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INQUÉRITO
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
NULIDADE
Sumário
I - O requerimento de abertura de instrução pressupõe que o assistente considere que, em face dos indícios recolhidos durante o inquérito, se podia e devia ter imputado a um arguido determinado a prática de factos que o responsabilizavam criminalmente. II – Não permitindo as diligências efectuadas durante o inquérito determinar, nomeadamente, a identidade do agente de um crime que se considera suficientemente indiciado e sendo possível realizar outras que propiciem essa identificação, deverá o assistente arguir a nulidade do inquérito para que ele seja então completado. III – Não tendo o assistente actuado da forma indicada, não pode pretender transformar a instrução numa fase complementar de investigação, como se ainda se encontrasse em vigor o Código de Processo Penal de 1929.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – No termo da fase de instrução do processo n.° 6615/02.5TDLSB, a srª juíza proferiu o despacho que, na parte relevante, se transcreve: «O assistente A, melhor identificado nos autos, veio requerer a abertura de instrução por não se conformar com o teor do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos autos, veio requerer a abertura de instrução. Requereu a realização de várias diligências que foram indeferidas por não se mostrarem de interesse para a instrução. Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal, tendo o Ministério Publico, a mandatária do arguido e o defensor dos restantes arguidos pugnado pela não pronúncia dos mesmos e o mandatário do assistente em sentido contrário por existência de indícios.
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O Tribunal é competente. Não existem nulidades, excepções ou questões prévias a conhecer.
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Cumpre, agora, proferir decisão instrutória que será de pronúncia ou de não pronúncia, conforme o juízo que se faça sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios de verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena. A finalidade e âmbito da instrução, definida no artigo 286° n.° 1 do C.P.P., consiste em deslocar a investigação sob a égide e direcção de um juiz, para obter "a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Finda a instrução, a decisão de pronunciar tem na sua génese um juízo sobre os elementos colhidos nos autos, sobre o conjunto da prova indiciária. Resume-se ao conjunto de indícios dos quais possa resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena. Não se exige, por conseguinte, o juízo de certeza do julgamento, subjacente à condenação, mas antes um juízo de probabilidade séria e razoável, de modo a que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes por forma a que formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade da sua condenação. O assistente imputa ao arguido B. e à C., Lda, de que é sócio gerente, a prática de um crime de falsificação previsto e punido pelo artigo 270° do Código Penal e de um crime de burla previsto e punido pelo artigo 218° Código Penal. Alega que quando, em Agosto de 2001, adquiriu o veículo usado marca Volvo 850 GLT, matrícula ..-..-.., este apresentava 151.370 Km e que em Dezembro desse mesmo ano quando solicitou à D, que procedesse a uma inspecção do veículo, a mesma lhe deu conhecimento de que sem desmontagem foi verificado que a viatura apresentava 210.404 Km e não 159.507 Km como constava do conta-quilómetros. Mais alega que o arguido B. como representante da C. tinha obrigação de proceder a um exame técnico completo à viatura antes de a vender e nunca a teria adquirido se soubesse que tinha mais 50.000 Km para além dos que figuravam no conta-quilómetros. Alega que o arguido omitiu-lhe o verdadeiro estado em que o veículo se encontrava quer quanto à sua manutenção quer quanto à sua quilometragem, tendo em conta que não podia desconhecer o estado de conservação do veículo nem que a quilometragem havia sido alterada, induzindo-o em erro quanto ao desgaste do mesmo fazendo crer que merece o preço que sobre ele é solicitado. O arguido obteve um enriquecimento ilegítimo, através da criação de um engano de forma a que ele adquirisse um veículo com quilometragem alterada e em péssimas condições de manutenção. Alega, ainda, que o Ministério Público, em sede de inquérito, apenas ouviu o arguido B. e o último proprietário do veículo não inquirindo as testemunhas oferecidas na denúncia. Entende que o Ministério Público não levou a cabo todas as diligências possíveis para poder concluir não ser possível determinar quem foram os agentes dos crimes de falsificação e burla. O assistente alega, ainda, que a declaração que assinou aceitando o veículo no estado em que se encontrava não torna lícita a viciação praticada, pois tal foi omitido. Cumpre decidir. O assistente veio, em sede de instrução, requerer todas as diligências que não foram