Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DOCUMENTO ESCRITO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
NULIDADES
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I - Quando a lei exige documento escrito como forma de declaração a regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como formalidade ad substantiam, pelo que apenas quando se refira, clara e expressamente, à prova do negócio, é que o documento se considera exigido como formalidade ad probationem. II – Não exigindo a lei para determinado contrato de prestação de serviços forma especial, sequer escrito particular, mas tendo sido usada a forma escrita, na modalidade de escrito particular, ainda assim não exige a mesma lei que qualquer alteração ao mesmo contrato deva constar de documento escrito, pelo que esta pode ser efectuada de forma verbal e, consequentemente, provada por prova testemunhal. III - As nulidades do processo (não as da sentença) devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas, como decorre designadamente do art. 205º do CPC, excepto na hipótese prevista no n.º 3 deste preceito. IV - A condenação da parte como litigante de má-fé, sem a sua prévia audição, constitui uma decisão surpresa, pela qual o tribunal conhece de questão, de que não podia tomar conhecimento, pelo que a sentença é nula nessa parte.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A --- instaurou contra B --- acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 1.080.505$00, acrescida de juros de mora à taxa de 12% ao ano sobre Esc. 939.100$00 a partir de 01.12.2000 até integral pagamento.
Fundamentou a sua pretensão, em síntese, nos seguintes factos: a Autora é uma empresa comercial que exerce a sua actividade na área de informática e que se dedica, nomeadamente, à comercialização de material informático e prestação de serviços de programação e assistência; a Ré é uma empresa comercial que se dedica à actividade de consultadoria; no exercício da sua actividade comercial a Autora vendeu à Ré para esta utilizar nos seus escritórios e no exercício do seu comércio, diversos artigos, nomeadamente, computadores, peças e acessórios, tudo como melhor consta da Factura n.° 9900216 de 01.07.99, no valor de Esc. 1.918.800$00; a Autora entregou à Ré que as recebeu as mercadorias constantes da factura mencionada; o pagamento devia ser feito no prazo de 60 dias, conforme consta da factura; até à presente data a Ré só pagou Esc. 979.700$00, pelo que falta pagar desta factura Esc. 939.100$00; a dívida vence juros de mora, desde a data de vencimento da factura, à taxa de 12% ao ano até integral pagamento; em 30.11.00 encontravam-se vencidos juros de mora no valor de Esc. 141.405$00.
A Ré contestou, impugnando, excepcionando e reconvindo, pugnando pela improcedência da acção, pedindo que a dívida da Ré seja declarada extinta por compensação com a dívida da Autora e que a Autora seja condenada no pagamento da quantia de Esc. 122.378$00, acrescida de juros de mora desde a data da notificação até integral pagamento.
A Autora respondeu às excepções e à reconvenção, pronunciando-se pela sua improcedência.
Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador, a julgar improcedentes as excepções e a admitir a reconvenção e foi elaborada a especificação e a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção procedente e a reconvenção improcedente, condenando e absolvendo em conformidade e condenando ainda a ré como litigante de má fé na multa de nove UC.
Inconformada com a decisão, veio a R. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.
As questões a resolver são as de saber:
a) Se as respostas dadas aos n.°s 5, 9, 10 e 11 da Base Instrutória e que resultaram nos factos assentes n.° 15 a 18 devem ser declaradas nulas por violação do artigo 393º do Código Civil;
b) Se foi praticada nulidade insanável por falta de notificação à R. de documentos juntos em audiência em que esteve ausente e por falta de notificação da data da continuação da audiência, com a consequência da nulidade do julgamento;
c) Se a condenação da R. como litigante de má fé violou o princípio do contraditório, por a ré não ter sido ouvida, havendo nulidade de julgamento.
|
II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
(…)
|
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
a) Coloca a Apelante a questão de saber se as respostas dadas aos n.°s 5, 9, 10 e 11 da Base Instrutória e que resultaram nos factos assentes n.°s 15 a 18 devem ser declaradas nulas por violação do artigo 393º do Código Civil, isto é, por inadmissibilidade de prova testemunhal.
Alega para o efeito que na matéria assente [Alínea H) dos Factos Assentes] consta o escrito particular celebrado entre a Autora e a Ré em 25/10/96 e reciprocamente aceite e que tal documento faz, nos termos do artigo 376° do Código Civil, prova plena quanto às declarações negociais nele inscritas e, nos termos dos artigos 219° e seguintes e 424° e seguintes, apenas pode ser alterado por documento de igual valor, ou seja, por documento particular subscrito por ambas as partes.
Acrescenta que compulsados os autos não se verifica a existência de qualquer documento, ou sequer notificação à Ré, a comunicar a cessão da posição contratual, muito menos a exoneração de qualquer obrigação de pagamento a favor da Ré, pelo que não se realizou qualquer prova válida destes factos.
Ora, não assiste razão à Apelante.
O art. 364º/1 do CC diz que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. E o n.º 2 acrescenta que “se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”.
