CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÃO NÃO SÉRIA
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
Sumário

1. De harmonia com o disposto no art. 428º, n.º 1, do Cod. Civil, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. Nos casos em que à prestação continuada de uma das partes (locador ... etc.) corresponde a prestação reiterada ou periódica da outra, pode esta suspender o cumprimento da obrigação a seu cargo, se a primeira interromper a sua prestação ou cumpriu defeituosamente.
3. Os danos não patrimoniais consistem, essencialmente, no sofrimento físico ou moral decorrente de ofensas à integridade física ou moral do lesado, podendo especificar-se, dentro deste âmbito, as dores físicas, os desgostos por perda de saúde ou de capacidade e integridade físicas ou intelectuais, a vergonha ou os desgostos resultantes de má imagem de carácter para com terceiros, etc. Porém, só são indemnizáveis quando, conforme exige o art. 496º, nº 1, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A avaliação desta gravidade tem que ser feita segundo um padrão objectivo.
4. É orientação consolidada na jurisprudência aquela segundo a qual as meras contrariedades, decorrentes, por exemplo do incumprimento de um contrato, não justificam, por falta da necessária gravidade, a atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais, na medida em que a noção corrente de uma simples contrariedade ou incómodo possa traduzir um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do art. 496º do CC.

Texto Integral

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Q, L.da, intentou acção com processo comum sob a forma de processo sumária contra A e Maria, pedindo que se condene as RR. a pagarem-lhe a quantia de esc. 966.774$00, acrescida de juros sobre o capital à taxa legal até pagamento.
Para tanto, e em síntese, alega:
- que organizou a Festa da Gastronomia 98, em Alcochete, a ter lugar entre meados de Maio de 1998 e 30 de Setembro de 1998;
- que a A. autorizaria as RR. a utilizar o espaço para restaurante (Tasquinha), aí comercializando pratos que identificam;
- que as RR. não pagaram as prestações acordadas correspondentes aos períodos de 29.05 a 30.09.

Regularmente citadas, as RR. contestaram dizendo:
- que apenas acederam a participar na feira em face das garantias e promessas feitas pela A.;
- que essas promessas consistiram numa ampla divulgação do evento e na associação de operadores turísticos e na garantia de segurança para a feira;
- que em face do incumprimento por parte da A. das garantias prestadas, não publicitando a feira, não encaminhando visitantes e não promovendo animação cultural, o que se reflectiu na manifesta falta de clientes da feira, abandonaram a mesma.
Deduziram pedido reconvencional, pedindo que a A. seja condenado a pagar-lhes o montante de esc. 200 000$00, bem como a devolver-lhes o montante da taxa de inscrição que pagaram, no montante de esc. 117.000$00.
Alegaram, para tanto, que sofreram danos não patrimoniais, no valor que quantificam, para cada uma, em esc. 100.000$00, pelas noites de insónia e de profunda preocupação pelo logro de que foram alvo, a que a A. deu causa. Que o negócio deve ser resolvido e, em consequência, ser-lhes devolvido o montante daquela taxa.

A A. respondeu pugnando pelo desatendimento das pretensões das RR.
Foi elaborado despacho saneador, declarando-se inexistirem excepções de que cumprisse conhecer. Foram fixados os factos assentes e elaborada base instrutória, sobre os quais não recaíram reclamações.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
A matéria de facto foi respondida.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo-se as RR. do pedido. O pedido reconvencional foi julgado parcialmente procedente, condenando-se a A. a pagar a cada uma das RR. a quantia de 250 euros, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a A. do remanescente peticionado.

