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CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário
I - O reconhecimento do direito, como causa impeditiva da caducidade do direito de acção, tem um conteúdo muito diverso do reconhecimento do direito enquanto causa interruptiva da prescrição, na medida em que para efeitos de caducidade não basta um qualquer reconhecimento, como acontece com aquela, sendo antes necessário que o reconhecimento seja de tal ordem que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade. II - Não existindo um reconhecimento, claro e distinto, com o mesmo alcance e significado de uma sentença judicial na situação concreta, por não ser inequívoco o reconhecimento e por não ter o necessário valor a ponto de dispensar uma declaração judicial, não pode o mesmo integrar uma causa impeditiva da caducidade.
Texto Integral
I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra B, pedindo que seja reconhecido o seu direito a habitar no imóvel que lhe foi cedido pela CML e melhor identificado na petição inicial e que, em consequência, seja a Ré condenada a desocupar aquele mesmo imóvel.
Alegou, para o efeito e em síntese, ser titular e legítimo possuidor do imóvel sito em Lisboa, titularidade essa que lhe adveio da cedência, a título precário, desse imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa, em 24/02/1978, tendo aí vivido com a mulher e ora Ré desde aquela data até Julho de 2002, quando daí foi expulso por um dos filhos comuns do casal, cujo divórcio veio a ser decretado por sentença de 15/10/2003, continuando a Ré a residir no imóvel, facto que é do conhecimento da Câmara, que, por duas vezes, lhe negou o pedido de atribuição do mesmo.
A Ré contestou e, a título de questão prévia, sustentou que não estamos perante um contrato de arrendamento, mas de cedência a título precário livremente revogável pela Administração, pelo que “a acção a intentar seria a acção de restituição de posse”.
Por excepção, defendeu ser o Tribunal incompetente em razão da matéria, nos termos do art. 4º, n.º 1, al. a) do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Por impugnação, negou que o Autor tenha sido expulso de casa pelo filho, tendo sido ele a abandonar o lar conjugal em 12 de Agosto de 2002.
Na réplica, o Autor opõs-se à procedência da excepção da incompetência material do Tribunal, lembrando que tal questão foi já amplamente apreciada, tendo merecido a prolação de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no procedimento cautelar apenso, o qual se pronunciou sobre a competência do tribunal comum em razão da matéria.
Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferida douta sentença a julgar procedente a excepção da caducidade invocada, nos seguintes termos: “Como está alegado pelo próprio Autor[1], este terá sido expulso do imóvel de que se diz possuidor por um dos filhos comuns das partes, em Julho de 2002, sendo que a presente acção foi instaurada em 17 de Junho de 2004, ou seja, quase dois anos depois do facto do esbulho, pelo que não sofre dúvidas a verificação in casu, da caducidade. É certo que o Autor intentou procedimento cautelar em 13 de Fevereiro de 2004, ou seja, mais de ano e meio depois do facto do esbulho, mas ainda que o tivesse feito dentro do prazo de um ano, é sabido que a instauração de procedimento cautelar comum de restituição de posse não constitui acto impeditivo da caducidade, por ser susceptível de ficar sem eficácia mercê não só de decisão definitiva a proferir na acção principal, mas também da própria inércia do requerente da providência, pelo que só a entrada em juízo da petição inicial da acção de restituição de posse dentro do prazo de um ano pode impedir, nos termos do nº 1 do art. 331º do CC, que a caducidade possa operar, porque só essa acção há-de definir, em concreto e definitivamente, o direito accionando e os interesses em jogo[2]. Nem se diga que o prazo de caducidade previsto no art. 1282º do CC só se iniciou em 15 de Janeiro, com o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio das partes, invocando-se para tanto, a contrario, a al. a) do art. 318º do CC[3], pois o prazo de um ano subsequente ao facto do esbulho para intentar a acção de restituição de posse, é um prazo de caducidade, que não de prescrição, como expressamente resulta do art. 1282º do CC. Logo, a lei (art. 328º do CC) não pode estatuir a admissibilidade de interrupção de tal prazo, só podendo o interessado socorrer-se da via do impedimento, consagrado no art. 331º, nº 1, também do CC, para evitar que esse prazo se esgote[4]. Pelo exposto, julga-se verificada a caducidade da acção e, consequentemente, absolve-se a Ré do pedido”.
Inconformado com a decisão, veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se no caso se verificou uma causa impeditiva da caducidade, por pretenso reconhecimento do direito por parte da Recorrida.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do recurso são os que decorrem do que acima ficou enunciado.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Estabelece o art. 1282º do CC que “a acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas”.
O prazo fixado neste normativo, para a acção de manutenção e para as de restituição da posse, é um prazo de caducidade, como decorre não só do teor literal deste mesmo normativo, como também do disposto genericamente no n.° 2 do artigo 298º.
