CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
Sumário

1 – É de «cessão de exploração» o contrato pelo qual é cedida temporária e onerosamente a exploração de estabelecimento comercial.
2 - O art. 115 RAU deve ser interpretado extensivamente, de forma a abranger a «cessão de exploração de estabelecimento».
3 - Na «cessão de exploração» de estabelecimento não é de exigir a «autorização do senhorio».
4 - Para se obter a indemnização por benfeitorias, deve-se alegar e provar os factos atinentes à sua qualificação e valor, sendo esses factos constitutivos do direito à indemnização.

Texto Integral


SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES CIVIS E INDUSTRIAIS DIAS PEREIRA & NUNES LDA, em Fevereiro de 1994, intentou acção de despejo, sob a forma sumária, contra TERNURAS – RESTAURANTE BAR LDA, pedindo a resolução do arrendamento e a condenação da R., a despejar o locado e a entregá-lo livre e devoluto.
Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte:
A autora, por escrito particular datado de 01.04.80, deu de arrendamento a «Remédios & Norte Lda», a fracção autónoma designada pela letra «B», correspondente ao nº 259 B e C, da Estrada de Mem Martins, Sintra, com destino ao comércio.
Por carta de 29.03.89, a R. comunicou à A., que tinha tomado de trespasse o referido estabelecimento, mantendo no mesmo a exploração de restaurante.
A R. cedeu a exploração do estabelecimento a «AR e marido a partir de Janeiro de 1993.
Não foi celebrada escritura notarial, nem da cessão foi dado conhecimento à autora.
A renda mensal é de 26.734$00.
A cessão é inválida, por falta de forma.

Contestou a R. e deduziu pedido reconvencional, nos seguintes termos:
Os gerentes da autora tomaram há muito conhecimento, através de conversas, da cessão da exploração.
A nulidade não pode ser invocada pela autora.
A R., realizou no locado benfeitorias necessárias e úteis, no montante de 6.985 contos.

Replicou a autora, (fol. 26 e segs.) em que requereu a ampliação da causa de pedir.
Para o efeito alega em síntese o seguinte:
No momento em que a R., tomou de arrendamento o locado, aquele era composto de salão de refeições, duas divisões distintas, a pastelaria e a copa, para além de dois WC .
Em visita ao local, constatou a autora que a R. eliminou as partes internas que separavam as duas anteriores divisões destinadas a copa e pastelaria e derrubou as paredes externas que separavam aquelas duas divisões.
A R., modificou ainda a disposição dos WCs e implantou dois lava-mãos na divisão principal.
As obras não foram autorizadas e constituem fundamento de despejo previsto na alínea d) do nº 1 art. 64 RAU.
As benfeitorias apenas serviram para satisfazer interesses próprios da R., não tendo a mesmo direito às verbas que reclama.

A R., contestou a ampliação do pedido.

Foi proferido despacho, fol. 44, que admitindo o pedido reconvencional, determinou que a acção seguisse a forma ordinária.
Foi proferido despacho saneador (fol. 85 e segs.) em que não foi admitida a ampliação da causa de pedir.
Procedeu-se à selecção da matéria assente e elaboração do questionário, sobre que recaiu reclamação (fol. 95), que foi oportunamente decidida (fol. 105).
Procedeu-se a julgamento (em 17.06.2003 – fol. 165), tendo sido proferida decisão quanto à matéria de facto (fol. 175), sobre que não recaiu reclamação.
Foi proferida sentença (fol. 184 e segs) em que se julgou a acção improcedente, se absolveu a R. do pedido e prejudicada apreciação do pedido reconvencional.
Inconformada recorreu a autora (fol. 208), recurso que foi admitido, como apelação (fol. 212).
Alegou a apelante (fol. 215 e segs.), tendo formulado as seguintes conclusões:
a) A recorrida cedeu a terceiros, AR e marido, a exploração do estabelecimento comercial instalado no locado, jamais tendo sido celebrada escritura pública, tendo por objecto a referida cessão.
b) A cessão particular teve lugar em 30 de Dezembro de 1992 e não foi comunicada à recorrente.
c) Encontrando-se então em vigor a alínea k) do art. 89 C. Notariado, na sua redacção inicial, é nulo, por falta de forma, aquele negócio, tendo por objecto o gozo do estabelecimento.
d) Não sendo o contrato válido por não ter sido formalizado, não é susceptível de dar origem a qualquer nova relação jurídica, criando obrigações para os intervenientes.
e) Não há deste modo cessão de exploração do estabelecimento comercial, nem do acto praticado derivam os efeitos próprios daquela, existindo apenas um contrato inválido e ineficaz em relação ao senhorio, dando-lhe o direito de resolver o contrato de arrendamento (alínea f) do nº 1 do art. 64 RAU).
f) Provou-se que a recorrida não comunicou a cessão de exploração à recorrente.
g) A cessão é ineficaz em relação ao senhorio, dando-lhe fundamento para a resolução por cedência do gozo da coisa locada.
h) Provou-se que a recorrida alterou substancialmente a estrutura externa da fracção arrendada e a disposição interna das divisões do locado.
i) Não decretando o despejo violou a sentença o disposto no art. 64 nº 1 al. d) do RAU.

