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PER
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
LIMITAÇÃO TEMPORAL
Sumário
I - No âmbito do processo especial de revitalização a prolação de despacho liminar a dar seguimento ao pedido do requerente, não obstaculiza que o tribunal recuse a homologação do plano aprovado pela maioria dos credores ancorado em determinado fundamento, nomeadamente que não foi respeitado o limite temporal a que se refere o artigo 17.º-G, nº 6 do CIRE. II - O Artigo 17º-G do CIRE enumera e evidencia a razão de ser do encerramento do processo e do limite temporal estabelecido para o devedor recorrer a novo processo especial de revitalização, pelo que dentro do referido circunstancialismo justifica-se que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com tais normativos impeça o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos [cf. n.º 6 do citado inciso. III - Todavia, verificando-se, o encerramento do processo especial de revitalização na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor e permanecendo o mesmo em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1, do CIRE) e estando reunidos os demais requisitos legalmente previstos, nenhum obstáculo se levanta a que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no citado n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE (aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação).
Texto Integral
Processo nº 5200/15.6T8OAZ.P1-Apelação
Origem: Comarca de Aveiro-Oliveira Azeméis-Inst. Central-2ª S. Comércio-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto: Miguel Baldaia
2º Adjunto: Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário: I- No âmbito do processo especial de revitalização a prolação de despacho liminar a dar seguimento ao pedido do requerente, não obstaculiza que o tribunal recuse a homologação do plano aprovado pela maioria dos credores ancorado em determinado fundamento, nomeadamente que não foi respeitado o limite temporal a que se refere o artigo 17.º-G, nº 6 do CIRE. II- O Artigo 17º-G do CIRE enumera e evidencia a razão de ser do encerramento do processo e do limite temporal estabelecido para o devedor recorrer a novo processo especial de revitalização, pelo que dentro do referido circunstancialismo justifica-se que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com tais normativos impeça o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos [cf. n.º 6 do citado inciso. III- Todavia, verificando-se, o encerramento do processo especial de revitalização na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor e permanecendo o mesmo em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1, do CIRE) e estando reunidos os demais requisitos legalmente previstos, nenhum obstáculo se levanta a que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no citado n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE (aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação).
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Por requerimento de 06-11-2015 “B… Lda.” instaurou os presentes autos de processo especial de revitalização (PER) alegando para o efeito encontrar-se em situação económica difícil mais referindo que se verificam os demais requisitos previstos nos artigos 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE.
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Previamente à instauração do presente PER, a autora instaurou um outro PER que correu seus termos sob o n.º 1874/14.3TBVFR.
No âmbito desse processo foi proferida sentença de não homologação do plano de revitalização, no dia 23-03-2015, sentença essa objecto de recurso e que foi confirmada por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo a mesma transitado em julgado no dia 16-11-2015.
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Por despacho proferido a fls. 24 foi a Requerente foi notificada sobre a possibilidade de não ser admissível a instauração do actual PER.
A devedora respondeu, por requerimento de fls. 25 e segs., alegando sumariamente que quando instaurou novo PER já tinha transitado em julgado a decisão de não homologação do primeiro, mais referindo que considera estar em melhores condições económicas e que a instauração de novo PER é essencial para a sua sobrevivência, pretendendo com ele melhorar a forma de pagamento dos seus credores, sendo que, a não homologação do anterior teve por base a violação de normas legais, não obstante o plano ter sido aprovado, não estando, por isso, sujeita ao prazo previsto pelo artigo 17-G, n.º 6 do CIRE.
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O processo seguiu os seus regulares termos tendo, então, datado de 25/05/2016, sido proferido o seguinte despacho:
“Tendo em consideração o resultado da votação do plano de revitalização apresentado pela devedora constantes dos documentos que antecedem e que totalizam a percentagem de 87,43% de votos favoráveis, considera-se aprovado o plano, nos termos conjugados do disposto nos artigos 17º-F, n.º 3 e 212º, n.º 1 ambos do CIRE. Notifique. Notifique, nomeadamente para os credores se pronunciarem querendo e em 10 dias, sobre a homologação/não homologação do plano”.