Inconformada a A. apelou da sentença e, no essencial, formulou as seguintes conclusões:
1. O Tribunal não pode incluir na resposta à matéria de facto questões de direito.
2. Ao considerar provados os pontos 19, 20 e 21 da sentença recorrida (pontos 12, 13 e 14 da resposta à matéria de facto) o Tribunal "a quo" respondeu a questões de direito que por isso devem ter-se por não escritas (artigo 646°, n° 4, do Código de processo Civil).
3. Não se tendo provado em que momentos, a autora terá anunciado às rés o seu projecto de Festa da Gastronomia como sendo um evento inquestionável; informado as rés que o projecto contava com o apoio da Câmara Municipal de Alcochete (...); dito às rés que traria excursões em visitas à Feira ( ), informado as rés que durante o período da Feira – de 17 de Maio de 1998 a 30 de Setembro de 1998 – se realizariam diariamente eventos culturais, não é possível determinar se esses eventos influenciaram o comportamento das rés ao assinar o contrato e o regulamento com a autora,
4. O ponto 23º da sentença questionada (ponto 16º da resposta a matéria de facto) não identifica quais factos determinantes para que as rés celebrassem o “referido acordo".
5. A autora nunca se obrigou perante as rés em nada que não conste do teor dos documentos supra referidos, nomeadamente, a realizar e/ou organizar excursões à Feira, a instalar parques de diversões, etc, pelo que não é possível considerar verificada, desde logo, a excepção de não cumprimento constante do artigo 428° do Código Civil.
6. Não se poderia considerar, como se considerou, que as rés recusaram o cumprimento das obrigações pecuniárias a que estavam obrigadas pelo facto de a autora não ter realizado um conjunto de actividade e/ou proporcionado certos resultados a que por nenhum melo se obrigou.
7. Não é possível confundir um alegado incumprimento com uma alteração anormal, imprevisível e superveniente das circunstâncias e muito menos estas com o risco inerente às actividades comerciais.
8. A alteração das circunstâncias tem de ser exterior à vontade das partes.
9. A responsabilidade civil implica necessariamente o facto danoso, a ilicitude do facto danoso, a culpa, o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
10. Incumprimento não é facto: é um efeito jurídico; o art. 798º do CC não impõe à A. qualquer acto ou omissão e não foi consequentemente explicado de onde decorre a culpa da A.
11. O incumprimento de um contrato não pode ser causa adequada de noites de insónia e preocupação, ainda por cima quando o incumprimento é de quem sofreu as insónias e a preocupação.
12. A sentença em recurso violou o disposto no n° 4 do artigo 646° do Cóldigo de Processo Civil e no artigo 28°, no artigo 483º, n°1 e 2, no

798°, e no artigo 815°, n° 2, do Código Civil.
13. Pelo que deve ser revogada e substituida por outra que condene as rés como pedido pela autora na petição inicial e que absolva a autora do pedido reconvencional contra ela deduzido pelas rés.
Contra-alegaram as Rés que concluíram pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que, conhecendo da Apelação, cabe aqui analisar, para além da requerida alteração da matéria de facto, se estão verificados ou não os pressupostos da excepção do não cumprimento; se são ressarcíveis os danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual e, em caso afirmativo se no caso concreto se tais danos merecem a tutela do direito.
Saliente-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, de acordo com o disposto nos rats.660º, nº 2 e 713º, nº 2 do CPC.

