ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
GRADUAÇÃO DE CULPAS
Sumário

I- Há culpa do peão, por infracção do disposto no artigo 101º/1 do CE/94, apesar de atravessar a via na passagem destinada para o efeito, provando-se que o peão atravessava a passagem desatento ao tráfego, surgindo ao condutor a não mais de 5 metros, condutor que não se apercebeu da travessia da passagem pelo peão por estar estacionado no local uma viatura que impedia o condutor de se aperceber do iniciar da travessia pelo peão.
II- Mas há também culpa do veículo atropelante por não ter moderado a velocidade do veículo, como se impunha face à aproximação da passagem (artigo 25º/1,alínea a) do CE/94) e face à relevante circunstância de, pelo indevido estacionamento de um veículo, não lhe ser possível aperceber-se do iniciar da travessia por parte do peão (artigo 24º/1 do CE/94)
III- A culpa do condutor do veículo deve ser fixada em medida francamente superior à do peão sinistrado (70%, no caso).
IV- Não existindo na nossa lei um direito de prioridade absoluta do peão que atravessa a faixa de rodagem, o que obrigaria os veículos a ceder sempre a passagem nas travessias e, no caso de falta de visibilidade, a aproximarem-se delas a velocidade tão reduzida que teriam sempre de parar se não tivessem a possibilidade de se aperceber da intenção de um peão querer atravessar a via, ainda assim, num caso como o presente (atropelamento em passagem de peões), a culpa de um peão sinistrado descuidado há-de ser necessariamente menor do que a culpa do atropelante infractor de normas de direito estradal.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1. (M) e (R) propuseram no dia 16-8-1999 acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, SA pedindo a sua condenação a pagar:

a) Ao A. (R) a quantia de 10.500.000$00 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais.
b) À A.(M) a quantia de 600.000$00 a título de ressarcimento de danos patrimoniais (lucros cessantes)
c) À A. (M)  a quantia de 35.000$00 a título de despesas de deslocações.
d) Juros legais vincendos a partir da citação incidentes sobre as quantias indicadas em a), b) e c) do número anterior e à taxa de 7% ao ano e até decisão final que dirima o presente pleito.

O A. alegou que foi vítima de atropelamento quando atravessava passadeira existente na estrada situada em frente ao café Rampa, junto à paragem da Rodoviária.

A dita via encontra-se integrada em tecido urbano populoso.

O A. reclama indemnização de 6.000.000$00 para ressarcimento do prejuízo “afirmação pessoal” que se traduz na impossibilidade de praticar a actividade desportiva que vinha, com sucesso, praticando à data do acidente (halterofilismo) e a impossibilidade de praticar outras modalidades alternativas pois, em consequência do acidente, a perna direita ficou mais curta, não se pode ajoelhar e jamais poderá correr normalmente.

O dano estético (marcas deixadas pela cirurgia plástica e coxear da pena) valorizou-o em 3.000.0000$00

Pelas dores e sofrimentos padecidos reclama 1.500.000$00.

A A. invoca prejuízos de 600.000$00 (pelo encerramento do estabelecimento) e 35.000$00 (despesas  de táxis)

A acção foi julgada improcedente pois, de acordo com a decisão, nenhuma prova se fez de que o condutor do veículo atropelante incorresse em qualquer infracção estradal encontrando-se, na ocasião do acidente, junto à passadeira estacionado um veículo que impossibilitava ao condutor aperceber-se da presença do peão do mesmo modo que dificultava ao peão aperceber-se do veículo, pese o facto de este circular com as luzes acesas; ora, não sendo o direito de prioridade de passagem do peão um direito absoluto, pois um tal direito pressupõe que o veículo, circulando com diligência normal, tem condições de parar, o peão não deixa de incorrer em actuação culposa quando atravessa a via sem se certificar de que o pode fazer sem perigo.

E foi o que, no caso, aconteceu: o autor (peão sinistrado) surgiu ( a não mais de cinco metros) ao condutor do veículo sem que este tivesse podido vê-lo a tempo de evitar o acidente tendo efectuado o atravessamento sem tomar atenção ao tráfego.

Assim, o autor foi declarado o único culpado do acidente por ter desrespeitado  o artigo 104º/1 do Código da Estrada.


