COMPLEMENTO DE PENSÃO
Sumário

A cls. 63º nº 3 do AE/Carris de 1982 atribui aos respectivos trabalhadores um complemento de reforma às pensões de reforma ou invalidez atribuídas pela Previdência (...).
A expressão “Previdência” constante da referida cláusula deve ser interpretada em termos amplos de forma a abranger todas as pensões de reforma de que goze o trabalhador reformado, quer sejam atribuídas pela Segurança Social quer pela Caixa Geral de Aposentações.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
            RELATÓRIO:
(A) intentou a presente acção com processo comum contra Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 2.637,18 acrescida de todas as prestações vincendas até à data da sentença, bem como juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. em 7 de Janeiro de 1976, para desempenhar as funções de motorista, sob as ordens e direcção da R., sendo aplicável às relações laborais estabelecidas o A.E. publicado no BTE, n.º 16, 1.ª série, de 29 de Abril de 1982. Em 18 de Outubro de 2002, cessou o contrato de trabalho que o vinculava à R., em virtude de ter atingido a idade de reforma por velhice, auferindo nessa data a remuneração mensal de € 1.132,84, detendo a categoria profissional de Inspector. Passou a auferir do Centro Nacional de Pensões a pensão mensal líquida de € 944,47.
Acontece que de acordo com o estabelecido na cláusula 63.ª, n.º 3, do referido A.E. aplicável, a R. está obrigada a pagar complementos às pensões de reforma ou invalidez atribuídas pela Previdência, correspondente a um valor percentual de 1,5 x N sobre a retribuição mensal do trabalhador à data da retirada do serviço, sendo N o número de anos da sua antiguidade na empresa, mas até à data, nunca a R. lhe pagou qualquer importância a título de complemento de pensão. Perfez 27 anos ao serviço da R. e, portanto, tem direito a receber da R., mensalmente, a título de complemento de reforma, 40,5 %, ou seja 1,5 x 27 anos de serviço, do valor do seu vencimento à data da cessação do contrato, ou seja, o que perfaz a quantia de € 458,80, mas como a mencionada cláusula 63.ª prevê no seu n.º 3-A como limite do montante de complemento de reforma, a diferença entre o vencimento auferido pelo trabalhador à data da retirada do serviço e o montante da pensão auferida pelo Centro Nacional de Pensões, deve a Ré ser condenada a pagar-lhe o complemento de reforma no montante de € 188,37, desde 18.10.2002.

A R. foi citada em 31 de Outubro de 2001, e contestou  por excepção, alegando, por um lado,  que o A.E. em causa não é aplicável ao A. por este não fazer prova que tivesse sido filiado em qualquer dos sindicatos subscritores, por outro, que a citada cláusula 63.ª é nula por as convenções colectivas não poderem estabelecer nem regular benefícios complementares de reforma. Impugnou também o direito do A. ao complemento de reforma peticionado dado que, para além da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões, no montante de € 944,47, recebe também uma pensão de aposentação da Caixa Geral de Aposentações no montante de € 348,51, e somando as duas pensões ( € 1.292,98) dá uma quantia superior aos € 1.132,84 que auferia à data da reforma.
*
           Foi proferido saneador sentença onde se fixou à causa o valor, de € 4.897,62 (quatro mil oitocentos e noventa e sete euros e sessenta e dois cêntimos) e conheceu do pedido, tendo sido proferida a seguinte decisão:
"Nestes termos, julgo a acção inteiramente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a R. a pagar ao A. a quantia de  € 4.897,62 (quatro mil oitocentos e noventa e sete euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal sobre tal quantia desde a data dos vencimentos dos complementos até integral pagamento".