levadas a cabo pelo Ministério Público e que julga necessárias para identificar um número determinado e identificado de pessoas (anteriores proprietários e/ou possuidores do veículo) que poderiam ter interesse na viciação do conta-quilómetros, alegando ser possível inquirir os ex-proprietários e os ex‑possuidores do veículo e fazer a peritagem do mesmo para determinar em que altura a alteração terá ocorrido. Ora, parece-nos que o assistente aceita o despacho de arquivamento quanto à falta de indícios no que respeita ao arguido B.. O que pretende, na verdade, é que se proceda a mais diligências, no sentido de identificar o autor da viciação do conta-quilómetros, que terá ocorrido entre os anos de 1999 e 2001, uma vez que essa existiu, efectivamente. A instrução não é uma fase processual destinada à investigação e apuramento dos factos, mas apenas, e como atrás se referiu, à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. E atento à diligências efectuadas em sede de inquérito conclui-se que foram as mesmas exaustivas para o esclarecimento da prática dos factos, tendo sido ouvido o último possuidor do veículo que afirmou que aquando da venda do mesmo à C. o veículo tinha 150.000 Km, não tendo efectuado qualquer alteração na quilometragem, o mesmo sendo afirmando por B. que vendeu o veículo ao assistente. E como bem foi referido no despacho de arquivamento, a simples suspeita de ter sido este, ou os anteriores proprietários/possuidores, o autor da viciação do conta-quilómetros não é suficiente para lhe imputar o crime de falsificação. No que diz respeito ao crime de burla podemos, também, afirmar que não há indícios suficientes da prática deste crime pelo arguido B.. Este disse que no momento da venda do veículo desconhecia que o conta-quilómetros estivesse viciado e não foi possível fazer prova do contrário, não havendo consequentemente indícios de que ele astuciosamente tenha levado o assistente a adquirir o veículo, sabendo e omitindo esse facto criando no espírito do assistente a ideia que o negócio era sério sendo sua única intenção obter o valor correspondente ao preço do veículo. Por outro lado, as deficiências detectadas no veículo pelo assistente não configurar um crime de burla mas, como refere o Ministério Público, um eventual incumprimento de uma obrigação contratual. Não se verifica o nexo causal previsto no crime de burla previsto no artigo 217° Código Penal ao se exigir que a astúcia seja causal do erro este da prática de actos pelo ofendido lesivos do seu património.
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Procedendo à comprovação judicial da decisão de não acusar, através, quer da sua aferição jurídica, quer da análise crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos à luz do direito aplicável e para efeito de formulação de um juízo indiciário positivo ou negativo, ter-se-á de concluir que existem elementos suficientes nos autos que permitam sustentar a decisão de arquivamento. Fazendo um juízo crítico sobre os indícios constantes dos autos terá que se concluir que eles são insuficientes para poder imputar, mesmo nesta fase processual, o cometimento dos crimes imputados ao arguido, sendo que a sua absolvição em sede de julgamento seria mais provável do que a sua condenação. Face ao exposto e nos termos do disposto nos artigos 307° e 308° CPP, decido não pronunciar B. e C., Lda. pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 270° do CP e de um crime de burla previsto e punido pelo artigo 218° Código Penal».
2 – O assistente interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: 1. A viciação do veículo de matrícula ..-..-.. encontra-se assente nestes autos, sendo certo que a mesma ocorreu entre 1999 e 2001, datas entre as quais o referido veículo teve dois proprietários/possuidores: Sr. E. e C.. 2. Existem indícios suficientes para considerar que a C., na pessoa do seu gerente B., tenham procedido à falsificação do conta-quilómetros do veículo, tanto mais que exigiram para a celebração do negócio que o ora recorrente emitisse uma declaração nos termos da qual este aceitava a viatura no estado em que a mesma se encontrava; 3. Tal não pode entender-se como um pseudo consentimento do lesado, mas antes e apenas como uma renúncia a qualquer garantia de bom funcionamento que o vendedor de veículos usados fosse obrigado a prestar nos termos legais. 4. O Arguido B., representante da C., aquando do processo de negociação do veículo ao assistente, garantiu-lhe que o veículo se encontrava em boas condições de funcionamento, necessitando apenas dos arranjos acima especificados (conforme declarações do assistente no âmbito do Inquérito, de fls. 60 e seguintes). 5. O veículo encontrava-se nas instalações da C. aquando da sua venda ao Assistente (conforme declarações do arguido B. juntas aos autos a fls. 60 e seguintes). 6. Não se podendo aceitar como verdadeira a afirmação do arguido Luís de que uma sociedade que se dedica à compra e venda de veículos usados tenha comprado este veículo sem antes realizar uma inspecção geral ao mesmo, por forma a determinar o seu valor. 