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DIREITO DE TAPAGEM
Sumário
I - O conteúdo do direito de propriedade, que confere ao seu titular o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º do Código Civil), sofre limitações decorrentes das relações de vizinhança. II - Essas limitações reflectem-se, designadamente, no direito de tapagem ou vedação expressamente consagrado no artigo 1356º do Código Civil, o qual reconhece ao dono de um prédio a faculdade de a todo o tempo o murar, valar, rodear de sebes ou tapá-lo de qualquer modo, impedindo, assim, que seja devassado. III - A inobservância das limitações impostas pelas relações de vizinhança no exercício desse direito, que variam consoante o tipo de tapagem usado (artigos 1357º a 1359º e 1370º e seguintes do Código Civil), tem consequências, sendo uma delas a presunção de comunhão do meio de tapagem utilizado. IV - Assim e no que se refere à vedação com sebes vivas, estas consideram-se, em caso de dúvida, pertencentes ao proprietário que mais precisa delas; se ambos estiverem no mesmo caso, presumem-se comuns, salvo se existir uso da terra pelo qual se determine de outro modo a sua propriedade. Servindo a árvore ou arbusto de marco divisório, não pode ser cortado ou arrancado senão de comum acordo. (FG)
Texto Integral
11
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.Relatório:
L e I intentaram no Tribunal Judicial de Povoação a presente acção declarativa de condenação, na forma sumária, contra G, Maria, S, pedindo a condenação dos réus a:
- deixarem de usar a cancela e de atravessar o quintal dos autores;
- procederem à demolição do muro e remoção dos materiais;
- replantarem a sebe arrancada com plantas iguais ou semelhantes, respeitando o existente e o conjunto do local.
Para tanto alegaram, em síntese, que compraram, por escritura de 10/02/1998, o prédio urbano de casa de habitação e quintal sito naS Furnas, cujo quintal corria na direcção norte-sul num comprimento de 48 m, sendo que este e dos dois vizinhos a nascente, Manuel e António, terminavam a sul em bico, formando três ângulos agudos, todos na mesma linha e confrontando todos a sul com um prédio de António.
A Câmara Municipal, em 1992/1993, cortou as extremidades dos três quintais e incorporou os terrenos na Avenida Vítor Rodrigues, ficando o quintal dos AA. a medir 47,30 m de comprimento e a confinar com a dita Avenida, sendo que a Câmara efectuou no muro de vedação uma cancela, dando acesso do quintal dos AA. para aquela Avenida, tendo os RR. conseguido que a Câmara lhes entregasse a chave da referida cancela, passando desde então a usá-la e a fazer caminho do seu quintal para a Avenida através da extremidade sul do quintal dos AA.
Os RR. lograram ainda obter uma sentença de 12/02/2002, ordenando aos AA. a restituição da posse de uma gleba de terreno que afirmavam ter sido comprada pelo seu pai a António Frias Sineiro e ocupada parcialmente pela Câmara para construção da nova avenida, sem nunca definirem a área e formato da mesma.
Em Julho de 2002 (aquando da confirmação daquela sentença pelo Tribunal da Relação de Lisboa) os RR. mandaram arrancar a sebe vegetal de alegrias de velho que separava os quintais de AA. e RR. a partir das residências, numa extensão de 47 m, escavaram o terreno, em parte no quintal dos AA., para abertura dos alicerces e iniciaram a construção de um muro de blocos de cimento de 20, o qual mede na sua totalidade 44,5 m de comprimento e 2,05 m de altura, corre no sentido norte-sul numa extensão de 26,70 m e flecte, em seguida, para nascente, ainda mais para dentro do quintal dos AA., numa extensão de 17,80 m, fazendo no seu final, a sul, um desvio de 0,35 m da parte norte sul para nascente no quintal dos AA..
Mais alegam que os RR., além de despejaram o entulho resultante no quintal dos AA., se preparavam para continuar o muro no sentido poente-nascente, pretendendo com a construção desta parte do muro voltar a cortar o quintal dos AA. em duas partes, deixando entre o muro e a parede da Avenida uma gleba de 2,80 m de comprimento, terreno do quintal dos AA., diferença entre o comprimento do muro (44,5 m) e o comprimento do quintal (47,30 m).
O muro foi construído sem o acordo dos AA., destrói a harmonia do local onde os quintais são todos separados por sebes vegetais e para a sua construção os RR. invadiram e ocuparam 0,70 m do quintal dos AA. com os alicerces do muro e o entulho lá despejado.
