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LOCAÇÃO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
CONDOMÍNIO
DIREITO DE REGRESSO
Sumário
As despesas efectuadas com obras gerais de conservação/manutenção directamente relacionadas com o imóvel arrendado, como sejam as que ocorrem na «caixa» de esgoto existente mesmo por baixo da sanita da casa de banho da loja arrendada enquadram-se no dever do locador de assegurar ao locatário o gozo do bem arrendado para o fim a que se destina, e por isso só daquele podem ser exigidas, sem prejuízo do direito de regresso que, posteriormente, lhe assiste relativamente aos restantes condóminos.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃO CÍVEL:
I.
Cristal ……., S.A., intentou, no tribunal judicial de Cascais, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
Alvaro …… e Silva e Maria de ……….,
pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de Esc. 2.434.352$00 e juros.
Alega que é arrendatária da ré, no local do seu domicílio, tendo havido uma ruptura nos canos de esgoto do prédio, que obrigou a obras de reparação e motivou o encerramento do locado por um mês, sofrendo prejuízos com o mesmo.
Os réus contestaram, alegando que não foram informados da situação, desconhecendo os factos, sendo que o entupimento dos canos é da responsabilidade da autora, que neles despejou detritos, sendo sempre as obras da responsabilidade do condomínio, por se tratar de canalização comum do edifício.
A autora replicou.
II.
Após saneamento do processado, fixou-se a base instrutória e procedeu-se a julgamento.
III. Consideraram-se provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de 20 de Junho de 1995, os réus deram de arrendamento à autora, para esta aí exercer o comércio, a fracção autónoma designada pela letra "..", correspondente à loja sita na cave esquerda do lote … do prédio urbano sito na Rua ……., na Parede….
2. A autora sempre pagou a renda respectiva, e os aumentos que lhe foram exigidos.
3. No dia 13 de Janeiro de 1997, a loja arrendada começou a exalar um cheiro nauseabundo que incomodava não só os trabalhadores da autora como também os clientes que frequentavam tal loja.
4. Tal cheiro era de maior intensidade na casa de banho da loja, pelo que, atribuíram tal facto à existência no local de uma fossa ou caixa de esgoto.
5. No dia seguinte, 14 de Janeiro, logo pela manhã, começou a sair um liquido viscoso pelas juntas da parte inferior da sanita com um cheiro muito intenso, pelo que o procurador da autora, temendo um entupimento na caixa de esgoto, chamou um canalizador a fim de se inteirar de que problema se tratava e quais os perigos que daí poderiam advir para a coisa locada.
6. Retiraram então a sanita do seu local e constataram que a caixa de esgoto que se situava debaixo da mesma se encontrava completamente entupida devido à acumulação de detritos provenientes das canalizações, entre outros, sacos de plástico e pensos higiénicos.
7. Procurou então o canalizador, com a ajuda de alguns funcionários da autora desentupir a referida caixa de esgoto manualmente, retirando daí enormes quantidades de lixo e detritos, ao todo dez baldes de água com detritos.
8. Perante tal situação e temendo o perigo de agravamento do entupimento, e consequentemente inundação do locado com as descargas dos autoclismos do prédio, a autora através do seu procurador, eng. Victor….a, procurou de imediato, contactar telefonicamente com os réus a fim de lhes comunicar tal situação e pedir-lhes que tomassem as providencias necessárias por forma a assegurar o normal funcionamento da, caixa do esgoto.
9. Sucede, porém, que, apesar de insistentemente ter procurado contactar telefonicamente com os senhorios, ora réus deixando-lhe vários recados, nada conseguiu.
10. Prosseguindo os trabalhos de desentupimento no dia seguinte, 15 de Janeiro de 1997.
11. Ainda nesse dia, os canalizadores detectaram também entupimento em duas caixas de esgoto na loja contígua com a da autora, as quais, por fazerem ligação com as caixas sitas na loja da autora, também foram alvo de desobstrução por parte desta.
12. No manhã do dia 15 a autora procurou estabelecer contacto telefónico com os senhorios, sem sucesso, por essa razão foi enviado o fax aos senhorios de teor idêntico ao de fls. 18 e carta registada para a administração do condomínio, cujo teor consta de fls. 18.
13. O réu marido tomou conhecimento do fax, pelo menos, no dia 16.
14. Em 16 de Janeiro de 1997, os SMAS, a pedido do procurador da autora, compareceram no locado para procederem ao desentupimento da caixa.