Contra-alegou a recorrida (fol. 232 e segs), sustentando a manutenção da sentença sob recurso.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.
È a seguinte, a matéria de facto considerada assente:
A - A autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra «B», correspondente ao nº 259, B e C, da Estrada de Mem Martins, em Mem Martins, descrita na 1ª Conservatória do Reg. Predial de Sintra, sob o nº 02159 da freguesia de Algueirão, Mem Martins. (A).
B - Por escrito particular – mas participado à Repartição de Finanças – datado de 1 de Abril de 1980, a autora deu de arrendamento a sobredita fracção a «Remédios & Norte Lda» (B).
C – Destinada genericamente a «comércio» foi efectivamente instalado e explorado na fracção um restaurante (C).
D- Por carta datada de 29 de Março de 1989, a R., comunicou à autora que tinha tomado, por trespasse, o sobredito estabelecimento (D).
E- Mantendo no mesmo a exploração de um restaurante (E).
F- A R. acordou com AR e marido AF que estes passassem a explorar o referido estabelecimento nos termos do documento de fol. 67 a 72, que aqui se dá por reproduzido (F).
G- A partir de Janeiro de 1993 foram a dita AR e marido que, na sequência daquele acordo, ali passaram a exercer a indústria de restauração (G).
H- Servindo refeições ao público, cafés, bolos, pizzas e demais bens próprios daquela indústria (H).
I- E contratando pessoal que, sob a suas ordens e direcção, aí presta trabalho (I).
J- A renda mensal actualmente paga pela R., à autora é de 26.734$00 (J).
K- Não foi celebrada escritura pública de cessão de exploração (K).
L- A instalação de uma marquise em alumínio anodizado com janelas de correr e bandeirolas numa extensão de 8x2, custou à R., 200.000$00 (L).
M- A livrança de 1.500.000$00 que os cessionários, nos termos da cláusula 16ª do contrato particular referido em F), se obrigaram a entregar à R., aceite por eles e avalizada por SR e esposa PG, nunca chegou a ser entregue, não obstante as insistências da R. (1º).
N- Na perspectiva da R., só seria feita a escritura pública relativa à cessão de exploração mencionada no contrato referido em F), depois de os cessionários entregarem a garantia acordada (2º).
O- A R., não diligenciou pela celebração daquela escritura pública relativa ao negócio referido em F) porque os cessionários não lhe entregaram aquela garantia, tendo sido, entretanto, proposta a presente acção (3º).
P- A R., realizou as seguintes obras:
a) levantamento de toda a rede de esgotos;
b) levantamento de toda a rede de águas potáveis;
c) levantamento de toda a rede de gás;
d) levantamento de toda a rede de electricidade;
e) levantamento do pavimento existente na rua em mosaicos;
f) remoção da marquise em ferro da varanda das traseiras;
g) remoção de dois wcs;
h) construção de uma rede nova de esgotos, com ligação independente da do prédio;
i) construção de uma rede nova de água;
j) substituição de toda a rede de gás na área de snak e cozinha;
k) colocação de uma calçada à portuguesa na rua na área onde foi feito o levantamento do pavimento referido em e);
l) construção de 2 wc,s;
m) criação de uma zona de lavabos com revestimento a mármore;
n) colocação de novo pavimento em todo o piso com mármores decorativos, incluindo soleira de entrada e escada;
o) forro da cozinha até ao tecto em mármore decorativo;
p) revestimento em mármore dos dois wc,s, até 1,8m de altura;
q) colocação de nova instalação eléctrica;
r) colocação de tecto falso metálico;
s) pintura de paredes e tectos interiores;
t) limpeza e pintura da fachada exterior;
u) delimitação da zona da calçada referida em k) com vista à criação de uma esplanada com pináculos em ferro;
v) remoção de entulhos e vazadouros (5º e 6º)
Q- o levantamento das obras feitas no locado deteriorará o locado (6º).
R- O Restaurante que funcionava e funciona no locado é de 3ª categoria (9º).
S- O emprego de mármore decorativo no pavimento da divisão principal onde se situa o restaurante, bem como para forrar a cozinha, os dois wc,s e a zona dos lavabos, não é necessário à conservação do locado (10º).
T- A R., eliminou as paredes internas que separavam as duas anteriores divisões destinadas a copa e pastelaria e derrubou também as paredes externas que separavam aquelas duas divisões da varanda do locado (17º).
U- As obras referidas em T) não foram autorizadas pela autora (18º).
V- A reconstrução das paredes referidas em T) importa em quantia não inferior a 300.000$00 (19º)