Na contestação os RR. excepcionaram o caso julgado, quanto ao primeiro pedido e defenderam-se por impugnação, alegando, em suma, que o arranque da sebe vegetal e a construção de um muro em blocos teve o acordo inicial da A., numa altura em que o A. marido se encontrava ausente no Canadá, sendo que os RR. tinham o direito de tapar a sua propriedade e exerceram um direito de defesa da reserva privada que não era conseguido com a sebe existente. Mais alegaram que a destruição do muro e replantação da sebe viva, que não custaria menos de € 1.500, é mais gravosa para os RR. do que o prejuízo da perda de terreno do quintal (correspondente a € 62,30), pelo que, os prejuízos sofridos pelos AA., a serem reparados, não o serão pela reposição natural da situação, mas mediante a fixação de justa indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º do Código Civil.
Deduziram pedido de condenação dos AA. em indemnização como litigantes de má fé e concluíram pela procedência da excepção de caso julgado quanto ao primeiro pedido, pela improcedência dos restantes pedidos formulados e a sua consequente absolvição ou, caso assim não se entenda, pela reposição do prejuízo decorrente da ofensa do direito de propriedade dos AA. pela construção do muro, mediante a fixação de indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º do Código Civil.
Na resposta os autores alegaram, em síntese, que a área da gleba em causa nunca foi adequadamente demarcada.
No despacho saneador foi julgada procedente a excepção do caso julgado invocada, absolvendo-se os RR. da instância quanto ao primeiro pedido (condenação dos réus a deixarem de usar a cancela e de atravessar o quintal dos autores) e condenando-se os AA. como litigantes de má fé no pagamento de uma multa de 60 UCs.
Dessa decisão agravaram os autores, recurso que foi admitido, tendo sido apresentada a respectiva alegação.
Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção quanto aos demais pedidos formulados, absolvendo-se os réus dos mesmos.
Inconformados, apelaram os autores, formulando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva:
1ª a sebe, objecto desta acção, é compropriedade cujos titulares são os RR e os AA.;
2ª nenhum comproprietário pode servir-se da coisa comum para fim diferente do que vem sendo utilizado sem o acordo dos outros co-proprietários; e
3ª menos ainda destruir a coisa comum sem este acordo - Cód. Civil arts. 1405, 1406 e 1408 n.° 1;
4ª os RR. destruíram e arrancaram a sebe na sua totalidade;
5ª substituíram-na por uma muralha - sempre sem o acordo dos outros co-proprietários;
6ª abriram vala e construíram fundações para o muro em parte no prédio dos AA. que ocuparam;
7ª o muro está em parte no prédio dos AA. e mesmo a partir de 21,80 a contar de norte flecte mesmo para nascente em 17,20 mts. todo no prédio dos AA.
8ª a destruição e arrancamento da sebe e a construção do muro são res inter alios acta em relação aos AA. co-proprietários da sebe;
9ª os AA. têm direito a exigir que os RR. reponham a situação anterior:
a) demolição do muro;
b) destruição das fundações;
c) remoção dos destroços;
d) reposição do terreno alterado pelos RR. na situação anterior;
e) replantação da sebe até ao muro da Avenida por ter sido arrancada até lá, conforme alínea 12) dos factos provados, fls. 653;
10ª covolando o caso para a responsabilidade civil a douta sentença de que se recorre violou os arts. 1405, 1406 e 1408 n° 1 do C. Civ..
Por isto, R. a VV. Exas. a revogação da sentença e a condenação dos RR.:
a) na realização das obras descritas nas alíneas a) a e) da conclusão anterior;
b) uma vez replantada a sebe em toda a sua extensão, até ao muro da Avenida, respeitar a sebe que divide os prédios e deixar de usar a passagem para a cancela instalada neste muro; e
c) no pagamento das custas e procuradoria.
Na contra alegação os réus pugnaram pela manutenção do julgado.
Cumprido o disposto no artigo 748º do Código de Processo Civil relativamente ao agravo retido, foi, por despacho proferido a fls. 694, julgada extinta a instância de recurso quanto ao mesmo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Fundamentos: 2.1. De facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
a) Os AA. compraram a Manuel e esposa L, residentes em Toronto, Canadá, por escritura de 10 de Fevereiro de 1998, o prédio urbano de casa de habitação e quintal na Rua das Caldeiras, n.º 6, nas Furnas (alínea A).