15. Os funcionários dos referidos serviços iniciaram a operação de desentupimento, utilizando varetas apropriadas para o efeito, mas nada conseguiram, pelo que alvitrou-se a hipótese de existirem mais caixas de esgoto na loja as quais estabeleceriam a ligação entre as canalizações do prédio e o esgoto público, cuja localização era desconhecida da autora.
16. O réu marido enviou à autora o fax cujo teor consta de fls. 20.
17. A autora contratou com a empresa de construção civil o levantamento do chão, o que foi efectuado.
18. Dada a natureza dos trabalhos, a autora viu-se obrigada a interromper a sua actividade comercial no locado.
19. Foi levantado parte do chão, partido o chão em cimento e abertas valas ao longo da loja a fim de se localizar as caixas de esgoto.
20. À medida que se iam descobrindo mais caixas num total de quatro, constatava-se que todas elas se encontravam entupidas e as linhas gerais do esgoto estavam partidas em diversos lados.
21. O esgoto estava neutralizado, não tinha corrente e estava a fazer fossa no locado.
22. Foram cheios contentores com detritos e entulhos. Os detritos produziam gás.
23. O escritório da autora esteve sem funcionar um mês e foi retirado parte do recheio e transferidos os funcionários para que se levasse a cabo a obra.
24. Com as obras a autora despendeu as quantias descriminadas na factura de fls. 54, perfazendo o montante total de Esc. 934.886$00.
25. Os réus trataram imediatamente junto do administrador do condomínio para que fosse tomada uma solução urgente, tendo este convocado uma assembleia de condóminos para 1 de Fevereiro seguinte.
26. O prédio tem vinte ou trinta anos e nunca a caixa de esgotos deu problema.
IV.
Face a tais factos, julgou-se a acção parcialmente procedente e condenaram-se os réus a pagarem à autora a quantia equivalente a Esc. 934.886$00 (novecentos e trinta e quarto mil e oitocentos e oitenta e seis escudos), acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento.
V.
Desta decisão recorrem agora os RR. pretendendo a sua revogação, porquanto:
1. As obras a realizar eram no colector de esgotos do prédio constituído em propriedade horizontal, ou seja, numa parte comum do mesmo.
2. O art. 12° do R.A.U. não pode ter o sentido de obrigar o senhorio, neste caso os réus, de fracção autónoma arrendada a fazer obras de conservação ordinária em parte comum do prédio, porque isso iria conflituar com o que se estabelece no art. 1424° do C.Civil para a propriedade horizontal.
3. Os réus não estavam obrigados, nem podiam fazer obras no colector de esgotos, ou sej a, numa parte comum do prédio.
4. Tal responsabilidade, como também se reconhece na sentença, pertence exclusivamente ao condomínio.
5. Realizadas as obras pelo inquilino não são os recorrentes senhorios responsáveis pelo pagamento das mesmas, uma vez que também não eram responsáveis nunca pela sua realização.
6. Sempre e de qualquer modo, tendo o inquilino pedido o pagamento da quantia de Esc. 2 434 352$00 e tendo o tribunal apenas reconhecido o direito a Esc.934 886$00, os juros de mora são a partir da sentença e não da citação.
7. Com efeito, trata-se crédito ilíquido que só se tornou liquido com a sentença, sendo que a falta de liquidez não resultou do facto imputável ao devedor ( os RR), nem se trata de impossibilidade por facto ilícito ou pelo risco.
8. Deve a sentença em revogação, absolvendo-se os RR. do pedido.
9. Foram violadas as seguintes normas:
- Art. 12° R.A.U. e 1424° do C.Civil, na medida em que, não obstante a sentença considerar que o condomínio é que é o responsável, acabou no fim, contraditoriamente, por considerar um condómino, como se fosse ele o responsável por obras em partes comuns.
- Art. 805° n°3 do C.Civil, que só permite a condenação no pagamento de juros quando o crédito é liquido (e o dos autos não era) ou se ilíquido, se a falta de liquidez for da responsabilidade do devedor, ou tratar-se de responsabilidade por factos ilícito ou pelo risco (o que não é o caso).
Não foram apresentadas contra alegações.
VI.
É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões contidas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 684. 3 e 690.1 do CPC.
Assim, tendo presente as conclusões das alegações supram referidas, pode resumir-se o objecto do recurso:
São ou não de imputar aos apelantes as obras descritas e, consequentemente, o respectivo custo;
Na afirmativa, os juros moratórios serão devidos desde quando?
VII.