       A Ré, inconformada, interpôs o presente recurso terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1º.
O termo “Previdência” constante da cláusula 63ª. nº. 3 do AE refere-se a todas as pensões de reforma atribuídas, quer o sejam pelo Centro Nacional de Pensões, quer o sejam pela Caixa Geral de Aposentações.
2º.
A pensão auferida pelo Recorrido da  Caixa Geral de Aposentações, mesmo por não estar ligado ao trabalho prestado pelo Recorrido à Recorrente, tem e deve ser englobada para efeitos do cálculo do complemento de reforma a pagar pela Recorrente.
3º.
A não ser assim também não poderiam ser levadas em consideração eventuais descontos para a Segurança Social provenientes de trabalho prestado em simultâneo noutra empresa com o trabalho prestado na Recorrente.
4º.
E também um qualquer trabalhador com trabalho prestado noutra empresa antes de ingressar na Recorrente e tendo aí efectuado descontos para a Segurança Social, poderia reclamar que o seu complemento de reforma apenas fosse calculado tendo por base a parte da pensão de reforma que abrangesse apenas o tempo de trabalho prestado na Carris.
5º.
Assim e ao contrário do entendimento da douta sentença não resulta qualquer discriminação pela forma como a Recorrente calculou o complemento de reforma ao Recorrido, essa discriminação resulta sim da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.
6º.
É a decisão em recurso que cria uma situação de discriminação negativa do Recorrido em face dos outros trabalhadores da Recorrente que se reformam e que auferem pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações ou que trabalham na Recorrente e noutra empresa efectuando descontos para a Segurança Social, ou que antes de ingressarem na Recorrente tivessem já efectuado descontos para a Segurança Social.
7º.
Calcula a Recorrente os complementos de reforma dos seus trabalhadores e do ora Recorrido, tendo por base todas as pensões de reforma atribuídas.
8º.
Como o Recorrido aufere duas pensões de reforma, uma paga pelo Centro Nacional de Pensões e outra paga pela Caixa Geral de Aposentações, a Recorrente efectuou o cálculo do complemento de reforma do Recorrido tendo por base essas duas pensões.
9º.
É a interpretação que resulta da cláusula 63ª. nº. 3 do AE, sendo que essa interpretação é a que se adequa com o disposto na Base III da Lei nº. 2115, de 18.06.1962, que se encontrava em vigor aquando da publicação do AE em 1982.
10º.
Pelo que não pode a douta sentença em recurso fundamentar a sua decisão na Lei nº. 28/84, de 14.08., Lei que não se encontrava em vigor aquando da publicação do AE.
11º.
A Lei nº. 2115, na Base III, indica quatro categorias de instituições de previdência, entre as quais estão as instituições de previdência dos trabalhadores por conta de outrem e as instituições de previdência do funcionalismo público.
12º.
Sendo que a interpretação dada pelo Recorrente ao disposto na cláusula 63ª. nº. 3 do AE, quer  do seu teor literal, quer do lógico é a que se adequa ao disposto na Base III da Lei nº. 2115.
13º.
As pensões de reforma atribuídas pela Previdência a que se refere a cláusula nº. 63ª. nº. 3 do AE são as atribuídas quer pelo Regime de Protecção Social da Função Pública, quer as atribuídas pelo Regime Geral da Segurança Social.
14º.
Ao contrário do entendimento da douta sentença, deve a Recorrente contabilizar a pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações ao Recorrido, para efeitos de atribuição e cálculo do complemento de reforma.

De qualquer forma e por mera cautela
15º.
O Recorrido cessou o seu contrato de trabalho com a Recorrente, por motivo de reforma por velhice, em 18.10.2002.
16º.
Alegou a Recorrente no artº. 34º. da contestação que a ser devido o complemento de reforma ao Recorrido, o mesmo só o seria a partir de 18 de Outubro de 2002.
17º.
A douta sentença em recurso condenou a Recorrente a pagar ao Recorrido o complemento e reforma por inteiro no mês de Outubro de 2002, bem como condenou a pagar-lhe por inteiro o complemento do subsídio de Natal, ambas as prestações no montante de € 188,37.
18º.
O complemento de reforma do Recorrido referente ao mês de Outubro de 2002 só é devido a partir de 18 de Outubro, bem como o complemento do subsídio de Natal deve ser proporcional ao tempo de reforma nesse ano de 2002, ou seja, a partir de 18 de Outubro de 2002, pelo que errou a decisão do Tribunal “a quo” ao condenar a Recorrente tendo por base os valores que o Recorrido pedia no artº. 26º. da petição e que se mostram erradas em face da data da cessação do contrato de trabalho, devendo os mesmos ser alterados.
19º.
Uma vez  que quer o complemento de Outubro de 2002, quer o complemento do subsídio de Natal de 2002, têm de ter um valor proporcional ao período de reforma, quer no complemento do mês de Outubro, quer no complemento do subsídio de Natal de 2002.
20º.
Assim sendo, merece censura a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, uma vez que errou na interpretação e aplicação do disposto na cláusula 63ª. nº. 3 do Ae publicado no BTE, 1ª. Série, nº. 16, de 29.04.1982, Base III da Lei nº. 2115, de 18.06.1962 e artº. 9º. do Código Civil, devendo assim a mesma ser revogada.