b) Por decisão proferida no processo n.º 37/1999, foi reconhecida a posse dos RR. sobre a gleba de terreno que confronta a Norte com o prédio urbano constituído por casa de habitação de dois andares, sótão e quintal, sito na Rua das Caldeiras, freguesia das Furnas, concelho de Povoação, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1529, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 529 e a Sul com o muro que ladeia a Av.ª Vítor Rodrigues, que permite o acesso daquele prédio a esta avenida, tendo os agora AA. sido condenados na restituição desta gleba terreno aos actuais RR., bem como na reconstrução do muro destruído, bem como na replantação da sebe também destruída e remoção do quintal dos RR da totalidade dos destroços e entulho por si para ali arremessados em 27 de Janeiro de 1999 (alínea B);
c) Os RR. procederam ao arranque de sebe vegetal das “alegrias do velho” que separava os quintais de AA. de RR. (alínea C);
d) Em 23 e 24 de Julho de 2002, os RR. construíram um muro divisório dos dois quintais das duas propriedades (alínea D);
e) Este muro: Foi construído em blocos de 20 cm; Tem o seu início junto às residências de AA. e RR.; Assenta em alicerces (alínea E);
f) A construção do muro custou aos AA. a quantia de € 3.390,09 (alínea F);
g) A sebe arrancada e referida em 3) foi-o numa extensão 39 metros (1º);
h) No seu final a sul, o muro referido em d) faz um desvio no alinhamento a partir do meio, no sentido norte-sul para nascente, de mais de 35 cm (4º);
i) A extremidade sul do muro apresenta um desvio na extensão de 2 metros devido à flexão deste para nascente (5º);
j) O muro referido em d).: - corre no sentido norte-sul a partir das residências, na extensão de 21,80 metros; - a partir daí flecte para nascente numa extensão de 17,2 metros; - tem uma altura média de 1,75 metros do lado poente e de cerca de 1,95 metros do lado nascente (7º).
l) Os RR. despejaram o entulho resultante no quintal dos AA., o qual foi posteriormente retirado (8º);
m) A partir da extremidade sul do muro há uma escavação pelo arranque da sebe vegetal na extensão de 2 metros (9º);
n) A sebe vegetal não era em linha recta desde as casas até final, mas flectia a nascente, apresentando um maior ângulo de abertura (15º);
o) O muro foi construído a meio do referido alicerce desde as casas até ao ponto em que flecte a nascente (16º);
p) O quintal dos AA. não vale mais de € 20 por metro quadrado, tendo como pressuposto o facto de o terreno não ter acesso à Av.ª Vítor Rodrigues (25º);
q) Caso o citado muro ocupasse na sua extrema sul 0,35 metros, numa extensão de 17,80 metros, a área ocupada, em forma de triângulo, no quintal dos AA., seria de 3,11 metros quadrados (27º);
r) A destruição do muro, incluindo o seu alicerce e a replantação das sebes vivas custaria cerca de € 2.500 (28º).
2.2. De direito: 2.2.1. Está apenas em causa o recurso de apelação interposto pelos autores.
Delimitado o seu objecto, como é sabido, pelas conclusões da respectiva alegação, cumpre, desde já, referir que não cabe aqui apreciar a questão suscitada na alínea b) da conclusão 10ª, que versa sobre o uso pelos réus da passagem para a cancela instalada no muro da Avenida Victor Rodrigues, por a tal obstar o caso julgado material formado pela sentença proferida em 13 de Janeiro de 2002 no processo nº 37/1999, confirmada por acórdão desta Relação proferido em 20 de Junho de 20002, excepção dilatória suscitada pelos réus e julgada procedente, com trânsito em julgado, no despacho saneador proferido nos presentes autos, com a consequente absolvição dos mesmos da instância quanto ao correspondente pedido formulado pelos autores em primeiro lugar (artigos 497º, 671º nº 1, 672º e 673º).
A autoridade do caso julgado material referido e do caso julgado formal, este decorrente da decisão da aludida excepção dilatória, que lhe conferiu força obrigatória dentro deste processo, impedem que sobre tal questão se emita de novo pronúncia.
2.2.2. Posto isto,coloca-se como questão a decidir, em face da síntese conclusiva formulada pelos autores, ora apelantes, saber se pode ter acolhimento a pretensão que deduziram de condenação dos réus a destruir o muro divisório que edificaram e a replantar a sebe que arrancaram e que separava os quintais dos autores e dos réus.
O conteúdo do direito de propriedade, que confere ao seu titular o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º do Código Civil), sofre limitações decorrentes das relações de vizinhança. Como refere Luís Carvalho Fernandes(1), “a contiguidade ou proximidade que frequentemente existe entre os prédios, sejam rústicos, sejam urbanos, faz com que o exercício de direitos reais sobre um deles se projecte sobre prédios vizinhos ou, com mais rigor, sobre o interesse de quem quanto a eles detém direitos. Por isso se fala, com propriedade, de limitações impostas por relações de vizinhança.”