Verifica-se que entre a matéria factual dada como provada, se remete para documentos juntos aos autos, que se dão como reproduzidos, prática que enferma de irregularidade. Ao julgador incumbe discriminar na sentença os factos que considera provados (art. 659 nº 2 CPC), nomeadamente por documento, cabendo-lhe por isso interpretar o seu teor e expressamente individualizar os factos que por eles considera provados. A reprodução do teor dos documentos, mediante a cómoda fórmula de «dá-se por reproduzido», não esclarece o que o julgador expressamente considerou provado com tal documento.
O Tribunal da Relação, no acórdão que julga a apelação, deve fixar a factualidade provada, não estando sujeito ao julgamento da 1ª instância quanto a esta matéria, salvo os limites estabelecidos no art. 712 CPC. Assim, cumpre explicitar, aditando-os, os factos que se consideram provados pelos documentos cujo teor é dado como reproduzido na douta sentença recorrida, e que se não encontrem já expressamente contemplados na matéria assente.
A referência mostra-se feita em F), dando-se como provado o documento de fol. 67 a 72. Nos termos supra referidos, adita-se a matéria de facto, nos seguintes termos:
1- Acordaram os outorgantes que a cedência de exploração do estabelecimento era «com todas as coisas móveis discriminadas em inventário rubricado pelas partes». (fol. 68).
2- E que a cessão «é feita por 5 anos a contar do dia 1 de Janeiro de 1993, e pode ser denunciado pelos segundos outorgantes, com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao final de cada ano».
3- E que «pela ocupação e exploração do estabelecimento ... os cessionários pagarão à cedente, do dia um ao dia cinco do mês anterior àquele a que disser respeito, a importância de 300.000$00....» (fol. 68, cláusula 4ª).
4- E que «o estabelecimento destina-se exclusivamente à actividade de comércio de restauração e pastelaria que actualmente ali se exerce...» (cláusula 6ª, fol. 69).
5- E que «todas as obras que realizar no estabelecimento carecem de autorização prévio da cedente e as respectivas benfeitorias ficam a fazer parte integrante do estabelecimento sem que os cessionários possam exigir o seu levantamento, qualquer indemnização ou exercer o direito de retenção sobre elas» (cláusula 9ª).


