da proibição de conduzir), temos como certo para nós que deve ocorrer o desconto do tempo já cumprido, pela razões que expressámos no acórdão proferido em 25/5/2016 no recurso do proc. nº 581/14.1GCSTS.P1 desta Relação (www.dgsi.pt ) em que na parte respectiva tem o seguinte teor: “Ora sobre esta questão a jurisprudência já teve oportunidade de se pronunciar por várias vezes, sendo de salientar o Ac RP 22/4/2015 www.dgsi.pt (Vaz Patto) em cujo sumário se lê “I - Deve proceder-se ao desconto, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo” e em cujo texto se escreve: “Esta questão tem sido objeto de controvérsia na jurisprudência. Para uma corrente jurisprudencial (ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de março de 2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L1-5, relatado por Alda Casimiro, e da Relação do Porto de 28 de maio de 2014, proc. nº 427/11.2PDPRT.P1, relatado por Vítor Morgado, ambos in www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2012, in C.J., 2012, III, pg. 109) não há que proceder ao desconto, tendo em conta a diferente natureza e o diferente regime das injunções no âmbito da suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro: a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena tem fins de prevenção geral e especial; o cumprimento da injunção decorre de um acordo obtido com o arguido, ao contrário do que sucede com as penas, impostas independentemente da vontade deste; o despacho que determina a revogação da suspensão provisória do processo e o seu prosseguimento com a acusação não implica o julgamento sobre o mérito da questão; o incumprimento dessas injunções tem como consequência esse prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados faz incorrer o arguido na prática de um crime; durante o cumprimento da injunção de entrega da carta de condução, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição de conduzir decretada sem o consentimento do visado. Invoca esta corrente o disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal: em caso de revogação da suspensão provisória do processo com o prosseguimento deste, «as prestações feitas não podem ser repetidas». Entende, porém, outra corrente jurisprudencial - a que aderimos - que a todos essas considerações se sobrepõe um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva não apenas conceitual, mas prática, substantiva e funcional. A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime. Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afetam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido. Apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes. A ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem). Invoca esta corrente, no que se refere à voluntariedade da injunção, por contraposição às penas, a redação do nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: «…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor». Daqui decorre a obrigatoriedade desta injunção. Quando à regra decorrente do nº 4 do artigo 282º do Código de Processo Penal acima referida, entende esta corrente que o conceito de “repetição” tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efetuadas tenham de ser efetuadas outra vez. Em resposta à invocação da diferente natureza das injunções e das penas, invoca esta corrente jurisprudencial que a inquestionavelmente diferente natureza da detenção e das medidas de coação privativas da liberdade, por um lado, e das penas, por outro lado, não impede que o cumprimento daquelas seja descontado nestas, nos termos do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Código Penal. E é assim, porque, apesar dessa diferença, há uma substancial equivalência entre elas. Substancial equivalência que também se verifica entre as injunções e as penas. Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 19 de novembro de 2014, proc. nº 24/13.8GTBGC.P1, relatado por Lígia Figueiredo; da Relação de Évora de 11 de julho de 2013, proc. nº 108/11.7PTSTP.E1, relatado por Sénio Alves; da Relação de Guimarães de 6 de junho de 2014, proc. nº 98/12.7GAVNC.G1, relatado por Ana Teixeira, e de 22 de setembro de 2014, proc. nº 7/13.8PTBRG.G1, relatado por António Condesso; e da Relação de Coimbra de 10 de dezembro de 2014, proc. nº 23/13.0GCPBL.C1, relatado por Maria José Nogueira; todos in www.dgsi.pt.” Antecedendo este entendimento, já o ac RP 19/11/2014 www.dgsi.pt (Lígia Figueiredo) decidira que “Revogada a suspensão provisória do processo, no âmbito da qual foi cumprida a injunção de proibição de conduzir, esse cumprimento deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir em que venha a ser condenado na sentença proferida na sequência dessa revogação.” No mesmo sentido também no ac 16/12/2015 www.dgsi.pt (Fátima Furtado) se decidiu: “I - A injunção traduzida na inibição de conduzir veículos automóveis, cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis em que venha a ser condenado posteriormente, na sequência da revogação daquela suspensão, pelo mesmo crime. II – São exigências de justiça material que impõem esse desconto.”, e no ac 25/3/2015 www.dgsi.pt Vítor Morgado expressou que “A proibição de conduzir veículos com motor imposta como injunção ao arguido na suspensão provisória do processo, que vier a ser cumprida pelo arguido deve ser descontada no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em que seja condenado no mesmo processo na sequência do prosseguimento do mesmo por virtude da revogação daquela suspensão provisória” e no ac RP de 27/1/2016 www.dgsi.pt (Renato Barroso) se decide que “II - A sanção acessória de inibição de conduzir, aplicada como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser objecto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada na sentença condenatória”, e também ainda no ac. RP de 7/04/2016 (Nuno Coelho), in .www.dgsi.pt “A sanção acessória de inibição de conduzir, aplicada como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser objeto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.” Traduzindo uma jurisprudência constante, a que aderimos tanto mais que se nos afigura correcto o entendimento inerente ao principio ne bis in idem, previsto no artº 29.º, n.º 5 da CRP de que não é apenas a proibição de que alguém seja julgado mais que uma vez pelo mesmo crime, que está em causa, como anotam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da república Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 497) citado no ac.19/11/2014, mas também que “é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime»”, (sublinhado nosso) pelo que no caso não ocorrendo o desconto da mesma (materialmente falando) sanção, o arguido era sancionado duplamente pelo mesmo facto ilícito, com o que seria violado aquele comando constitucional, de aplicação e eficácia imediata e directa (artº 18º CRP) e que levaria à não aplicação da norma sancionatória e daquela sanção (sem prejuízo de se impor a sua determinação em face dos critérios determinativos da sanção, face ao principio da culpa e às finalidades da pena). Todavia, para além de outros casos já anotados continua a perfilhar-se o entendimento diverso, e assim no: Ac RP de 13/4/2016 www.dgsi.pt (Jorge Langweg) foi decidido que “ I - Não há lugar a desconto de período de proibição de condução veículo com motor, cumprido a título de injunção aplicada no âmbito de suspensão provisória de processo, à pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, aplicada em sentença proferida na sequência do prosseguimento do processo. a) A lei penal tipifica nos artigos 80º a 82º do Código Penal os descontos no cumprimento das penas e as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram elencadas nessas normas. b) As injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo penal resultam de acordo jurídico-processual que visa a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal e não têm a natureza de sanção penal. c) Tais injunções integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.” Argumentando-se que as situações de desconto no cumprimento das penas estão previstas na lei (artº 80º a 82º CP) e ali não estão previstas as injunções as quais atento o disposto no artº 282º4 CPP, não são repetidas, e o mesmo é seguido pelo ac. 4/5/2016 www.dgsi.pt (Mª Deolinda Dionisio) “I - Não existe preceito legal que permita o desconto na inibição de conduzir veículos motorizados em que o arguido foi condenado, do tempo em que esteve proibido de conduzir na sequência do cumprimento da injunção imposta como condição da suspensão provisória do processo pelo mesmo facto. II – O termo prestações, constante do artº 282º4 CPP, deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo todos os deveres legalmente impostos na suspensão provisória do processo; III – A proibição de conduzir, como injunção da suspensão provisória do processo e como pena acessória, não são duas realidades funcionalmente comparáveis, sendo que no 1º caso a sua infração ao contrário do 2º, não incorre na prática do crime do artº 353º CP, mas apenas no prosseguimento do processo.” Ora, no que respeita a estas (injunções) atenta a sanção em causa e o que se investiga (o seu desconto/ compensação em face da decisão final condenatória) não podemos deixar de entender que a não repetição prevista no artº 282º 4 CPP, a nosso ver, é restrita às prestações de natureza pecuniária (o próprio termo “ prestação” reveste o sentido de natureza pecuniária e as injunções de natureza pecuniária estão previstas no artº 281º 2 al. a), b) e c) CPP), e não a regras de conduta, que são por natureza irrepetíveis (dada a sua natureza infungível), e por isso nunca podem ser repetidas (ou devolvidas, e só o seu equivalente), pelo que a questão da não repetição e consequente obrigação de sofrer dupla sanção não lhe é aplicável. A assim não se entender, não podemos deixar de considerar que estaremos a nosso ver perante uma lacuna, a integrar com recurso ao espirito do sistema – através da norma que o interprete criaria se tivesse de legislar no espirito do sistema (artº 10º3 CC) - e isto porque a imposição da injunção “de proibição de conduzir veículos com motor.” foi introduzida como sanção obrigatória (e logo não consensual) pela Lei 20/2013 de 21/2, que alterou o artº 281º3 CPP ) onde antes não existia dispondo expressamente: “- Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor.”, algo que não existia antes e por isso não previsto pelo legislador (não constando dos artº80º e ss CP), e que retira o caracter consensual à injunção (se se quiser aplicar /beneficiar da suspensão provisória do processo, e a reveste com a natureza de injunção sancionatória, assim a tornando igual à pena acessória (razão de ser do nº3 citado que impõe aquela injunção em face da previsão legal da pena acessória para o crime em investigação). A “suspensão provisória do processo”, é resultado da aplicação do princípio da oportunidade, integrado nos actos de diversão inerentes ao movimento de desjudicialização e que se insere na denominada justiça penal negociada (permitida pelo artº202º 4 CRP“A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”, que parte não apenas da negociação com vista à obtenção do consenso entre os sujeitos interessados (ofendido /agressor) assente em ponderações e finalidades de realização de uma justiça restaurativa, onde aqueles são chamados a participar activamente na resolução do litigio, pelo que apenas se concebe a aplicação de tal instituto existindo um efectivo consenso entre todos o intervenientes (sujeitos processuais) pois a consensualização/ resolução do litigio inter partes constitui o fundamento pelo qual o Estado renuncia ao exercício do seu poder punitivo, consenso que não sendo conseguido não pode ser imposto. A situação legal criada com o Lei 20/2013 de 21/2 que inseriu a norma do nº3 do artº 281º CPP impondo que “….tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor.” veio criar problema acrescidos à aplicação deste instituto (que já antevíamos na nossa dissertação de mestrado “ A suspensão parcial da pena de prisão e a reparação (perspectivas)”, FDUC, 2014, pág. 96 onde escrevemos: “Este instituto, que prescinde do princípio da legalidade estrita e opta pelo principio da oportunidade na perseguição criminal, postergando por essa via o principio da igualdade, constituindo um dos casos de introdução de medidas de diversão e consenso na solução do conflito penal (já para além da pequena e média criminalidade), deve ser utilizado sempre que as exigências de prevenção não justifiquem os custos do prosseguimento formal típico para os propósitos político-criminais da intervenção mínima, da não-estigmatização do agente, do consenso e da economia processual, para além da celeridade processual, essencialmente nos casos relativos a delinquentes ocasionais ou com prognóstico favorável, opta pela aplicação de injunções e regras de conduta que não revestem a natureza jurídica de penas, mas constituem “medidas funcionalmente equivalentes, tratando-se de sanção a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa” Esta alteração legal, através da imposição obrigatória da injunção da proibição de conduzir, tem capacidade para reduzir a aplicação do instituto ao tipo de crime em causa,…”;) pois sendo exigido e exigindo-se o consenso para a aplicação daquele instituto, aquela norma não apenas impõe a ausência de consenso para a injunção, como põe em causa aquela forma de diversão porque assente na consensualidade, e deixa de existir uma justiça negociada, fazendo ruir pela base os pressupostos de tal instituto nos casos em que a infração é punível com a proibição de conduzir veículos com motor, pois os sujeitos processuais intervenientes não são livres de encontrar o consenso