REGISTO CIVIL
CASAMENTO
NACIONALIDADE
Sumário

1 – Declarada a nulidade do registo de nascimento, como cidadã portuguesa, de pessoa nascida na Guiné – Bissau antes da sua independência, com fundamento em falsidade e ordenado o cancelamento do assento de nascimento da referida cidadã, facto este já averbado ao respectivo assento, não pode deixar de ser também declarada a nulidade por falsidade (por resultar da inscrição de facto que nunca se verificou – a conservação da nacionalidade do cônjuge mulher) do registo de aquisição de nacionalidade do marido daquela, com fundamento em casamento com nacional português e ordenado o consequente cancelamento do averbamento ao assento de nascimento deste.
2 – E não sendo este cidadão nacional português, deverá ser também cancelado o próprio assento de nascimento, uma vez que, de contrário, teria registo lavrado como português quando é certo que perdeu tal nacionalidade, nos termos do artigo 4º do DL. 308-A/75.

Texto Integral

            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

   O Exc.mo Magistrado do Ministério Público, ao abrigo do preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 36º, n.ºs 1,3 e 4 do DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, 229º e 233º e seguintes, do Código de Registo Civil e, ainda, 87º, al. as a) e b), 88º, al. c) e 91º, n.º 1, al. a) do mesmo código, instaurou a presente acção de “Justificação Judicial” para declaração de nulidade e cancelamento do registo de nascimento e de nacionalidade respeitantes a (A)
       Na Conservatória dos Registos Centrais, foi emitido douto parecer, no sentido de que deverá ser declarada a nulidade, por falsidade, (por resultar da inscrição de facto que nunca se verificou – a conservação da nacionalidade do cônjuge  mulher) do referido registo de aquisição de nacionalidade portuguesa e consequente cancelamento do averbamento n.º 2 ao assento de nascimento n.º 299-E-2 de 1994, desta Conservatória, respeitante a (A).

          O Requerido deduziu oposição, defendendo a validade do assento de nascimento e a manutenção da nacionalidade portuguesa, devendo, porém, mandar-se corrigir o assento de nascimento do requerido, para nele passar a constar que a nacionalidade portuguesa do requerido foi adquirida por naturalização.

            Cumpre decidir:
        Com interesse para a decisão da causa, relevam os seguintes factos:
            1º - Em 22 de Janeiro de 1992, foi lavrado na Conservatória dos Registos Centrais, sob o n.º 161-B, o registo de nascimento respeitante a (M), como portuguesa, por ser natural da Guiné e ter comprovado conservar a nacionalidade portuguesa por ascendência, nos termos do n.º 2 do artigo 1º do DL n.º 308-A/75, de 24 de Junho.
            2º - Em 19 de Abril de 1993, veio a mesma a celebrar casamento com (A), natural de São Tomé e Príncipe, o qual havia perdido a nacionalidade portuguesa por força do disposto no artigo 4º, por não se encontrar abrangido pelos artigos 1º e 2º, todos do referido DL n.º 308-A/75, de 24 de Janeiro.
            3º - Com fundamento no casamento, o mencionado (A) adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3º da Lei 37/81, de 3 de Outubro, conforme registo lavrado sob o n.º 399-F de 1994, averbado sob o n.º 2, ao seu assento de nascimento, transcrito na Conservatória dos Registos Centrais sob o n.º 299-E-2 de 1994.
            4º - Posteriormente, no âmbito do processo de justificação judicial n.º 12165/03, foi declarada a nulidade, com fundamento em falsidade, e ordenado o cancelamento do referido assento de nascimento de (M), por acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, facto este já averbado sob o n.º 3 ao respectivo assento.
            Direito:
         Depois da independência de cada um dos chamados “Territórios Ultramarinos”, conservaram a nacionalidade portuguesa os que reuniam os pressupostos de que dependia a conservação dessa nacionalidade, baseados na existência de «uma especial relação de conexão com Portugal ou inequívoca manifestação de vontade nesse sentido tal justifique[1]». E perderam a nacionalidade portuguesa os que, não reunindo esses pressupostos, adquiriram uma nova nacionalidade emergente do acesso à independência dos territórios ultramarinos de África.
E foi na data em que cada um daqueles territórios acedeu à independência que ficou esgotada a aplicação do DL 308-A/75, com a definição de quais eram as pessoas que, apesar de passarem a integrar o substrato habitacional do novo estado, continuariam a ter a nacionalidade portuguesa, o que lhes era facultado, atenta a sua especial conexão com Portugal, e quais as que a perdiam.
Revogado este diploma, as formas de atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa passaram a ser as gerais, ou seja a Lei 2.098 e, depois da revogação desta, a Lei 37/81.

