CONDOMÍNIO
REPARAÇÕES URGENTES
ADMINISTRAÇÃO
DEFEITO DA OBRA
Sumário

I- As reparações urgentes nas partes comuns podem ser levadas a efeito por iniciativa de qualquer condómino (artigo 1427º do Código Civil).
II- A existência de impedimento do administrador afere-se em função do respectivo grau de urgência.
III- A obrigação do condomínio proceder a reparações indispensáveis e urgentes é obrigação propter rem cujo incumprimento está sujeito ao regime geral das obrigações.
IV- O pagamento das reparações efectuadas pelo condómino em partes comuns nos termos do artigo 1427º do Código Civil funda-se no incumprimento dessa obrigação.
V- Isso não significa que pelos prejuízos resultantes dos defeitos de construção que determinaram a necessidade de reparações indispensáveis e urgentes não seja responsável o construtor que não haja procedido à imediata reparação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1. Rui… e Maria… intentaram acção declarativa contra I…Ldª e o Condomínio do Prédio sito… entretanto representado pelos seus administradores, pedindo, no que toca ao condomínio, a sua condenação no pagamento da quantia de € 2246,84.

2. Alegaram os AA que, por causa de uma fenda existente na parede exterior do edifício, se verificou infiltração  de água no seu quarto de dormir, chegando a pingar água na cama dos AA.

3. Os AA, ocorridas as primeiras infiltrações, colocaram o problema ao administrador mas não houve qualquer atenção para o caso nem por parte da assembleia de condómino nem da administração.

4. Assim, os AA, dada a urgência da obra, pois a fissura colocava em causa a habitabilidade da fracção, efectivaram por sua conta as obras necessárias, ou seja, tapar a racha com massa acrílica, aplicando duas camadas de isolamento, pintando com tinta de membrana com intervenção de uma grua de 27 metros e o trabalho de dois homens:  ver 18, 30, 33.

5. Invocaram ainda os AA., a título subsidiário, o enriquecimento sem causa do condomínio que se locupletou com tal montante pois teria de despender igual quantia para efectivar a referida obra.

6. A  acção foi julgada procedente quanto à 2ª Ré (improcedeu, quanto à primeira ré, mas não está aqui em causa a discussão das razões de improcedência do outro pedido formulado pelos AA) que foi condenada a pagar aos AA uma indemnização em montante a liquidar em execução de sentença visto que a medida de tal indemnização resulta do custo da reparação efectuada (€ 2.246,84) deduzida a quantia que os AA teriam de suportar na medida do encargo da respectiva fracção.

7. A Ré recorreu da decisão concluindo no sentido de que na propriedade horizontal o condomínio não é responsável por defeitos de construção ainda que tais defeitos se localizem nas partes comuns;  o administrador tem o dever de verificar a existência de defeitos de construção nas partes comuns, denunciá-los ao construtor e exigir, ainda que judicialmente, a eliminação de tais defeitos; actua no interesse do condomínio o administrador que requer perante as entidades camarárias uma vistoria ao prédio sobre defeitos de construção e demanda judicialmente o construtor para elimianr os defeitos; as obrigações do condomínio eram: verificar a existência de defeitos nas partes comuns; denunciar ao construtor os defeitos existentes; e pedir a sua eliminação recorrendo, se necessário, aos meios judiciais. Cumpridas tais obrigações não se pode falar que houve qualquer acção ou omissão que pudesse lesar os interesses dos autores. Os prejuízos dos AA foram provocados pelos defeitos de construção e não pela falta de reparação por parte do condomínio e, por isso, não existe um nexo de causalidade entre o comportamernto do condomínio e o prejuízo dos AA; não se verifica o enriquecimento sem causa por parte do condomínio se a eliminação de defeitos de construção é realizada por um condómino em vez de o ser pelo construtor.

8. Assim, conclui a ré, mostram-se desrespeitados os artigos 473º, 483º, 1427º e 1436º do Código Civil.

9. Não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem se justificando qualquer alteração, remete-se para os termos da decisão de 1º instância que decidiu aquela matéria.

Apreciando:

10. A questão essencial a resolver é a de saber se o condomínio é responsável pelo pagamento da reparação levada a efeito por um dos condóminos na parte comum do edifício.

11. A disposição que interessa ao caso é o artigo 1427º do Código Civil que diz:

12. As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício  podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer dos condóminos.

13. De acordo com os factos provados, os AA, que são proprietários  do 5ºEsq do referenciado prédio, local de sua habitação permanente, passaram a sofrer infiltrações de água no quarto de dormir, pingando água na cama, causadas pela existência de uma fenda vertical na parede exterior do prédio.

14. Os AA dirigiram aos administradores do condomínio duas cartas na última das quais, face ao decurso do tempo e inactividade do condomínio, informavam que iriam proceder eles próprios à reparação da referida fissura.

15. Não foi questionado na presente acção que a reparação efectuada não assumisse natureza urgente.

16. De igual modo não se questiona o impedimento da administração.

17. Quer isto dizer que, face a uma tal situação, a administração não estava impedida de proceder à aludida reparação sendo certo que “ a urgência da reparação é o diapasão pelo qual se mede a legitimidade da intervenção do condómino não administrador...sendo em função do grau dessa urgência que inclusivamente se determinará a existência de impedimento do administrador” (Código Civil Anotado, Antunes Varela e Pires de Lima, 2ª edição, pág 437).

18. Podem configurar-se situações em que haja comprovada urgência e o administrador decida não actuar ou porque considera a obra não urgente ou porque esse foi o entendimento da assembleia de condóminos.

