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TRABALHO SUPLEMENTAR
DECISÃO
DESPACHO SANEADOR
Sumário
I- A causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar deve, portanto, ser constituída pelos seguintes elementos de facto: a) - alegação do “horário de trabalho” do trabalhador (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respectivos intervalos; b) - indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) - que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido. II- Se, o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil a tarefa de selecção matéria de facto, instrução e julgamento da mesma. III- Os documentos são, por definição, um meio de prova de factos que se alegam e não uma forma de suprir a falta de alegação. IV- Deve, pois, ser indeferido o pedido de requisição aos autos de documentos em poder da parte contrária, sempre que a função desses documentos se destine a suprir uma falta de alegação
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório L…, G…, C… e Gl… instauraram, em 2 de Abril de 2003, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra P…, com sede na Av. das …, Centro Comercial, , deduzindo as seguintes pretensões: - Ser a Ré condenada a pagar ás Autoras o montante de Euros 72.368,40 (Setenta e dois mil trezentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntim05), a título de horas suplementares devidas e não pagas. - Que, nos termos e para os efeitos do artigo 528°, n° 1 do Código de Processo Civil, seja a Ré notificada para vir aos autos juntar as relações mensais enviadas pela “casa mãe”, de França, para o cálculo dos valores referentes às percentagens, não apuradas e que se alude no artigo 8° da PI. - Ser a R condenada nos juros que se mostrem devidos a final - Ser a R condenada em custas.
Para fundamentar a sua pretensão, alegaram, em síntese, o seguinte:
- em 1 de Março de 1985, 5 de Maio de 1997, 1 de Março de 1997 e 1 de Abril de 1997, respectivamente, foram admitidas ao serviço da ré para desempenharem actividade profissional;
- desempenhavam tarefas que lhes eram superiormente determinadas e tinham um posto de trabalho atribuído;
- estavam vinculadas a um horário de trabalho, fixado de segunda a domingo, embora ultrapassassem o horário fixado sempre que exigências de serviço o impunham;
- com contrapartida da actividade desenvolvida, a ré pagaria um salário acrescido de uma percentagem sobre os trabalhos executados, percentagem essa que nunca foi paga e era do conhecimento da ré através de listagens remetidas da casa mãe;
- entre a data de admissão das autoras e o final do mês de Março de 2002, a ré pagou pontualmente, apenas o salário e nunca as percentagens e as horas suplementares;
- em 22 de Janeiro de 2002, as autoras remeteram uma carta à ré através da qual manifestavam a intenção de rescindir, unilateralmente, os contratos de trabalho;
- a decisão das autoras ficou a dever-se ao facto de a ré não ter procedido ao pagamento das percentagens acordadas, bem como das horas suplementares;
- a ré nunca pagou às autoras os créditos de trabalhos vencidos à data da cessação dos contratos de trabalho;
- não foram pagas horas suplementares às autoras no montante de € 72.368,40.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez, concluindo pela improcedência da acção.
Para tal, alegou, resumidamente, que:
- as autoras encontravam-se vinculadas a um horário de trabalho em regime de turnos, de segunda-feira a domingo, horário esse que sofreu, ao longo do tempo, inúmeras alterações;
- todo o trabalho prestado no regime de trabalho suplementar foi pago, conforme consta dos recibos juntos pelas autoras à petição inicial;
- todos os montantes que eram devidos às autoras foram, pontualmente, pagos;
- é falso que o motivo para as rescisões dos contratos por parte das autoras fosse o não pagamento dos montantes alegados;
- as autoras não reclamaram esses montantes nas suas cartas de rescisão dos contratos de trabalho;
- as autoras deixaram de trabalhar para a ré para abrirem o seu próprio salão de cabeleireiro, tendo praticado concorrência desleal como lhes foi comunicado por cartas que a ré enviou ás autoras;
- as autoras não alegam os dias e as horas em que supostamente efectuaram trabalho suplementar;
- também não se encontram discriminados os pedidos de cada uma das autoras coligadas.