2. Factos provados:


1- No dia 15-12-1998 pelas 19.30, (J) conduzia o veículo Lancia de cor branca e com a matrícula AX-...-13 pela Rua Salvador Allende no sentido Sacavém-Camarate.
2- E nessas circunstâncias colheu o A. quando atravessava a mencionada avenida.
3- Na avenida em causa existe uma passadeira para peões junto à paragem da Rodoviária em frente do café Rampa.
4- Naquela data estava transferido para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 1629540, a responsabilidade emergente da circulação da viatura mencionada em 1.
5- O A. atravessava a Rua numa passadeira destinada aos peões.
6- O menor surgiu na faixa de rodagem depois de o veículo ter passado uma primeira passadeira existente na mesma avenida e colocada alguns metros antes do local onde se deu a colisão.
7- O menor surgiu do lado direito da área adjacente à faixa de rodagem considerado o sentido de marcha do veículo.
8- O A. andava a brincar às escondidas com os amigos e na circunstância dirigia-se à área adjacente do lado oposto onde se escondera.
9- Surgindo ao condutor do veículo a não mais de cinco metros.
10- No local estava estacionada uma viatura que impedia o condutor do AX de se aperceber da presença do menor.
11- Dada a proximidade a que o autor lhe surgiu, o condutor não conseguiu evitar o embate.
12- O veículo seguia de luzes acesas.
13- O menor ia desatento ao tráfego.
14- Em consequência do embate sofrido o menor foi projectado no ar e caiu alguns metros mais à frente.
15- Em consequência do embate o A. sofreu feridas na face, esfacelamento do supracílio e fractura dos ossos da perna direita.
16- O A. ficou com várias cicatrizes na face e nos membros.
17- Foi submetido a uma intervenção cirúrgica para tratamento da fractura.
18- Passando depois a locomover-se com o auxílio de duas canadianas.
19- O A. praticava halterofilia e tinha disputado várias provas nacionais.
20- Em virtude do acidente não participou no campeonato europeu de sub-16 de halterofilismo que decorreria em Abril na Alemanha tendo faltado também ao campeonato regional de juvenis que decorreria no Barreiro a 16 de Maio.
21- O A. era um reputado halterofilista com potencialidades.
22- Em consequências das lesões o A. ficou com discreto encurtamento (1 cm) da perna direita, bem como ligeira limitação de movimentos de flexão do joelho direito.
23- O A. foi submetido a sutura das feridas da face e à já referida intervenção cirúrgica tendo estado imobilizado até 20-2-1998
24- Nesse ano lectivo (97/98) o A. não teve aproveitamento escolar.
25- A A. explorava à data um café e snack-bar onde fornecia almoços e jantares o qual, na sequência do acidente, esteve fechado durante alguns dias


3. Nas conclusões da sua minuta de recurso alegam os AA:

I- Quanto à matéria de facto o recorrente contesta que o condutor do veículo não pudesse evitar o acidente, atenta a proximidade a que o sinistrado lhe surgiu, já que
II- Tal se deve a excesso de velocidade e violação do especial dever de cuidado na condução dentro das localidades, logo após o atravessamento de uma passadeira e no limiar de outra em cima da qual se deu o atropelamento.
III- Atropelamento brutal, aparatoso, que fez “ voar” o sinistrado e que provocou lesões cuja gravidade não é consentânea com a produção de efeitos normais de um embate com o veículo Citroen AX a circular nos limites de velocidade previstos para as localidades.
IV- Não está provado nos autos que a produção do acidente se devesse, exclusivamente, à conduta do peão, ora recorrente.
V- Até porque é o julgador que, salomonicamente, divide as dificuldades mútuas do “ encontro fatal” imputável à existência de um veículo estacionado junto à passadeira, sem repartir as consequentes responsabilidades na culpa da produção do atropelamento.
VII- Quanto à matéria de direito, o recorrente não se conforma com o entendimento que afasta “ ad limine” a responsabilidade de quem cria o risco de atropelamento dentro de uma localidade.
VIII- Assim, sempre haverá que imputar à circulação dos veículos automóveis as lesões sofridas  pelos peões, e não o contrário, isto é, a situação seria diversa se naquela estrada apenas circulassem peões ou outros veículos de duas rodas não motorizados.
IX- Na douta sentença  os fundamentos explicitados no seu capítulo I, alíneas f), i) e l) estão em oposição com a decisão de atribuir culpa exclusiva ao sinistrado na produção do acidente.
X- Sendo causa de nulidade nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
XI- O meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre a exigibilidade do especial dever de cuidado na condução dentro das localidades, sobre a gravidade das lesões do sinistrado incompagináveis com o tipo de veículo/velocidade adequada e sobre a concorrência de culpas.
XII- Sendo causa de nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C.