II - FACTOS PROVADOS
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à promoção de eventos gastronómicos e afins (A).
2. As Rés são comerciantes e dedicam-se à venda de petiscos (B).
3. A Autora e as Rés assinaram um documento a que deram o nome de "contrato de utilização de espaço para restaurante na "Festa de Gastronomia 98"(G).
4. A Autora e a Ré assinaram um documento a que deram o nome de regulamento da "Festa da Gastronomia 98"(D).
5. A Ré procedeu ao pagamento da quantia de 117.000$00 (€583.59) a título de inscrição e participação na "Festa da Gastronomia 98"(E);
6. As Rés em meados de Junho de 1998, levaram do recinto da feira "Festa da Gastronomia 98"; as máquinas, aparelhos, utensílios e produtos(F).
7. As Rés não pagaram à Autora as prestações correspondentes aos seguintes períodos:
A) de 29/05 a 12/06/98 – vencida em 13 de Junho de 1998;
B) de 13/06 a 27/06/98 – vencida em 28 de Junho de 1989;
C) de 28(06 a 12/07/98-vencida em 13 de Julho de 1998;
D) de 13/07 a 27/07/98 – vencida em 28 de Julho de 1998;
E) de 28/07 a 11/08/98 — vencida em 12 de Agosto de 1998;
F) de 12/08 a 26/08/98- vencida em 27 de Agosto de 1998;
G) de 27/08 a 10/09/98 – vencida em 11 de Setembro de 1998;
H) de 11/09 a 25/09/98 - vencida em 11 de Setembro de 1998;
I) de 26/09 a 30/09/98 – vencida em 30 de Setembro de 1998(G);
8. A A. entregou às Rés o espaço que lhes foi atribuído na "Festa da Gastronomia 98" em Alcochete, para aí instalarem o seu estabelecimento, na última semana de Maio de 1998(1°).
9. Logo após as Rés transportaram para esse local máquinas, aparelhos, utensílios e produtos(2°).
10. E instalaram nesse espaço o seu estabelecimento (3°).
11. No final de Junho de 1998, as Rés cessaram a exploração desse seu estabelecimento (4°).
12. Saíram do espaço que lhes foi distribuído (5°).
13. A Autora assegurou às Rés o fornecimento de água e electricidade (6°).
14. As Rés consumiram essa água e electricidade (7°).
15. A Autora anunciou às Rés o seu projecto de Festa de Gastronomia como sendo um evento de qualidade inquestionável, da responsabilidade de uma empresa de sólida reputação e experiência no ramo da promoção de eventos gastronómicos e afins (8°).
16. Para isso, a Autora informou as Rés de que o projecto contava com o apoio da Câmara Municipal de Alcochete, município a que pertence a localidade de Samouco onde a Festa se iria desenvolver durante cerca de quatro meses e meio (9°).
17. A Autora disse às Rés que traria excursões em visitas à Feira, a partir da Expo, em autocarros e em viagens por ela promovidas e já organizadas, perspectivando cerca de 750.000 visitantes durante o período da Feira(10°).
18. A Autora informou igualmente as Rés de que, durante o período da Feira – de 17 de Maio a 30 de Setembro de 1998 – se realizariam diariamente eventos culturais, designadamente, espectáculos musicais, no recinto e em horário apelativo, para o que ali montou um palco e instalou a necessária aparelhagem sonora (11°).
19. Prometeu a Autora a instalação de um grande parque de diversões no recinto da Feira a que chamou Parque infantil e Parque radical, sabedora do grande poder de atracção destes parques (12°).
20. Garantiu ainda a Autora que todas as instalações seriam cuidadosamente vigiadas por pessoal da sua responsabilidade, bem como vedado o acesso a estranhos fora do horário de funcionamento da feira colocando, para o efeito, guardas e porteiros por si contratados (13°).
21. E garantiu também, que as entradas e saídas do público se fariam por portas diferentes e em pontos quase opostos do recinto, de forma a levar as pessoas a circularem por toda a extensão do mesmo e, por via disso, serem conhecidos e utilizados todos os serviços prestados na feira (14°).
22. A Autora referiu às Rés que havia contratado grupos musicais e outros espectáculos culturais para actuarem diariamente durante todo o período da Feira (15°).
23. Foram estes factos determinantes para que as Rés celebrassem o referido acordo (16º).
24. A referida feira só veio a ser aberta em 29 de Maio de 1998 pelas 19.00 horas e não no dia 17 de Maio como estava previsto, pois as obras para a laboração dos feirantes, designadamente a construção de sanitários, levantamento de paredes e colocação de coberturas, para instalação das diferentes explorações, só terminaram em 28 de Maio de 1997, não obstante nunca ter terminado a pavimentação do recinto (17º).
25. Foram as Rés que colocaram no seu estabelecimento o lava-louças e esquentador (18°).
26. Houve espectáculos cancelados pela Autora por mau tempo e fracas receitas de bilheteira (20°).
27. Em fins de Junho de 1998, a Autora levantou as instalações sanitárias (24°).
28. Durante o primeiro mês da feira, a empresa que instalara e montara o palco, bem como os responsáveis pelo som, procederam à sua remoção (25°).
29. A Autora garantiu também às Rés e feirantes com restaurantes que lhes seriam fornecidas cadeiras e mesas de esplanada e chapéus de sol, cedidas pela distribuidora da Central de Cervejas, a Unicervi, pela exclusividade cerveja, mas que não se veio a verificar (27°).
30. Em finais de Junho foi cortado o fornecimento de energia eléctrica no recinto da feira (28°).
31. A partir de finais de Junho de 1998, nenhum representante da A. apareceu no recinto da Feira (29°).
32. Desde finais de Junho, não houve mais bombeiros, porteiro, funcionário de bilheteira ou mesmo vigilantes na Feira, tendo a GNR deixado, também, de aí comparecer, porque a Autora que requisitara agentes de início, apos algumas semanas prescindiu dos eus serviços (30°).
33. Os únicos artistas conhecidos pelo público em geral, que estiveram presentes na Feira, foram António Calvário e Cândida Branca Flor nos dois primeiros dias da Feira, já que depois, só actuou, uma ou duas vezes, o pequeno grupo folclórico da localidade (31°).
34. Em finais de Junho de 1998, o sócio da Autora, Gomes de Sá, reuniu com os feirantes na busca de soluções para o fracasso da feira (32°).
35. O dia 10 de Junho de 1998 foi o único dia com maior afluência porque os feirantes pagaram as entradas a todas as pessoas que ali foram, com o atractivo de uma pequena largada de um bezerro, já que trocaram todos os bilhetes de entrada por bebidas, que gratuitamente, forneceram (34°).
36. As Rés mantiveram-se na feira, esperando da Autora uma atitude de remediação(35°).
37. A partir de meados de Junho, a feira já não tinha vigilância, segurança ou policiamento (36°).
38. As Rés retiraram do recinto os seus bens para evitar o seu descaminho (37°).
39. A autora prescindiu dos agentes da GNR que deviam garantir a segurança, bem como não assegurou todos os serviços de vigilância a partir de 10 de Junho de 1998 (38°).
40. Entre Maio e Julho de 1998, as Rés tiveram inúmeras noites de insónia e preocupação (40°).
41. Para promoção e divulgação da Feira, em Abril e Maio, a autora divulgou a Feira dos autos na televisão, rádio e jornais (41°).
42. Em Abril e Maio a A. colocou cartazes e faixas publicitárias, distribuiu panfletos e fez circular uma viatura com aparelhagem de som a anunciar a "Feira da Gastronomia 98" (42°)