Após notificação da contestação às autoras, foi proferido despacho, ao abrigo do disposto no art. 508º do Cód. Proc. Civil ex vi do n° 1 do 61°, do Cód. Proc. Civil, convidando aquelas a completarem a petição inicial, com a indicação do horário de trabalho a que estavam sujeitas, a concretização dos períodos de trabalho suplementar, a justificação do montante a que cada uma se sentia com direito e a indicação da percentagem fixada e dos trabalhos efectuados (fls. 83).
Na sequência desse convite, as autoras apresentaram o articulado junto a fls. 85 a 88, em que alegaram o seguinte:
- estavam vinculadas a um horário de trabalho de oito horas diárias e quarenta e duas horas semanais distribuídas por seis dias por semana;
- os montantes relativos ao trabalho suplementar reclamados pelas autoras são valores estimados, pois é difícil determinar, com toda a precisão, os valores exactos, dado o tempo decorrido e falta de melhores elementos;
- os valores reclamados a título de horas extraordinárias, correspondem ao trabalho efectuado para além do horário normal de trabalho;
- insiste-se na demonstração exemplificativa pois é humanamente difícil guardar todos os talões diários e que espelham um período longo da sua vida laboral visto que sempre estiveram convictas que estes créditos lhes seriam pagos, ideia que mantiveram até ao dia em saíram da esfera contratual com a ré;
- as percentagens acordadas e referidas no ponto 8° da petição inicial, tinham variações calculadas pela ré, obedeciam a critérios definidos pela mesma e que eram totalmente alheios às autoras.
Na resposta, a ré sustentou que o articulado apresentado mais não era do que uma mera repetição parcial da matéria alegada na petição inicial que não supria as insuficiências da mesma.
Seguidamente foi proferido saneador-sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Inconformadas, com a sentença, as autoras vieram interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões: 1 — Constata-se uma discrepância entre os factos que o tribunal considerou para proferir o seu saneador/sentença. De facto, 2 — O tribunal sustenta que para se concluir pela existência de trabalho suplementar é necessário que se alegue e prove o horário efectivamente prestado. Contudo, 3 — As AA. limitaram-se a argumentar que o trabalho produzido não era possível ser realizado nas 8 horas normais de serviço e isso numa actividade de salão de cabeleireiro, fazendo apelo ao homem médio, 4 — Mas tal só é possível demonstrar caso a alegação e prova dos factos que são constitutivos desse direito, ónus de alegação e prova que nos termos do artigo 342.° do C. Civil lhes compete. 5 — Contudo o Douto Despacho, olvidou por completo que o registo das horas extraordinárias, se encontra na posse da Ré. 6 — Sem o qual não será possível provar o que as AA. alegam. 7 — Mais olvidou o requerido pelas AA, nomeadamente a notifi-cação da Ré, nos termos e para os efeitos do art.° 528 do CPC. 8 — Sendo que, se a R. não foi instada a tal, obviamente que parte da prova das AA., fica seriamente prejudicada. 9 — Por outro lado, existia prova testemunhal apresentada pelas AA. que podiam, quer em sede de trabalho suplementar, quer quanto à percentagem sobre trabalhos efectuados, comprovar o alegado na sua p.i. 10 — Contudo, e já depois de ter data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, a mesma veio a ser dada sem efeito, e as testemunhas arroladas pelas AA, nunca puderam vir dizer a tribunal de sua justiça. 11 — Assim sendo, atendendo ao exposto anteriormente, e salvo melhor opinião, em nosso entender, face à complexidade do processo, face à necessidade de mais provas a virem a ser produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, o processo não contem todos os elementos, de modo a que seja já possível conhecer do mérito da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas tendo em vista a perfilhada pelo juiz da causa. Nestes termos e nos mais de direito (...), deve ser dado provimento ao presente recurso revogando--se a decisão recorrida e, em consequência, ser agendada nova data para a realização de audiência de discussão e julgamento.
A ré na sua contra-alegação pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação o Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de revogação da decisão impugnada.