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Conclusos os autos em 30/06/2016 o Sr. juiz do processo exarou despacho em que decidiu, ao abrigo dos artigos 17º-F, n.º 5 e 215º do CIRE, não homologar o plano de revitalização apresentado.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: I. A douta sentença de que se recorre, salvo o devido respeito, esteve mal ao decidir- se pela não homologação do plano de revitalização apresentado. II. Ora, andou mal a douta sentença de que se recorre, desde logo, quando decide pela não homologação em virtude de o presente PER ser um segundo PER e, antes de mais, somente após a votação é que despertou para tal motivação. III. Ora, a Meritíssima Juiz a quo admitiu o segundo PER, pelo que não pode agora, na altura do despacho de homologação não o admitir com tal fundamento IV. Teve oportunidade antes de promover o processo de votação, de se pronunciar sobre a admissibilidade deste segundo PER e não o fez., isto porque o admitiu (!!!). V. A decisão de admissão do 2.a PER já transitou em julgado. VI. A decisão de admissão do 2." PER não pode ser alterada. VII.O 2." PER foi à votação e reuniu 87,43% da votação favorável (cfr: ofício com referência 92000869). VIII. O segundo PER teve mais votos que o primeiro PER. IX. A recorrente apresentou um PER diferente do primeiro, ao contrário do entendimento da douta sentença de que se recorre. X. A recorrente apresentou um PER mais favorável para os credores. XI. A comprovar que o segundo PER é mais favorável aos credores, está, desde logo, uma maior adesão dos credores a este novo PER. XII. Não é o mesmo PER como, considera a sentença recorrida, é um plano, reitera-se, mais favorável para os credores. XIII. Conforme se referiu, reuniu mais votos do que o primeiro PER (o Segundo PER obteve 87,43% e o 1PER: 71,94%). XIV. Ademais, o novo PER, desde logo, tem períodos diferentes de carência, relativamente ao primeiro PER, ou seja, períodos mais curtos, dando por conseguinte melhores condições aos credores. XV. No entanto, e sempre de referir que a justificação apresentada pela não homologação do segundo PER, é no mínimo extemporânea por inoportuna. XVI. Refere a sentença recorrida que:"(...) Por despacho a fls. 24 foi a autora notificada sobre a possibilidade de não ser admissível a instauração do actual PER.(...)" Tal não é verdade, o que se depreende do referido despacho c que a Meritíssima juiz pretendeu averiguar, c bem, da eventual litispendência (despacho com a referência 88476910 datado de 13-11-2015 - notificação com referência 88520920). XVII. Ora, ficando ciente a Meritíssima Juiz a quo da existência de um primeiro PER, como aliás, refere, na douta sentença de que se recorre, não se opôs à apresentação do 2." PER, pelo contrário, e bem, manteve o prosseguimento dos autos. XVIII. A Meritíssima Juiz após notificação à recorrente para se pronunciar sobre a litispendência manteve o prosseguimento dos autos, aceitando, consequentemente, a existência do presente PER. XIX. A Meritíssima Juiz a quo, nem aquando da notificação (ref. 91921648) da votação se referiu a uma eventual impossibilidade de prosseguimento dos presentes autos por se tratar de um segundo PER. XX. Salvo melhor opinião, não pode, por conseguinte, vir agora não homologar o PER por ser um 2." PER. XXI. Tal decisão, salvo o devido respeito representa um abuso de direito na forma de um "venire contra factum próprio" XXII. A sentença de que se recorre representa a contradição do estipulado pela Meritíssima Juiz ao longo de todo o processado. XXIII. A recorrente procedeu a todas as diligências necessárias ao prosseguimento dos autos. XXIV. A recorrente com grande esforço de meios, atenta as decisões da Meritíssima Juiz, procedeu às notificações dos credores, emitiu os boletins de voto, enviou o PER aos credores, enviou os boletins de voto, procedeu à elaboração do Plano de Recuperação, ouvindo os credores, etc.. XXV. Aliás, a sentença de que se recorre, reconhece que: "Do relatório da presente sentença, resulta que foi ponderada a admissibilidade ou não da instauração de novo PER (...)" tal não se consente como já se referiu, dos doutos despachos da Meritíssima Juiz a quo nunca se pode ilidir que houve possibilidade da não a admissibilidade da instauração de novo PER. XXVI. Pelo contrário, todo o processado levou e leva a crer na admissibilidade do novo PER. XXVII. Aliás, em espécie de acto de contrição a douta sentença de que se recorre refere: "(admitimos que de forma errada, porque deveria a questão ser conhecida nesse momento) (...)" e foi claramente em sentido contrário do que ora se professa, ou seja, foi o segundo PER admitido. XXVIII. A presente sentença desdiz o processado, ao referir que não houve aceitação do Plano. XXIX. Ademais, após a aceitação do 2.