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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIANÇA
CLÁUSULA
NULIDADE
Sumário
I - É nula a cláusula do contrato de arrendamento pela qual o fiador se constitui na obrigação de garante para além do prazo de cinco anos previsto no art. 655º, nº2, do C.Civil, sem que um novo prazo seja definido.II - Pese embora se haja inicialmente estipulado que a fiança prestada subsistiria mesmo depois de decorrido o prazo legal, deve considerar-se aquela extinta se, decorridos mais de 5 anos, após a data da primeira prorrogação da vigência do arrendamento, não veio a ser fixado qualquer novo prazo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. (M) propôs, contra Café A Chicara, Lda, e (J), acção seguindo forma sumária, distribuída ao 4º Juízo Cível de Lisboa, pedindo, com fundamento na falta de pagamento das rendas respectivas, se decrete a resolução de contrato de arrendamento, celebrado com a 1ª R., tendo por objecto fracção autónoma de imóvel, sito na Rua ..., nesta cidade, condenando-se aquela a despejar o locado e ambos os RR., o 2º R. na qualidade de fiador, a pagar as rendas, vencidas e vincendas, até à efectiva entrega, acrescidas da indemnização devida.
Contestou apenas o 2º R., sustentando achar-se extinta a fiança por si prestada - concluindo pela improcedência da acção na parte a si respeitante. No despacho saneador, foi proferida decisão, na qual, considerando-se a acção, quanto a ela, procedente, se condenou a 1ª R. no pedido contra si formulado e, julgando-se extinta a aludida fiança, daquele se absolveu o 2º R. Inconformada, veio a A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :- Em 15/3/94, foi outorgado um contrato de arrendamento comercial entre a ora recorrente como senhoria, a 1ª R. - a sociedade Café A Chicara, Lda - como inquilina e o R.(J), como fiador, respeitante ao locado.- De acordo com esse contrato, o recorrido constituiu-se "fiador e principal pagador da sociedade inquilina e com ela solidariamente se obriga ao fiel e integral cumprimento deste contrato, designada- mente quanto ao pagamento das rendas durante o período por que é feito e suas prorrogações até à efectiva restituição do local livre, devoluto e nas condições estipuladas e, bem assim declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que alude o n° 2 do art. 655° do Código Civil em vigor".- A acção de despejo a que respeitam os autos foi instaurada contra ambos, em virtude de não terem sido pagas as rendas que se venceram a partir de 1/3/2003.- O locado foi entregue à ora recorrente no passado 24/5, na sequência de incidente de despejo imediato, como resulta dos autos.- Foi proferido despacho saneador-sentença, segundo o qual foi declarado resolvido o contrato de arrendamento, por incumprimento da inquilina de não ter pago as rendas, decretado o despejo e ainda esta condenada no pagamento do valor em dívida até Fevereiro de 2005, a que acrescem juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, e ainda esta condenada na indemnização de € 4.158, ao abrigo do art. 1045°, n°2, do C C.- Mais se decidiu julgar procedente a excepção da extinção da fiança, decidindo-se pela alegada nulidade da cláusula do contrato, e por isso foi o recorrido absolvido dos pedidos contra si deduzidos.- A questão objecto do presente recurso respeita á validade da cláusula contratual que instituiu a fiança, e consequentemente apurar que o recorrido é, ou não, responsável no pedido da condenação.- Entendemos que a decisão deve ser revogada, substituída por outra que condene também o fiador, solidariamente com a inquilina, nos valores determinados, em virtude de esta ter feito errada interpretação e aplicação, entre outros, dos arts. 655°, n°s 1 e 2, e bem assim do art. 405°, n°1, todos do CC.- Desde logo, defendemos a natureza supletiva do regime consagrado no n° 2 do art. 655° do CC, e que "a nova convenção" aí referida, não tem de ser uma outra celebrada posteriormente ao contrato inicial, antes podendo tratar-se de uma cláusula inserida no contrato de arrendamento outorgado, desde que autónoma e seja específica da obrigação de fiança e enquanto fiança de obrigações futuras.- E é o que sucede no caso em apreço, daí ser a mesma cláusula válida e dever o recorrido ser condenado solidariamente com a sociedade inquilina no pagamento dos valores em causa. - Efectivamente, a vontade do recorrido foi a de se constituir fiador, assim prestando uma garantia que duraria por todo o tempo de vigência do contrato de arrendamento comercial, que como é sabido, são arrendamentos que se renovam automática e sucessivamente.- Prova de que era essa a sua vontade é a de que, ao longo de todo este tempo, o recorrido nem recorreu à faculdade de pedir a sua liberação como fiador, nomeadamente nos termos da al. e) do art. 648° do CC.- Ainda que não se defenda a natureza supletiva do n° 2 do art. 655° do CC, ainda assim se tem de ter como válida a cláusula constante do contrato, com as inerentes consequências da responsabilidade do recorrido no pagamento.- Com efeito, é sempre lícito ás partes, dentro do princípio da liberdade contratual e ao abrigo do art. 405°, n° 1, do CC, assumirem obrigações - como as que o recorrido assumiu - acordando sujeitar- -se a um regime diferente do legalmente fixado, o qual afastam (entre outros, ac. do STJ, de 17/6/98, in CJ /STJ, T2, p. 114).