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DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
Sumário
I. O DL n.º 384/88, de 25/10, alargou o direito de preferência sobre prédios rústicos confinantes, nomeadamente àqueles que tivessem uma área superior à unidade de cultura. II. Para o exercício do direito de preferência, é necessário que um dos prédios confinantes tenha uma área inferior à unidade de cultura.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:I. RELATÓRIO
(E) e mulher, (MJ), instauraram, em 12 de Julho de 1999, no 1.º Juízo da Comarca da Lourinhã, contra (J) e mulher, (MR), (C), (L), (TO), (H) e (JF) e marido, (N), acção declarativa, que viria a seguir a forma de processo ordinário, pedindo que lhes fosse reconhecido o direito de preferência na alienação do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã, sob o n.º 452/151190 (Vimeiro).
Para tanto, alegaram, em síntese, que, sendo proprietários do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã, sob o n.º 13 819, fls. 13v., do Livro B-36, que confina a poente com o prédio anteriormente referido, gozam do direito de preferência, nos termos do art.º 1380.º do Código Civil conjugado com o art.º 18.º do DL n.º 384/88, de 25 de Outubro, na alienação, outorgada por escritura de 20 de Abril de 1999, entre os cinco primeiros RR. e os 6.º s, pelo preço de 10 000 000$00.
Citados os RR., contestaram apenas os RR. (N) e mulher, com o benefício do apoio judiciário na sua máxima amplitude, alegando que os AA. tomaram conhecimento do negócio, designadamente em Setembro de 1998, tendo renunciado ao exercício do direito de preferência, que, além disso, também caducou, nos termos do disposto no art.º 416.º, n.º 2, do CC. Subsidiariamente, para o caso de procedência da acção, deduziram ainda reconvenção, pedindo que os Autores fossem condenados a pagar-lhes a quantia de 1 192 698$00, a título de benfeitorias, entretanto, realizadas no prédio.
Replicaram os AA., impugnando as benfeitorias.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 21 de Outubro de 2004, a sentença, que julgou a acção improcedente.
Inconformados, apelaram os Autores, que, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:
a) Os prédios são ambos para cultura agrícola e são confinantes. b) Para o exercício da preferência não é necessário que qualquer deles tenha área inferior à unidade de cultura. c) Desde a entrada em vigor do DL n.º 384/88, de 25 de Outubro, que, pelo seu art.º 18.º, n.º 1, foi abolido o requisito da unidade de cultura como área mínima de qualquer dos prédios para os proprietários exercerem a preferência. d) Os RR. que contestaram a acção nunca alegaram a falta desse requisito. e) A sentença recorrida violou o disposto no art.º 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88.
Pretendem, com o provimento do recurso, a revogação da sentença e que lhes seja reconhecido o direito de preferência.
Contra-alegaram os RR. (N) e mulher, no sentido de ser mantida a sentença recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, discute-se essencialmente o exercício do direito de preferência na venda de um prédio rústico por parte do proprietário de outro prédio rústico confinante.
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. Os AA. são donos do prédio rústico, denominado “Casal da Falda”, constituído por terra e vinha, sito na freguesia do Vimeiro, concelho da Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã, sob o n.º 13 819, a fls. 13v., do Livro B-36.
2. Esse prédio confina, a poente, com o prédio rústico denominado “Casal da Falda”, constituído por terra de semeadura, árvores de fruto e pinhal, com a área de 26 360 m2, sito na freguesia do Vimeiro, concelho da Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã, sob o n.º 452/151190 (Vimeiro).
3. Por escritura pública, outorgada em 20 de Abril de 1999, no Cartório Notarial da Lourinhã, os cinco primeiros RR. declararam vender o prédio referido em 2. aos 6.º s RR., que declararam comprá-lo, pelo preço de 10 000 000$00, declarando ainda os primeiros já terem recebido tal valor.