O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer.
Assim delimitado o objecto do recurso, as questões que haverá que apreciar, são essencialmente:
a) Nulidade do contrato (celebrado entre a AR. e marido) por falta de forma;
b) Falta de comunicação ao senhorio da «cessão» e seus efeitos, nomeadamente, se com esse fundamento, pode o mesmo resolver o contrato que celebrou com o cedente;
c) A resolução é também de decretar com fundamento em alteração substancial da estrutura externa da fracção arrendada e (alteração) da disposição interna das divisões do locado, nos termos do art. 64 nº 1 d) RAU.

I – Qualificação do contrato, falta de observância de forma e suas consequências.
Nesta parte afigura-se que não há nesta fase do recurso divergência das partes quanto à qualificação do contrato feita na sentença e seus efeitos. Iremos pois fazer uma análise sumária da questão, apenas com a finalidade de passar a abordar as questões seguintes.
Entendeu-se na sentença sob recurso que a R. tomou de trespasse ao primitivo locatário, o estabelecimento em causa, facto que não é minimamente questionados pelas partes, quer na acção, quer no recurso.
Após isso a R. contratou com AR e marido, em escrito particular, mediante o qual, declarou ceder-lhe a exploração do estabelecimento, durante certo lapso de tempo, com os seus pertences, mediante pagamento e continuando a exercer-se aí a mesma actividade (F, G, H, e factos aditados).
Qualificou a 1º instância este contrato como de «cessão de exploração» de estabelecimento comercial. Esta qualificação não merece qualquer censura, atento o disposto no nº 1 do art. 111 RAU e art. 115 RAU. Com efeito, e este entendimento encontra o consenso quer da doutrina, quer da jurisprudência, a transmissão temporária e onerosa do gozo ou exploração do estabelecimento comercial é havida como «cessão de exploração» ou «locação de estabelecimento» (Vide Januário Gomes - Arrendamentos Comerciais, 2ª edc., pag. 61). «Aparentemente, não se suscitam dúvidas na delimitação entre o arrendamento comercial e a locação de estabelecimento: no primeiro, o locador transfere para o locatário o gozo dum prédio (ou parte) urbano ou rústico, para um fim directamente relacionado com uma actividade comercial (art. 110 RAU); no segundo, o locador transfere para o locatário a exploração de um estabelecimento comercial, de todo o complexo de elementos materiais e imateriais que integram a organização do estabelecimento. Em ambos os casos a transferência é onerosa e é temporária. Simplesmente, enquanto que por força do arrendamento comercial, o locatário passa a ter o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento, o cessionário passa a fruir um estabelecimento enquanto unidade económica – traduzida no plano do direito, numa unidade jurídica...» (obra citada pag. 63).
O elemento distintivo e característico deste contrato, face ao de «trespasse» é o facto de a transmissão ser «temporária».
À data em que foi celebrado o contrato, (1993), não se encontrava ainda em vigor o nº 3 do art. 111 RAU (introduzido pelo DL 64-A/2000 de 22 de Abril) e que dispõe que «a cessão de exploração do estabelecimento comercial deve constar de documento escrito, sob pena de nulidade». Vigorava o disposto no art. 89 k) do Código do Notariado, (redacção anterior à introduzida pelo DL 40/95 de 7 de Maio), que dispunha que «devem celebrar-se por escritura pública ... os negócios de transmissão da propriedade de estabelecimentos comerciais ou industriais, os que tenham por objecto o gozo destes e os de sublocação ou cessão do direito ao arrendamento dos prédios destinados a esses estabelecimentos ou ao exercício de profissões liberais».
Ora no contrato em causa não foi observada a forma legalmente exigida, pelo que atento o disposto no art. 220 CC, «a declaração negocial é nula.