Decorre do preceituado que quando a lei exige documento escrito como forma de declaração a regra é a de que o documento escrito, autêntico, autenticado ou particular, é exigido como formalidade ad substantiam, pelo que apenas quando se refira, clara e expressamente, à prova do negócio, é que o documento se considera exigido como formalidade ad probationem.
Conforme dizem Pires de Lima e Antunes Varela, “entre os dois regimes há uma diferença considerável. No primeiro caso — formalidade ad substantiam — o negócio é nulo, salvo se constar de documento de força probatória superior; no segundo — formalidade ad probationem — o acto não é nulo, mas só pode provar-se por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, devendo neste último caso constar de documento de igual ou superior valor probatório”[1].
Em consonância com o regime estabelecido no preceito citado, estatui o art. 393º/1 do mesmo CC que “se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”. E o n.º 2 adita que “também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.
Os citados autores, em comentário a este preceito esclarecem que “quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (art. 220°; cfr. art. 364°), sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova. Se a lei exige apenas que a declaração se prove por documento, está expressamente afastada a prova testemunhal. Se a lei não exige documento, mas ele foi lavrado, e tem força probatória plena, não é também admitida a prova testemunhal”[2].
Sucede, porém, que, por regra, a declaração negocial é válida sem a redução a escrito, pois que o art. 219º do CC afirma que “a validade da declaração negocial não depende de observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir”. E o art. 222º/1 esclarece que “se a forma escrita não for exigida por lei, mas se tiver sido adoptada pelo autor da declaração, as estipulações verbais acessórias anteriores ao escrito, ou contemporâneas dele, são válidas, quando se mostre que correspondem à vontade do declarante e a lei as não sujeite à forma escrita”. E quanto às estipulações verbais posteriores ao documento diz o n.º 2 que “são válidas, excepto se, para o efeito, a lei exigir a forma escrita”.
No caso em apreço defende a Apelante que o contrato de prestação de serviços a que aludem os pontos 8 e 9 da matéria de facto impedia que se dessem como provados os factos constantes dos pontos 15 a 18 da mesma matéria, isto é, no essencial, que entre a sociedade C ---- a Autora e Ré foi acordado que aquela passaria a ocupar a posição contratual que a Autora detinha do escrito particular aludido em 8) e 9) e que a Autora ficava exonerada de qualquer obrigação de pagamento a favor da Ré.
Acontece que a lei em vigor não exige para o contrato de prestação de serviços aludido qualquer forma especial, sequer escrito particular, mas tendo sido usada a forma escrita, na modalidade de escrito particular, também não exige a mesma lei que na circunstância qualquer alteração ao referido contrato de prestação de serviços devesse constar de documento escrito, pelo que quaisquer alterações poderiam ser efectuadas de forma verbal e, consequentemente, provadas por prova testemunhal.
Acresce que, como bem salienta a Apelada, o que está em causa, nos pontos 15 a 18 da matéria de facto, não é uma alteração ao contrato de prestação de serviços reproduzido nos pontos 8 e 9, mas sim outro contrato, um contrato de cessão da posição contratual distinto daquele.
Como anotam Pires de Lima e Antunes Varela "a cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos: o contrato base e o contrato-imtrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base"[3], sendo que nos termos do artigo 425° do Código Civil a forma de transmissão define-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão.
Ora, não existindo no caso disposição legal que exija que a cessão da posição contratual seja realizada por meio de documento, nada pode obstar também a que a existência do contrato de cessão da posição contratual seja objecto de prova testemunhal.
Acresce que a prova da cessão da posição contratual, no caso efectuada através de prova testemunhal, em nada contende com o valor probatório do contrato de prestação de serviços em apreço, provado por escrito particular.
O que conduz a concluir que as respostas dadas aos n.°s 5, 9, 10 e 11 da Base Instrutória e que resultaram nos factos assentes n.°s 15 a 18 não devem ser declaradas nulas por violação do artigo 393º do Código Civil, já que, como se demonstrou, a prova testemunhal que a fundamentou era no caso perfeitamente admissível, pelo que se aceita a matéria de facto considerada assente pela 1.ª instância.
|
b) Invoca também a Apelante que foi praticada nulidade insanável por falta de notificação à mesma de documentos juntos em audiência em que esteve ausente e por falta de notificação da data da continuação da audiência, com a consequência da nulidade do julgamento.
Nos termos do art. 526º do CPC “quando o documento seja oferecido com o último articulado ou depois dele será notificada à parte contrária, salvo se estiver presente ou o documento for oferecido com alegações que admitam resposta”.
Por outro lado, conforme dispõe o art. 656º/2 do mesmo CPC, a audiência é contínua, mas se não for possível conclui-la num dia, será marcada a continuação para o dia imediato.
Acresce que as notificações devem ser efectuadas oficiosamente pela secretaria, de um modo geral, quando a parte a notificar possa exercer algum direito processual, que não dependa de prazo a fixar pelo juiz (art. 229º/2).