4. Por isso, a R. (JF) procedeu ao pagamento da quantia de 800 000$00, a título de sisa.
5. As despesas notariais com a escritura referida ascenderam a 96 000$00.
6. (AR), na qualidade de dono do prédio rústico, denominado “Casal da Falda”, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã, sob o n.º 374 (Vimeiro), emitiu e assinou a declaração de fls. 29, declarando renunciar ao direito de preferência que lhe assistia na referida venda.
7. Os cinco primeiros RR. não comunicaram aos AA. o propósito de venderem o prédio referido aos 6.º s RR., nem nenhum dos RR. lhes comunicou tal venda, após a celebração da escritura.
8. No decurso de 1997, os AA., como não falavam com os cinco primeiros RR., pediram a um vizinho e amigo, de nome Granja, que abordasse os RR. (J) e (MR), no sentido de saber qual o preço que pretendiam pela venda do referido prédio, uma vez que estavam interessados na sua aquisição.
9. O referido Granja informou tais Réus que os Autores ofereciam pelo prédio 4 000 000$00, valor sujeito a contra proposta.
10. O A. referiu ao R. (N) que chegara a oferecer 4 000 000$00 pelo prédio referido, mas que os vendedores pediam um preço pelo qual não estava interessado, isto antes dos RR. (N) e mulher ocuparem o mesmo.
11. Estes últimos ocupam o prédio desde Fevereiro de 1999.
12. Após terem passado a ocupar o prédio, os RR. (N) e mulher deslocavam-se ali quase diariamente, conversando com pessoas residentes no Casal da Falda, passando a ser reconhecidos no local como donos do prédio.
13. Entre Fevereiro e Julho de 1999, os RR. (N) e mulher procederam a operações de limpeza e terraplanagem no prédio, tendo recorrido aos serviços profissionais de (LM), a quem pagaram, por tais serviços, a quantia de 470 925$00.
14. Recorreram ainda aos serviços profissionais de (V), a quem pagaram, pelas manilhas utilizadas, serviço de máquina giratória e retroescavadora, a quantia de 476 073$00.
15. Utilizaram também os serviços profissionais de “Estuveda”, de (AMG), a quem pagaram, pela vedação parcial do terreno, com muro de suporte de postes de madeira tratada e rede de arame plastificado, a quantia de 1 711 125$00.
16. Procederam ainda à implantação no prédio de uma estufa.
2.2. Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa agora conhecer do objecto do recurso, circunscrito pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi já posta em relevo.
Na sentença recorrida, entendeu-se, para julgar a acção improcedente, que os apelantes não lograram fazer a prova dos pressupostos consagrados no art.º 1380.º do Código Civil, nomeadamente que o prédio confinante tinha uma área inferior à respectiva unidade de cultura, facto que nem sequer fora alegado.
Com a acção instaurada, os apelantes pretenderam exercer o direito de preferência sobre a compra e venda de um prédio rústico, com fundamento no disposto nos art.º s 1380.º do Código Civil e 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25 de Outubro.
Dispõe o referido art.º 18.º, n.º 1:
“Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art.º 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
Por sua vez, estipula o art.º 1380.º, n.º 1, do Código Civil: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Nos termos da norma do Código Civil, o direito de preferência era atribuído a favor dos proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura.
O DL n.º 384/88 veio alterar o âmbito do direito de preferência, alargando-o, ao concedê-lo aos proprietários de terrenos confinantes, ainda que a sua área fosse superior à unidade de cultura. Teve-se em vista, como consta do respectivo preâmbulo, o progresso da agricultura portuguesa, de modo a aumentar a sua produtividade, obstando à fragmentação e dispersão da propriedade.
Mas se o objectivo foi propiciar a extinção progressiva dos minifúndios sem incentivar a criação de grandes latifúndios, tem-se entendido, e bem, que o alargamento do direito de preferência se limita aos casos em que apenas um dos terrenos confinantes tenha uma área superior à unidade de cultura.