II- Necessidade de comunicação do senhorio (da cessão) e seus efeitos.
O contrato de «cessão de exploração de estabelecimento comercial», não se mostra nem regulado nem definido na lei. Daí que a jurisprudência venha entendendo que se está perante contrato «atípico». Este facto aliado ao disposto no nº 1 do art. 111 RAU, tem dividido a jurisprudência e doutrina, quanto ao regime legal aplicável e concretamente se tem ou não aplicação o disposto no art. 1038 alíneas f) e g) CC. Neste preceito dispõe-se que são obrigações do locatário: (alínea f) «não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial de coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar»; (alínea g) «comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada».
É sabido que «estabelecimento» não pressupõe necessariamente o direito ao local, nomeadamente de prédio ou parte de prédio. Refere a propósito Orlando de Carvalho (Rev. Leg. Jur., ano 115, pag. 9) «a confusão do estabelecimento com o direito ao local é um erro grosseiro só compreensível numa fase pré-histórica da teoria do estabelecimento ou da empresa. Entre nós justificou-se graças ao peso forense dos problemas locatícios... e ao vulto que, na maioria das organizações mercantis, tem, indiscutivelmente, o direito ao imóvel. Só que este vulto não pode fazer esquecer que há estabelecimentos que não precisam de prédio (os estabelecimentos ambulantes...)...».
Apesar disso, a regra é a de que «um dos elementos mais importantes, na normalidade dos casos do estabelecimento comercial é a posição locatícia (vide a este respeito Rui Alarcão, in Sobre a Transferência da Posição do Arrendamento No Caso de Trespasse) (citação extraída do Ac TRL de 02.07.98, CJ 98, 3, 84, relator Urbano Dias). E foi o reconhecimento da importância desse elemento, que levou o legislador, em sede de «Trespasse» a expressamente consagrar a desnecessidade de «autorização do senhorio», art. 115 RAU.
Desse facto (reconhecimento de que a posição locatícia é por via de regra, um dos elementos principais no caso quer de «trespasse», quer de «cessão»), leva-nos à conclusão de que com o disposto no art. 111 nº 1 RAU, não pretendeu o legislador arredar neste domínio a aplicação, em absoluto, do regime do «arrendamento de prédio urbano», mas apenas afastar neste domínio o «regime vinculístico». «O facto de o nº 1 do art. 111 do RAU, considerar que não é arrendamento a transferência da exploração de um estabelecimento comercial acompanhada da transferência do gozo do prédio onde o mesmo funciona, deve ser entendido em termos hábeis: ele não é havido como arrendamento para efeitos de prorrogação do contrato (art. 68 do RAU); essa é como vimos, a ratio e a génese do preceito» (Januário Gomes, obra citada, pag. 72).
Havendo, «elemento locatício», o regime mais próximo, será o da «locação», pelo que na ausência de regulamentação expressa, esse será «mutatis mutandis» o regime aplicável. Assim, em regra, seria de exigir, para a cedência de exploração de estabelecimento comercial, quer a «autorização» quer a «comunicação».
Expressamente consagrou a lei, como se viu, a dispensa de «autorização», do senhorio, no caso de «trespasse», art. 115 RAU. Ora como se viu, a figura do «trespasse», apenas difere da «cessão de exploração», por neste caso a cedência onerosa da exploração do estabelecimento, ser «temporária», pelo que como se refere no acórdão do TRP de 27.01.97 (CJ 97, 1, 214, relator Reis Figueira), «o instituto do trespasse fornece a disciplina básica da cessão de exploração de estabelecimento: por isso, o art. 115 RAU dever interpretar-se extensivamente, de forma a abranger a cessão de exploração de estabelecimento».
Uma outra razão, de ordem escatológica costuma ser aventada e que é a seguinte: Com tal dispensa, pretendeu o legislador facilitar o giro comercial, mormente a negociação e circulação do estabelecimento. Ora, se isso se justifica, no «trespasse», em que há substituição do arrendatário, por maioria de razão se justificará, na «cessão de exploração do estabelecimento», em que não há alteração por banda do arrendatário.
Assim, também na «cessão de exploração de estabelecimento comercial», não é de exigir «autorização do senhorio». Esta posição é sustentada pela maioria da jurisprudência e da doutrina (nesse sentido Pereira Coelho – Arrendamento; Januário Gomes , Arrendamentos Comerciais, 2ª edc, pag. 77; Pinto Furtado, Curso de Arrendamentos Vinculísticos, 2ª edc. Pag. 403; Pais Sousa , Anotações ao RAU, 4ª edc., 125).
E quanto à «comunicação» a que se refere o art. 1038 g) CC ?
Desde já se adianta que no nosso entender, é a mesma de exigir. Essa conclusão resulta já do que acima se referiu quanto ao regime legal aplicável. Convém dizer que também neste domínio se verifica a divisão de posições quer a nível doutrinal, quer a nível jurisprudencial.