° PER a gerência da empresa tem sido conduzida, sempre com a supervisão do Ilustre Administrador, no pressuposto da aceitação do PER, ainda mais com a aprovação da esmagadora maioria dos credores. XXX. E, por conseguinte iminente a recuperação da empresa, que tem vindo a cumprir com os novos compromissos e tem vindo a conquistar novos clientes, a fim de, rapidamente poder pagar aos seus credores. XXXI. O plano de recuperação da empresa foi aprovado dentro do prazo. XXXII. Pelo que, deverá ser a decisão substituída por outra que homologue o PER em apreço. XXXIII. Não está a recorrente impedida de apresentar novo PER. XXXIV. Ao contrário do entendimento da Meritíssima Juiz a quo, s.m.o., a empresa devedora não está impedida de apresentar um novo PER ASSIM PORQUE, XXXV. A não homologação do 1º PER supra mencionado deveu-se ao facto, segundo a douta sentença proferida, por o mesmo violar normas e princípios legais (arts°. 215.°, 216.°, 217.° n.°s 1 e 2 do C1RE aplicáveis ex vi art.° 17.° F, n.° 5). (cfr. doe. 1) XXXVI. Sucede no entanto que o 1." PER apresentado, após as negociações mereceu a aprovação de 71,94% dos votos dos credores, conforme se afere da douta sentença, que aqui se junta cópia e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeito como doe. 1 -A. (Cfr. doe. n.° 1) XXXVII. É, por conseguinte, um PER com aprovação. XXXVIII. Pelo que, s.m.o., não está sujeito ao prazo previsto no n.° 6 do art.° 17.° G do CIRE, uma vez que, aquele prazo apenas se aplica aos processos sem aprovação, o que não é o caso. XXXIX. Conforme, aliás, refere a epígrafe do art.° 17.° G "Conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de recuperação" (sublinhado nosso) XL. O plano de recuperação, reitera-se, foi aprovado. XLI. A recorrente, não se encontra em situação de insolvência. XLII. Isto porque tem, a recorrente, possibilidade de dentro de um processo de recuperação normalizar totalmente o seu passivo. XLIII. A atestar tal facto está desde logo a aprovação de grande parte (87,43%) dos seus credores a um 2. plano especial de revitalização. XLIV. A insolvência da requerida é mais penalizadora para os credores e tem consequências sociais mais gravosas do que o 2." PER. XLV. Com o PER há a possibilidade de a recorrente honrar os seus compromissos e continuar a laborar no mercado. XLVI. A recorrente é uma empresa que atingiu prestígio no mercado, conta com carteira de clientes, só tendo entrado em dificuldades por motivos externos, nomeadamente a crise que assolou mundialmente a construção civil. XLVII. Nunca a ora recorrente teve intenções de não pagar aos seus credores, apenas a conjuntura económica é que não lhe permitiu fazer. XLVIII. A recorrente foi sempre cumpridora das suas obrigações com os seus credores e em especial com os seus funcionários, só não o fazendo, reitera-se, por causa da crise que afectou em especial o mercado da construção civil. XLIX. No entanto está a recuperar, e o PER representa para a recorrente uma saída da crise. L. A recorrente nunca efectivamente esteve em PER, assim porque não viu o seu PER homologado. LI. Apesar de ter visto os seu Planos aprovados pela esmagadora maioria dos seus credores. LII. Não pode concluir-se que a recorrente anda de "PER em PER a sujeitar os credores à suspensão prevista pelo art." 17 - E do CIRE, abusando de um meio que deve ser utilizado como excepção c não como regra. (...)" como erradamente concluiu a douta sentença de que se recorre. LII. A recorrente é a maior interessada na homologação do PER, mas também são os seus credores, que através da votação manifestam maioritariamente a vontade na prossecução do PER. LIV. A insolvência torna-se mais gravosa para os credores, para a sociedade em geral e para o país. LV. Assim porque, a manutenção da recorrente no mercado, faz com que haja a manutenção dos postos de trabalho, com o pagamento do vencimento dos trabalhadores, das transacções comerciais, como aliás tem vindo a acontecer. LVI. A condenação da empresa à insolvência manifesta um total alheamento da situação actual da empresa que transmite sinais indeléveis de recuperação. LVII. Não se trata por conseguinte de a recorrente se socorrer de expedientes processuais, como aliás se subentende de douta sentença recorrida, mas sim, da busca de uma solução legal para um período difícil que a recorrente atravessa. LVIII. Conforme se referiu a recorrente não fere o previsto no art.0 17.