A decisão em causa entendeu responsabilizar os apelantes, uma vez que …«são os réus os responsáveis pelos prejuízos em questão e pelas reparações efectuadas, no âmbito da relação de arrendamento, restando aos réus o exercício do direito de regresso sobre o condomínio que, obviamente, lhes assiste…».
O cerne da questão centra-se em saber se as obras realizadas pela R., foram ou não feitas em parte comum do prédio pertencente ao condomínio
Atente-se na matéria de facto provada:
No dia 13 de Janeiro de 1997, a loja arrendada começou a exalar um cheiro nauseabundo que incomodava não só os trabalhadores da autora como também os clientes que frequentavam tal loja.
Tal cheiro era de maior intensidade na casa de banho da loja, pelo que, atribuíram tal facto à existência no local de uma fossa ou caixa de esgoto.
No dia seguinte, 14 de Janeiro, logo pela manhã, começou a sair um liquido viscoso pelas juntas da parte inferior da sanita com um cheiro muito intenso, pelo que o procurador da autora, temendo um entupimento na caixa de esgoto, chamou um canalizador a fim de se inteirar de que problema se tratava e quais os perigos que daí poderiam advir para a coisa locada.
Retiraram então a sanita do seu local e constataram que a caixa de esgoto que se situava debaixo da mesma se encontrava completamente entupida devido à acumulação de detritos provenientes das canalizações, entre outros, sacos de plástico e pensos higiénicos.
Procurou então o canalizador, com a ajuda de alguns funcionários da autora desentupir a referida caixa de esgoto manualmente, retirando daí enormes quantidades de lixo e detritos, ao todo dez baldes de água com detritos.
Dada a natureza dos trabalhos, a autora viu-se obrigada a interromper a sua actividade comercial no locado.
Foi levantado parte do chão, partido o chão em cimento e abertas valas ao longo da loja a fim de se localizar as caixas de esgoto.
À medida que se iam descobrindo mais caixas num total de quatro, constatava-se que todas elas se encontravam entupidas e as linhas gerais do esgoto estavam partidas em diversos lados.
O esgoto estava neutralizado, não tinha corrente e estava a fazer fossa no locado.
Foram cheios contentores com detritos e entulhos. Os detritos produziam gás.
VIII.
De acordo com o art. art. 1421º do C.C. - Partes comuns do prédio – estabelece-se que são comuns as seguintes partes do edifício:
…………..
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.
………………….
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3. O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.
Deve assim considerar-se que, "são comuns todos os ramais principais de esgotos e que, como em geral aquelas instalações, são montadas por ramais verticais que depois dão derivações para as fracções, é frequente falar-se que são comuns as prumadas dessas instalações" [1].
As obras em causa ocorreram na «caixa» de esgoto existente mesmo por baixo da sanita da casa de banho da loja em questão, já que esta estava completamente entupida devido à acumulação de detritos provenientes das canalizações.
Não se trata, assim, de ramais gerais de esgoto e, muito menos, que dele derivassem ramais verticais para as fracções.
Pelo contrário, a caixa de esgoto e a derivação deste apenas está afecta à loja em questão e assim sendo não pode qualificar-se como parte comum.
IX.
De facto, o direito da A. “Cristal ……..” funda-se numa relação locatícia, de arrendamento, completamente estranha à relação de condomínio, não evidenciando os autos qualquer estipulação contratual de sentido inverso.
Daí que as despesas efectuadas com obras gerais de conservação/manutenção directamente relacionadas com o imóvel arrendado e supra descritas enquadram-se no dever do locador de assegurar ao locatário o gozo do bem arrendado para o fim a que se destina, só daquele podem ser exigidas, sem prejuízo do direito de regresso que, posteriormente, lhe assiste relativamente aos restantes condóminos.
XI. E quanto ao pagamento dos juros?
Face ao art. 805º do CPC - momento da constituição em mora -
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
Uma obrigação não é ilíquida quando a sua determinação não depende da prévia e controvertida averiguação. A condenação no pagamento de uma soma de dinheiro, embora inferior à do pedido inicialmente formulada em quantia certa correspondente à importância da dívida accionada não altera a liquidez da obrigação, ficando, por isso o devedor em mora, obrigado ao pagamento dos respectivos juros desde a citação da acção. [2]
Assim, improcedem todas as conclusões das alegações dos apelantes o que determina a improcedência do recurso.
XII. Deste modo e, por todo o exposto, na improcedência da apelação mantém-se a decisão impugnada.