DIFAMAÇÃO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Sumário

I – Quando a arguida depôs em julgamento como testemunha fê-lo sob a obrigação de dizer a verdade, e no cumprimento de um dever imposto por lei – artºs 132º, nº 1, al. d) do C.P.Penal e 31º, nº 2, al. c) do C.Penal.
II – O facto de nesse depoimento ter relatado factos relacionados com o possível relacionamento amoroso da assistente não a faz incorrer na prática de um crime de difamação devendo ser absolvida da prática desse crime bem como do pedido civil em que foi condenada.
III – Para além de não se ter provado que tivesse mentido no âmbito do julgamento cujo depoimento está em causa, a verdade é que se o tivesse feito incorreria num crime de falsas declarações e não num crime de difamação.
IV – Sendo obrigada a depor em julgamento e com verdade não se verificam os elementos típicos da prática pela arguida, como testemunha que foi, do crime de difamação.

Texto Integral

Texto integral:

(matéria de facto parcialmente omitida por muito extensa)

Acordam na 9.ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – No Proc. n.º 227/00.5TAHRT do Tribunal Judicial da Horta,por sentença de 19 de Janeiro de 2004,foi a arguida A., foi decidido:
- Condenar a arguida pela prática, como autora material, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180°, n° 1, e 183°, n° 1, ambos do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, a taxa diária de €6 (seis euros), o que perfaz a multa global de €960.
- Condenar a arguida/demandada a pagar à assistente/demandante B., a quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos morais.

II – Inconformada, veio a arguida A. interpor recurso ,formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto no artigo 132°, n.° 1 al. d) do Código de Processo Penal, a testemunha tem o dever de" responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas".
2. Quem actua no cumprimento de um dever que emana de uma norma jurídica como no caso, actua a coberto de uma causa de justificação que afasta a ilicitude da sua conduta, artigo 31° n.° 2 al) c) do Código Penal, absolvendo-se a arguida.
3. O Tribunal tem de proceder ao exame crítico de toda a prova produzida em audiência de julgamento.
4. A prova testemunhal produzida tem de ser apreciada no seu conjunto, na forma como as testemunhas se expressam, nas contradições existentes nos vários depoimentos e nos "interesses" que cada um possui no caso.
5. Segundo as regras da experiência e do senso comum, o depoimento de uma testemunha de quem se diz que ter mantido relações sexuais com a assistente não pode ser valorado de molde a por em crise o de outra testemunha que refere que a arguida lhe contou os factos de que vem acusada a descreve as circunstâncias de modo tempo e lugar do sucedido.
6. Mais, provando-se que no seu depoimento a testemunha implicada nos factos em julgamento faltou à verdade àcerca de outros descritos por todas as testemunhas, o seu depoimento não deve sequer ser considerado pelo Tribunal.
7. Dando-se como provado na sentença recorrida os factos, que consistem na acusação que cabia à arguida provar, relatados por uma testemunha que deles tomou conhecimento através da arguida que logo a seguir aos mesmos se apresentou junto daquela, amarela e transtornada e lhe contou o sucedido, não pode o Tribunal deixar de absolver a arguida.
8. A medida da pena tem de ter em consideração todas as circunstâncias que deponham a favor e contra a arguida, militando a favor desta o facto de certas expressões terem sido reproduzidas por existir um litígio laboral entre ela e o director do respectivo serviço.
9. A taxa diária na pena de multa deve ser fixada em função dos rendimentos da arguida e não dos relativos ao respectivo agregado familiar.
10. Deveria, assim, a Sra. Juíza a quo ter proferido sentença absolutória. Ao não faze-lo violou as disposições legais já referidas e que, aqui se reproduzem.
11. Pelas razões invocadas, deverá o recurso colher provimento e, por via disso, proferir decisão em que se seja absolvida a ora recorrente, ou modificada a sanção aplicada.