°-G n.° 6 do CIRE, assim porque, o PER tem a aprovação dos credores. LIX. O art." 17-G do CIRE, tem como epígrafe "conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano dc recuperação" não é o caso do presente PER uma vez que, como se comprova o mesmo tem a aprovação de mais de 80% dos credores, LX. O que se trata é de um PER sem homologação por vicissitudes processuais, por formalismos de somenos importância, comparados com o escopo último do PER. LXI. O primeiro PER não foi homologado, por motivos corrigidos no presente PER. LXII. É por razões sociais, de mercado, económicas o interesse da manutenção do tecido empresarial português porque também se deve homologar o presente PER LXIII. A aplicação da justiça implica um sopesar entre o formalismo e a realidade material do caso sub judice. LXIV. A recorrente manifestou claramente que a sua intenção não é esconder-se atrás de um PER. LXV. A recorrente corrigiu o pretendido quando não houve homologação do primeiro PER. LXVI. A recorrente neste PER não estendeu a "protecção" às garantias pessoais. LXVII. A recorrente não prejudicou nenhum credor. LXVIII. A recorrente melhorou as condições de pagamento aos credores. LXIX. A recorrente vê como iminente a sua recuperação caso haja homologação do PER. LXX. O formalismo de uma decisão de não homologação do PER, é mais nociva para os credores e devedora do que a homologação do PER. LXXI. O espírito do legislador na consagração da norma do art.° 17.°-G n." 6 do CIRE é de ordem material e não de ordem formal. LXXII. A douta sentença de que se recorre, por motivos de ordem formal é que não procede à homologação do PER. LXXIII. Conforme referido o primeiro PER, não foi homologado por questões formais, ou por questões exógenas ao PER propriamente dito. LXXIV. Não tem razoabilidade, salvo melhor opinião, a aplicação da proibição de apresentação do novo PER. LXXV. Até porque, a consequência da não homologação do PER é a insolvência, e estranho é que a lei proíba o menos permitindo o mais. PELO QUE REQUER A V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, SEMPRE COM O V. DOUTO SUPRIMENTO, SE DIGNEM: A) Revogar o douto despacho de não homologação do Plano de recuperação de empresa apresentado; B) Proferir sentença que homologue o plano aprovado com 87,43 % de votos favoráveis.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se antes decorrido o prazo estatuído no artigo 17.º-G, nº 6 do CIRE (dois anos) o devedor pode ou não instaurara um segundo PER (Plano Especial de Revitalização) quando o primeiro apesar de aprovado não foi homologado por sentença devidamente transitada em julgado.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e ainda o seguinte:
a)- No processo n.º 1874/14.3TBVFR, foi realizada a assembleia de credores para aprovação do plano de revitalização apresentado pelo administrador judicial;
b) Esse plano de recuperação mereceu a aprovação de 71,94 % dos credores;
c) Por sentença de 23/03/2015 não foi homologado o referido plano de recuperação;
d) Foi interposto recurso para a Relação do Porto que confirmou a decisão assim proferida, tendo a mesma transitado em julgado no dia 16/11/2015.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão a decidir no presente recurso:
a)- saber se antes decorrido o prazo estatuído no artigo 17.º-G, nº 6 do CIRE (dois anos) o devedor pode ou não instaurara um segundo PER (Plano Especial de Revitalização) quando o primeiro apesar de aprovado não foi homologado por sentença devidamente transitada em julgado.
Antes de se apreciar a questão supra enunciada importa, porém, que nos debrucemos sobre o vertido pela recorrente nas conclusões I a XXXIV onde refere, essencialmente, a extemporaneidade do decidido estribada na circunstância de que a decisão que admitiu o PER já havia transitado em julgado.
Dúvidas não existem de que, após a apelante ter anuído ao convite ao aperfeiçoamento do articulado apresentado, a Sr. juiz do processo, datado de 01/02/2015 proferiu despacho liminar dando seguimento aos autos.