exigido e que está na sua essência, ou de aceitar ou não essa injunção; Assim o Estado veio impor que nos casos de a infração em investigação ser punível com a pena acessória da proibição de conduzir veículos com motor esta pena tem de ser imposta, e porque legalmente imposta a injunção perde a natureza de “medida funcionalmente equivalente” que revestia (ac. TC nº 235/2010 de 16/6/2010) e passa a ser verdadeira pena aplicada em virtude daquela previsão legal relativa ao crime em apreciação e não da vontade das partes. Assim está a impor uma pena sem uma decisão judicial condenatória (em provável violação do artº 27º2 CRP), e num procedimento em que não há a censura ético-jurídica da pena, nem a comprovação da culpa, e onde nem sequer há lugar à comprovação da participação do arguido nos factos (prova de que seja ele o autor) Esta questionada situação não existia antes daquela Lei 20/2013, pelo que o Cód. Penal ou Processual penal não a previa e por isso tem razão aquela jurisprudência que diz que não existe lei que autorize o desconto da injunção de proibição de conduzir já cumprida na pena que posteriormente venha a ser aplicada ao arguido por ter prosseguido o processo suspenso. Mas também não a podia prever, pois essa questão não existia visto que só apos a entrada em vigor dessa lei é que a questão se coloca; Ora, atento o regime que emerge dos artºs 80 a 82 CP dele ressalta de modo inequívoco, que o legislador penal quis que todos os males (restrições) sofridos pelo arguido no decurso do processo, na sequencia da investigação pela prática de um crime, fossem tidos em conta na decisão final e que em caso de condenação esses fossem compensados/ descontados, de modo a que não sofresse duas vezes a mesma (detenção ou prisão preventiva e prisão) ou similar (obrigação de permanência na habitação ou outra medida processual no estrangeiro/ prisão) sanção, pelo que dentro deste espirito o legislador não quer que o arguido sofra duas vezes a mesma pena/ sanção pelo mesmo ilícito, donde se impõe que nessas circunstancias o cumprimento da injunção (proibição de conduzir) deva ser descontado na pena acessória que venha a ser imposta ao arguido pela pratica do crime em investigação, pois seria essa a norma que o legislador criaria se tivesse previsto essa situação, sob pena de não ser coerente; Deste modo é restabelecida a harmonia do sistema jurídico, e não apenas se evita a violação do principio ne bis in idem (artº 29º5 CRP supra), mas também se evita a violação do principio da presunção de inocência do arguido, pois a decisão de suspender provisoriamente o processo assenta, como já salientámos, num mero juízo hipotético de responsabilidade do arguido (que aceita as injunções para não ser submetido a julgamento), e não chegando a haver julgamento nem declaração de culpa, continuando o arguido a presumir-se inocente, (cfr. Germano M. da Silva, Curso Proc Penal, III Vol, Verbo, 2009, pág. 130), que apenas cessou com a presente sentença de condenação sob impugnação e decisão deste recurso, ao impor-lhe uma obrigatória sanção de natureza penal (que constitui doutrinariamente “medida funcionalmente equivalente” à pena) antes do julgamento e sem possibilidade de a considerar já cumprida após a declaração de culpa, através do julgamento.”
Deve por isso a nosso ver o tempo cumprido de proibição de conduzir ser desconta no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir em que foi condenado.
Quanto à 2ª questão, entrega / pagamento da quantia à instituição de solidariedade social cremos que a mesma não deve ser descontada no montante da pena de multa em que foi condenado.
E desde logo porque tal contraria frontalmente o artº 282º4 CPP, quando se refere que “as prestações feitas não podem ser repetidas”, estando em causa nosso ver e de modo manifesto o que foi pago ou entregue em cumprimento da suspensão provisória do processo, sendo que a não repetição prevista no artº 282º 4 CPP, é restrita às prestações de natureza pecuniária (patrimonial - ac RP 19/11/2014 cit.) e obrigacional (o próprio termo “ prestação” e “ repetidas” reveste o sentido de natureza pecuniária e obrigacional e de devolução, as injunções de natureza pecuniária estão previstas no artº 281º 2 al. a), b) e c) CPP), (e não todos os deveres - ac RP 04/05/2016 www.dgsi.pt) e não a regras de conduta, que são por natureza irrepetíveis (dada a sua natureza infungível), e por isso nunca podem ser repetidas (ou devolvidas e só o seu equivalente), pelo que a questão da não repetição e consequente obrigação de sofrer dupla sanção não lhe é aplicável.