   Como se referiu, a conservação e a perda da nacionalidade portuguesa das pessoas nascidas ou residentes, à data das respectivas independências, nos territórios ultramarinos tornados independentes, passaram a ser reguladas pelo citado Decreto – Lei n.º 308-A/75.
        Segundo a norma do n.º 2 do artigo 1 deste diploma, conservam a nacionalidade portuguesa os descendentes até ao terceiro grau de portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente, salvo se, no prazo de dois anos, a contar da data da independência, declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo incapazes, que não querem ser portugueses.
   Esta norma é aplicável somente quando a relação de filiação se encontra estabelecida antes da independência. Os efeitos da perfilhação efectuada depois são regulados nos termos da Base IX, da Lei n.º 2098[2].
            Com efeito, segundo o n.º 3 desta Base, “a perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade”.
         Na Lei da Nacionalidade actualmente em vigor, (a Lei 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei 25/94, de 19 de Agosto), a correspondente disposição está consignada no artigo 14º que, sob a epígrafe de “efeitos do estabelecimento da filiação” dispõe que “só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.
      Sucede que, em 22 de Janeiro de 1992, foi lavrado na Conservatória dos Registos Centrais, sob o n.º 161-B, o registo de nascimento respeitante a (M), como portuguesa, por ser natural da Guiné e ter comprovado conservar a nacionalidade portuguesa por ascendência, nos termos do n.º 2 do artigo 1º do DL n.º 308-A/75, de 24 de Junho.
            Em 19 de Abril de 1993, veio a mesma a celebrar casamento com (A), natural de São Tomé e Príncipe, o qual havia perdido a nacionalidade, por não se encontrar numa das situações abrangidas pelos artigos 1º e 2º do DL 308-A/75.
  Entretanto, com fundamento no casamento com a (M), então considerada cidadã portuguesa, adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo3º da Lei 37/81, de 3 de Outubro.
            Todavia, posteriormente, foi declarada a nulidade do registo de nascimento da (M), como cidadã portuguesa, com fundamento em falsidade e ordenado o cancelamento do referido assento de nascimento da referida (M), por acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, facto este já averbado sob o n.º 3 ao respectivo assento.
            Neste contexto, afastado o pressuposto legal de que o cônjuge mulher era nacional português à data da celebração do casamento, inexiste, igualmente, fundamento para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do marido, o dito (A).
            Donde, como corolário lógico, não pode deixar de ser declarada a nulidade, por falsidade, (por resultar da inscrição de facto que nunca se verificou – a conservação da nacionalidade do cônjuge mulher) do referido registo de aquisição de nacionalidade portuguesa e consequente cancelamento do averbamento n.º 2 do assento de nascimento n.º 299-E-2 de 1994, da Conservatória dos Registos Centrais, respeitante ao aludido (A), ao abrigo do disposto nos artigos 87º, alínea a), 88º, alínea c), 90º e 91º, n.º 1, alínea a), todos do CRC e ainda dos artigos 280º, 294º e 295º do Código Civil.
         E, não sendo o interessado nacional português, deverá ser também cancelado o próprio assento de nascimento n.º 299-E-2 de1994, uma vez que, de contrário, teria registo lavrado como português quando é certo que perdeu tal nacionalidade nos termos do artigo 4º do citado DL 308-A/75.

     Aliás, o requerido parece reconhecê-lo ao esclarecer que reúne todos os requisitos para adquirir a nacionalidade portuguesa por naturalização nos termos do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81) e, por via disso, ao requerer que não seja anulado o registo mas tão só “corrigido” o assento de nascimento n.º 299-E-2 de 1994 para nele constar que a nacionalidade foi adquirida por naturalização.
            A pretensão do requerido não pode, porém, proceder.
         Como se sabe, a aquisição de nacionalidade por naturalização não é automática, sendo corolário de um processo regulado nos artigos 15 e seguintes do DL 322/82, de 12 de Agosto.
E ainda que a favor do requerido possam militar circunstâncias especialmente favoráveis, nem por isso a aquisição da nacionalidade deixará de estar dependente de uma decisão administrativa a proferir pelo Ministro da Administração Interna.
            E, se nessa modalidade, lhe vier a ser concedida a nacionalidade nos termos pretendidos, proceder-se-á a nova transcrição do seu assento de nascimento, averbando-se a aquisição por naturalização, depois de lavrado o correspondente registo.

            Concluindo:
            1ª –Tendo decaído o pressuposto em que assentava a nacionalidade portuguesa da (M), nunca poderia o interessado mantê-la, com fundamento no casamento com essa mulher, então, suposta cidadã portuguesa.
            2ª – Daí que tenha de ser declarada a nulidade do registo de aquisição de nacionalidade n.º 399-F bem como do averbamento n.º 2 lavrado à margem do assento de nascimento n.º 299-E-2 de 1994.
            3ª – Por outro lado, devendo o requerido considerar-se estrangeiro, deverá igualmente ser cancelado o próprio assento de nascimento n.º 299-E-2, uma vez que a lei registral portuguesa apenas admite o ingresso de actos relativos a estrangeiros mediante autorização, depois de demonstrado legítimo interesse na transcrição, como decorre do n.º 4 do artigo 6º do CRC, circunstancialismo não observado no caso em apreço.

            Decisão:
  Pelo exposto, julgando-se a acção procedente e provada, decide-se declarar a nulidade do registo de aquisição de nacionalidade n.º 399-F e consequente cancelamento do averbamento n.º 2 ao assento de nascimento n.º 299-E-2 de 1994 e, não sendo o interessado nacional português, ordena-se o cancelamento do próprio assento de nascimento n.º 299-E-2, respeitante a (A).

            Custas pelo requerido.



            Lisboa, 13 de Outubro de 2005.

            Granja da Fonseca
            Alvito de Sousa
            Pereira Rodrigues
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[1] Preâmbulo do citado Decreto – Lei.
[2] Cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 152/76, 27 de Janeiro de 1977, publicado no BMJ 274,23 e seguintes.