Acontece que, uma coisa é ter sido proferido despacho liminar nos termos estatuídos no artigo 17º-C, n.º 3, al. a) do CIRE[1] outra coisa é o despacho de homologação ou recusa do plano aprovado a que se refere o artigo 17.º-F, nºs e 1 e 5 do mesmo diploma legal.
Na verdade, a admissão liminar do pedido de revitalização não impede que, posteriormente, o tribunal recusa a homologação do plano aprovado estribado num qualquer fundamento.
Como assim, o facto de o tribunal recorrido ter, num primeiro momento, proferido despacho liminar a dar seguimento aos autos perante o requerimento impetrado pela apelante com vista ao início do processo de revitalização, isso não obstaculiza a que, quando o processo lhe seja concluso para o efeito, lavre decisão de não homologação do plano que foi aprovado, como sucedeu no presente caso.
Destarte, ao contrário do que defende a apelante, não se verifica qualquer extemporaneidade ou situação de caso julgado, aliás, quanto a este último, estamos, como é bom de ver, perante despachos que versam sobre matérias distintas, razão pela qual nunca se poria, em relação a eles, a referida situação.
Dir-se-á que a recusa da homologação do plano aprovado, com o fundamento invocado no despacho recorrido, deveria ter ocorrido em momento anterior, coisa de que, aliás, se penitencia a Sr. juiz do processo no despacho em causa.
É certo que assim devia ter sido, todavia, não o tendo sido, isso não invalida que, com esse fundamento, se não homologue o plano aprovado desde que o tribunal sobre ela ainda não se tenha pronunciado.
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Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos improcedem as conclusões I a XXXIV formuladas pela apelante.
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Aqui chegados na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que o artigo 17º-G do CIRE impede o recurso da devedora a este processo especial durante um período de dois anos–n.º 6–contados desde o termo do primeiro processo, razão pela qual não pode a Requerente, que não conseguiu a homologação por sentença transitada do primeiro PER, instaurar novo PER sem que o mesmo se baseie em factos supervenientes.
Com o assim decidido não concorda a apelante estribada, no essencial, na circunstância de que tratando-se de um PER aprovado não está sujeito ao prazo previsto no citado nº 6 do artigo 17.º-G. Quid iuris?
A finalidade do processo especial de revitalização, criado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, mostra-se definida no nº 1 do artigo 17.º-A que estatui: “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização”.
Preceitua o art.º 17º-F, sob a epígrafe “conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”, que concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos (n.º 1); concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal (n.º 2); considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida (n.º 3); o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º (n.º 5).
Por sua vez prevê o art.º 17º-G sob a epígrafe “conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”, que caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (n.º 1); nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos (n.º 2); estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1 (n.º 3); compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (n.º 4); o devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores (n.º 5); o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos (n.º 6); havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17º-D (n.º 7).
Trata-se, portanto, sempre de um processo negocial em que o fim é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa sendo certo que a eficácia do acordo para lá da esfera dos que nele intervieram, pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos (artº 17.º-F), que ocorrendo torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores.
Consagrou-se, pois, nos artigos 17.º-A a 17.º-I, (CIRE) um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, deste processo por forma a fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação do devedor bem como a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso, dando primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), com o dever respeito dos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro (artigo 17.º-D nº 10 do CIRE).
De igual forma, se privilegiou o controlo pelos credores da conduta do devedor e do seu administrador (sendo a falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestada susceptível de gerar responsabilidade civil-cfr. nº 11 do citado art. 17.º-D do CIRE), restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual.
Por essa razão e pese embora o juiz, nos termos art. 17.º-F, nº 5 do CIRE, decida se deve homologar o plano de recuperação aprovado ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção do plano de recuperação aprovado e de documento com o resultado da votação (nºs 2 e 4 do mesmo normativo), o facto é que, a intervenção daquele, se reconduz preponderantemente à sindicância da justeza da instauração do processo especial de revitalização (nº 2 do art. 1º do CIRE); às condições necessárias para a sua recuperação [cfr. arts. 17.º-A, 17.º-B e 17.º-C, nº.3, al. a) e nº4]; à decisão de impugnações de reclamações de créditos; ao julgamento da acção referida no nº 11 do citado art. 17º-D; ao controlo do cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de recuperação por forma a assegurar a legalidade do acordo alcançado pelos intervenientes (cfr. art. 17.º-F, nºs 3 e 5) ou à declaração de insolvência após a conclusão do “processo negocial”, sem a aprovação de qualquer plano de recuperação (cfr. art. 17º-G).