III – O DIREITO
1. Matéria de facto/matéria de direito
Diz a A. que as palavras “promessa” e “garantia” são conceitos jurídicos, pelo que ao ter empregue os referidos termos nas respostas aos arts. 12, 13 e 14 da resposta à matéria de facto, o Tribunal "a quo" respondeu a questões de direito que por isso devem ter-se por não escritas.
Vejamos.
Não sendo isenta de dificuldades a delimitação entre o direito e o facto, enuncia A. Reis os seguintes critérios gerais de orientação: "É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei." (1).
Como lembra José Osório (2), o “julgamento da matéria de facto tende (...) a descrever uma situação ou acontecimento concreto da vida real, com vista à aplicação das normas jurídicas que a abrangem. Ora as normas jurídicas, destinadas a reger situações ou factos da vida real, contêm geralmente também a descrição da situação a que pretendem aplicar-se. O primeiro acto de julgamento no domínio jurídico consiste precisamente em verificar se a situação de facto averiguada através do julgamento de facto se ajusta à descrição da situação prevista pela norma, consiste, digamos, num juízo de comparação entre aquelas duas situações, uma real outra hipotética”.
Felizmente, no caso dos autos, essa tarefa de delimitação não apresenta dificuldades de maior, sendo certo que não foi violado o art. 646º, nº 4 do CPC, como se constata pela simples leitura das respostas e causa:
Art. 12º: Prometeu a Autora a instalação de um grande parque de diversões no recinto da Feira a que chamou Parque infantil e Parque radical, sabedora do grande poder de atracção destes parques.
Art. 13º: Garantiu ainda a Autora que todas as instalações seriam cuidadosamente vigiadas por pessoal da sua responsabilidade, bem como vedado o acesso a estranhos fora do horário de funcionamento da feira colocando, para o efeito, guardas e porteiros por si contratados.
Art. 14º: E garantiu também, que as entradas e saídas do público se fariam por portas diferentes e em pontos quase opostos do recinto, de forma a levar as pessoas a circularem por toda a extensão do mesmo e, por via disso, serem conhecidos e utilizados todos os serviços prestados na feira.
Assente ficou, portanto, na resposta ao art. 12º da base instrutória que a A. prometeu, isto é, deu a sua palavra, comprometeu-se a instalar, no recinto, um grande parque de diversões.
Assente ficou, também, nas respostas aos arts. 13º e 14º da base instrutória que a A. garantiu, isto é, afiançou, assegurou que todas as instalações seriam vigiadas por pessoal da sua responsabilidade, que seria vedado o acesso a estranhos fora do horário de funcionamento da feira, que as entradas e saídas do público se fariam por portas diferentes e em pontos quase opostos do recinto, de forma a conhecidos e utilizados todos os serviços prestados na feira.
No contexto em que são empregues, as referidas expressões, não são, obviamente, conceitos jurídicos.
Mantêm-se inalteradas as respostas aos arts. 12º, 13º e 14º da base instrutória.