Acresce que estamos perante duas medidas de natureza e génese completamente diferentes: dum lado uma quantia aceita e acordada entre as partes, e da outra uma pena imposta; dum lado uma quantia entregue ao lesado ou ente social como compensação e do outro uma quantia necessariamente entregue ao Estado como uma pena.
É certo que também neste âmbito a jurisprudência diverge mais uma vez, decidindo uns que as quantias entregues devem ser descontada na pena seja ela qual for: Ac. R.P. 22/4/2015 www.dgsi.pt: “II - Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo.” ou na pena principal - Ac R.Lx. 12/05/2016 www.dgsi.pt“II. A obrigatoriedade de concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas, devendo ser descontadas nas penas principal e acessória em que o mesmo venha a ser condenado em julgamento.”
E em sentido divergente, para além da jurisprudência que não aceita o desconto, especificamente quanto a quantias entregues o ac. R. Porto de 25/5/2016 proferido no Proc. 437/14.8PFPRT.P1 (Francisco Marcolino), onde para além do critério legal se apoia no facto de “que estamos perante obrigação natural na medida em que o arguido voluntariamente se vinculou ao pagamento e cumpriu. Faz todo o sentido a lei afirmar - n.º 4 do art.º 282º do CPP – que “as prestações feitas não podem ser repetidas”. As obrigações naturais, a que alude o art.º 402º do C. Civil, como é sabido, fundam-se num mero dever de ordem moral ou social e, por isso, não é o seu cumprimento judicialmente exigível, mas correspondem a um dever de justiça. Ora, como prescreve o n.º 1 do art.º 403º do C. Civil, “Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural”. In casu, o arguido, de forma voluntária, aceitou pagar (…) a uma IPSS a título de injunção para obter a suspensão provisória do processo. Por culpa sua, o processo teve de prosseguir. E foi condenado, a final, em pena de multa. Como a prestação efectuada não pode ser repetida, no sentido a que alude o art.º 403º do C. Civil, então é óbvio que não pode, seja pela forma que seja, ser exigido o que voluntariamente foi pago.”
Tendo em conta o que já expressámos afigura-se-nos efectivamente que a quantia paga não pode ser repetida em face do comando legal (e por isso descontada na pena principal), e porque não está em causa o princípio “ne bis in idem” - art. 29º 5 CRP - desde logo porque julgamento há só um e depois e essencialmente porque tais prestações (artº 281º a), e c) indemnizar o lesado ou entregar uma quantia ao Estado ou instituição de solidariedade social), não constituem sanções penais previstas no tipo legal (ao contrario da proibição de conduzir) e podem ser impostas para além da condenação numa pena, na procedência do pedido de indemnização civil e como condição da suspensão da pena (em que o efeito de não repetição é igual - artº 56º2 CP), e foram aceites e não impostas obrigatoriamente pela lei;
Acresce que os destinatários da injunção paga e da quantia relativa à multa são diferentes (particular além e Estado aqui) pelo que não poderia haver compensação, em que o desconto se traduz (não paga porque já pagou). Em argumento ad absurdum seria o mesmo que o arguido ser condenado em pena de multa e indemnização ao lesado e por ter pago ao lesado o valor da indemnização pelos danos causados (como pode ocorrer- artº 281º 2 a) CPP) tal valor ser descontado na multa.
Por outro lado a recusa de aplicação de tal norma implicará a declaração da sua inconstitucionalidade (artº 204º CRP), e não nos parece que padeça desse vício neste segmento;
Não deve assim ser descontada na pena de multa a quantia de 280,00€ já entregue em cumprimento da injunção, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada nesta parte e mantida no restante.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Mº Pº e em consequência revoga a decisão recorrida na parte em que determina o desconto na pena de multa da quantia de 280,00€ entregue à instituição de solidariedade social em cumprimento da injunção aceite na suspensão provisória do processo.