Colhidos os vistos, o processo foi mandado inscrever em tabela mas como as apelantes L…, C… e Gl… não pagaram a taxa de justiça subsequente a instância foi julgada extinta, quanto a elas, passando a figurar como recorrente tão só a autora G… que, então, litigava com apoio judiciário e patrocínio do Ministério Público o qual havia aderido ao recurso interposto pelo ao tempo também mandatário daquela – despacho proferido a fls. 229 a 231.
Cumpre agora apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
A única questão colocada no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – consiste em saber se a causa não deveria ter sido decidida no saneador, devendo o processo prosseguir termos com a realização de audiência de discussão e julgamento. Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação e que, assim, se considera fixada:
1 - A primeira autora foi admitida ao serviço da ré, em Março de 1995 e desempenhava funções de cabeleireira;
2 - A segunda autora foi admitida ao serviço da ré, em Maio de 1997 e desempenhava funções de cabeleireira;
3 - A terceira autora foi admitida ao serviço da ré, em Março de 1997 e desempenhava funções de esteticista;
4 - A quarta autora foi admitida ao serviço da ré, em Abril de 1997 e desempenhava funções de cabeleireira;
5 - Entre as autoras e a ré vigoravam contratos de trabalho;
6 - Em 22 de Janeiro de 2002, as autoras remeteram à ré carta onde manifestavam a intenção de rescindir, unilateralmente, os seus contratos de trabalho, com efeitos a partir de 31 de Março de 2002;
7 - As cartas tinham todas o mesmo conteúdo e era o seguinte:
(Autora), vem por este meio comunicar a V Exas. que, nos termos do nº 1 do artigo 38º do Decreto-Lei na 64-A/89, de 27 de Fevereiro, com a nova redacção introduzida pelo artigo 2º da Lei na 38/96, de 31 de Agosto, vai rescindir o contrato de trabalho convosco celebrado (...), com efeitos a partir do próximo dia 31 de Março do corrente ano, dando assim cumprimento ao prazo de aviso prévio estabelecido na Lei e ao prazo contratualmente assumido. Requer ainda o gozo do período de férias correspondente a gozar nos dias anteriores a 31 de Março, e que a prestação de contas por parte de V Exas. ocorra no último dia anterior à sua entrada em gozo de férias, como anteriormente referiu.
Quanto aos créditos que as autoras reclamam, a exposição dos factos foi a seguinte:
8 - A ré nunca pagou ás autoras os créditos de trabalhos vencidos à data da cessão dos contratos de trabalho, que a seguir se contabilizam (art. 14º da p.i.);
9 - Não foram pagas horas suplementares às autoras, como se demonstra em média, a titulo exemplificativo, com o (doc. 9), no montante de € 72.368,40 (art. 15º da p. i.);
10 - Para tal, juntam-se, para consolidar o anteriormente alegado, nomeadamente as horas suplementares e o pagamento efectuado pelo trabalho efectuado, conjunto de talonários, os quais se protestam juntar, devidamente processados (art. 16º da p. i.);
11 - As autoras têm direito a haver da ré a importância de, pelo menos, € 72.368,40 devida a título de créditos v3encidos entre a data de início dos seus contratos de trabalho e 31 de Março de 2002 (art. 17º da p.i.);
12 - Relativamente às percentagens em causa e que não é possível, de momento apurar em virtude de que os documentos comprovativos do direito a que as autoras se arrogam, se encontrarem na posse da ré (art. 18º da p.i.).