Portanto, dúvidas não existem de que, como salientámos, o controlo jurisdicional é restrito, na fase anterior à homologação do Plano de Recuperação.
Desta forma, concluídas as negociações (artigo 17.º-F, nº 3 do CIRE), englobando o devedor e o administrador judicial provisório nomeado, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212.º do CIRE para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência (quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados), sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada.
Atendendo à factualidade supra referida quer no antecedente relatório quer na fundamentação de facto, dúvidas não restam de que o processo n.º 1874/14.3TBVFR primeiramente instaurado, seguiu a tramitação prevista no art.º 17º-F e, concluídas as negociações, veio a ser aprovado plano de recuperação conducente à revitalização do devedor.
Acontece que, o referido plano não foi homologado por sentença devidamente transitada em julgado.
Mas, se assim é, não se pode extrair a conclusão que se tenham verificado as ocorrências/vicissitudes previstas no artigo 17.º-G, inerentes a um processo negocial concluído sem a aprovação de um plano de recuperação.
Com efeito, o texto do art.º 17º-G enumera e evidencia a razão de ser do encerramento do processo e do limite temporal estabelecido para o devedor recorrer a novo processo especial de revitalização, nas situações aí reguladas, na medida em que será o devedor ou determinada maioria dos credores que deverão concluir antecipadamente não ser possível alcançar acordo [a)], ou terá de ser ultrapassado o prazo legal das negociações-incluída a prorrogação que possa ter sido estabelecida em consonância com a parte final do n.º 5 do art.º 17º-D-sem que, dentro dele, se obtenha o consenso entre os credores e o devedor quanto ao plano de recuperação [n.º 1 do art.º 17º-G] [b)] ou, então, deverá ser o devedor, usando da faculdade que a lei lhe confere, a pôr termo às negociações [n.º 5, do art.º 17º-G] [c)].
Dentro do referido circunstancialismo-sem prejuízo de poder ter lugar a declaração do estado de insolvência do devedor [cf. os n.ºs 3 e 4 do referido do mesmo inciso]- justifica-se, pois, que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com tais normativos impeça o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos [cf. n.º 6 do citado artigo 17.º-G].
Acontece que, o presente caso não se identifica com quaisquer das situações acima elencadas.
Na verdade, no âmbito do processo 1874/14.3TBVFR, o plano de recuperação foi votado e aprovado, pela maioria dos credores (71,94 % dos credores), sendo que, o mesmo não foi homologado por questões que nada tiveram a ver com a referida votação e aprovação e consequente homologação do plano de recuperação.
Efectivamente, como se colhe da referida sentença, a não homologação do citado plano deveu-se ao facto de o mesmo conter cláusula que violava norma imperativa, mais concretamente o artigo 192.º, nº 2 do CIRE.
Como assim, terá de se concluir que, atento o descrito enquadramento se, por vicissitudes várias, o processo especial de revitalização vier a ser encerrado na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor, permanecendo este em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1)-e verificando-se os demais requisitos legalmente previstos-, tal estado de coisas, não obstará a que possa ter início, de imediato, novo processo especial de revitalização, sendo que, a situação em apreço estará, pelo menos, bem próxima desta realidade.
Por conseguinte cremos, respeitando opinião contrária, que nenhum obstáculo se levanta à existência e ao prosseguimento dos presentes autos sem a limitação temporal prevista no n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE, aplicável apenasaos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação, nos termos sobreditos.
Diga-se, alias, que Rita Soares[1] defende que o artigo 17.º-G não abrange aos casos de recusa de homologaçãoe Luís M. Martins[2] defende que o artigo 17.º-G se aplica apenas aos casos de encerramento do processo sem aprovação de plano de recuperação.
Procedem, desta forma, as conclusões XXXIV a LXXV formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente por provada e consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, deve o mesmo ser substituído por outro que proceda à homologação do plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores se a isso não obstar qualquer outra causa que não seja o limite temporal que se assinala no artigo 17.º-G nº 6 do CIRE.
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Sem custas (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26 de Setembro de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1]”As consequências da não aprovação do plano de recuperação”-in Catarina Serra (coord.) “I Colóquio do Direito da Insolvência de Santo Tirso”-pág. 95.
[2]. In Processo de Insolvência 4ª Ed. Almedina pág. 143.