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PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
Sumário
A notificação judicial avulsa, mediante a qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, constitui meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98 publicado no DR 1ª série de 12-05-1998).
A eficácia objectiva do acto interruptivo da prescrição depende da projecção do seu conteúdo sobre a própria relação jurídica a que se dirige.
Para que o meio interruptivo da prescrição, seja ele a citação, a notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento àquele contra quem o direito possa ser exercido, produza aquela eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor sobre o qual o faz incidir, não sendo suficiente, portanto, qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos contra o mesmo.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – Relatório.
(A), instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação contra a ré “CRÉDITO PREDIAL PORTUGUÊS, S.A.”, alegando, em resumo, que prestou trabalho subordinado à ré até 31 de Dezembro de 2002, data em que se reformou.
Desde 01.01.1992 teve direito a isenção de horário de trabalho. Porém, a ré não lhe pagou os valores devidos pela referida isenção, uma vez que não considerou para esse efeito prestações que faziam parte da sua retribuição: remuneração complementar, correspondente a 20% do vencimento base, prémios especiais e comparticipações nos lucros.
Por outro lado, a referida remuneração complementar foi reduzida, a partir de Janeiro de 1992, para metade, ou seja, para 10% do vencimento base.
As quantias em dívida a título de subsídio de isenção de horário de trabalho orçam em € 9.175,27, a que, aplicando o quadro de coeficientes de desvalorização da moeda previsto pela Portaria nº 287/2003, de 03.4, corresponde, no entender do autor, o valor actualizado de € 10.476,62.
Acresce que, relativamente aos anos de 1992 a 2002 estão em dívida diferenças relativamente à aludida remuneração complementar, no valor actualizado de € 16.161,64.
Em 30 de Dezembro de 2002 o autor e a ré celebraram um acordo, nos termos do qual esta reconhece a concessão de reforma àquele, assente na invalidez do mesmo, acordo esse que produziu efeitos a partir de 31.12.2002. Contudo, o referido acordo é nulo e ilegal, na medida em que se pretenda invocar que os seus termos impedem o autor de reclamar os créditos que ora peticiona: por se verificar a inconstitucionalidade da interpretação que considera aplicável ao caso o art.º 8º nº 4 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Dec.-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), por violação dos artigos 59º nº 3 e 63º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa; o acordo foi celebrado por mera adesão, e não por via de negociação, com falta de liberdade de estipulação e debaixo de grande pressão psicológica; a ré negociou de má fé, com culpa in contrahendo.
Concluiu pedindo:
a) Que seja declarada inconstitucional a interpretação que determina que, sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma, o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma, por violação dos artigos 59º, nº 3 e 63º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
b) Que a ré seja condenada a pagar-lhe € 10.476,62, a título de recálculo da isenção de horário de trabalho, acrescidos de juros legais, contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento;
c) Que a ré seja condenada a pagar-lhe € 16.161,64, relativos à diferença apurada no pagamento da remuneração complementar, acrescidos de juros legais, contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.
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Realizada a audiência de partes sem que se lograsse obter a conciliação entre as mesmas, foi a ré notificada para contestar, o que fez, por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a prescrição dos créditos reclamados e a remissão abdicativa dos mesmos.
Por impugnação, negou a existência dos vícios do acordo alegados pelo autor e o carácter retributivo das prestações invocadas, defendendo a licitude do cálculo efectuado para o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho.
Conclui pela sua absolvição dos pedidos.
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O autor respondeu à excepção da prescrição e pronunciou-se sobre a remissão abdicativa, pugnando pela sua improcedência, para o que alegou, além do mais, a inconstitucionalidade da aplicação do art.º 863º do Código Civil relativamente ao pagamento de créditos laborais, por violação do art.º 59º nº 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
A ré, por seu turno, pronunciou-se sobre a resposta do autor, alegando que a mesma, designadamente nos artigos 33º a 44º, extravasa a mera resposta à defesa por excepção, pelo que, em seu entender, tais artigos deviam ser considerados não escritos.
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O Tribunal “a quo”, entendendo que já estava em condições de decidir do mérito da acção, proferiu despacho saneador/sentença, no qual para além de não reconhecer razão à ré na pretensão de eliminação dos referidos artigos da resposta apresentada pelo autor, julgou procedente a excepção da prescrição de créditos invocada pela ré e absolveu-a dos pedidos formulados pelo autor.