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 7/ 7/ 2016
José Carreto (relator por vencimento)
Donas Botto (vencido com declaração de voto anexa)
Francisco Marcolino (Presidente)
_____ Declaração de voto
Proc. n.º 324/13.7SGPRT.P1
Discordo da posição que fez vencimento, apenas na parte que entende não dever proceder ao desconto na pena de multa em que o arguido foi condenado da quantia paga a uma instituição de solidariedade.
Não obstante já ter assinado um acórdão, como adjunto, em que se defendia esta posição, depois de pensar melhor, mudei de posição.
Efectivamente, o que se pretende evitar com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta, onde o fim e a sua execução são iguais, mesmo que se entenda que têm natureza jurídica diferente.
O princípio “ne bis in idem” está consagrado no n.º 5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa, que diz: “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
Em anotação a este artigo, os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, consideram que a Constituição, “... proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».”
Esta protecção constitucional abrange, pois, o duplo julgamento, mas também a “aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime», que seria exactamente o que aconteceria com o não desconto das injunções já compridas pelo arguido, seja ao nível da proibição de condução, seja ao nível de prestações pecuniárias.
A suspensão provisória do processo é, como vimos, uma solução de consenso na resolução de questões penais, com a qual se pretende, além do mais, uma maior celeridade na resolução dos conflitos, uma rápida reintegração social do arguido e uma melhor satisfação dos interesses da vítima.
As injunções são ordens dadas ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, de facere ou de non facere, pelo que, neste ponto, se assemelham a uma sanção penal, com o mesmo objectivo de realização do interesse público, realizado através de uma pena, mas a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa (cf. Costa Andrade, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, pág. 353).
Porém, mesmo uma distinta natureza jurídica da pena e da injunção não pode, por si só, constituir impedimento ao pretendido desconto.
Da mesma forma, a pena de multa imposta agora ao arguido na sentença recorrida, teve por objecto os mesmos factos que constituíram o objecto da injunção que lhe foi imposta na suspensão provisória do processo, sendo que os efeitos práticos de uma e de outra, projectados na sua vida quotidiana são os mesmos, e o cumprimento feito da mesma forma, apenas constituindo uma alteração à tramitação normal que conduziria ao julgamento.
Ora, o que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção propriamente dita, se esta poder equivaler à imposição de uma injunção ou regra de conduta (já não será assim, por exemplo, quanto à injunção da frequência da acção de formação, pois não há qualquer base legal de equivalência com a pena de multa, ou outra).
No caso concreto, o recorrente cumpriu parte da injunção de pagar uma determinada verba a uma instituição de solidariedade social, da mesma forma como seria cumprida a pena de multa em que foi condenado na sentença recorrida.
A cumulação, no mesmo processo e na sequência da mesma conduta, da injunção e da pena, com a consequente aplicação de duas medidas (a injunção e a pena) materialmente idênticas e tendo por base a mesma conduta criminosa, tem de levar o juiz a procurar a compressão material do principio ne bis in idem, no sentido de saber se a lei oferece uma resposta para que se obste a que um condenado, pela prática do mesmo facto, cumpra uma punição por duas vezes, assegurando-se que um efeito já sofrido pelo delinquente deve ser tido em conta na sentença, tal como se encontra na previsão dos arts. 80º a 82º do CP, onde se abrange não apenas a prisão preventiva mas outros efeitos já sofridos pelo mesmo facto (cfr. Eduardo Correia, Actas das Sessões da Comissão Revisora do CP, II, p. 166).
Assim, mesmo admitindo a tal distinta natureza jurídica da injunção e da pena, a questão fulcral é que, caso sejam cumpridas, são-no da mesma forma, exigindo do arguido a mesma conduta, isto é, a injunção cumprida pela arguido teve em vista o mesmo facto e foi cumprida da mesma forma.
Ora, no caso em análise, vimos que o facto é o mesmo (é a este facto criminoso que se liga tanto a injunção como a pena), a que se faz corresponder cumulativamente uma injunção e uma pena.