Essas limitações reflectem-se, designadamente, no direito de tapagem ou vedação expressamente consagrado no artigo 1356º do Código Civil, o qual reconhece ao dono de um prédio a faculdade de a todo o tempo o murar, valar, rodear de sebes ou tapá-lo de qualquer modo, impedindo, assim, que seja devassado.
Trata-se de um direito potestativo inerente ao direito de propriedade, que pode ser exercido a todo o tempo, sendo, por isso, imprescritível. Porém, a inobservância das limitações impostas pelas relações de vizinhança no exercício desse direito, que variam consoante o tipo de tapagem usado (artigos 1357º a 1359º e 1370º e seguintes do Código Civil), tem consequências, sendo uma delas a presunção de comunhão do meio de tapagem utilizado.
Assim e no que se refere à vedação com sebes vivas, dispõe o nº 2 do artigo 1359º do Código Civil que estas se consideram, em caso de dúvida, pertencentes ao proprietário que mais precisa delas; se ambos estiverem no mesmo caso, presumem-se comuns, salvo se existir uso da terra pelo qual se determine de outro modo a sua propriedade, estabelecendo o artigo 1369º do mesmo código que, servindo a árvore ou arbusto de marco divisório, não pode ser cortado ou arrancado senão de comum acordo.
Esta presunção legal de comunhão traduz-se num caso de compropriedade. Tem, segundo P. Lima e A. Varela (2), a natureza pro indiviso, sendo-lhe aplicáveis as disposições da compropriedade, o que dispensa, designadamente, a remissão para o artigo que regula, na compropriedade, a contribuição dos consortes para as despesas de conservação da coisa.
Assim, valerá nesta matéria o regime-regra da compropriedade definido nos artigos 1403º e seguintes do Código Civil, em tudo o que não se não mostre incompatível com as normas que a regulam e as características especiais da comunhão em causa (3).
No caso vertente, provou-se com relevo para o conhecimento do objecto do recurso que os autores e os réus são proprietários de prédios urbanos confinantes, tendo os réus procedido ao arranque, numa extensão de 39 metros, da sebe vegetal constituída por “alegrias do velho” que separava os quintais dos autores e dos réus e construído um muro divisório dos ditos quintais em blocos de 20 cm e assente em alicerces, que corre no sentido norte-sul a partir das residências dos autores e dos réus na extensão de 21,80 metros, flectindo daí para nascente numa extensão de 17,2 metros.
Não resulta da factualidade provada que a sebe vegetal em questão tenha sido plantada pelos autores ou pelos réus dentro das estremas dos respectivos quintais, nem a mesma evidencia que algum dos proprietários - autores ou réus – dela mais precisa, pelo que, na ausência de alegação e prova de que exista uso da terra pelo qual se determine de outro modo a quem pertence, tem de considerar-se que aquela sebe viva é comum, por força da presunção legal contida no já citado artigo 1359º nº 2 do Código Civil.
Logo, servindo aquela sebe de marco divisório, uma vez que ficou provado que “separava os quintais” dos autores e dos réus, não poderia ser arrancada senão de comum acordo.
Acontece que os réus procederam ao seu arranque, numa extensão de 39 metros, sem que tal acordo tivesse existido, pois que, tendo-o alegado, o não provaram, e construíram um muro divisório dos dois quintais, violando dessa forma o direito de propriedade de que os autores são contitulares.
A conduta dos réus não cabe no exercício do poder individual de uso que o nº 1 do artigo 1406º do Código Civil concede ao comproprietário e que lhe permite modificar a coisa comum na medida do necessário à sua melhor utilização.(4)
Com efeito, a intervenção dos réus não foi ditada pela necessidade de uma melhor utilização da coisa comum qua tale, traduzindo-se, pura e simplesmente, na supressão da coisa comum, eliminando-a através do seu arranque. E essa intervenção só ao conjunto dos comproprietários era lícito efectuá-la, tendo em conta o que dispõem os artigos 1369º e 1405º nº 1 do Código Civil.
Neste caso, trata-se do exercício do direito de disposição previsto no artigo 1305º do Código Civil, que contempla tanto actos jurídicos de alienação e oneração da coisa, como actos materiais de transformação, direito que só podia ser exercido pelo conjunto dos comproprietários ou por algum ou alguns, com consentimento dos restantes.
Consubstanciando uma intervenção ilegítima dos réus sobre a coisa comum, porque não autorizada pelos autores, estes podem reagir contra ela na qualidade de comproprietários.