No caso dos autos a audiência de discussão e julgamento teve lugar em 20 de Maio de 2004, nela se efectuando a produção de prova testemunhal, e foi suspensa para continuar no dia seguinte, para efeito de ser proferida a decisão sobre a matéria de facto.
A Apelante não se fez representar nessa audiência, nem apresentou qualquer justificação para o facto ou pedido de adiamento, sendo que na audiência foram apresentados documentos pela parte contrária, que foram admitidos e tomados em consideração para a decisão sobre a matéria de facto (cf. fls. 107).
Ora, a terem sido cometidas as nulidades invocadas, nunca poderiam ser atendidas, por não terem sido arguidas em prazo e perante o tribunal competente para delas conhecer. Com efeito, a considerar-se ter havido falta, por parte da secretaria, das notificações alegadas, estar-se-ia em face de omissões de formalidades que a lei prescreve, podendo constituir tais omissões nulidades, enquanto irregularidades susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa (art. 201° CPC).
Tratar-se-ia, todavia, de nulidades secundárias que não são de conhecimento oficioso e que devem ser consideradas sanadas se não forem arguidas em prazo e apenas perante o tribunal da 1.ª instância, onde ocorreram.
Como se verifica, a Apelante, como interessada na observância das formalidades, primeiro não as arguiu perante a 1.ª instância, em segundo lugar não as arguiu dentro do prazo, pois só o veio a fazer com a apresentação das alegações de recurso, e em sede destas. Na verdade, a arguição das nulidades apenas por via das alegações de recurso está efectuada fora de prazo (10 dias) e não perante o tribunal junto do qual foram pretensamente cometidas e que era o competente para as suprir[4].
A apelante carecia, pois, de arguir as nulidades ou irregularidades invocadas dentro do prazo, uma vez que não se trata de nulidades arguíveis a todo o tempo (art.s 204º, 205º/1 e 153º/1 do CPC). E carecia de o fazer junto do tribunal de 1.ª instância onde as nulidades, a verificarem-se, foram cometidas, até para facultar àquele tribunal o seu eventual suprimento.
De resto, por regra, as nulidades do processo (não as da sentença) devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas, como decorre designadamente do art. 205º do CPC, excepto na hipótese prevista no n.º 3 deste preceito, que no caso se não verifica.
Do que se conclui que as nulidades invocadas, a existir, se encontravam, por isso, sanadas, motivo por que não existe nulidade de julgamento com tal fundamento.
c) Por último coloca-se a questão de saber se a condenação da Apelante como litigante de má fé violou o princípio do contraditório, por a mesma não ter sido ouvida, havendo nulidade de julgamento.
Estabelece o art. 3º/3 do CPC que "o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".
Pretendeu o legislador, ao erigir este preceito legal, prescrever de forma incontornável "a proibição da prolação de decisões surpresas", como decorre do preâmbulo do Decreto-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro. O que bem se compreende, designadamente quanto à condenação de uma das partes como litigante de má-fé, que embora seja de conhecimento oficioso, é uma questão de direito importante para a parte e não pode ser decidida sem esta ter possibilidade de se defender. Tal importância até decorre, de algum modo, da lei, que estabelece que "independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido o recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé" (art. 456º/3 do CPC).
Sucede que no caso vertente a Apelante foi condenada como litigante de má fé, sem que lhe fosse dado conhecimento do propósito de tal condenação, pelo que aquela não teve qualquer oportunidade de se pronunciar sobre a questão e de alegar algo em sua defesa, antes de ter sido proferida a decisão condenatória.
Deste modo, a condenação da Apelante como litigante de má-fé, na sentença sindicada, constitui uma decisão surpresa e, por isso, ilícita, nos termos do n.º 3 do artigo 3 do Código de Processo Civil.
O Tribunal da Recorrido conheceu, assim, de questão, de que não podia, sem audição da Apelante, tomar conhecimento, pelo que, nos termos do disposto no artigo 668, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil, a sentença recorrida é nula nessa parte[5].
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, excepto quanto à condenação da Apelante como litigante de má fé.
|
IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida, excepto quanto à condenação da Apelante como litigante de má fé, pelo que se anula a sentença recorrida nesta parte, a fim de o tribunal recorrido ordenar o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3º do Código de Processo Civil, no referente à questão da má fé da Apelante, para depois, estabelecido o contraditório, decidir em conformidade.
Custas nas instâncias pela Apelante.
Lisboa, 5 de Maio de 2005.
FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES
________________________________________________
[1] In Código Civil Anotado, Vol. I, 1.ª, pg. 238. [2] Ob. Cit. Pg. 257. [3] In Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª, pg. 376. [4] Neste sentido veja-se Ac. do STJ de 23.02.1990, in Aj, 6º-9º/17. [5] Vd. nesse sentido Ac. do STJ de 28.02.2002, acessível in http://www.dgsi.pt/jstj.