19. É claro que em tais situações, efectivada a obra pelo condómino, o reembolso do custo da reparação vai depender igualmente da questão de saber se a obra era ou não justificadamente urgente.

20. Já se pode suscitar a dúvida sobre se o condómino tem direito ao recebimento do que despendeu no caso em que se decidiu antecipar à administração na realização de obra, que a administração havia decidido efectuar, por não querer aguardar mais algum tempo.

21. Admitindo-se que a urgência da obra não impusesse uma reparação em curtíssimo prazo - bem se podendo aguardar mais algum tempo (necessário, por exemplo, para que a administração consultasse empreiteiros procurando preço mais favorável) - o condómino, em tal circunstância, teria porventura direito ao recebimento da quantia a apurar em função das regras do enriquecimento sem causa, já não com base no âmbito do artigo 1427º do Código Civil.

22. Muito embora a lei não o diga expressamente “resulta do regime da propriedade horizontal o dever de os condóminos comunicarem imediatamente ao administrador a necessidade de reparações urgentes” (A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, Sandra Passinhas, Almedina, 2000, pág 314), actuação aqui assumida pelos AA, não se justificando, assim, pronunciarmo-nos sobre se, inobservada tal actuação, podem ou não os condóminos exigir o pagamento de obra que levaram a cabo com base ainda no artigo 1427º do Código Civil ou apenas com base nas regras do enriquecimento sem causa.

23. Tem-se sublinhado que “ a prudência aconselha a efectivar a obra - reparação necessaria - através da assembleia de condóminos ou do administrador, para evitar possíveis discussões sobre a qualificação de urgente e sobre a eventualidade de não poder exigir dos outros condóminos a parte respectiva, sem ser através da acção de enriquecimento sem causa” (Da Propriedade Horizontal, Francisco Pardal e Dias da Fonseca, Coimbra Editora, 3ª edição, pág 196) mas, para tanto, “ não carece esse condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com essa autorização” (A Propriedade Horizontal no Código Civil, Rui Vieira Miller, Almedina, 1998, pág 230).

24. Os recorrentes consideram que não são responsáveis pela existência da fissura, derivada de defeito de ocnstrução, pelo qual deve ser responsabilizado o construtor/vendedor.

25. De igual modo referem que os prejuízos sofridos pelos AA resultam do assinalado defeito de construção e não da omissão de reparação por parte do condomínio.

26. Assim também nos parece.

27. No entanto, nesta acção o condomínio não foi demandado por se considerar responsável pelo aludido defeito de construção.

28. E também não é demandado dele se reclamando indemnização por prejuízos derivados da omissão de reparação da aludida fenda na parte comum do edifício.

29. Assim sucederia se os AA pedissem ao condomínio indemnização pelos prejuízos sofridos em bens próprios resultantes de infiltrações de água provindas da fenda com o argumento de que tais prejuízos se verificaram por não terem sido efectuadas em período breve as obras de reparação.

30. Seria então caso para nos interrogarmos se o condomínio podia ser co-responsabilizado pelos danos que afinal encontravam a sua causa num defeito de construção que impunha ao construtor/vendedor a sua reparação imediata de modo a não originar prejuízos.

31. A circunstância de a lei facultar ao administrador (artigo 1436º,alínea f) do Código Civil) proceder às reparações necessárias, tal como nas condições a que alude o artigo 1427º permite ao condómino proceder ele próprio a tais reparações, não exime o responsável pelos defeitos do dever de reparação e bem assim da consequente responsabilidade que advenha pela falta de reparação em tempo útil.

32. Não é, portanto, na base do instituto da responsabilidade civil extracontratual que se funda, no caso em apreço, o direito dos AA obterem da ré o pagamento daquilo que despenderam com a obra de reparação, antes nos encontramos face a uma obrigação propter rem que impende sobre o condomínio e que é a de proceder às reparações indispensáveis e urgentes verificadas nas partes comuns do edifício.

33. Estamos face a obrigação em que a vinculação do sujeito passivo se dá não por via de um contrato, mas em razão da titularidade de um determinado direito real.

34. Ora, assim sendo, a responsabilização da ré perante os AA, que procederam às reparações indispensáveis respeitando os pressupostos ditados pelo artigo 1427º do Código Civil, encontra o seu fundamento em tal obrigação ex lege e não na mera omissão ilícita do dever de reparação como se estivessemos no plano da responsabilidade civil extracontratual.

35. No entanto, isso não significa que as obrigações propter rem não sejam estruturalmente verdadeiras obrigações aplicando-se em caso de incumprimento as regras do regime geral das obrigações e assim se justificando, se for o caso, a utilização da faculdade da exceptio non adimpleti contractus: ver Ac. da Relação do Porto de 1-4-      -1993 (Carlos Matias) C.J.,2, pág 201/203.

36. Resulta do exposto que a ora recorrente não foi demandada para pagamento aos AA de prejuízos por eles sofridos em consequência da omissão do dever de reparação da fenda existente em parede comum do imóvel, caso em que se aplicariam as regras constantes da responsabilidade civil contratual dada a violação de uma obrigação propter rem à qual o condomínio se encontra vinculado ( artigos 1430º, 1436º,alínea f), 562º e seguintes, 798º, 799º todos do Código Civil);  não, a recorrente foi demandada para pagamento ao condómino que fundadamente (dada a verificação dos pressupostos constantes do artigo 1427º do Código Civil) procedeu a suas expensas à reparação de uma fenda em parte comum do edifício, obra que a administração estava obrigada a realizar.


Decisão: nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente


Lisboa, 3 de Novembro 2005


(Salazar Casanova)

(Silva Santos)

(Bruto da Costa)