4. Vejamos então os factos à luz de uma leitura necessariamente dinâmica do acidente de viação.

O acidente ocorreu no dia 15-2-1998 (Domingo) pelas 19.30 na Av. Salvador Allende em via que liga Sacavém a Camarate, aceitando-se que uma tal via se encontra integrada em tecido urbano, ou seja, a velocidade dos veículos está limitada ao máximo admitido para a circulação em localidades que era ao tempo de 50km/h (artigo 27º/1 do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio).

Era já noite (eram 19.30 do dia 15 de Fevereiro) circulando o veículo com luzes acesas (1 e 12)

O veículo atropelou o A. quando este atravessava uma passagem de peões (5).

Não se provou que o A. atravessasse a passagem de peões a correr (ver resposta ao quesito 7ª).

O veículo atropelante, quando atropelou o A. sobre a passagem de peões, já tinha passado uma outra passadeira de peões colocada alguns metros antes do local onde se deu a colisão (6).

O menor atravessava a passagem do lado direito para o lado esquerdo, considerado o sentido de marcha do veículo (7 e 8).

No local estava estacionada uma viatura que impedia o condutor de se aperceber da presença do menor (10).

Não se provou que o condutor do veículo, ao aproximar-se da passadeira, haja reduzido o andamento de 50/40 km/h (ver resposta não provada ao quesito 4) aceitando o condutor do veículo que, na ocasião, circulava a 50km/h (artigo 7º da contestação) não se tendo provado que o embate se deveu ao facto de o veículo circular a 60 km/h (resposta não provada ao quesito 2º).

No entanto, nas condições concretas em que se deu o acidente, o condutor do veículo automóvel devia ter reduzido a sua velocidade e devia tê-la reduzido muito intensamente.

Porquê?

Primeiro, porque circulava numa localidade, Domingo à noite, onde havia gente, estabelecimentos comerciais: a velocidade máxima nas localidades (de 50Km/h) justifica-se quando há pouca gente na via pública, a horas mortas, em vias de pouca circulação, de dia, quando a visibilidade é maior, não seguramente à noite, salvo quando a iluminação é intensa o que certamente não acontecia no local.

Depois, porque o veículo do A. já tinha passado uma travessia para peões o que lhe impunha reduzir a velocidade em cumprimento do que prescreve o artigo 25º/1, alínea a) do Código da Estrada que diz: a velocidade deve ser especialmente moderada à aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões.

E se o veículo não devia circular a 50 km/h consideradas as condições concretas anteriormente apontadas, impunha-se-lhe reduzir a velocidade que “ deve ser especialmente moderada”.

E se não reduziu a velocidade quando da primeira passagem para peões, tinha de a reduzir à aproximação da passagem de peões onde veio a atropelar o A.

E tinha sempre de o fazer pela verificação na ocasião de circunstância especialmente relevante (ver artigo 24º/1 do Código da Estrada) que consistia na existência de um veículo estacionado que impossibilitava ao condutor aperceber-se do menor (10), ou seja, que impossibilitava ao condutor aperceber-se do início da travessia da passagem pelo peão.

Esta falta de visibilidade impunha ao condutor particularíssimas cautelas que de todo não estão garantidas com uma circulação à velocidade de 50Km/h, numa via urbana, ao fim da tarde, via onde há pelo menos duas passagens de peões relativamente próximas.

Compreende-se, assim, dada a falta de visibilidade do condutor, que o menor tenha surgido subitamente a uma distância de 5 metros do veículo, compreende-se que o veículo nem sequer tenha travado, compreende-se que o menor não se tenha apercebido da aproximação do veículo.

Compreender a razão por que se deu um acidente (a razão que levou o veículo a não travar, a não lograr evitar o embate, a não se aperceber da aproximação do peão) não é sinónimo de considerar isenta de culpa a conduta do condutor do veículo atropelante.