7. Tal significaria que a C. haveria adquirido o veículo por um preço "aleatório" – sem fazer um exame para perceber o seu valor – tendo-o posteriormente vendido ao arguido igualmente por um preço "aleatório", por ainda não saber quanto o carro valia! 8. É forçoso, portanto, concluir que a C. conhecia o estado do veículo e a viciação do seu conta quilómetros aquando da sua venda ao assistente! 9. Apenas após a tomada de posse do veículo pôde apurar que o mesmo se encontrava em péssimo estado de funcionamento. 10. O que o obrigou a realizar, praticamente desde o momento da sua compra, inúmeras reparações no mesmo, despendendo uma quantia avultada com as mesmas, conforme os documentos 6, 7, 8, 9, 11 e 12 juntos aos autos com a queixa crime. 11. Tendo-se apurado também a existência de uma viciação do conta-quilómetros em cerca de 50.000 Km, conforme documento 12 junto com a queixa-crime, que terá ocorrido entre 1999 e 2001. 12. Os arguidos não podiam ignorar o estado de funcionamento do veículo, nem a viciação do conta quilómetros para mostrar menos cerca de 50.000 Km do que a sua quilometragem real. 13. Ao omitirem tais factos ao assistente, conseguiram que a arguida C. obtivesse um enriquecimento ilegítimo, através da criação de um engano no conhecimento do assistente, por forma a que este adquirisse um veículo com a quilometragem alterada e em péssimas condições de manutenção. 14. Pelo exposto acima é forçoso concluir que existe nos autos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos B. e C. uma pena ou medida de segurança pela prática dos crimes de burla qualificada e falsificação, previstos e punidos pelos artigos 217.°, 218.° e 270.° do Código Penal.
Termos em que deve o presente recurso ter provimento e ser revogada a douta decisão instrutória e ser substituída por outra que pronuncie os arguidos B. e C. pelos crimes de burla qualificada e falsificação, previstos e punidos pelos artigos 217.°, 218.° e 270° do Código Penal, assim se fazendo justiça».
3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 190.
4 – O arguido B. e o Ministério Público responderam à motivação apresentada (fls. 199 a 201 e 202 e 203, respectivamente).
5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer que, na parte relevante, se transcreve (fls. 212 a 217): «1 - O assistente A veio interpor recurso do despacho proferido a fls. 171 a 174 dos autos de instrução n.° 6615/02.5TDLSB, do 3.° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que decidiu não pronunciar B. e “C., Lda." pela prática dos factos que lhes vinham imputados no requerimento para abertura da instrução constante da peça processual de fls. 108 e segs., factos esses ali qualificados como integradores de um crime de falsificação e outro de burla qualificada, previstos e puníveis, respectivamente, nos artigos 270.°, n.° 1, e 218.°, ambos do Código Penal. 1.1 - Na sua motivação pugna pela pronúncia, defendendo em suma que a decisão recorrida errou na aferição dos indícios probatórios existentes nos autos, e que esses indícios são suficientes para a imputação dos apontados crimes (fls. 181 a 188). 1.2 - Nas respectivas respostas, o Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância (fls. 202/203), bem como o arguido B. (fls. 199 a 201), pronunciaram-se pela confirmação da douta decisão recorrida. 2 - Cumpre emitir parecer. 2.1 - Apreciando e valorando a prova indiciária do processo, o M.m° Juiz de Instrução, considerando não se mostrarem minimamente preenchidos os pressupostos de facto de que depende a imputação aos arguidos dos ilícitos penais constantes do requerimento para abertura da instrução, formulou um juízo total e inequivocamente negativo sobre a existência de prova indiciária da imputada prática de tais ilícitos, decidindo por isso no sentido da não pronúncia. Ora, e examinada a questão controvertida, diga-se que nada de substancial se nos oferece aditar quer aos fundamentos do despacho recorrido e à argumentação aduzida pelo arguido B., na sua peça processual de fls. 199/201, quer também à posição tomada nos autos pelo magistrado do Ministério Público na 1.° Instância, esta não só no despacho de arquivamento que oportunamente proferiu (fls. 98 a 101), como também na sucinta, mas esclarecida, resposta à motivação do recorrente (fls. 202/203). Apenas caberá enfatizar ainda o seguinte: 2.2 - Sem equacionar, “hic et nunc”, da pertinência e/ou relevância da eventual realização das diligências probatórias complementares cuja omissão insiste em criticar na sua motivação, parece lícito intuir que o recorrente entenderá que, desde logo em sede de inquérito, não terão sido produzidos todos os meios de prova necessários à investigação dos crimes que denunciou. Certo é, porém, que a eventual omissão de tais diligências configuraria tão só a nulidade a que se refere o art. 120.°, n.