Na sentença recorrida considerou-se que a actuação dos réus, porque ilícita, seria geradora de responsabilidade civil extracontratual, desde que verificados os respectivos pressupostos enunciados no artigo 483º do Código Civil, concluindo pela improcedência da acção com fundamento na falta de alegação pelos autores de qualquer prejuízo cuja verificação sustente a obrigação de demolir e reconstituir a situação anteriormente existente.
Salvo o devido respeito, não pode concordar-se com este entendimento.
Através da presente acção os autores visam alcançar a tutela jurídica do seu direito real, pretendendo a eliminação pelos réus da situação material que criaram, repondo-a no estado em que se encontrava anteriormente à violação do seu direito de propriedade sobre a sebe viva, mediante a demolição do muro e remoção dos materiais e replantação da sebe arrancada. Não visam ser ressarcidos, com base em responsabilidade civil extracontratual, dos danos eventualmente sofridos, caso em que teria de ocorrer a verificação cumulativa dos pressupostos enunciados no artigo 483º do Código Civil, nomeadamente, a alegação e demonstração de danos.
Os autores vêm, assim, deduzir pretensões reais decorrentes da violação de um ius in re.
Como ensina Manuel Henrique Mesquita (5), pretensões reais são aquelas “...relações creditórias que têm o seu fundamento no regime específico dos direitos reais (designadamente na sua eficácia absoluta – no chamado ius excludendi omnes alios: cfr. o art. 1305º) e que decorrem, em regra, directamente, da violação desse regime. Funcionalmente, estão ao serviço dos direitos que lhes dão origem, proporcionando aos respectivos titulares um meio de protecção que lhes permite efectivá-los ou realizá-los sempre que surja (ou exista fundado receio de que venha a surgir), em relação à esfera de soberania delimitada por lei, uma situação material que com ela se não harmonize. Desde que a repristinação da situação material anterior à violação do estatuto do direito seja possível (através, por exemplo, da restituição da coisa a quem dela foi desapossado; da retirada de materiais alheios que um terceiro nela depositou; da destruição de obras que o titular do direito não é obrigado a suportar; etc.) o ofendido pode sempre promovê-la, sem necessidade de alegar e provar quaisquer danos e mesmo que ao autor da violação nenhuma culpa seja imputável”.
E acrescenta o mesmo autor a propósito do requisito da culpa que este “… apenas se torna necessário, de acordo com os princípios gerais que regem a responsabilidade civil extracontratual, para fazer valer pretensões indemnizatórias (que, insistimos, não devem confundir-se com as pretensões reais), quando os actos praticados por terceiros, além de criarem uma situação material desconforme com o estatuto do ius in re, causem danos ao respectivo titular”.
Embora seja consequência da violação de um direito real, o direito que se invoca na acção de indemnização, fundado nas normas gerais da responsabilidade civil, é um direito de crédito.
E tal direito não se confunde com um ius in re, cuja esfera de soberania o seu titular pretende ver respeitada, tendo em relação a este total autonomia.
Neste contexto, a presente acção tem de proceder relativamente aos pedidos de demolição do muro que os réus edificaram e remoção dos materiais, bem como de replantação da sebe arrancada com plantas iguais ou semelhantes, respeitando o conjunto local, sendo que à reposição ou reconstituição natural não obsta a maior onerosidade a que alude o artigo 566º nº 1 do Código Civil por não ter aqui aplicação.
Solução idêntica foi, aliás, a alcançada pelos réus na acção nº 37/1999 que moveram contra os aqui autores no segmento em que estes foram condenados na reconstrução do muro destruído e na replantação da sebe também destruída.
Termos em que procede parcialmente o núcleo essencial das conclusões da alegação dos autores.
3. Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se os réus, ora apelados, a procederem à demolição do muro divisório e à remoção dos materiais, bem como a replantarem a sebe arrancada com plantas iguais ou semelhantes, respeitando o conjunto do local. Custas pelos apelantes e pelos apelados, nas duas instâncias, na proporção de 20% e de 80%, respectivamente.
9 de Fevereiro de 2006
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
________________________
1 In Lições de Direitos Reais, 3ª ed., Quid Júris, pág. 206.
2 Cfr. Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 211.
3 Neste sentido se pronuncia Manuel Henrique Mesquita a propósito da comunhão de paredes e muros divisórios, in Direitos Reais, Coimbra – 1967, pág. 152, deixando claro na nota 240 que quaisquer casos de inovação não previstos nos artigos 1370º, 1373º e 1374º dependem do consentimento de todos os consortes, de acordo com as regras gerais sobre a compropriedade.
4 Cfr. P Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, vol.III, 2ª ed., pág. 353.
5 In Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção Teses, Almedina, págs. 105 e 106.