2. Argumenta, também a A. que não se tendo provado quando é que anunciou às Rés o seu projecto de Festa de Gastronomia, informou as Rés de que o projecto contava com o apoio da Câmara Municipal de Alcochete, disse que traria excursões em visitas à Feira ou quando informou que durante o período da Feira – de 17 de Maio a 30 de Setembro de 1998 – se realizariam diariamente eventos culturais, não é possível determinar se esses eventos influenciaram o comportamento das Rés ao assinar o contrato e o regulamento com a autora.
Porém, não tem razão. Basta ter presente o contexto factual dado como provado nos arts. 8º a 15º, da base instrutória e que se alicerça nos factos articulados, bem como os tempos verbais empregues, para, facilmente, se concluir que as referidas informações e promessas se reportam a factos ocorridos antes da formalização do acordo.

3. Mais diz a A. que no ponto 23º da sentença (art. 16º da resposta a matéria de facto) não se podem identificar quais factos determinantes para que as Rés celebrassem o referido acordo, como também não é possível identificar qual o acordo (se o constante do ponto 3 da sentença se o referido no ponto 4 da mesma ou outro qualquer), matéria que seria, sobretudo, relevante, se estivesse em causa, por exemplo, a anulabilidade do contrato por dolo.
Também se afigura fácil e evidente a resposta.
Basta, mais uma vez, ter presente o contexto factual dado por assente e os articulados, para se perceber que “estes factos”, são exactamente os que constam das respostas aos artigos que antecedem o art. 23º e que com ele estão conexionados, isto é, os factos elencados nas respostas aos arts. 8º a 15º.
Assim, da resposta ao art. 16º consta, com clareza, que os factos dos arts. 8º a 15º foram determinantes no sentido de levarem Rés celebrarem, em 2 de Maio de 1998, o contrato de utilização de espaço para restaurante na "Festa de Gastronomia 98", de onde resulta que a vontade de contratar das Rés teve como pressuposto a verificação das garantias
Improcedem, nesta parte as conclusões da A.