° 2, alínea d), do CPP, nulidade essa que, designadamente antes e em vez de requerer a abertura da instrução, não invocou e que, não sendo de conhecimento oficioso, se encontra sanada por não ter sido atempadamente arguida (art. 120, n.° 3, alínea c), do CPP). 2.3 - São, como é sabido, elementos constitutivos do crime de burla, os seguintes: Do tipo objectivo: 1) Uma actividade astuciosa do agente; 2) A criação de erro ou engano na vítima; 3) Um nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo elementos, ou seja, o erro ou engano da vítima tem de ter sido causado pela actividade astuciosa do agente; 4) A prática de actos pela vítima; 5) Um nexo de causalidade entre o segundo e o quarto elementos, ou seja, a vítima tem que ter sido determinada a praticar algum acto com consequências patrimoniais por se encontrar em erro ou engano; 6) Um prejuízo para a vítima ou para terceiro; 7) Um nexo de causalidade entre o quarto e o sexto elementos, ou seja, o prejuízo tem que resultar dos actos realizados pela vítima. Do tipo subjectivo: a) O dolo, integrado pelo conhecer e querer os elementos objectivos do tipo (tradicionalmente designado por dolo genérico); b) O elemento subjectivo especial da ilicitude (tradicionalmente designado por dolo específico), integrado pela intenção de enriquecimento e que não tem correspondência a qualquer elemento do tipo objectivo. Ora, assim descarnada a estrutura típica do crime em apreço, e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, temos por demais evidente que se não mostram recolhidos nos autos indícios que permitam dar por preenchida quer a tipicidade objectiva quer subjectiva do crime de burla imputado pelo assistente no requerimento de abertura da instrução. Como lucidamente se observa no despacho impugnado, o arguido Luís Sucena sustenta que no momento da venda do veículo em causa desconhecia que o respectivo conta-quilómetros estivesse viciado, sendo que não foi possível fazer prova do contrário e que inexistem quaisquer indícios de que ele, astuciosamente, tenha levado o assistente a adquirir tal veículo conhecendo e omitindo quer esse facto, quer as demais invocadas deficiências de funcionamento do mesmo. 2.4 - Por outro lado, e ainda no que diz respeito à quilometragem do veículo, mesmo admitindo a hipótese de sua alteração dolosa, certo é que, por um lado a leitura conjugada do depoimento do arguido e do anterior proprietário do dito veículo inculcam, inquestionavelmente, a ideia de que, a ter existido, tal alteração foi levada a efeito por algum dos anteriores proprietários; e por outro lado a instrução não é o instrumento processual adequado para investigar e descobrir se determinado facto constitui crime e quem foi o seu autor, sendo certo que, afirmando o próprio recorrente que a apontada viciação só pode ter sido da responsabilidade de um dos anteriores proprietários, está necessária e implicitamente a admitir, no mínimo, que existirão dúvidas quanto à autoria de tal viciação. Ora, e conforme doutamente se decidiu no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 16-11-2004, publicado na CJ, Ano XXIX, Tomo V/2004, pág. 132, «determinado o arquivamento do inquérito, por desconhecimento ou incerteza do autor dos crimes, não é admissível ao assistente requerer a abertura da instrução e pretender que, nesta fase, o juiz proceda a diligências com vista à sua identificação». 2.5 - Um último apontamento para, no segmento do recurso em que vem pedida a pronúncia da firma "C., Lda", dizer que, com o devido respeito, só por extravagante leitura interpretativa do normativo contido no artigo 11.° do Código Penal é possível entender tal pretensão do recorrente. Não descortinando, com efeito, qualquer dispositivo legal que, “in casu”, permita responsabilizar criminalmente as pessoas colectivas, temos por demais evidente que, a indiciar-se infracção penal, esta só ao arguido B. poderia ser imputável. Também nesta parte, pois, o recurso se nos afigura manifestamente improcedente. 3 – Pelo exposto, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, emite-se parecer no sentido de que o presente recurso deve ser julgado improcedente, sendo de confirmar, pois, integralmente, a douta decisão impugnada».
6 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi junto qualquer outro articulado.
II – FUNDAMENTAÇÃO
7 – Uma vez que o recurso interposto pelo assistente é manifestamente improcedente, o tribunal limitar-se-á, nos termos dos n.°s 1 e 3 do artigo 420° do Código de Processo Penal, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
8 – Tal como o sr. procurador-geral-adjunto sustenta no seu muito bem elaborado parecer, a formulação de um requerimento de abertura de instrução de um processo não é o modo adequado de o assistente reagir a um inquérito em que, em seu entender, se tenha omitido a realização “de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade[1]” e que, por isso mesmo, não permite afirmar a “existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles[2]”.