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Inconformado com uma tal decisão, dela veio o autor interpor recurso de apelação para esta Relação, apresentando as suas alegações, nas quais extrai as seguintes conclusões:
1. Os créditos reclamados pelo A., ora Recorrente, nos presentes autos não se encontram prescritos;
2. Na realidade, da sentença ora em crise resulta que “...no que concerne aos créditos reclamados nesta acção, na notificação judicial avulsa o A. limita-se a dizer que pretende interromper, também, “o prazo de prescrição de quaisquer outras quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a apurar e que estejam em dívida, nomeadamente relacionadas com o cálculo da isenção do horário de trabalho” (art.º 11º do requerimento de notificação). É notório o carácter genérico e abstracto do anúncio feito. No que concerne ao objecto destes autos, a notificação judicial avulsa limita-se a cinco singelas linhas, que deixam a entidade empregadora na mais completa ignorância sobre quais serão as aspirações do trabalhador no que concerne à extinta relação laboral. A notificação em causa não reúne os requisitos necessários à interrupção da prescrição, atento o carácter excepcional da interrupção, face às razões de interesse público que presidem à prescrição.”;
3. É verdade que, tratando-se de créditos salariais, os mesmos prescrevem decorrido um ano desde a cessação do contrato de trabalho, nos termos do art.º 38º, 1 da LCT;
4. Para acautelar a prescrição, o A. efectuou notificação judicial avulsa, nos termos do art.º 261º do CPC;
5. Ora, como prescreve o art.º 323º, 1 do CC, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. [sublinhado nosso];
6. Na notificação judicial efectuada pode ler-se o seguinte (art.ºs 11º a 13º): “Por outro lado, com a presente notificação judicial avulsa o Requerente pretende interromper, também, o prazo de prescrição de quaisquer outras quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a apurar e que estejam em dívida, nomeadamente relacionadas com o cálculo da isenção do horário de trabalho. Assim e de acordo com o art.º 381º, n.º 1 do Código do Trabalho e 279º al. c) e e) do Código Civil, o prazo de prescrição para a reclamação de todos os créditos emergentes de contrato de trabalho é de 1 ano após a cessação do mesmo, ou seja, ocorre no próximo dia 31 de Dezembro de 2003, sendo que o Requerente pretende exercer todos os direitos já mencionados. Daqui se percebe o motivo para recorrer aos tribunais: interromper o prazo de prescrição, de modo a poder intentar a necessária acção de condenação para o pagamento das prestações que lhe são devidas, por serem regulares e periódicas e consistirem numa contrapartida do seu trabalho efectivo;
7. Se tomarmos ainda em consideração que a R. recebeu uma comunicação da Inspecção Geral do Trabalho (doc. 1 junto com a p.i.), em 2001, que a informava que estava a calcular incorrectamente a isenção de horário de trabalho, e que desde essa altura tem largas dezenas de acções, por esse motivo, a correr em Tribunal, muito se estranha que com a notificação judicial avulsa não tenha compreendido qual a pretensão do A.;
8. Resulta perfeitamente claro da leitura da notificação judicial avulsa que o A. reclama, por um lado, créditos relacionados com a prestação de reforma, por não estarem incluídos nesta a isenção de horário de trabalho, entre outras remunerações recebidas enquanto era trabalhador da R., e que eram consideradas como retribuição e, por outro lado, quantias emergentes do contrato de trabalho relacionadas com o cálculo da isenção de horário de trabalho;
9. Pelo que a notificação judicial avulsa interrompeu devidamente o prazo de prescrição dos créditos que se invocam nesta acção, devendo, por um lado, ser considerada como improcedente a excepção invocada pela R. e, portanto, ser revogado o despacho saneador/sentença, e, consequentemente, o processo seguir o seu curso normal, com a realização da audiência de julgamento e o conhecimento do mérito da causa.
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Contra-alegou a ré/apelada, defendendo a manutenção da sentença recorrida.
O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de ser julgada improcedente a excepção da prescrição, uma vez que a notificação judicial avulsa requerida pelo autor/apelante interrompeu o respectivo prazo.
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Colhidos os vistos legais cabe agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
Considerando que são as conclusões formuladas nas alegações de recurso que delimitam o respectivo objecto (cfr. arts. 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C. aqui aplicável por força do art.87º n.º 1 do C.P.T.), à excepção de outras cujo conhecimento oficioso a lei permita ou imponha (art. 660º n.º 2 do C.P.C.), caberá apreciar no recurso em apreço:
· Se a notificação judicial avulsa requerida pelo autor/apelante e que se mostra junta aos autos teve ou não a virtualidade de interromper o prazo de prescrição dos créditos invocados por aquele na presente acção.
Na primeira instância considerou-se como assente que:
(...)
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Passando agora à apreciação da questão suscitada neste recurso, diremos, primeiramente, que na sequência do douto acórdão para uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/98, publicado no DR, 1ª Série - A de 12-05-1998, já não se põe em dúvida que a notificação judicial avulsa, mediante a qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, constitui meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do art. 323º do Cod. Civil.