Sendo o direito de preferência recíproco, ficam pois em igualdade, justamente, os proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura com os de terrenos de área superior, conseguindo-se o propósito legal, independentemente de quem venha a exercer o direito de preferência.
Neste sentido, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, t. 3, pág. 64. Também o acórdão da Relação de Évora, de 7 de Julho de 1992 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, t. 4, pág. 298), baseando-se num parecer de Antunes Varela, citado largamente, se pronunciou no sentido que vimos descrevendo.
Já o acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de Março de 1992 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, t. 2, pág.39), entende que o terreno alienado deve ter uma área inferior à da unidade de cultura, seguindo o parecer de Henrique Mesquita, que se encontra publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, t. 2, pág. 35.
Com este entendimento, estar-se-ia a repristinar o regime fixado na Base VI da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, diploma que foi, expressamente, revogado pelo art.º 25.º do DL n.º 384/88, quando é certo também que o legislador pretendeu ir mais longe, depois de ter verificado que os resultados conseguidos, com o regime jurídico de 1962, foram “demasiado modestos”.
Nestes termos, não vinga a principal alegação dos apelantes de que, para o exercício do direito de preferência, não é necessário que qualquer dos prédios confinantes tenha uma área inferior à unidade de cultura.
A referência feita no art.º 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, para o art.º 1380.º do Código Civil, tem necessariamente o alcance de que um dos prédios confinantes deve ter uma área inferior à unidade de cultura, sendo certo ainda que o legislador teve como preocupação, ao estabelecer o novo regime de emparcelamento rural, os “elevados graus de fragmentação e dispersão” da propriedade rústica.
No caso vertente, face às características dos terrenos, onde se inclui a cultura predominante, foram os mesmos classificados como sendo terrenos de regadio, com cultura arvense, classificação que não vem impugnada e que se apresenta como adequada.
Nessas condições, e conforme resulta da Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, a unidade de cultura fixada para a região para tal tipo de terrenos corresponde a dois hectares.
Sendo assim, para o exercício do direito de preferência sobre o prédio alienado, importava que um dos terrenos contíguos tivesse uma área inferior a dois hectares.
Resultando provado que o prédio sobre o qual se pretende exercer o direito de preferência tem a área de 26 360 m2, isto é, superior à unidade de cultura, era essencial, para o efeito pretendido, que se demonstrasse que o outro prédio confinante tinha uma área inferior a dois hectares.
Trata-se, como antes se viu, de um requisito legal, para o exercício do direito de preferência, não estando o tribunal, designadamente na aplicação do direito, dependente da alegação das partes (art.º 664.º do Código de Processo Civil).
Por isso, é irrelevante que os apelados que contestaram a acção não tivessem alegado a falta desse requisito, como argumentam os apelantes.
Ora, como se refere na sentença recorrida, os apelantes nem sequer alegaram o respectivo facto na petição, que era essencial, dado o mesmo ser constitutivo do direito invocado na acção.
Ao contrário do que alegam os recorrentes, a certidão do registo (fls. 21 a 23), junta pelos mesmos, também não comprova a área do seu prédio, porquanto nem sequer se lhe refere.
Por outro lado, importa ainda frisar que, durante o julgamento, não era possível fazer uso do poder previsto na al. f) do n.º 2 do art.º 650.º do Código de Processo Civil, em virtude da omissão completa da alegação do respectivo facto.
Nestas condições, não tendo os apelantes alegado e demonstrado que o seu prédio tivesse uma área inferior à respectiva unidade de cultura, o direito de preferência sobre o prédio alienado não lhes podia ser reconhecido (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Deste modo, não se mostra que a sentença recorrida tenha violado o art.º 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25 de Outubro, carecendo o recurso de fundamento.
2.3. Os apelantes, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Ao patrono dos apelados são devidos os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
2) Condenar os recorrentes no pagamento das custas.
3) Atribuir ao patrono nomeado os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
Lisboa, 24 de Novembro de 2005
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)