De facto, um tal requerimento pressupõe que o assistente considere que, em face dos indícios recolhidos durante o inquérito, se podia e devia ter imputado a um arguido determinado a prática de factos que o responsabilizavam criminalmente. Por isso é que o requerimento de abertura de instrução, quando apresentado pelo assistente, tem que se assumir como uma acusação alternativa, ou seja, tem que ter o conteúdo da acusação que o assistente sustenta que o Ministério Público deveria ter formulado no termo do inquérito.
É isto que resulta do facto de a instrução ser, no actual Código de Processo Penal, uma fase que “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento[3]”.
Não permitindo as diligências efectuadas durante o inquérito determinar, nomeadamente, a identidade do agente de um crime que se considera suficientemente indiciado e sendo possível realizar outras que propiciem essa identificação, deverá o assistente arguir a nulidade do inquérito para que ele seja então completado.
Não foi esse o caminho seguido pelo assistente nestes autos.
Em vez de arguir a nulidade do inquérito[4], pretendeu transformar a instrução numa fase complementar de investigação, como se ainda se encontrasse em vigor o Código de Processo Penal de 1929.
9 – Não tendo sido arguida tempestivamente a nulidade prevista na alínea d) do n.° 2 do artigo 120° do Código de Processo Penal, e tendo sido indeferido pela srª juíza de instrução o requerimento em que se solicitava a realização de outras diligências de prova, a decisão sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios que o presente recurso coloca só pode ser tomada com base nos elementos efectivamente recolhidos através das diligências realizadas no inquérito e na instrução.
Ora, destas, como o próprio recorrente parece admitir, não resultam indícios minimamente consistentes que permitam imputar ao arguido B. a alteração do registo do conta-quilómetros do veículo.
Na realidade, o anterior proprietário do veículo, que o tinha adquirido em Dezembro de 1998, afirmou que vendeu o veículo em causa ao arguido, em Julho de 2001, com cerca de 150.000 Kms (fls. 77). Ora, se o arguido vendeu esse mesmo veículo ao assistente em Agosto seguinte com 151.370 Kms, nada permite pensar que a alteração do registo da quilometragem tenha sido realizada pelo arguido nessa altura.
Também nada permite afirmar que o veículo apresentasse deficiências que tenham sido ocultadas ao assistente.
De facto, embora na queixa apresentada ele afirme que entre Agosto e Outubro de 2001 teve de despender na reparação do veículo 1.299,72 €, reconhece que lhe foi feito um desconto de cerca de 750 € como compensação pelas reparações a efectuar e que, por isso, subscreveu uma declaração em que dizia aceitar a viatura no estado em que se encontrava.
Ora, a diferença entre um e outro valor não é excessiva face à álea que a subscrição de uma tal declaração na compra de um veículo com perto de 10 anos de idade que não foi inspeccionado por uma pessoa para tal habilitada e que tinha tido anteriormente vários proprietários necessariamente comporta, álea essa que o assistente não podia ignora.
Seja como for, o certo é que, para além disso, não existe nos autos qualquer elemento que permita afirmar que o vendedor induziu em erro o comprador sobre o estado em que a viatura se encontrava.
Pelo exposto, e tal como sustenta o sr. procurador-geral-adjunto, o recurso interposto não pode deixar de ser considerado manifestamente improcedente.
10 – Uma vez que o assistente decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 515º, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre ½ e 15 UCs.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 UCs.
Para além disso, uma vez que o recurso foi considerado manifestamente improcedente, deve o recorrente, como medida dissuasória, pagar uma importância entre 3 e 10 UCs (nº 4 do artigo 420º do Código de Processo Penal).
Atendendo aos factores considerados na graduação da taxa de justiça e ainda ao grau de abuso do direito de recurso, julga-se adequado fixar essa importância no mínimo legal, ou seja, em 3 UCs.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) rejeitar o recurso interposto pelo assistente Vasco Manuel Bento David por ser manifestamente improcedente.
b) condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs.
c) condenar o assistente na sanção processual correspondente a 3 (três) UCs.
[1] Artigo 120°, n.° 2, alínea d), do Código de Processo Penal. [2] Artigo 262°, n.° 1, do Código de Processo Penal. [3] Artigo 286°, n.° 1, do Código de Processo Penal. [4] Que hoje se encontra sanada (artigo 120°, n.° 3, do Código de Processo Penal).