CITAÇÃO
INCERTOS
Sumário

1. A citação dos Réus como incertos só se justifica quando o Autor não tem possibilidade de os determinar, não sendo lícito ao autor/requerente, para fugir a dificuldades, requerer a citação, como incertos, de réus insuficientemente identificados.
2. Nos casos de mera dificuldade “subjectiva” do autor na identificação dos interessados em contradizer, susceptível de ser ultrapassada com a cooperação do tribunal, nos termos do disposto no nº 4 do art. 266º do CPC, deverá o tribunal determinar a realização das diligências pertinentes para se conseguir a identificação de tais interessados.

Texto Integral

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - RELATÓRIO
Por apenso à acção que intentou contra António, no decurso da qual se verificou que este faleceu, veio o Banco requerer a habilitação de herdeiros contra M, mãe daquele, ou dos herdeiros incertos, alegando que ignora se a Requerida é a única herdeira do falecido, ou quem são os seus herdeiros.
Termina pedindo a citação edital, cumpridas as formalidades legais, dos herdeiros incertos de António, para querendo contestarem o incidente.
Foi proferido despacho que convidou a A. a aperfeiçoar o requerimento inicial, o que esta não fez.
Foi, então proferido despacho que rejeitou liminarmente o requerimento de habilitação de herdeiros, uma vez que o Requerente não identificou na petição contra quem deduz o incidente nem concretizou quem quer ver habilitado.

Inconformado o Requerente agravou do despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Juiz só pode proferir despacho destinado a convidar a parte que apresentou o articulado nos termos e nas situações previstas nos nºs 2 e3 o art. 508º do CPC.
2. O art. 64º, da LGTributária impõe a regra da confidencialidade dos dado relativos à situação tributária do contribuintes.
3. O despacho recorrido ao não ordenar o normal prosseguimento do incidente de habilitação violou o disposto no art. 156º, nº 1 do CPC e o 508, nº 1, b) e nºs 2 e 3 do CPC e também o art. 64º da LGT, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento do incidente de habilitação, com a notificação e citação requeridas.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Sendo as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importa decidir se o deveria ter sido ordenado o prosseguimento do incidente de habilitação de herdeiros.

Para apreciação do presente recurso importa ter presentes os factos constantes do Relatório.

II – O DIREITO
Como é sabido, quando intenta uma acção, deve o autor/requerente - no cumprimento do seu dever de cooperação, nos termos do art. 266º do CPC e de lealdade processual - revelar (afirmar/alegar) as informações que possuir acerca do paradeiro e identificação do réu/requerido logo na petição inicial.
Nos termos da lei existem três hipóteses de habilitação de herdeiros:
1ª - os sucessores são certos e já estão habilitados (art. 373º do CPC)
2ª - os sucessores são certos e ainda não estão habilitados (art. 374º do CPC)
3ª - os sucessores são incertos (art. 375º do CPC).
Nesta última hipótese requer-se a citação, por éditos, de quaisquer interessados incertos para que venham ao processo habilitar-se como sucessores do falecido.
Se ninguém comparece a habilitar-se, o incidente finda, ficando o MºPº como representante dos incertos, a ocupar na causa o lugar que pertencia ao falecido.
Aparecendo qualquer interessado a deduzir a sua habilitação, seguem-se os termos dos arts. 373º ou 374º, conforme o habilitante já estiver habilitado ou não.
Não sendo contestada a habilitação, a acção segue com a pessoa que tiver comparecido, cessando a intervenção do MºPº, como representante dos incertos (1).
Porém, importa ter presente a norma do art. 16º, nº 1 do CPC, segundo a qual não é permitido seja intentada acção contra incertos, sem que se alegue minimamente a razão do desconhecimento da identidade, da profissão, da morada ou de qualquer outro elemento susceptível de permitir a identificação do ou dos demandados. Por isso, só em casos excepcionais é admitida acção contra incertos (2), como sucede no caso do art. 375º do CPC.
É por isso que, como se decidiu nesta Relação (3), a citação dos Réus como incertos só se justifica quando o Autor não tem possibilidade de os determinar, não sendo lícito ao autor/requerente, para fugir a dificuldades, requerer a citação, como incertos, de réus insuficientemente identificados.
Na verdade, como refere Lopes do Rego, em anotação ao art. 16º do CPC (4), “a propositura de uma acção contra incertos não pode representar uma forma de o pretenso titular de uma relação jurídica controvertida se furtar ao contraditório de quem contesta o seu direito”.
Adianta, ainda este autor que “nos casos de mera dificuldade “subjectiva” do autor na identificação dos interessados em contradizer – susceptível de ser, porventura, ultrapassada com a cooperação do tribunal, nos termos do disposto no nº 4 do art. 266º - deverá o tribunal determinar a realização das diligências pertinentes para se conseguir a identificação de tais interessados, facultando-lhes o contraditório e evitando a relativa inutilidade prática das acções contra incertos…(5)
Seja como for, no caso dos autos, ainda não estamos perante uma verdadeira situação de acção proposta contra incertos.
Dito de outro modo, não estamos (pelo menos para já) perante a 3ª hipótese de habilitação, visto que o Requerente indica e identifica um sucessor certo, pelo que se afigura que o incidente deve seguir os termos dos arts. 371º e 374º do CPC, contra a mãe do falecido António e se for caso disso (por exemplo se a mãe do António tiver, entretanto, falecido), poderá, então, seguir, os termos do art. 375º do CPC, tal como foi requerido pelo Agravante.
De facto, o Requerente, no requerimento de habilitação de herdeiros, requer “… a citação - por via postal – da ora requerida M (…), e, ainda, se for caso disso (…) a citação edital dos eventuais herdeiros incertos do referido António (…) para querendo, contestarem, (…) seguindo-se os demais termos, designadamente, se for caso disso, a citação do Digno Agente do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 375º do Código de Processo vil, os termos aplicáveis também do art. 16º do mesmo normativo legal”.
Não se afigura, portanto, existirem fundamentos para a rejeição liminar do presente incidente de habilitação de herdeiros, que deve prosseguir ordenando-se, para já, a citação da Requerida Margarida, de acordo com o peticionado.
Posteriormente, se isso se justificar - e se a identificação dos interessados em contradizer não puder ser ultrapassada com a cooperação do tribunal, nos termos do disposto no nº 4 do art. 266º do CPC - proceder-se-á à citação dos herdeiros incertos, conforme requerido pelo Agravante, na petição.

III – DECISÃO
Pelo exposto, concedendo-se provimento ao Agravo, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra eu ordene a citação da Requerida, nos termos constantes do requerimento de habilitação de herdeiros.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2006.

(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)



____________________
(1).-Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 1982, pags 38/39 e 573 e segs.

(2).-Castro Mendes - Direito Processual Civil - ed. 1972 - 3 volume fls. 22 - nota 2.

(3).-Ac. RL de 24.9.92 (relator Cruz Broco) in www.dgsi.pt.

(4).-Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pag. 39.

(5).-Lopes do Rego, ob. cit., pag. 40.