Daí que, ao prazo de interposição destas acções possessórias, sejam aplicáveis as regras dos artigos 328° e seguintes, designadamente as de que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe e de que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo ou o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito deste prazo, dizem que “o prazo relativamente curto estabelecido para a proposição da acção e a inadmissibilidade da sua suspensão ou interrupção (cfr. art. 328°) justifica-se não só pela necessidade de esclarecer rapidamente situações duvidosas, que pelo decurso do tempo mais obscuras se podem tomar e mais difíceis de provar quanto à matéria de facto, como ainda pela presunção de que o perturbado ou esbulhado, se não reage prontamente contra o autor da turbação ou do esbulho, é porque desiste das suas pretensões ou reconhece a posse de outrem”[5].
Na douta decisão recorrida entendeu-se que se verificava a caducidade uma vez que, como foi alegado pelo próprio Autor, este terá sido expulso do imóvel de que se diz possuidor em Julho de 2002 e a presente acção foi instaurada em 17 de Junho de 2004, ou seja, quase dois anos depois do facto do esbulho, pelo que não sendo admissível a interrupção do prazo, só poderia o interessado socorrer-se da via do impedimento, consagrado no art. 331º, nº 1, do CC, para evitar que esse prazo se tivesse esgotado.
Porém, o Recorrente vem alegar que se verifica no caso uma causa impeditiva da caducidade, que é o reconhecimento por parte da Recorrida de que o Recorrente é o titular e, por consequência, o possuidor do imóvel objecto da presente lide, reconhecimento que foi feito dentro do prazo de caducidade e em várias instâncias, todas elas judiciais, e perante várias judicaturas, explicitando:
- Na acção de divórcio, proc. (…), a Recorrida reconheceu implicitamente que o Recorrente era o titular do arrendamento do imóvel, uma vez que não disse ser ela a titular desse arrendamento, nem pediu que lhe fosse reconhecida a titularidade do mesmo arrendamento;
- Por apenso à mesma acção de divórcio a Recorrida requereu a transferência do direito ao arrendamento do imóvel para a sua esfera jurídica, reconhecendo que “o titular do arrendamento é o Requerido” e alegando que “o Requerido abandonou a casa de morada de família há mais de uma ano”, por referência à data da propositura daquele apenso.
Quer dizer: no entender do Recorrente verificar-se-ia a causa impeditiva da caducidade prevista no art. 331º/2 do CC, que dispõe que “quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.
Comentando o disposto neste normativo escrevem os citados Autores o seguinte:
“O simples reconhecimento do direito por aquele contra quem deve ser exercido, se for anterior ao termo da caducidade, não tem relevância se, por esse reconhecimento, se não pretender alterar o regime da caducidade ou o seu prazo. Só nos casos em que o reconhecimento tem o mesmo valor do acto normalmente impeditivo é que deixará de verificar-se a caducidade. «Assim, escreve o Prof. Vaz Serra, se se tratar de prazo de proposição de uma acção judicial, deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido» (Prescrição extintiva. Caducidade, n.° 118; Bol., n.º 107)”.
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência, designadamente os doutos arestos do STJ de 8.01.1981 e da RP de 25.06.1987, ou seja, de que “o reconhecimento do direito” não é uma simples admissão genérica do mesmo direito, mas um reconhecimento concreto, preciso e sem ambiguidades, que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, por ter valor, portanto, idêntico ao do acto impeditivo, referido no n.º 1 do art. 331º[6].
O reconhecimento do direito como causa impeditiva da caducidade tem, assim, um conteúdo muito diverso do reconhecimento do direito enquanto causa interruptiva da prescrição (art. 325º), na medida em que para efeitos de caducidade não basta um qualquer reconhecimento, como acontece com aquela, sendo antes necessário que o reconhecimento seja de tal ordem que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade.
Ora, em face destes princípios só se pode inferir que no caso em análise não estamos perante um reconhecimento do direito impeditivo da sua caducidade, porque não existe qualquer reconhecimento claro e distinto, com o mesmo alcance e significado de uma sentença judicial nas situações invocadas pelo Recorrente. Desde logo, não se vê que tenha havido qualquer reconhecimento, mesmo que implícito, na acção de divórcio. E no processo apenso também não se mostra que tenha existido um reconhecimento relevante, não só por não ser inequívoco como também por não ter o necessário valor a ponto de dispensar uma declaração judicial. De resto, por nem sequer se mostrar ter ocorrido dentro do prazo da caducidade.
Do que se conclui que no caso se não verificou uma causa impeditiva da caducidade, por pretenso reconhecimento do direito por parte da Recorrida.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas nas instâncias pelo apelante.
Lisboa, 19 de Maio de 2005.
FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES
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[1] Art. 3º do requerimento inicial. [2] Cfr., entre muitos, o Ac. do STJ de 25-11-1998, Revista nº 764/96, 2ª Secção, relatado pelo Cons. Herculano Namora, cujo sumário está disponível na Internet em http://www.dgsi.pt./jstj. [3] Vd. arts. 76º e 77º da petição inicial. [4] Cfr. o citado Ac. do STJ de 25-11-1998 e o Ac. do mesmo STJ, de 03-06-1992, Relator: Joaquim de Carvalho, disponível na Internet, no mesmo sítio. [5] In CC anotado, III, 2.ª ed., pg. 56. [6] Vd. BMJ, 303/190 e CJ, 1987, III, 112.