Do articulado aperfeiçoado:
13 - As autoras estavam vinculadas a um horário de oito horas diárias e quarenta e duas horas semanais, distribuídas por seis dias da semana, conforme se atinge, a título exemplificativo, da cópia do contrato de trabalho de Gl… (doc. 15), que se junta (art. 1º);
14 - Os montantes relativos ao trabalho suplementar, não pago, e reclamado pelas autoras são valores estimados. Difícil é a tarefa de determinar, com toda a precisão, os valores exactos, dado o tempo decorrido e falta de mais e melhores elementos (art. 3º);
15 - Em todo o caso, os valores reclamados a título de horas extraordinárias, correspondem ao trabalho efectuado para além do horário normal de trabalho a que acima se aludiu (art. 4º);
16 - Juntam mais 14 documentos (docs. 1 a 14) que têm como pro-pósito atestar que o trabalho efectuado por cada uma das autoras, naqueles dias, só era possível com recurso a trabalho para além do período normal de trabalho (art. 5º);
17 - Insiste-se na demonstração exemplificativa pois é humanamen-te difícil guardar todos os talões diários e que espelham um período longo da sua vida laboral pois sempre estiveram convictas que estes créditos lhe seriam pagos (art. 7º);
18 - Ideia que tiveram até ao dia em que saíram da esfera contratual com a ré (art. 8º);
19 - Esperavam que a mesma, ao liquidar as contas com as autoras, cumprisse com a sua parte, pagando-lhes o que lhes era devido (art. 9º);
20 - As percentagens acordadas e referidas no ponto 8° da petição inicial, tinham variações calculadas pela ré, obedeciam a critérios definidos pela mesma e que eram totalmente alheios às autoras, conforme resulta da leitura do doc. 6 da petição inicial, donde, era fulcral que a ré disponibilizasse tais mapas para se poder efectuar um cálculo concreto das percentagens em causa, dado que as mesmas incidem sobre trabalho efectuado pelas autoras (art. 11º);
21 - Por último, os documentos que se juntam (docs. 1 a 14), apesar de disporem de data, não apresentam a hora a que foram emitidos, detalhe importante para consolidar a alegação das autoras no que respeita a trabalho desenvolvido para além do horário normal de funcionamento (art. 12º);
22 - Sendo perceptível, para o homem médio, que se trata de trabalho não possível de realizar num período de oito horas diárias e para que dúvidas não subsistam quanto ao número de clientes atendidos por cada uma das autoras durante a vigência da relação laboral, diariamente, ousa-se requerer que a ré, por dispor de sistema informatizado, disponibilize os registos das autoras (art. 13º);
23 - Os talões têm um código de barras ou número de empregado que permite, de forma eficaz, obter essa informação e cede-la para os autos (art. 14º). Fundamentação de direito
Dispõe o art. 61º do Cód. Proc. Trab., no seu nº 2, o seguinte: 2- Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa.
Para que o julgador assim possa proceder são, pois, necessários dois requisitos:
1º - o do processo já conter todos os elementos necessários à boa decisão da causa;
2º - o da simplicidade da causa o permitir.
Não estando reunidos esses dois requisitos, não pode o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho que venha a proferir findos os articulados.
O art. 61º, nº 2 do Cód. Proc. Trab., à semelhança do disposto no nº 1, alínea c), do art. 510º do Cód. Proc. Civil contém implícita como aconselhável, a regra de que o juiz se abstenha de decidir enquanto no processo não estejam obtidos os pontos de facto articulados, necessários para as várias e plausíveis soluções da questão de direito, isto, ainda que em abstracto aceite para si uma solução jurídica em vez de outra, mas desde que para esta segunda se torne necessário proceder à selecção de factos, desnecessários para a primeira.
Será que no caso em apreço se verificam os dois requisitos acima apontados?
É o que vamos ver, tendo presente que a acção foi intentada em 2 de Abril de 2003 e que, portanto, ao caso não é aplicável o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que apenas entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – art. 8º nº 1 e 3º nº 1 da lei preambular - mas o regime pré-vigente a que nos vamos referir.
Na acção estavam em causa as seguintes questões:
- pagamento de trabalho suplementar;
- pagamento de percentagens relativas a trabalhos efectuados.
Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho – arts. 2º, nº 1 e nº 2 alínea a) do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro e 15º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro.
Entende-se por “horário de trabalho” a determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso - art. 11º, nº 2 Decreto-Lei nº 409/71.
0 “período normal de trabalho”, por seu turno, é definido no art. 45º nº 1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (RJCIT também designado por LCT) como o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar. Representa, assim, a dimensão, a medida quantitativa das obrigações do trabalhadorou o “quantum” da prestação prometida, na medida em que a prestação do trabalho não é uma prestação abstracta, antes se concretiza e toma efectiva no tempo (Lobo Bernardo Xavier, ”Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Anotado”, pág. 91).