4. Da excepção do não cumprimento
A A. alicerçou a sua pretensão no alegado incumprimento contratual por parte das RR., que não suportaram o pagamento a que se haviam obrigado pela ocupação do espaço Tasquinha, sendo certo que apenas pagaram a quantia de esc. 117.000$00, a título de inscrição e participação na Feira de Gastronomia 98.
A primeira observação que cabe é a de que a prestação a que a A. se obrigou foi a de proporcionar às Rés a utilização para fins comerciais de um espaço integrado num todo organizado e valorizado pelos chamados serviços, que constituem e integram o cerne da prestação da autora, ou, o que é o mesmo, fazem parte, em tal tipo de contrato, do dever principal, primário ou típico que constitui aquela prestação.
As prestações a pagar pelas Rés não eram devidas pela simples cedência do espaço, mas sim pela cedência de um espaço especial, capaz de atrair clientela e proporcionar maiores lucros, por se encontrar integrado no referido todo organizado, beneficiando dos identificados serviços e de que se dá nota na sentença recorrida.
Acontece que a A. cumpriu defeituosamente a sua prestação porquanto, por um lado, a referida feira só veio a ser aberta em 29 de Maio de 1998 e não no dia 17 de Maio como estava previsto, pois as obras para a laboração dos feirantes só terminaram em 28 de Maio de 1997, não obstante nunca ter terminado a pavimentação do recinto.
A A. nunca chegou a fornecer aos feirantes, incluindo as Rés, cadeiras e mesas de esplanada e chapéus-de-sol, cedidas pela distribuidora da Central de Cervejas.
Durante o primeiro mês da feira, a empresa que instalara e montara o palco, bem como os responsáveis pelo som, procederam à sua remoção.
Os únicos artistas conhecidos pelo público em geral, que estiveram presentes na Feira, foram António Calvário e Cândida Branca Flor nos dois primeiros dias da Feira, já que depois, só actuou, uma ou duas vezes, o pequeno grupo folclórico da localidade, apesar de a A. ter prometido a realização diária de eventos culturais.
Além disso, pese embora a Feira devesse estar aberta até 30 de Setembro de 1998, em fins de Junho de 1998, a A. levantou as instalações sanitárias.
Embora a A. tivesse prometido a vigilância de todas as instalações, a partir de meados de Junho, a feira já não tinha vigilância, segurança ou policiamento, tendo a GNR deixado, também, de comparecer, porque a A., que requisitara agentes de início, prescindiu dos eus serviços.
Também, em finais de Junho foi cortado o fornecimento de energia eléctrica no recinto da feira e levantaram as instalações sanitárias.
Tais factos inviabilizaram a continuação da permanência das Rés, que retiraram, em meados de Junho, do recinto os seus bens para evitar o seu descaminho, porque, como ficou provado, a feira deixou de ter vigilância, segurança ou policiamento.
Este conjunto de factos inviabilizaram, por certo, a continuação da exploração do local pelas Rés.
Desta sorte, encontra justificação, à luz do disposto no art. 428º do Cód. Civil, a atitude das Rés, no sentido de suspender o pagamento das prestações, sendo certo que a A. não “corrigiu” os defeitos da sua prestação e que o cumprimento pela A. já não é possível em relação ao tempo que passou, um vez que a feira iria funcionar até 30 de Setembro de 1998.
A consequência desta circunstância não pode ser a de obrigar as Rés a pagar as prestações como se nada tivesse acontecido, o que, constituiria um prémio para a A., que incumprido, ou cumprindo defeituosamente, ainda assim recebia as prestações como se o contrato se tivesse cumprido pontualmente.

4.1. De harmonia com o disposto no art. 428º, n.º 1, do Cod. Civil, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo.
A excepção só funciona em relação às prestações interdependentes pois só assim se pode afirmar a correspectividade que constitui a sua razão de ser e é oponível quer no caso de falta integral de cumprimento quer no de cumprimento parcial ou defeituoso, contanto que a sua invocação não contrarie o princípio da boa fé constante do art. 762º, n.º 2, do CC.
A propósito, António Varela (3) refere que, nos casos em que à prestação continuada de uma das partes (locador ... etc.) corresponde a prestação reiterada ou periódica da outra, pode esta suspender o cumprimento da obrigação a seu cargo, se a primeira interromper a sua prestação ou cumpriu defeituosamente.
O que é justo e está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais espelhado no art. 428º CC, é que o contratante que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual (4).
Não aplicar ao dever de indemnizar correspondente ao cumprimento defeituoso da obrigação, quando esta seja uma obrigação sinalagmática, o mesmo regime da reciprocidade seria, além de uma ilegalidade (por contrária ao espírito do art.º 428º do Cód. Civil e de outras disposições afins), uma injustiça, na medida em que constituiria um verdadeiro prémio para quem prevaricou” (5).
Bem andou a sentença recorrida ao concluir pela verificação da previsão aludida no art.428.°/1 do C.C.: a excepção de não cumprimento do contrato, que confere às RR. a faculdade de recusar a sua contraprestação.
Assim, apurando-se que o incumprimento da A. é definitivo, na medida em que está decorrido, há muito, o período da realização da Feira, a recusa de prestação é, também ela, definitiva.
Tanto basta para que se conclua, tal como a sentença recorrida, que a presente acção está votada ao insucesso.

