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COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
CLÁUSULA GERAL
Sumário
1 – A Lei não fere de nulidade o clausulado em que se estipula o foro competente só porque dele podem resultar desvantagens para uma das partes: na previsão normativa admite-se a possibilidade dessas desvantagens se forem correlativas de um interesse relevante da outra parte.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
S.C.C. - Sociedade Central de Cervejas, SA, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, contra (A), com domicílio profissional no Porto, pedindo seja declarado resolvido o contrato por ambos outorgado e o R. condenado a pagar-lhe a quantia de 49.879,79 euros, por incumprimento desse contrato, acrescida de juros moratórios até integral pagamento.
Citado, o R. excepcionou com a incompetência territorial do Tribunal, alegando que a cláusula 8ª do contrato accionado, em que se estipula como competente para as questões deste emergentes o foro da comarca de Lisboa, é nula por violação do disposto na al. g), do artº 19º do Dec-Lei nº 446/85, de 25/10, já que, tendo em conta a distância que separa o seu domicílio do tribunal convencionado, os inconvenientes resultantes de tal clausulado são maiores para si do que para a demandante.
Acrescentou que, sendo nula essa cláusula, o tribunal competente para a causa é o Tribunal da comarca do Porto, por ser este o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida.
Após resposta da A. no sentido da improcedência da excepção, o Sr. Juíz a quo, acolhendo a tese do demandado, julgou procedente a excepção e declarou incompetente para a causa o tribunal convencionado pelas partes.
Inconformada com a decisão, dela interpôs a A. recurso, em cujas conclusões, devidamente resumidas - artº 690º, 1, do C.P.C. -, se questiona, no fundo, a validade da cláusula do contrato ajuizado em que se estabeleceu o foro competente para as questões deste emergente.
O agravado não contra-alegou.
Os factos que relevam são os constantes do relatório que antecede.
Quid iuris?
Não vem questionado que o pacto de aforamento satisfaz o condicionalismo exigido pela lei adjectiva (artº 100º do CPC), antes a validade de tal pacto, face aos impositivos da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - Dec-Lei nº 446/85, de 25/10 -, pelo que tudo está em saber se a cláusula respeitante ao foro convencional do contrato viola ou não as normas deste diploma.
No que ao caso interessa, dispõe-se no artº 19º, al. g), do DL 446/85 que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais que "estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem."
Aqui se louva o recorrido para considerar o clausulado em referência nulo, porque, adianta, "é uma pessoa singular, que vive exclusivamente do produto do seu trabalho" ".... verificam-se graves prejuízos materiais e inconvenientes para o R. decorrentes da enorme distância espacial, sem que os interesses da A. o justificassem" (itens 6º e 7º da contestação).
Sem relevar que não vem concretizada a factualidade em que se suporta a asserção que se transcreveu, não podemos, salvo o devido respeito, acompanhar a decisão recorrida que a acolheu.
Mesmo a aceitar-se como sendo de adesão o contrato ajuizado, há que ter em atenção que, ao contrário do que acontece com o disposto no artº 18º do DL 446/85, em que as proibições aí referidas actuam desde que surjam as cláusulas por elas abrangidas, a previsão proibitiva do artº 19º do mesmo diploma não abstrai da tipologia do contrato em causa, sendo esse o sentido da referência no corpo do normativo ao "quadro negocial padronizado" e daí que, embora a respectiva valoração não possa fazer-se de forma casuística, sempre haverá, no mínimo, que ponderar todos os interesses em jogo.
Por isso, referem Mário Júlio de Almeida Costa e Menezes Cordeiro que "o direito comum permite às partes estipular o foro competente (arts. 99º e 100º do Código de Processo Civil) ou escolher a lei aplicável ao negócio (art. 41º do Código Civil). Não se vê inconveniente em que essas faculdades sejam exercidas mediante simples adesão a cláusulas contratuais gerais. Porém, dada a possibilidade de, através de estipulações inconvenientes do foro competente ou da lei aplicável, se coarctar o exercício do direito das partes e tendo em conta os postulados da justiça comutativa, requere-se, para a validade das correspondentes cláusulas, uma ponderação mínima de interesses. Nos termos das alíneas g) e h), essas cláusulas não valem quando causem a uma das partes graves inconvenientes, sem que interesses sérios e objectivos da outra o justifiquem. Os referidos preceitos apenas complementam o regime geral, que não substituem. Portanto, para além da poderação mínima de interesses acima referida, mantêm-se todos os demais requisitos da válida estipulação do foro e da lei competentes." (Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1995, pág. 48).
Daí que a lei não fira de nulidade o clausulado só porque dele podem resultar desvantagens para uma das partes: na previsão normativa admite-se a possibilidade dessas desvantagens se forem correlativas de um interesse relevante da outra parte (Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, 1994, pág. 104).
Mais, a lei fala até em "graves inconvenientes", o que, independentemente da leitura mais ou menos abrangente que de tal se faça, há-de convir-se que não pode ter tido em vista qualquer transtorno ou desvantagem, antes algo de relevantemente penoso ou sacrificante para a generalidade das pessoas.
A agravante refere que tem os seus serviços centralizados em Lisboa, celebrando em todo o território nacional contratos semelhantes ao ajuizado e daí o seu interesse em concentrar o seu tráfego jurídico na sua sede.
Se é de admitir a possibilidade de inconvenientes para aqueles com quem contrata e que não têm a sua residência na área da comarca de Lisboa ou próximo desta, hoje em dia, deve dizer-se, cada vez mais minorados pelos avanços tecnológicos dos meios de comunicação de pessoas e actos, é igualmente de admitir como justificado o interesse da agravante na estipulação do foro convencional, pois é apodíctico que os seus interesses são sensivelmente afectados se tiver de litigar em todos e cada um dos casos similares ao dos autos em diferentes comarcas.
Tanto basta, salvo o devido respeito, para afastar a cláusula em referência da previsão proibitiva da al. g), do artº 19º do DL 446/95, ficando, por isso, de pé o foro convencionado pelas partes para as questões emergentes do contrato ajuizado e, logo, como territorialmente competente para a causa o Tribunal Cível da comarca de Lisboa.
Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao agravo, declarando-se competente para a acção o Tribunal Cível da comarca de Lisboa.