As autoras, na sua petição inicial e respectivo aperfeiçoamento, confundem “horário de trabalho” com “tempo normal de trabalho” e vão ao ponto de alegar o seu horário de trabalho era de oito horas diária e quarenta e duas horas semanais. Mas os dois conceitos são inconfundíveis e 8 horas diárias e 42 horas de trabalho semanais nada tem a ver com o horário de trabalho.
Como ensina Liberal Fernandes (“Comentários às Leis de Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar”, 1995, pág. 38) é já clássica a distinção entre duração e distribuição da jornada de trabalho.0 primeiro conceito designa a quantidade de tempo(por dia, semana, mês ou ano) em que o trabalhador está obrigado a prestar a sua actividade. 0 segundo termo compreende aquilo que habitualmente é designado por horário de trabalho, isto é, a estipulação das horas do começo e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respectivos intervalos de descanso intercalares.
O pagamento do trabalho suplementar só é exigível quando a sua prestação é feita por ordem expressa e antecipada do empregador, ou, pelo menos, por ele consentido – art. 7º, nº 4 do Decreto-Lei nº 421/83 - e é ao trabalhador que compete o ónus de provar a execução desse trabalho, que deve ser exposta de forma discriminada na petição inicial e que ele foi prévia e expressamente determinado pela entidade patronal, ou, pelo menos, por ela consentido de acordo com a regra contida no nº 1, do art. 342º do Cód. Civil segundo a qual àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (Acs. da RP de 28.01.91, BMJ nº 403, pág. 481, do STJ de 17.06.92, BMJ nº 418, pág. 648, da RL de 04.11.92, CJ, Ano XVII, T. 5, pág. 183, do STJ de 12.11.94, AD 389 pág. 613, de 22.11.94, BMJ nº 441 pág. 133, de 23.11.94, CJ/STJ Ano II, Tomo III, pág. 297 e de 14.12.94, BMJ nº 442, pág. 105).
A causa de pedirde um crédito relativo a trabalho suplementar deve, portanto, ser constituída pelos seguintes elementos de facto:
a) - alegação do “horário de trabalho” do trabalhador (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respectivos intervalos;
b) - indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) - que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido.
Na acção, as autoras, em coligação, reclamaram o pagamento da quantia global de € 72.368,40 a título de retribuição correspondente ao trabalho suplementar.
Contudo, analisada a sua petição inicial verifica-se que, as autoras, apesar de para tanto terem sido convidadas:
1) - não alegaram os horários de trabalho que tiveram;
2) - não especificaram quais e quantas as horas prestadas fora dos horários de trabalho estabelecidos e, consequentemente;
3) - não alegaram que as horas prestadas fora dos horários de trabalho estabelecidos o tenham sido por determinação ou, pelo menos, com o consentimento da sua entidade patronal.
Não foram, por conseguinte, alegados fundamentos de facto essenciais do direito invocado pelas apelantes.
0 mesmo sucede em relação ao pedido de pagamento de percentagens relativas a trabalhos efectuados.
Também, aqui e, apesar de para tanto terem sido convidadas, as autoras continuaram a omitir:
1) – qual a percentagem acordada;
2) - quais os trabalhos efectuados.
Verifica-se, deste modo, que as autoras não alegaram, como lhes competia – art. 342º, nº 1 do Cód. Civil -, os factos constitutivos do direito a que se arrogaram de receber a quantia reclamada a título de trabalho suplementar e de percentagem relativa a trabalhos efectuados.
Relativamente a esta última pretensão, as autoras insurgem-se contra o facto de o juiz “a quo” não ter ordenado a junção aos autos das relações mensais enviadas pela “casa mãe”, de França, para o cálculo dos valores referentes às percentagens em questão a que aludiram no art. 8º da petição inicial.
Nesse art. 8º, as autoras afirmam que a ré pagaria um salário acrescida de uma percentagem sobre os trabalhos executados, percentagem essa que nunca foi paga e era do conhecimento da ré através de listagens remetidas da casa mãe
Acontece que os documentos são, por definição, um meio de prova de factos que se alegam e não uma forma de suprir a falta de alegação.