5. Da indemnização por danos morais na responsabilidade contratual
As RR. deduziram pedido reconvencional, pedindo que a A. seja condenada a pagar-lhe o montante de esc. 200 000$00 (100.000$00 para cada uma), por força dos prejuízos não patrimoniais que sofreram, com noites de insónia e profunda preocupação, ocorridos como consequência do incumprimento do contrato por parte da A.
A sentença recorrida atendeu parcialmente este pedido, condenando a A. a pagar a cada uma das Rés a quantia de 250 €.
Alega a A. que o pedido reconvencional que a condenou no pagamento de uma indemnização a favor das AA. por danos morais, não pode proceder, porque o incumprimento não é facto, é um efeito jurídico. O art. 798º do CC não impõe à A. qualquer acto ou omissão e não foi consequentemente explicado de onde decorre a culpa da A. Além disso, o incumprimento de um contrato não pode, sem mais, ter-se como causa adequada de noites de insónia e preocupação.
Vejamos.
A inserção sistemática do art. 496º do CC, integrado na regulamentação da responsabilidade extracontratual, não implica a não extensão do princípio contido no seu nº 1 à responsabilidade contratual. Por outro lado, não se não vêem razões que desaconselhem seriamente a extensão analógica do art. 496º, nº 1, à responsabilidade contratual ou, por outra via, uma interpretação ampla dos arts. 798º e 804º quando falam em "prejuízo" e em "danos" sem concretizar o seu âmbito. Será suficiente, para não estender demasiadamente o risco de incerteza no plano negocial, a observância cuidadosa do princípio segundo o qual os danos não patrimoniais só são indemnizáveis quando a sua gravidade o justifique.
E não se argumente com a ideia segundo a qual o CC terá regulado de forma estanque as duas formas de responsabilidade civil - a contratual e a extracontratual -, aproveitando a secção dedicada à obrigação de indemnização para aí regulamentar os pontos comuns a uma e a outra. Na verdade, ninguém poderá negar que é no campo da responsabilidade contratual que se encontra uma disposição específica para os casos de mora na responsabilidade extracontratual - o art. 805º, nº 3.
Portanto, é opinião francamente maioritária, na doutrina e na jurisprudência, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual (6).
Como se pode ler no acórdão do STJ de 17/1/1993 (7), os artigos 798º e 804º, nº1 do CC, ao referirem-se, no domínio da responsabilidade contratual, e sucessivamente, à ressarcibilidade do prejuízo causado ao credor e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não distinguem entre uma e outra classe de danos, não limitam a responsabilidade do devedor aos danos patrimoniais.

5.1. Importa, contudo, verificar se os danos não patrimoniais têm, gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito (artigo 496 do C. Civil), para além do necessário nexo de causalidade entre os factos e tais danos.
A basear o pedido de danos não patrimoniais as Recorridas alegaram que durante o período de Maio a Julho de 1998 durante o qual as Rés viram goradas as suas expectativas, tiveram inúmeras noites de insónia e preocupação pelo logro de que foram alvo.
A este respeito ficou provado que, entre Maio e Julho de 1998, as RR. tiveram inúmeras noites de insónia e preocupação.
Estes factos foram, pela 1ª instância, tidos como idóneos para fundar uma indemnização de 250€ a título de danos não patrimoniais.