O sistema processual-penal, que consagra e regula a suspensão provisória do processo, pressupõe que esta acautele, suficientemente, a protecção dos bens jurídicos, pelo que as finalidades preventivas “da punição” se consideram abstractamente garantidas através da aplicação de injunções. E essas finalidades preventivas são, então, de considerar como concretamente asseguradas, sempre que as injunções aplicadas se mostrem cumpridas.
Por isso, a injunção serve finalidades de prevenção, finalidades essas que são também comuns às penas.
Assim, se a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação servem finalidades de medida de coacção, portanto de natureza cautelar, que não as finalidades da pena, e a lei determina que se proceda ao seu desconto (das medidas de coacção no cumprimento da pena), desconto imposto pela mera decorrência da identidade fáctica de que decorre a privação da liberdade, não se justifica a exclusão do desconto nestes casos em que é de reconhecer tanto a identidade material das medidas como as suas finalidades.
Ora, repetimos, o principio ne bis in idem tem de garantir ao indivíduo estabilidade da sua situação jurídica em relação a uma determinada infracção, que foi definitivamente fixada e que não será alterada por decisão posterior, impedindo a realização de uma segunda acção punitiva pelos mesmos factos, e garantindo ao indivíduo a protecção da sua pessoa contra os ataques à sua esfera jurídica decorrentes da repetição de uma acção punitiva.
Por outro lado, o desconto das injunções parcialmente cumpridas, pode ainda apoiar-se no artigo 69º, nº 6 do Código Penal, onde não se incluiu como não contando para efeitos de proibição, o tempo já cumprido em sede de suspensão provisória de processo, o que leva a concluir que o legislador não quis, expressa e intencionalmente, incluir as injunções parcialmente cumpridas, como não contando, para efeitos da contagem do prazo de proibição de sanção acessória.
Por isso, não poderemos deixar de considerar como uma renovada sanção jurídico-penal, o não desconto das injunções já cumpridas, ou parcialmente cumpridas, sob pena de violação do princípio constitucional non bis in idem.
Finalmente, resulta do artº 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
Só quando razões ponderosas, baseadas noutros princípios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.
Este n.º 3 propõe um legislador sábio, racional e justo, que consagra as soluções mais acertadas, mais correctas, justas ou razoáveis, e que sabe exprimir-se por forma correcta. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 188 e ss., refere que Manuel de Andrade, em caso de dúvida, propõe a procura de um certo ponto de equilíbrio, nos seguintes termos: "Dentre os dois sentidos, cada um deles o mais razoável sob um dos aspectos considerados, deve preferir-se aquele que menos se distanciar da razoabilidade sob o outro aspecto".
Também Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, L.da, -1974, p. 95, refere: " Nas suas linhas essenciais, portanto, o problema da interpretação da lei não ganha, em direito processual penal, autonomia: trata-se aí, como em geral, da necessidade de uma actividade - prévia em relação à aplicação do direito e que, por isso mesmo, em nada contende com o carácter não subsuntivo desta operação - tendente a descortinar o conteúdo de sentido ínsito em um certo texto legal. Só convirá aqui relembrar dois pontos já devidamente acentuados: é o primeiro o da relevância que, para uma interpretação axiológica e teleológica nos domínios da nossa disciplina, assume a consideração do fim do processo; é o segundo o da necessidade de, por ser o direito processual penal verdadeiro «direito constitucional aplicado», se tomar na devida conta o princípio da interpretação conforme à Constituição."
Na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre restrições – in dubio pro libertate (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 4.º, 308).
Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 1978, pág. 127 e segs., refere que: «...As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteudo possivel da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a critica e a controlo».
Também no Ac. STJ de 27-9-1995, DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878, se diz: «…o que se pretende com a interpretação juridica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático- intencional e metódico».
Por tudo isto, entendo que a interpretação da lei mais correcta, impõe um critério de justiça material, que leva à equivalência de ambas as prestações (quer na pena acessória de proibição de conduzir, quer no desconto da quantia entregue na pena de multa), pois a injunção e a pena concreta decorrem da prática do mesmo crime, e é proibido o duplo julgamento, como forma de evitar a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime.