SANÇÃO DISCIPLINAR
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Sumário

O prazo para impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da sua aplicação ao trabalhador.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO


(A), residente ..., intentou a presente acção de condenação, emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra COMPANHIA IBM PORTUGUESA, S.A., com sede no Edifício Office Oriente, Rua do Mar da China, Lote 1.07.2.3, Parque das Nações, em Lisboa, pedindo que seja anulada a sanção de repreensão registada que lhe foi comunicada através do ofício datado de 11/3/2003, e que a R. seja condenada a apagar do registo disciplinar aquela sanção disciplinar, bem como qualquer referência à mesma.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
Foi admitida ao serviço da R., em 17/10/1991, tendo, actualmente, a categoria profissional de secretária, auferindo a remuneração base mensal de € 601,00, acrescida de € 6,00 por cada dia de trabalho, a título de subsídio de alimentação.
Enquanto ao serviço da R., sempre foi considerada uma trabalhadora competente e dedicada.
Em 16.12.02, foi surpreendida com a instauração de processo disciplinar, que lhe foi comunicado simultaneamente com a entrega de Nota de Culpa, onde a R. se limitava a imputar à A. um conjunto de generalidades.
A referida Nota de Culpa referia-se a “comportamentos”, que nunca identificava, e a “atitudes de falta de respeito” que de nenhuma forma concretizava.
Nunca antes a A. havia sido confrontada com tais acusações.
Na Resposta à Nota de Culpa, a A. procurou demonstrar a falsidade das acusações e que sempre agira no interesse da R., concluindo pelo arquivamento do referido processo disciplinar.
Na mesma Reposta, a A. arrolou testemunhas, algumas das quais, trabalhadores da R. e colegas da A.
A R. fixou como local de audição das testemunhas o próprio escritório do instrutor do processo disciplinar, que procedeu à notificação da A. para esse efeito, sem cuidar de prever uma antecedência mínima.
A carta expedida para esse efeito apenas foi recepcionada pela A. quando já tinha passado a data e período fixado pelo instrutor para a sua audição.
A A. aguardou pela marcação de nova hora e data para esse efeito, o que a R. não fez.
Em 18.3.03, através de ofício datado de 11.3.03, a R. comunicou à A. a decisão do processo disciplinar e a aplicação de uma sanção de repreensão registada.
A R. tomou essa decisão sem proceder às diligências probatórias requeridas pela A. e sem atender à defesa apresentada na Resposta à Nota de Culpa.
A sanção aplicada carece de fundamento, porque a A. não praticou qualquer infracção disciplinar e por assentar em processo disciplinar nulo.

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Contestou a R., em tempo, defendendo-se, por excepção e impugnação.
Por excepção, invocou a prescrição do direito de impugnar a sanção disciplinar que foi aplicada à A., fundamentando-se na circunstância de a A. ter sido notificada da decisão de aplicação da sanção disciplinar por meio de carta registada com aviso de recepção, expedida no dia 14.2.2003, para o endereço da residência da A., constante dos ficheiros de pessoal do departamento de recursos humanos da R. e ao qual nunca foi comunicada qualquer alteração do mesmo, sendo coincidente com a morada que consta na petição inicial e na procuração subscrita pela A.
Mais refere que a mencionada notificação foi devolvida à ora R., com menção “não reclamado”, em 26.02.2003.
Acrescenta que, por mera cautela, a R. procedeu ao envio de nova notificação, por meio de carta registada com aviso de recepção, datada de 11.03.2003 – e recepcionada pela A. no dia 17.03.2003 - na qual informava a A. da data da anterior notificação e enviava, em anexo, cópia da documentação relativa à decisão do processo disciplinar.
Conclui que a A. não recebeu a primeira comunicação da decisão por exclusiva culpa sua, presumindo-se que a comunicação se efectuou no terceiro dia útil posterior ao da respectiva expedição, ou seja, em 19.02.2003 – sendo esta a data em que se considera a A. notificada.
Ainda que assim não se entenda, sustenta que sempre haveria que considerar a A. notificada da sanção disciplinar no dia 17.03.2003.
Com base nestes factos, considera que, tendo a presente acção dado entrada em 18.03.2004 e a R. sido citada a 26.03.2004, verifica-se a excepção de prescrição do direito de impugnar judicialmente a sanção aplicada à A., por ser de um ano, a contar da aplicação das sanções, o prazo para a impugnação das mesmas.
Por impugnação, sustentou que, se a A. não procedeu ao levantamento da carta que a notificava para apresentar as testemunhas de defesa a ouvir em sede de processo disciplinar, foi por culpa sua, tendo-se colocado voluntariamente na posição de não poder apresentar as suas testemunhas.
Acrescenta que a A. nunca comunicou à R. qualquer impedimento, nem requereu a designação de nova data para as inquirições.
No que concerne à sanção disciplinar aplicada, sustenta que a A. repetidamente criou situações de conflitos com trabalhadores de empresas fornecedoras da R. e não alterou o seu comportamento quando instada pelo seu superior hierárquico, tendo contribuído para a criação de má imagem da R. junto dos seus fornecedores, com o perigo de tais comportamentos se repetirem na presença de clientes.
Sublinha que a A. não mostra sinais de arrependimento relativamente aos actos praticados, nem mudança de atitude, e que os factos apurados se encontram agravados pela circunstância do comportamento da A. prejudicar o ambiente de disciplina, por ser do conhecimento de todos os restantes trabalhadores afectos ao Centro de Alfragide.
Conclui que o processo disciplinar não sofre de nenhum vício que determine a nulidade do mesmo e que o comportamento da A., embora não tenha assumido gravidade suficiente para impossibilitar a manutenção da relação laboral entre as partes, foi suficientemente grave para permitir a aplicação de sanção disciplinar de repreensão registada.
Finaliza com o pedido de que o direito de impugnar a sanção disciplinar seja declarado extinto, por prescrição, e, em consequência, seja a R. absolvida do pedido, e que, caso assim não se entenda, seja julgada a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, julgada lícita a aplicação à A. da sanção disciplinar de repreensão registada.
Em resposta, veio a A. pugnar pelo entendimento de que o prazo para impugnar qualquer sanção disciplinar é de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho, coincidindo com o prazo previsto no art. 38.º da LCT (e agora art. 381.º do Cód. do Trab.) para a reclamação de créditos laborais e com o prazo previsto para o exercício do direito de acção e com o direito de impugnação judicial.
Em abono dessa interpretação, sustenta não fazer sentido a “prescrição” de uma sanção disciplinar pelo decurso do prazo de um prazo de um ano a contar da sua aplicação, quando os créditos emergentes de sanções abusivas apenas prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Refere ainda que nunca a A. se furtou a recepcionar qualquer comunicação da R., sendo que o fez sempre que teve conhecimento e o seu estado de saúde o permitiu.
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Foi dispensada a realização de audiência preliminar, por considerar que a complexidade da causa não justifica a sua realização, nomeadamente, porque a excepção de que cumpre apreciar já foi suficientemente debatida pelas partes nos articulados.
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O M.mo Juiz do tribunal recorrido considerou que o processo continha todos os elementos necessários para conhecer da excepção da prescrição do direito de impugnar a sanção disciplinar que foi aplicada à A e, em consequência, julgou procedente tal excepção, com a absolvição da Ré do pedido.
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A Autora não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso de apelação concluindo, assim:

1. Não tem razão a sentença recorrida quando faz proceder a excepção de prescrição invocada pela R..

2. O prazo para a impugnação de sanção disciplinar aplicada é o previsto no artigo 38.° da LCT.

3. A sentença em crise faz uma limitação inadmissível do âmbito de aplicação desse artigo 38.º, circunscrevendo-o apenas a casos de despedimento.

4. Também faz um interpretação que não tem apoio na lei e é mesmo contrária ao pensamento do legislador quando sustenta que o artigo 38.° tem um campo de aplicação restrito a casos de maior gravidade, estabelecendo uma diferenciação em razão da natureza e qualidade do pedido que o normativo não permite formular.

5. Tal como a impugnação de um despedimento, o previsto no art. 38.º permite igualmente que um trabalhador reclame um dia de subsídio de alimentação devido há mais de 20 anos.

6. Não pode ser admitido o entendimento que encontra no artigo 38.° da LCT uma reserva de acção e de aplicação para uma espécie determinada de “créditos”, na qual não cabem, nomeadamente, “créditos” respeitantes à impugnação de sanção disciplinar.

7. Simplesmente esse normativo não tem esse objecto.

8. O artigo 38.° da LCT mais não estatui do que um prazo processual a cumprir por ambos os sujeitos laborais - trabalhador e entidade patronal - na reclamações de quaisquer créditos que para esses resultem do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.

9. O princípio da certeza e da estabilidade não são postos em causa pela possibilidade de impugnação de uma sanção disciplinar no prazo previsto no artigo 38.° já que até serem anuladas ou revogadas estão em vigor e obrigam os seus sujeitos.

10. O próprio n.º 2 do art. 38.° da LCT confirma a aplicabilidade desse normativo ao caso de impugnação de sanções disciplinares.

11. Tal entendimento decorre do facto de prever especificamente a possibilidade de, dentro desse prazo, o trabalhador poder impugnar sanções disciplinares aplicadas nos últimos cinco anos e até vencidas antes dessa data, estabelecendo um regime de prova específico apenas para as sanções abusivas aplicadas há mais de cinco anos.

12. Verdadeiramente do que trata a matéria dos autos é de uma problemática de caducidade e não de prescrição.

13. No âmbito de aplicabilidade do artigo 38.° da LCT cabe o direito de acção para impugnação de sanção disciplinar, que a própria sentença recorrida admite ao qualificar esse direito de acção genericamente como “créditos”.

14. O artigo 38.°, face à amplitude do seu objecto, e por fazer coincidir o termo do prazo para a efectivação de qualquer direito com a interposição de acção, estabelece um prazo de caducidade, que a Recorrente devia respeitar, como respeitou.

15. Tendo interposto a competente acção dentro do prazo previsto, não se verificava a caducidade do direito de acção, pelo que não podia o meritíssimo Tribunal ter feito improceder o pedido da A..

Termos em que deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que faça improceder a excepção invocada, como é de Inteira Justiça!
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Contra-alegou a apelada, concluindo, assim:

a) Dizem as presentes contra-alegações respeito ao recurso de Apelação interposto pela A., e ora Recorrente, da douta sentença, proferida pelo Meritíssimo Julgador a quo nos autos à margem indicados, a qual considerou procedente a excepção peremptória de prescrição, invocada pela R. e, em consequência, determinou a sua absolvição do pedido.

b) A Recorrente limitou o objecto do presente recurso à questão de se saber se é ou não legal o entendimento segundo o qual se deve entender que o direito de impugnar uma infracção disciplinar aplicada por uma entidade empregadora prescreve no prazo de um ano a contar da data da sua aplicação.

c) A R. aplicou à A., em processo disciplinar que lhe havia movido, uma sanção disciplinar de repreensão registada, por decisão de 12.02.2003, a qual lhe foi comunicada, por meio de carta registada com aviso de recepção, expedida no dia 14.02.2003, não tendo sido reclamada junto da estação dos Correios. A R., embora considerando que a trabalhadora já se encontrava legalmente notificada, procedeu ao envio de nova notificação, por meio de carta registada com aviso de recepção, datada de 11.03.2003, a qual foi recepcionada pela A. no dia 17.03.2003, data que o Tribunal a quo aceitou como data de notificação, para efeitos de cálculo do prazo prescricional.

d) Todavia, qualquer que seja a data que se considere relevante (19.02.2003 ou 17.03.2003), a solução a dar à questão de direito em discussão é a mesma.

e) A acção a que os autos se referem foi intentada no Tribunal a quo no dia 18.03.2004 e a R. citada apenas no dia 26.03.2004.

f) O prazo para impugnação judicial das sanções disciplinares aplicadas pela entidade patronal é de um ano a contar da data da comunicação da aplicação das mesmas sanções, conforme foi já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 13.05.1998, in “Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, 1998, Tomo II, págs. 278 e segs.

g) O Supremo Tribunal de Justiça fundamenta a sua decisão, referindo que (i) esta é a solução que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, (ii) a mesma se justifica e harmoniza com o prazo fixado para a impugnação do despedimento e (iii) e é a solução preferível, tendo em conta a facilidade de prova, por não deixar correr um prazo demasiado longo.

h) Esta posição foi, aliás, já sufragada pelo Tribunal Constitucional, o qual no seu Acórdão n.° 185/2004, de 23 de Março, (in Diário da República, II Série, n.° 110, de 11 de Maio de 2004).

i) A “diferenciação em razão da natureza e qualidade do pedido”, a qual (considera a A. nas suas alegações) o artigo 38.° da LCT não permite formular, é expressamente aceite pelo próprio Tribunal Constitucional ao referir-se a “uma sanção de gravidade inferior à de despedimento”.

j) Ao julgar desta forma, quer o Supremo Tribunal de Justiça, quer o Tribunal Constitucional enfatizaram a necessidade de preservar princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar e de harmonia do sistema jurídico laboral.

k) O prazo de um ano para impugnar judicialmente a aplicação de sanções disciplinares é um prazo prescricional, o qual só se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção do requerente de exercer o direito em causa.

l) Admitindo, para este efeito, que a A. apenas se considerasse notificada da aplicação da sanção disciplinar no dia 17.03.2003, o prazo prescricional sempre teria iniciado a sua contagem no dia seguinte (18.03.2003), extinguindo-se, por prescrição, o direito de impugnar judicialmente a sanção um ano depois, i.e., no dia 18.03.2004.

m) Ainda que a citação se considerasse efectuada no quinto dia após de ter sido requerida, i.e., no dia 23.03.2004, tal facto já não seria susceptível de interromper o prazo de prescrição, uma vez que este já havia terminado.

Termos em que não merece qualquer provimento o recurso interposto pela A. e ora Apelante.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto, junto deste tribunal da Relação, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 178).

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II - COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS, CUMPRE DECIDIR

A) FUNDAMENTACÃO DE FACTO:

É a seguinte a factualidade que vem dada como assente da 1.ª Instância

1. A A. foi admitida por conta, ao serviço e sob direcção da R., em 17/10/1991.
2. Actualmente, tem a categoria profissional de Secretária, auferindo a remuneração base mensal de € 601,00, acrescida de € 6,00 por cada dia de trabalho, a título de subsídio de alimentação.
3. A R. moveu um processo disciplinar à A., cuja instauração lhe foi comunicada através da carta junta por cópia a fls. 9 e nota de culpa em anexo (fls. 10 a 14), as quais foram remetidas para o endereço da residência da A., ..., em Lisboa.
4. A A. respondeu à nota de culpa, nos termos do documento junto por cópia a fls. 20 a 29.
5. No dia 14.2.2003, a R. enviou à A., por meio de carta registada com aviso de recepção, expedida para o endereço referido em 3., a decisão final de aplicação da sanção disciplinar de repreensão registada, de que foi junta cópia a fls. 82 a 90.
6. A carta referida em 5. foi devolvida à R., com a menção de “não reclamada” (cfr. fls. 91).
7. Em 11.03.2003, a R. enviou novamente à A. a referida decisão final, por meio de carta registada com aviso de recepção, expedida para o mesmo endereço, de que foi junta cópia a fls. 30 a 42.
8. A carta referida em 7. foi recebida pela A. em 17.03.2003 (doc. fls. 92).
9. A petição inicial de fls. 2 e ss. deu entrada neste Tribunal em 18.03.2004.
10. A R. foi citada no âmbito da presente acção no dia 26.03.2004.
11. Na petição inicial de fls. 2 e ss. e na procuração junta a fls. 44, a A. indicou o endereço referido em 3. como sendo o da sua residência.
12. Nas datas referidas em 5. a 8., a A. encontrava-se na situação de baixa médica.
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B) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Questão a tratar: Saber se o prazo para impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da data da comunicação da sua aplicação.

Ainda recentemente tratámos de caso em tudo semelhante em acórdão desta Relação (recurso n.º 9.991/04 - 4.ª Secção) e que, por isso, vamos, aqui, transcrever quase na íntegra:
“A propósito desta questão escreveu-se no acórdão do STJ de 20/05/ de 1998, in AC. DOUT. 443 -
«Vejamos se será de aplicar, e em que termos, o disposto no
artigo 38.º, da L.C.T., que dispõe que todos os créditos resultantes do
contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, prescrevem no prazo
de um ano do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
E nem se diga que este artigo se refere só ao crédito, no sentido
de prestação pecuniária, na linguagem generalizada. E nem ele pode ser
entendido num puro critério civilístico, antes se tendo de atender às
especificidades próprias do direito laboral. E, nestes termos, aquela
expressão créditos tem de ser entendida com um critério mais genérico,
correspondendo ao direito pessoal (cfr. Dr. Pedro Macedo, em Poder
Disciplinar Laboral, págs. 161-162), aí se incluindo o direito de impugnação de decisão disciplinar, pois o que está em causa é o accionamento tempestivo de um direito.
E, neste campo, a jurisprudência é uniforme no sentido de que a impugnação de despedimento tem o prazo de um ano referido naquele artigo 38.º, a partir do despedimento (cfr. Acs. Dout., n.ºs 233/668, 234/769, 240/1522, 242/262 e 266/262).
Mas, a aplicação do prazo referido no n.º 1, do falado artigo 38.º, também se afigura como não aplicável.
Na verdade, o despedimento - sanção mais grave - só pode ser impugnado no prazo de um ano a contar da data em que foi decretado. Assim sendo, e estando a impugnação do despedimento sujeito àquele prazo e condição, não se compreenderia que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do critério definido pelo citado n.º 1, pois se o contrato se mantivesse em vigor por um período superior a um ano - v.g. 10 ou 20 anos - seria aquele prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento.
E com a aplicação daquele prazo, tal como o referido n.º 1 o regulamenta, poderia acarretar para o trabalhador a dificuldade da prova para a impugnação.
E, aqui, haverá que ter em conta o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 38.9, que permite a reclamação de crédito pela aplicação de sanção abusiva, no prazo de um ano a contar do despedimento, mas exige que a prova se faça por documento idóneo.
Se se fosse aplicar aquele prazo à sanção não abusiva, e, por isso, menos grave - como ela não está sujeita á exigência daquele n.º 2, por não estar aí prevista, o que não é de aceitar.
Assim, de concluir é da não aplicação daquele prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato.
Assim, não se aplicando os normativos referidos, haverá que determinar qual o prazo para a reclamação, já que ele terá de existir.
Afigura-se como mais correcta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção. – sublinhado nosso.
Esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos — 10, 15... - sem se saber se determinada sanção se mantêm ou é anulada.
E esta solução justifica-se e harmoniza-se, ainda, com o prazo fixado para a impugnação do despedimento, que tem o prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato dela resultante.
Finalmente, é esta a solução preferível, tendo em conta a facilidade de prova, por não deixar correr um prazo demasiado longo.
Conclui-se, assim, que o prazo para a impugnação das sanções aplicadas aos AA. é de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção.»
Também no Acórdão do STJ de 04/07/90, in AJ 10.º/11.º-30, se decidiu de igual modo e com semelhante fundamentação, tendo-se escrito no respectivo sumário:
«I - O prazo para impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da sua aplicação.
II - A favor desta posição militam os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos sem saber se determinada sanção se mantém ou é anulada.
III - Aquele é igualmente o prazo fixado para a impugnação do despedimento - sanção mais grave da escala disciplinar.
IV - E também no aspecto da facilidade da prova a solução preferível. por não deixar correr prazo demasiado longo».
Consideramos correcta esta orientação do STJ.
Pelo seu interesse, tenha-se ainda em atenção o voto de vencido no recente acórdão deste Tribunal da Relação, de 09/12/2004, acessível em www.dgsi.pt , em que se escreveu, a propósito desta mesma questão:
«Votei a decisão embora continue a entender que no caso de sanções disciplinares não abusivas, o prazo para impugnação de tais sanções aplicadas aos trabalhadores pela entidade patronal é de um ano a contar da comunicação da sua aplicação.
Como se escreve no Ac. do Tribunal Constitucional n° 185/2004 .(Processo n° 423/03), acessível em wsvw.tribunalconstitucional.pt/ jurisprudencia.htm, “A este respeito - e independentemente da questão de saber se o regime de prescrição dos créditos laborais constante do artigo 38. n.° 1, da LCT é o único constitucionalmente admissível - há que reconhecer que, no que respeita à impugnação de sanções disciplinares, ocorrem ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se deixe protelar excessivamente no tempo a solução desses litígios, que tornam constitucionalmente conforme a interpretação acolhida na decisão recorrida de que o prazo de tal impugnação corre mesmo na vigência da relação laboral. Essa preocupação de paz jurídica é evidenciada pelos apertados prazos, legalmente impostos à entidade empregadora, de início do procedimento disciplinar (60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção – n.° 1 do artigo 31.º da LCT), de prolacão da decisão punitiva (30 dias após a conclusão da instrução - n.º 8 do artigo 10.° do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e de execução da sanção disciplinar (3 meses subsequentes à decisão punitiva - n.° 3 do artigo 31. da LCT)" .
No mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional decidiu-se também “Não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38.º _ n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado.»
Aderimos, pois, à orientação do STJ no sentido de que “o prazo para a impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da data da comunicação da sua aplicação ao trabalhador”, com aceitação, em termos constitucionais, pelo próprio Tribunal Constitucional, conforme foi decidido na sentença recorrida, improcedendo, assim, todas as conclusões do recurso.
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III – DECISÃO:

Nestes termos acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas legais pelo recorrente.
(Processado e revisto pelo relator)

Lisboa, 4/05/05

Sarmento Botelho
Simão Quelhas
Seara Paixão (vencido por entender que a contagem do prazo se inicia numa cessação do contrato, nos termos do artº 38 nº1 da L.C.T.)