O juiz, ao seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tem que ater-se à factualidade controvertida, e ela no caso inexiste, por não ser de atender a afirmações conclusivas mas antes aos factos que as importem, se existirem (Ac. do STJ de 30.01.02, disponível em sumário na Internet – www.dgsi.pt).
Ora, o conjunto dos factos alegados pelas autoras (factos constitutivos) não preenche as condições de procedência da acção, o que torna indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil a tarefa de selecção matéria de facto, instrução e julgamento da mesma.
Impunha-se, assim, a antecipação do conhecimento de mérito, concluindo pela improcedência da acção.
Com efeito, embora estivesse em causa matéria de facto, o que acontece é que, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final não podia, de modo algum, ser afectada com a prova dos factos controvertidos.
A decisão recorrida decidiu acertadamente, porquanto, quer em relação à alegada prestação de trabalho suplementar, quer no que concerne às percentagens relativas a trabalhos efectuados, as autoras não produziram factos, mas conclusões, articuladas de modo imprecisa e vaga.
Perante esta situação, que as próprias autoras parecem ter tido em conta, já que nem na petição aperfeiçoada o fizeram, não conseguindo determinar minimamente quando prestaram (se prestaram) o alegado trabalho suplementar, nem qual a percentagem que lhes era devida (se é que era) pelos trabalhos efectuados, omitindo quais foram os trabalhos em causa, o prosseguimento da acção apresentava-se como inviável e inútil.
Coloca-se a questão de saber, sobre que matéria (factos) haveria de efectuar-se a produção das provas, designadamente a testemunhal.
Se nem as autoras conseguem determinar com um mínimo de precisão em que altura e circunstâncias concretas prestaram trabalho suplementar, negando a ré, que aquelas o tenham prestado e se nem as autoras sabem sequer dizer qual a percentagem acordada pelos trabalhos efectuados, nem quais foram afinal esses trabalhos, negando igualmente a ré a atribuição da alegada percentagem, o que é que as testemunhas poderiam adiantar? E que perguntas lhes deviam ser feitas se as autoras não fornecem os respectivos factos quesitáveis?
Apesar dos poderes inquisitórios do juiz e do disposto no art. 72°, n° 1 do Cód. Proc. Trab., no caso dos autos, tal não seria praticável, já que o que acontece, é que existe uma ausência, praticamente total, de factos sobre o thema decidendum, além de que seria improvável, que as testemunhas viessem a revelar maiores conhecimentos sobre a matéria que as autoras melhor que ninguém conhecerão, mas que não foram capazes de minimamente traduzir em factos.
As autoras pretendem, que os autos prossigam, para se apurarem factos, que elas próprias não sabem definir e articular, ou seja, com subversão completa dos princípios processuais, já que não cumprindo o ónus da alegação dos factos – art. 467°, n° 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil – pretendem a transformação do processo laboral num autêntico inquérito, muito para além do que é permitido pelo disposto nos arts. 265° do Cód. Proc. Civil, e 27° e 72° do Cód. Proc. Trab..
Reunidos estavam, pois, os requisitos, para julgar a acção no despacho saneador: o processo já continha todos os elementos necessários à boa decisão da causa, não sendo possível, pelas razões expostas, recolher outros e a simplicidade da causa permitia-o.
Na verdade, ultimada a instrução do processo e esgotado o poder oficioso do juiz relativamente à colheita de provas, impunha-se ao tribunal o dever de conhecer do mérito da causa, intervindo então uma regra de julgamento, a qual determina que na falta ou insuficiência de alegação e provas, o julgador rejeita a pretensão deduzida pela parte sobre a qual deve entender-se que recaia, no caso concreto, o ónus probandi que é precedido pelo ónus de alegação (Alberto dos Reis, “Código do Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 271).
E não há causa mais simples do que aquela em que o autor apesar de convidado, não alega e, por isso, não prova, os factos constitutivos do seu direito, o que não deixa de ser lamentável, visto que significa que o autor não ponderou com a prudência que a boa fé lhe impunha as pretensões que veio deduzir.
Improcedem, portanto, in totum, as conclusões do recurso. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante, Gisela Maria Mendes Ferreira.
Lisboa,1 de Fevereiro de 2006