- Também não é ferida de nulidade a cláusula da fiança, com fundamento de ter um objecto indeterminável (art. 180°, n°1, do CC), porque não se pode confundir indeterminado com indeterminável, e, muito menos, no caso sub júdice de arrendamento comercial onde impera o princípio da renovação automática, tendo como prazo limite 30 anos, mas podem ir mais além, e daí nada existir de indeterminabilidade.- Não é necessário que logo de início, aquando da constituição da obrigação, esta resulte deter- minada, podendo sê-to mais tarde, através de critérios acordados entre as partes ou fixados na lei.- Ora, a renovação automática do contrato não só resulta da lei, como foi expressamente acordado entre as partes, e expressamente aceite pelo recorrido, que a fiança por si prestada se estendia por todas as prorrogações, para além dos cinco anos da primeira renovação e até à restituição do locado. - Por outro lado, sendo a obrigação do fiador acessória da assumida pelo inquilino, e sendo a obrigação deste último, que é a principal, válida - como é o caso da renovação automática do contrato - não fazia sentido deixar de o ser a contraída pelo recorrido.- Deve, pois, a decisão proferida ser revogada na parte em que decidiu ser nula a cláusula da fiança prestada pelo fiador e, consequentemente, o absolveu do pedido de condenação, por extinção da fiança prestada, por e entre outros, terem sido violados os n°1 e 2 do art. 655°, n°1 do art. 405°, e até os arts. 280°, 628°, n° 2, e 1025° todos do CC.- Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão proferida, na parte que decidiu pela nulidade da cláusula e extinção da fiança, substituindo-a por outra que decida antes a sua validade e, consequentemente, condene o recorrido, solidariamente com a inquilina, nas quantias determinadas.
Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Em 1ª instância, foi dada como assente a seguinte matéria factual :- Entre A. e R. Café A Chícara, Lda, foi celebrado por escritura pública contrato de arrendamento comercial da loja sita na Rua ..., nº 37 B, em Lisboa, para a R. nele exercer a actividade de café/pastelaria.- A dita loja foi dada de arrendamento pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, com início a 1/4/94.- A renda acordada foi de 75.000$00, anualmente actualizável.- O R. (J) constituiu-se "fiador e principal pagador da sociedade inquilina e com ela solidariamente se obriga ao fiel e integral cumprimento deste contrato, designadamente quanto ao pagamento das rendas durante o período porque é feito e suas prorrogações até à efectiva restituição do local livre devoluto e nas condições estipuladas" e declarou "que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que haja alteração da renda agora fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que alude o n° 2 do artigo 655° do Código Civil em vigor".3. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. A questão a decidir resume-se, pois, à apreciação da validade e subsistência da fiança prestada pelo ora apelado. Dispõe o art. 655º, nº1, do C.Civil que, salvo estipulação em contrário, a fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas o período inicial de duração do contrato. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, na falta de nova convenção, a fiança extingue-se, por força do nº2 desse preceito, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação. Tal regime reveste, “como na própria disposição se prescreve, carácter supletivo” (A. Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, pág. 512). Todavia, como se decidiu em acórdão do STJ, de 23/4/90 (BMJ nº396, pág.388), por força desse preceito, deve considerar-se “nula a cláusula do contrato de arrendamento pela qual o fiador se constitui na obrigação de garante para além do prazo de cinco anos previsto naquele artigo, sem que um novo prazo seja definido”. Entendimento similar se vem perfilhando em decisões desta Relação : “A nova convenção a que alude o nº 2 do artigo 655º do Código Civil pode ser contemporânea do contrato de arrendamento. Tem é de ser autónoma, isto é, específica da obrigação que se pretende assumir, figurando, quando aposta no próprio contrato celebrado inicialmente, como fiança de obrigações futuras. Não é nula a cláusula do contrato de arrendamento pela qual o fiador garante para além do prazo de cinco anos, sem que novo prazo seja definido. Nesse caso, o que sucede é que, decorrido o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação, a fiança extingue-se” (ac. TRL, de 6/10/94, bases de dados da DGSI - JTRL00016996). “As partes podem convencionar que a fiança abranja as sucessivas renovações do contrato, mas para que a fiança possa abranger os períodos iniciados depois de decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação deve ter sido ab initio expressamente determinado o número de renovações, a menos que as partes celebrem nova convenção” (ac. TRL, de 20/1/2005, loc. cit.). No caso, pese embora se haja inicialmente estipulado que a fiança prestada subsistiria mesmo depois de decorrido o aludido prazo legal, não veio, contudo, para a mesma a ser fixado qualquer novo prazo. Decorridos mais de 5 anos, após a data da primeira prorrogação da vigência do arrendamento em causa, forçoso será, assim, concluir, tal como decidido, achar-se extinta a dita fiança - pelo que terão de improceder as atinentes alegações da apelante.4. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. Custas pela apelante.