A posição que defendemos radica no entendimento de que se aplica (como atrás se referiu) ao regime da «cessão de exploração de estabelecimento», as regras do «trespasse», se para este a lei não dispensou a «comunicação», também esta não será de dispensar para aquele. Acresce que a razão de «facilitar a cedência do estabelecimento», não é afectada por esta exigência (de comunicação).
Acresce ainda que tendo, como tem no caso presente, relevância o elemento locatício, o cabal cumprimento por parte do senhorio das suas obrigações, nomeadamente a de «assegurar o gozo da coisa, para os fins a que se destina (art. 1031 b) CC), exige que saiba, em cada momento, quem de facto «detém o gozo» da mesma. Acresce que sempre terá o senhorio interesse em saber o motivo pelo qual outrem, que não o arrendatário está no «uso e fruição» efectivo da coisa, qual o tipo de contrato subjacente, para, sendo caso disso, fazer valer os seus direitos, pois que o dito contrato de «cessão de exploração», pode ocultar outro, ou sofrer de vícios.
É pois de exigir a «comunicação» ao senhorio da cedência da exploração, sem o que a mesma é quanto a este «ineficaz».
Sendo, quanto ao senhorio, ineficaz a cedência, por falta de comunicação prevista no art. 1038 g) CC, pode com esse fundamento ser resolvido o contrato, atento o disposto no art. 64 nº 1 f) RAU.
Neste sentido, além da doutrina supra mencionada, cita-se a título de exemplo (em sentido contrário conhece-se também vária jurisprudência) a seguinte jurisprudência: Ac TRC de 27.10.92, CL 92, 4, 93; Ac TRE 29.04.93, CJ 93, 2, 278; Ac STJ de 03.11.94, CJ STJ, 94, 3, 116; Ac TRE de 18.05.95, CJ 95, 3, 95; Ac TRP de 27.01.97, CJ 97, 1, 214; Ac TRE, de 01.07.97, CJ 97, 4, 265; Ac TRL de 02.07.98, CJ 98, 4, 84; Ac TRL de 06.12.2003, proc. nº 8864/2002, relator Manuela Gomes – internet.
O recurso merece pois provimento.

III- Resolução do contrato com fundamento no art. 64 nº 1 d) RAU.
Em causa estão obras que no entender do recorrente alteram substancialmente a estrutura externa e a disposição interna das divisões do locado. Trata-se de causa de pedir, que foi enxertada nos autos com a réplica (fol. 26 e segs., ampliação de causa de pedir). Sobre tal pretensão foi proferida decisão (fol. 85 e segs.) no sentido de «não ser admissível a pretendida ampliação da causa de pedir, pelo que a não admitimos».
Com tal decisão se conformou a recorrente, pelo que se mostra transitada a mesma, e definitivamente decidida nos autos.
Não pode pois conhecer-se do recurso nesta parte.