Não tem o peão um direito de prioridade absoluta no sentido de que lhe seja consentido atravessar a faixa de rodagem, designadamente nas passagens especialmente assinaladas para esse efeito, sem se certificar de que o pode fazer sem perigo de acidente (artigo 104º do CE/94) e não se duvida, face à prova produzida, que o A. atravessava desatento ao tráfego (13) e que cuidados acrescidos se lhe impunham, tal como ao condutor, pois também para este a visibilidade era reduzida dada a presença do referido veículo estacionado em local inadequado.

No entanto, isso não significa que do lado do condutor não se impusessem maiores cuidados pois se a lei lhe impõe o dever, ao aproximar-se de uma passagem de peões sinalizada, de deixar passar os peões que já iniciaram a travessia na faixa de rodagem (artigo 106º do CE/94), fácil é constatar que, no caso vertente, não podendo ele aperceber-se do início da travessia, por não dispor de visibilidade, o seu comportamento não podia ser o de indiferença, prosseguindo a marcha normalmente, antes se lhe impunha diligência acrescida, reduzindo a velocidade a ponto de, prevenindo o aparecimento súbito de peão na faixa de rodagem, poder ainda travar e, assim, evitar o atropelamento.

O obstáculo que para o condutor do veículo atropelante constituía aquele veículo estacionado não se traduzia num salvo-conduto, num livrar de cuidados; se assim fosse, a um acréscimo de risco de circulação rodoviária, iria corresponder um decréscimo de cuidados, o que se nos afigura conclusão ilógica que não perfilhamos.

Por isso, também se nos afigura que houve no caso por parte do condutor violação das regras estradais designadamente dos apontados artigos 24º/1 e 25º/1,alínea a) do CE/94.

Aceitamos igualmente que o A. também concorreu culposamente para o acidente por desrespeitar o disposto no artigo 104º/1 do CE/94, pois o dever de certificação prévia a que alude o artigo 104º/1 vale também quando o peão atravessa a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para o efeito.

E quanto à fixação do grau de culpa a atribuir a cada um dos intervenientes no presente sinistro, inclinamo-nos no sentido de atribuir ao condutor do veículo uma percentagem francamente superior à do peão.

Se o sinistro se tivesse dado apenas na faixa de rodagem (não em passagem de peões) a culpa eventualmente atribuível ao condutor do veículo apenas se poderia fundar no desrespeito da regra geral ínsita no artigo 24º do CE/94, ou seja, os seus deveres de cuidado seriam necessariamente menos intensos, pois, como é sabido, no domínio rodoviário, entende-se que os condutores não podem ser responsabilizados pela não previsão da falta de diligência alheia ( ver Ac. do S.T.J. de 25-3-2004 -Araújo de Barros - (P. 4193/2003) in C.J.,1, pág. 140 onde se refere que o condutor de um veículo não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via - veículos, peões ou transeuntes - antes devendo razoavelmente partir do princípio de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem.).

Assim, a considerar-se que a velocidade do condutor era no local excessiva, admitir-se-ia uma concorrência de culpas em grau equivalente; a não se entender desse modo (v.g. excluindo-se nexo de causalidade entre a condução à velocidade máxima e o acidente) então, face à culpa do sinistrado, que seria exclusiva, nenhuma indemnização poderia ser-lhe atribuída.

No entanto, tratando-se de uma passagem para peões - o A. foi atingido quando atravessava uma passagem para peões - a própria lei prescreve um dever de cedência do condutor face ao peão, ainda quando a sinalização lhe permita avançar (artigo 103º/1 do CE/94).

Será o caso de o peão já ter iniciado a travessia quando, para os veículos automóveis, o semáforo passou para luz verde.

Pressupõe este preceito que o condutor se aperceba (ou se possa aperceber) do iniciar da travessia pelo peão; se o condutor não se pode aperceber do início da travessia do peão (por estar diminuída a visibilidade) um tal dever não se transmuda no direito de prosseguir a marcha despreocupadamente; a nosso ver, o condutor terá de moderar ainda mais a velocidade, pois os riscos de aparecimento de um peão a atravessar a via, travessia que iniciou sem que o condutor dele se pudesse aperceber, são agora maiores, o risco da sinistralidade é, portanto, maior, há mais perigo, logo tem de haver mais cuidado.

Por estas razões, que se somam ao reconhecimento da comprovada culpa do condutor pelo não abrandamento á aproximação de passagem de peões, entendemos que, no caso concreto, a percentagem de culpa a atribuir ao condutor deve ser de 70%, de 30%, portanto, a do peão lesado.

Tudo isto não tem a ver com questões atinentes às invocadas nulidades processuais, que não se verificam, pois o tribunal não incorreu em qualquer omissão de pronúncia, considerada a linha de entendimento que sufragou, tão pouco incorreu em qualquer contradição.

5. Vejamos os danos.


O A. pediu a título de dano morais ou não patrimoniais a quantia de 10.5000.000$00 que subdividiu em três verbas parcelares:

A) 6.000.000$00 pelo desgosto respeitante ao que designou  prejuízo de “afirmação pessoal”, ou seja, a perda do seu sonho de se tornar um campeão de halterofilismo (19, 20 e 21)

Não provou, no entanto, o A. que o acidente eliminasse prematuramente e de forma irreversível o seu sonho de campeão que sempre acalentou, que tal lhe tivesse provocado profundo desgosto e que esteja impossibilitado de praticar no futuro modalidades alternativas de desporto que impliquem locomoção dos membros inferiores, anátema este que o acompanhará para o resto da vida (resposta não provado aos quesitos 21, 22 e 23)

Não é, pois, atribuível ao A. qualquer montante indemnizatório quanto a este invocado segmento de dano.

B) 3.000.000$00 no que respeita ao dano estético.

Alegou o A. que a cirurgia plástica não apagou as marcas no rosto do acidentado e alegou ainda que ficou a coxear.

No entanto, no que respeita a este dano, pronunciaram-    -se os peritos nestes termos: “quanto ao dano estético, ele resulta dos elementos descritos no exame objectivo em que releva as cicatrizes da face. Em consonância com as condicionantes de personalização e concretamente o sexo, a idade e a condição sócio-profissional do examinando, ele torna-se menos relevante mas ainda assim pode ser qualificável de ligeiro dentro do escalonamento referido para o quantum doloris”.

Verifica-se ainda, lendo o relatório pericial (ver fls. 76 e segs. e, em particular, 85 e 87) que o A em exame objectivo apresenta marcha normal.

Assim, o valor atribuível a este dano, limitado às cicatrizes na face, não se deve cifrar em montante superior a 1.000.000$00.


C) 1.500.000$00 para ressarcimento do quantum doloris.

Quanto a este dano os peritos pronunciam-se no sentido de que é considerável. Refere-se no relatório que “ durante o período de incapacidade temporária, atendendo à natureza e gravidade das lesões, às dores espontâneas e provocadas ao longo de todo esse período, com alguns períodos em que a dor física surgiu naturalmente exacerbada ao longo do período de recuperação, às intervenções cirúrgicas a que necessitou de ser submetido e ainda à natural angústia vivenciada pelo sinistrado, tornam evidente que, neste caso, se trata de um parâmetro de dano presente de modo muito significativo”.

Afigura-se-nos adequado ao momento presente o valor pedido

6. No que respeita ao pedido de indemnização deduzido pela A. verifica-se que não provou as despesas alegadas com táxis, nem tão pouco provou que tivesse sofrido qualquer prejuízo pelo facto de o estabelecimento que explorava ter estado fechado durante alguns dias. E do facto encerramento não se pode extrair a conclusão de que houve prejuízo, pois, para tanto, impor-se-ia a prova de que o estabelecimento nesse período proporcionava ganho.

Improcede, assim, o pedido da A.

7. Fixada a indemnização no âmbito do recurso pela primeira vez, os valores indicados reportam-se ao momento da decisão em 2ª instância e, por conseguinte, os juros vincendos contam-se a partir desta decisão (artigo 566º/2 do Código Civil; ver Jurisprudência nº 4/2002 do S.T.J. de 9-5-2002, DR,I-A de 27-6-2002)

Decisão: concede-se parcial provimento ao recurso condenando-se a Ré a pagar ao A. a quantia de € 12.220,55(1) (doze mil duzentos e vinte euros e cinquenta e cinco cêntimos) com juros à taxa legal desde a presente decisão até efectivo pagamento, absolvendo-se a Ré do demais pedido.

Custas por AA e Ré na medida do respectivo decaimento


(1) € 8728,96 (oito mil setecentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos com juros nos termos indicados)-valor rectificado por acórdão de 21-4-2005



Lisboa,21/4/05


(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)