Ora, a decisão recorrida, acatando, embora, aquela jurisprudência, considerou que a notificação judicial avulsa requerida pelo ora apelante e a que se alude no mencionado ponto 26. da matéria de facto assente, não tivera a virtualidade de interromper a prescrição dos créditos reclamados na presente acção, porquanto não reúne os requisitos necessários à interrupção da prescrição, na medida em que, exigindo-se através de tal meio que o hipotético devedor fique a conhecer qual o direito que o credor vai exercer judicialmente, na notificação judicial avulsa de que o autor lançou mão, o mesmo limita-se a, em cinco singelas linhas, dizer que «pretende interromper também o prazo de prescrição de quaisquer outras quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a apurar e que estejam em dívida, nomeadamente relacionadas com o cálculo da isenção do horário de trabalho”», sendo, assim, notório o carácter genérico e abstracto do anúncio feito, o qual deixou a entidade empregadora na mais completa ignorância sobre quais as aspirações do trabalhador no que concerne à extinção da relação laboral.
Esta posição assumida na decisão recorrida, prende-se, directamente, com o problema da eficácia objectiva do acto interruptivo da prescrição a que já se aludia no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 1994 ao referir que essa eficácia «depende da projecção do seu conteúdo sobre a própria relação jurídica a que se dirige», acrescentando, depois, que «o conteúdo desse acto interruptivo, no que concerne à determinação do limite objectivo da sua eficácia, é-nos dado, nos actos interruptivos judiciais, pelo próprio direito cuja tutela judicial se requer. Isto significa que a causa interruptiva da prescrição interrompe a prescrição dos direitos a que se refere. Por isso, se essa causa for a citação judicial ou outro acto interruptivo judicial – como a notificação judicial avulsa – o direito cuja prescrição fica interrompida é o feito valer por esse acto»[1].
Ora, na esteira desta posição jurisprudencial e atendendo às razões de interesse e ordem pública que estão na base do próprio instituto da prescrição – certeza do direito e segurança do comércio jurídico – afigura-se-nos que, para que o meio interruptivo da prescrição, seja ele a citação, a notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito possa ser exercido, produza aquela eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor sobre o qual o faz incidir, não sendo, portanto, suficiente qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos contra o mesmo. É que o efeito interruptivo do mesmo, baseia-se, precisamente, em que, a partir dele, o devedor fica a ter conhecimento do direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente.
Posto isto e reportando-nos agora mais concretamente sobre o caso em apreço, verificamos que através da notificação judicial avulsa a que se alude no ponto 26. da matéria de facto assente e que se invoca como acto interruptivo da prescrição, o requerente e ora autor/apelante pretendeu, por um lado, dar conhecimento à requerida e ora ré/apelada de que estava a receber uma pensão de reforma claramente inferior àquela a que teria direito uma vez que a que estava a receber não incluía todas as prestações regulares e periódicas mencionadas no art. 2º do requerimento de notificação judicial, emergentes do contrato de trabalho e que lhe eram pagas durante a vigência do contrato que havia existido entre ele e a ré. Por outro lado, afirma que com a notificação judicial avulsa «pretende interromper, também, o prazo de prescrição de quaisquer outras quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a apurar e que estejam em dívida, nomeadamente relacionadas com o cálculo da isenção de horário de trabalho».
Ora, verificando-se que o pedido que agora, em concreto, foi formulado na presente acção diz respeito a estas outras quantias alegadamente emergentes do contrato de trabalho que existiu entre o autor/apelante e a ré/apelada, que não à referida pensão de reforma e prestações remuneratórias a partir das quais se deveria – no entender do requerente - efectuar o correspondente cálculo, sem dúvida que, relativamente àquelas, a notificação judicial avulsa invocada como acto interruptivo da prescrição, se apresentava em termos assaz vagos ou genéricos “quaisquer outras quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a apurar e que estejam em dívida”, insusceptíveis de conduzirem, minimamente, à mencionada eficácia objectiva, sendo portanto insuficiente para, nessa parte, produzir a interrupção da prescrição dos créditos que o autor/apelante agora pretendeu reclamar através da presente acção.
Assim, tendo a relação laboral entre o autor/apelante e a ré/apelada cessado com efeitos desde 31 de Dezembro de 2002, aquele ao instaurar a presente acção apenas em 19 de Março de 2004, sem dúvida que o fez numa altura em que já se havia esgotado o prazo de prescrição de um ano a que se reporta o art. 38º n.º 1 da LCT introduzida pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24-11-69.
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III – Decisão.
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Registe e notifique.