       O recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
            Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os vistos legais.
            Cumpre apreciar e decidir.
     A objecto do recurso, tal como está delimitado pelas respectivas conclusões, restringe-se à interpretação a dar ao termo "previdência" constante da a cláusula 63ª. nº. 3 do AE publicado no BTE, 1ª. Série, nº. 16, de 29.04.1982.

            FUNDAMENTAÇÃO:
            De facto:
            Estão provados os seguintes factos:
1. A. foi admitido ao serviço da R. em 7 de Janeiro de 1976, para desempenhar as funções de motorista, sob as ordens e direcção da R.
2. Em 18 de Outubro de 2002, cessou o contrato de trabalho, em virtude de o A. ter atingido a idade de reforma por velhice, auferindo nessa data a remuneração mensal de € 1.132,84, detendo a categoria profissional de Inspector.
3. Como reformado, aufere do Centro Nacional de Pensões a pensão mensal líquida de € 944,47.
4. Aufere ainda uma pensão da Caixa Geral de Aposentações no montante de 348,51 euros, devido à sua carreira como funcionário civil de estabelecimento militar, carreira que o A. foi forçado a cessar por extinção da Unidade onde desempenhava funções como Chefe de Grupo – o Serviço do Agrupamento do Serviço Material de Angola – em 31 de Maio de 1975.
5. Nunca a R. lhe pagou qualquer importância a título de complemento de pensão.
6. A. foi associado do SITRA - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins no período compreendido entre 25 de Maio de 1981 e 28 de Fevereiro de 1990.

            De direito:
    O Autor reclamou a atribuição do complemento de reforma estipulado no art. 63º nº 3 do AE celebrado entre a Carris e o SITRA - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins, publicado no BTE, n.º 16, 1.ª série, de 29 de Abril de 1982.
A Ré, na contestação, alegou que tal complemento não era devido, face ao teor da referida cláusula, porquanto o A. auferia além da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões, uma outra pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, sendo que as duas pensões somadas excedem o valor da retribuição auferida pelo A. à data da reforma.
A sentença recorrida, interpretando a cláusula supra referida, concluiu que "as pensões de reforma ou invalidez atribuídas pela «Previdência» são as prestações atribuídas a esse título - reforma ou invalidez - pelo regime geral de Segurança Social  e não também as atribuídas pelos regimes de protecção social da função pública, não se podendo aceitar que a R. diminua os complementos de reforma com fundamento no facto de o trabalhador receber uma pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, sem qualquer correspondência com o trabalho prestado ao serviço da R."
A Recorrente discorda da decisão recorrida por entender que o termo «Previdência» constante do nº 3 do art. 63º do AE/Carris de 1982, deve ser interpretado no sentido de abranger todas as pensões de reforma, sejam elas atribuídas pelo Centro Nacional de Pensões ou pela Caixa Geral de Aposentações, ou seja, pelos dois regimes de Segurança Social existentes em Portugal.
Esta é, pois, a divergência fundamental entre recorrente e recorrida que importa apreciar e decidir.
Dispõe a referida cláusula do AE que "a empresa pagará complementos de reforma às pensões de reforma ou invalidez atribuídas pela Previdência, a partir de 1 de Janeiro de 1975, calculados na base da incidência do valor percentual de 1,5 x N sobre a retribuição mensal do trabalhador, à data da sua retirada do serviço, sendo N o número de anos da sua antiguidade na empresa, desde que a soma do valor assim calculado com o da pensão não ultrapasse aquela retribuição".
A redacção desta cláusula manteve-se a mesma ao longo do tempo, pelo menos de AE publicado no BTE nº 36 de 29.09.75, sendo que no AE/99, publicado no BTE nº 29 de 8.08.99, o termo "Previdência" foi substituído pela expressão "segurança social".
E o STJ, em Ac. de 15.02.2005, proferido no processo nº 2952/04([1]) interpretando esta mesma cláusula, embora na redacção do AE/99, referiu o seguinte:
"No nosso ordenamento jurídico a expressão segurança social é utilizada para designar, o sistema de segurança social e não apenas alguns dos regimes desse sistema. É o que resulta, desde logo, da nossa lei fundamental que expressamente reconhece que o direito à segurança social é um direito social de todos os cidadãos, impondo ao Estado o dever de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social universal e unificado (art. 63. ". n. " I e 2) (4). E embora tenha vindo a ser ressalvada, nas sucessivas Leis de Bases da Segurança Social, a existência de regimes privativos de segurança social (artigos 69.º da Lei n.º 28/84. de 14/8, 109º da Lei n.º 17/2000, de 8/8 e 123º da Lei n.º  32/02; de 20/12), existe uma clara intenção programática - em cumprimento, aliás, do imperativo constitucional - de efectuar a integração no regime geral da segurança social de todos os regimes especiais de segurança social, incluindo os regimes de protecção social da função pública ( vide art. 70º da Lei n.  28/84).
Seria, portanto, incongruente e contrário à unidade do sistema jurídico que a expressão segurança social inserida no Acordo de Empresa fosse interpretada restritivamente, abrangendo apenas o regime geral de segurança social e não todos os demais regimes que, apesar de privativos de determinados grupos profissionais, não deixam de constituir regimes próprios de segurança social.
Acresce que, visando o complemento da pensão evitar a perda do poder de compra do trabalhador quando passa à situação de reforma, não faria sentido que ele pudesse beneficiar, na situação de reforma, de uma pensão superior à retribuição que auferia no activo. E, como resulta da parte final do n.º 3 da cláusula 62ª, essa foi umas das preocupações dos outorgantes do Acordo de Empresa e, sendo assim, não se vê razão justificativa para que a pensão paga ao recorrido pela Caixa Geral de Aposentações não seja levada em conta no cômputo do complemento previsto no Acordo de Empresa.
Pelo contrário, a não inclusão daquela pensão violaria frontalmente o princípio da igualdade, por constituir uma discriminação injustificável que o complemento de reforma fosse eliminado ou reduzido relativamente a trabalhadores que auferissem uma pensão da Segurança Social e não o fosse em relação àqueles que beneficiassem de uma pensão da Caixa Geral de Aposentações,  (normalmente de montante mais elevado ), quando a cláusula quis efectivamente impedir que o trabalhador ultrapasse, por efeito de acumulação de benefícios, o limite da retribuição que auferia no activo."