Pela R. foi deduzido pedido reconvencional, no valor de 6.985.000$00 (34.841,03 euros), O referido pedido tinha como motivação a realização de benfeitorias no locado. De tal pedido não conheceu a 1ª instância, por em face da improcedência da acção, o julgar prejudicado.
Em sentido contrário, concedendo-se provimento ao recurso, vai a decisão desta Relação, pelo, que atento o disposto no nº 2 do art. 715 CPC, o referido podido poderá ser conhecido, desde que se disponha dos elementos necessários. No caso presente, foram formulados os quesitos relativos ao pedido reconvencional, a que em sede de decisão sobre a matéria de facto se respondeu. Existem pois nos autos os elementos necessários à decisão do pedido reconvencional.
Com relevo para decisão, mostra-se (nesta parte) assente o seguinte factualismo:
1- A autora é dona ... da fracção autónoma designada pela letra «B», correspondente ao nº 259, B e C da Estrada de Mem Martins... (A).
2- Por escrito particular ...datado de 01.04.80, a autora deu de arrendamento a sobredita fracção a «Remédios & Norte Lda», com destino ao comércio (B e C).
3- Por carta datada de 29.03.1989, a R. comunicou à autora que tinha tomado de trespasse o sobredito estabelecimento (D).
4- A R. realizou as seguintes obras:
a) levantamento de toda a rede de esgotos;
b) levantamento de toda a rede de águas potáveis;
c) levantamento de toda a rede de gás;
d) levantamento de toda a rede de electricidade;
e) levantamento do pavimento existente na rua em mosaicos;
f) remoção da marquise em ferro da varanda das traseiras;
g) remoção de dois wc,s;
h) construção de uma rede nova de esgotos, com ligação independente da do prédio;
i) construção de uma rede nova de água;
j) substituição de toda a rede de gás na área de snack e cozinha;
k) substituição de uma calçada à portuguesa na rua na área onde foi feito o levantamento do pavimento referido em e);
l) construção de 2 Wc,s;
m) criação de uma zona de lavabos com revestimento a mármore;
n) colocação de novo pavimento em todo o piso com mármores decorativos, incluindo soleira de entrada e escada;
o) forro da cozinha até ao tecto em mármore decorativo;
p) revestimento em mármore dos dois wc,s, até 1,8 metros de altura;
q) colocação de nova instalação eléctrica;
r) colocação de tecto falso metálico;
s) pintura de paredes e tectos interiores;
t) limpeza e pintura da fachada exterior;
u) delimitação da zona da calçada referida em k), com vista à criação de uma esplanada com pináculos em ferro;
v) remoção de entulhos e vazadouros;
5- O levantamento das obras feitas no locado deteriorará o locado (Q);
6- O emprego de mármore decorativo no pavimento da divisão principal onde se situa o restaurante, bem como para forrar a cozinha, os dois wc,s e a zona dos lavabos, não é necessária à conservação do locado (S).
Dispõe o nº 3 do art. 56 RAU, que o réu ao contestar, pode deduzir em reconvenção o seu direito a benfeitorias ou a uma indemnização. É obrigação do locador, entre outras, a de assegurar o gozo da coisa, para os fins a que a mesma se destina. Por sua vez, dispõe o art. 1043 CC, que o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa, no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato. Do que fica referido, resulta que as obras de manutenção ficam a cargo do arrendatário, sendo as restantes encargo do senhorio.
No domínio da locação, se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e uma ou outras, pela sua urgência se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, art. 1036 CC, com direito ao seu reembolso. Fora desses casos, art. 1046 CC, e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má-fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.
No caso presente e atento o factualismo assente, não pode concluir-se pela situação de mora por parte do locador, quanto a qualquer obra, pelo que no caso de benfeitorias, é o locatário equiparado, como se viu ao possuidor de má-fé.
Dispõe o art. 1273 CC, que tanto o possuidor de boa fé, como o de má fé, têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. (nº 2 do art. 1273 CC). O possuidor de má fé, nº 2 do art. 1275 CC, perde as benfeitorias voluptuárias que haja feito.
A lei define como «benfeitorias», todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, art. 216 CC. Estas poderão ser qualificadas como necessárias, úteis ou voluptuárias. São necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa (art. 216 nº 3 CC). Úteis são as que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia o valor. Voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Como refere Aragão Seia (Arrendamento Urbano – 6ª edic., pag. 355) «ao pedir indemnização por benfeitorias têm de se alegar factos que possibilitem qualificá-las como necessárias ou úteis. Relativamente às primeiras, deve-se alegar que foram efectuadas com a finalidade de evitar a perda destruição ou deterioração da coisa; quanto às segundas tem que se invocar o aumento do valor da coisa e se podem ou não ser levantadas sem detrimento dela e, a dar-se este último caso, qual o seu custo e valor actual».