Ora, os danos não patrimoniais consistem, essencialmente, no sofrimento físico ou moral decorrente de ofensas à integridade física ou moral do lesado, podendo especificar-se, dentro deste âmbito, as dores físicas, os desgostos por perda de saúde ou de capacidade e integridade físicas ou intelectuais, a vergonha ou os desgostos resultantes de má imagem de carácter para com terceiros, etc.
Porém, só são indemnizáveis quando, conforme exige o art. 496º, nº 1, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A avaliação desta gravidade tem que ser feita segundo um padrão objectivo (8).
É orientação consolidada na jurisprudência aquela segundo a qual as meras contrariedades não justificam, por falta da necessária gravidade, a atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais (9), na medida em que a noção corrente de uma simples contrariedade ou incómodo possa traduzir um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do art. 496º do CC.
Importa, portanto, ter presente se as consequências do incumprimento se situam ou não ao nível das contrariedades irrelevantes, ou se têm gravidade suficiente para serem indemnizadas. Essa valoração será feita em função do conhecimento que delas se tenha em concreto.
Mas, no caso dos autos, afigura-se que este conhecimento não foi obtido de maneira modelarmente expressiva.
Ora, o dano não patrimonial não pode residir, parece-nos, no facto de o acordo ter sido incumprido, nomeadamente quanto ao início e termo da Feira e quanto às condições do recinto, mas nas consequências de ordem moral que podem daí advir; e sobre elas, bem vistas as coisas, alegaram as Rés que tinham tido noites de insónias e preocupação porque viram goradas as suas expectativas, o que nos parece pouco para, nestas circunstâncias, se terem como indemnizáveis as contrariedades sofridas.
Certamente que o incumprimento de um qualquer contrato provocará no lesado preocupações, ansiedade que se reflectirão o seu estado de espírito, mas nem por isso se pode dizer, que têm direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Ademais, no caso dos autos, as Rés, não podiam desconhecer que o negócio, qualquer que seja, envolve um risco próprio, sendo certo que, no caso, nem se provou a existência de danos patrimoniais, que, certamente, iriam agravar as consequências e por essa via, as preocupações e contrariedades das Rés. Também não se afigura que o comportamento da A. seja merecedor de especial censura, que denote, por exemplo, a intenção de enganar as Rés, como estas alegaram mas não provaram. Ao que parece, a própria A. acreditou no sucesso do evento.
Não se mostrando, portanto, verificada uma gravidade que justifique a protecção da lei, entende-se que, nesta parte, há que dar razão à A./Apelante, no sentido de não arbitrar qualquer indemnização às Rés, improcedendo o pedido reconvencional.

IV - DECISÃO
Termos em que, julgando parcialmente procedente por provada a apelação, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a A. a pagar a cada uma das Rés a quantia de 250 €, a título de danos não patrimoniais, pelo que, em consequência, julgando a reconvenção improcedente por não provada, absolve-se a A. desse pedido.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias, por A. e Rés, na proporção das respectivas sucumbências.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006.

(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)



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(1).-A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., vol. III, págs. 206 e 207.

(2).-José Osório, Julgamento de Facto, Rev. Dir. e de Estudos Sociais, VII, pag. 201.

(3).- (1) - In "Das Obrigações em Geral", I, 8ª edição, pág. 399.

(4).- (4) - In Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo IV, pág. 33.

(5).-Cfr. Ac. STJ de 3 de Abril de 2003 (Sousa Inês), www.dgsi.pt.

(6).-Ac. do STJ, de 17/1/1993, CJSTJ, ano I, tomo I, página 64 acórdãos do STJ de 17.11.1998 (Garcia Marques), in Colectânea - Supremo 1998, III, pg. 127, de 21.3.1995 (Torres Paulo), Boletim nº 445, pag. 487, de 10.11.1993 (Miranda Gusmão), Boletim nº 431, pag. 433, de 15.6.1993 (Martins da Fonseca), Boletim nº 428, pag. 530, de 3.2.1999 (Ribeiro Coelho) e ainda Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, página 486.

(7).-Ac. do STJ, de 17/1/1993, CJSTJ, ano I, tomo I, página64.

(8).-Antunes Varela, obra citada, Vol. I, 9ª edição, pg. 628

(9).-Acórdãos do STJ de 12/10/73, BMJ nº 230, pg. 107, e de 18/11/75, BMJ nº 251, pg. 148.