Concordamos com esta argumentação que tem plena aplicação ao caso dos autos.
A nosso ver, a expressão "Previdência" constante da supra referida cláusula do AE, deve interpretar-se em termos amplos, referindo-se a todas as pensões reforma quer sejam atribuídas pela Segurança Social quer pela Caixa Geral de Aposentações, quer mesmo por qualquer outro regime específico, pelas razões que contam do citado Ac. do STJ.
Em abono deste entendimento acrescentamos, apenas, que à data em que foi convencionada essa cláusula (1975), estava em vigor a Lei 2115 de 18.06.62 que na sua Base III indicava quatro categorias de instituições de previdência, entre elas as instituições de previdência dos trabalhadores por conta de outrem e as instituições de previdência do funcionalismo público, sendo que o significado do termo "previdência" que passou para o AE era o que vigorava nessa época e que se referia tanto às reformas provenientes da segurança social como às do funcionalismo público.
Por outro lado a própria cláusula refere-se a  "...complementos de reforma às pensões de reforma", usando esta última expressão no plural, e não no singular, o que sugere que a cláusula previu a possibilidade de existirem várias pensões, todas elas contando para efeitos do cálculo do complemento.
Finalmente, prevendo-se na parte final da cláusula que a soma do complemento com a pensão não pode ultrapassar o valor da retribuição auferida pelo trabalhador à data da reforma, teve-se em vista, com a atribuição do complemento, evitar a perda do poder de compra do trabalhador quando passa à situação de reforma, pelo que não faria sentido que pudesse beneficiar de uma pensão de reforma globalmente superior à retribuição, enquanto no activo, só porque uma parte da pensão de reforma era proveniente de um sistema diferente do da segurança social.
Interpretando desta forma a cláusula em referência, temos de concluir que auferindo o Apelado pensões de reforma que eram superiores ao montante da que auferia à data da sua passagem à reforma, não há lugar ao pagamento do complemento de reforma  por parte da Apelante, nos termos da cls. 63º nº 3 do referido AE.
Procedem, assim, as conclusões 1ª a 14ª, ficando prejudicado o conhecimento das restantes.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e absolve-se a Ré do pedido.
Custas pelo Apelado.
Lisboa, 25/05/05

Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba
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[1] Em que foi relator Sousa Peixoto e assinado por cinco Juizes Conselheiros.