No caso presente, embora se ache alegado que as benfeitorias eram necessárias e úteis e que aumentaram o valor do prédio, da matéria assente nada resulta de onde possa concluir-se que as benfeitorias, ou algumas delas, são «necessárias». «Só são de considerar benfeitorias necessárias em determinada coisa as despesas imprescindíveis para a sua conservação à luz de critérios objectivos de normalidade e de razoabilidade e na envolvência de uma gestão prudente do homem, sendo adoptável como índice o facto da sua não realização prejudicar o fim específico da coisa. Por via do critério de delimitação negativa legalmente previsto, são benfeitorias úteis de uma coisa as despesas não imprescindíveis para a sua conservação mas idóneas ao aumento do respectivo valor». (Ac STJ de 18.03.2004, proc. nº 04B627, relator Salvador da Costa- consultável na internet).
Já se viu que na parte relativa a indemnização por benfeitorias, os factos atinentes à sua qualificação e valor, sendo constitutivos do direito do reconvinte, terão que ser alegados e provados pelo mesmo. Ora isso (prova) não se mostra feito. Por natureza, a realização de benfeitorias, acarreta para quem as realiza, uma despesa, art. 216 nº 1 CC. Isso não é porém suficiente para que, não sendo as benfeitorias «necessárias», se qualifiquem de «úteis», pois que, neste caso, das despesas efectuadas na coisa, terá que resultar o aumento do valor da mesma.
No caso presente, procedeu a recorrida ao levantamento e substituição das redes de «esgotos, água, gás, electricidade» (a, b, c, d, h, i, j, q), nada se dizendo quanto à eventual necessidade de tais obras. E se a fracção já dispunha daquelas infra-estruturas, da sua substituição não pode concluir-se pelo aumento de valor da coisa. Além dessas, obras, levou, a recorrida a cabo outras, também consistentes na remoção e substituição de pavimentos, (e , k, n), remoção da marquise em ferro (f), remoção de 2 wc,s (g, l ). Também nada se demonstrou quanto ao eventual aumento de valor daí resultante e da natureza das obras em causa, isso não resulta.
Acresce que tendo a recorrida procedido a obras no locado, não autorizadas (T , U e V) de eliminação de paredes internas e externas, (factos que não foram aproveitados para se decretar a resolução do contrato, por não ter sido admitida a ampliação da causa de pedir) bem pode suceder, que a necessidade de realização das obras supra descritas, (alteração das redes de água, gás, esgotos, electricidade, revestimentos e pintura) tenha a ver com esse facto.
As benfeitorias feitas, não podem pois classificar-se como «necessárias» ou «úteis», pelo que improcede o pedido reconvencional.
Ainda que se perfilhasse entendimento diverso, no que concerne à qualificação das benfeitorias, o pedido reconvencional improcederia de igual forma, atento o clausulado entre as partes. Com efeito, no contrato de arrendamento (inicial) celebrado entre a autora e «Remédios & Norte Lda», contrato em que sucedeu a R., como arrendatária, por virtude do contrato de trespasse que celebrou com aquela, estipularam as partes (documento junto a fol. 9 e segs, não impugnado) que «não poderá o inquilino fazer quaisquer obras sem prévia licença escrita, nem alegar retenção, nem pedir indemnização por benfeitorias voluptuárias ou úteis, ou por montagem de instalações eléctricas nem levantar as que fizer na casa, as quais só poderão ser executadas com autorização escrita do senhorio». Do que fica referido resulta que por convenção expressa, as partes também afastaram a possibilidade de indemnização por quaisquer benfeitorias úteis ou voluptuárias, realizadas no locado.

DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se:
1- Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em sua substituição, decretar a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no disposto no art. 64 nº 1 f) RAU e condenar a recorrida a despejar o locado e a entregá-lo ao apelante, livre e devoluto.
2- Julgar improcedente o pedido reconvencional formulado pela recorrida (art. 715 nº 2 CPC), dela absolvendo a recorrente;
3- Condenar a recorrida nas custas.


Lisboa, 03 de Março de 2005.

Relator: Manual Gonçalves
1º Adjunto: Aguiar Pereira
2º Adjunto Urbano Dias.