III – Em resposta ao recurso interposto pela arguida veio o Ministério Público dizer :
1. Os factos dados como provados na douta sentença recorrida são os necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação.
2. O Tribunal fundamentou com clareza e profundidade mais do que suficiente o processo lógico com base no qual formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados.
3. A arguida imputou assistente factos de natureza difamatória, Lima vez que atingem a sua dignidade individual expressa no desrespeito pela honra e consideração que lhe são devidas.
4. Efectivamente, com a sua conduta a arguida preencheu os elementos constitutivos (tipicidade objectiva e subjectiva) do crime de difamação, previsto e punido pelo art°. 180°, n.°1, do Código de Penal.
5. Independentemente da natureza de eventuais comentários, de todo não assumidos e por isso mesmo não passando de vozes sem dono, que eventualmente fossem feitos no local de trabalho sobre as relações profissionais ou até pessoais entre o director do BPAH e a assistente, o que não ficou provado, não pode a arguida sujeitar a assistente ao desprezo público.
6. Por outro lado, a arguida não logrou minimamente fazer a prova das imputações que dirigiu à assistente.
7. A sentença recorrida considerou a matéria de facto essencial para a decisão da causa, assentando em matéria suficiente e sem erros de apreciação de prova.
8. A Sra Juiz a quo fundamenta de forma bastante, dando cumprimento ao dever de Fundamentar, contido no n° 2 do art.° 374° do Código de Processo Penal, a formação da sua convicção, valorando e apreciando os depoimentos das testemunhas, justifica e avalia a sua razão de ciência, indica os factos donde ela derivou e enumera os elementos de prova de que se socorreu.
9. O Tribunal decidiu no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, pelo que não se verifica qualquer violação do art°. 127° do Código de Processo Penal.
10. A arguida não logrou, de modo algum, fazer a prova dos factos que imputou à assistente;
11. As condições pessoais da arguida foram levadas em conta.
12. Com efeito, tendo em atento os limites, mínimo (10 dias) e máximo (240 dias), da pena de multa constata-se que a pena aplicada à arguida, por imposição do tipo legal imputado, ficou ligeiramente acima do limite médio da pena - vd. artigo 47°, n°1 do Código Penal.
13. Neste enquadramento não poderemos chegar a outra conclusão que não seja a da razoabilidade e adequação da decisão recorrida;
14. Donde resulta, que deverá ser negado provimento ao recurso, dado que a arguida não invoca argumentos que possam por em causa justiça e adequação da decisão.


V - Transcreve-se a sentença recorrida, como se segue:

Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi pronunciada:
A.,
pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º, n° 1 e 183°, n° 1, alíneas a) e b), do Código Penal. *
B. acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a pratica de um crime de difamação com publicidade e calúnia e requerendo o seu julgamento pela prática de tais factos.
A acusação particular foi acompanhada pelo Ministério Publico.
B., com base nas expressões ofensivas que lhe foram dirigidas, e que imputa à arguida A., deduziu pedido de indemnização civil contra esta pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 04.987,98, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.

*
Não se conformando com a acusação contra si deduzida, a arguida requereu a abertura de instrução.
Após a produção de prova e a realização de do debate judicial, veio a ser proferido despacho pronunciando a arguida pela prática dos factos que constam do texto da acusação particular de fls. 44 e 45.
*
Por despacho de fls. 256 e 257 e 258 procedeu-se ao recebimento do despacho de pronúncia e foi designado dia para a realização de audiência de julgamento.
A arguida não deduziu contestação escrita, mas arrolou testemunhas.
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo como consta, aliàs, da respectiva acta.
*
A instância mantém-se valida e regular.
Factos Provados:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1 - No dia 2 de Junho de 2000 a arguida foi ouvida como testemunha do então requerido C. na audiência efectuada para julgamento do pedido de indemnização civil deduzido no Processo Comum Singular n° 130/99, em que foi requerente D., director da “X.”..
2 - Tendo afirmado que tinha visto por duas vezes o dito D. e a assistente a manterem relações sexuais no sótão do edifício da referida “X.”, encontrando-se ambos agarrados e meio despidos.
3 - E ainda uma terceira vez que os tinha visto abraçados e aos beijos.
4 - A arguida manteve peremptória e repetidamente as afirmações referidas em 2) e 3).
5 - Na sentença proferida subsequentemente nesse processo em 09/06/2000 são feitas diversas referências a esse depoimento.
6 - Entre os elementos probatórios ali analisados e em particular referido "o depoimento da testemunha A., a qual confirmou ter visto o demandante e funcionária a terem relações sexuais no sótão, tendo ainda afirmado que difundiu tais factos a outros funcionários da “X.”.
7 - Constando ainda como provado com base nesse elemento probatório que o então demandado escreveu numa carta dirigida ao Secretario Regional da Educação e Assuntos Sociais que ficou a saber pela agora arguida, e na altura funcionaria da “X.”, que "(...) por varias vezes, surpreendeu o Sr.Director mantendo com B., relações sexuais, no sótão do edifício (...)" e que a mesma afirmou várias vezes perante diversas pessoas ter visto aquelas relações sexuais.
8 - Tais afirmações foram proferidas com total menosprezo das respectivas consequências e visando a pessoa do director relativamente a quem atribuía intuitos persecutórios e pressões que a teriam prejudicado no trabalho e levado a pedir a sua transferência.
9 - Através das mesmas imputou a assistente um facto ofensivo da sua honra e consideração, deliberadamente e com a consciência da ilicitude dessa actuação, marcando-a com essa fama e afectando-a em valores que são essenciais a nível familiar, social e profissional.
10 - As afirmações referidas em 2) e 3) foram proferidas em plena audiência de julgamento e com a consequente reprodução na sentença, em circunstâncias que facilitavam a sua divulgae5o como efectivamente ocorreu.
11 - Esse comportamento que adoptou na referida audiência atingiu publicamente a assistente.
13 - A assistente desempenhava as funções de técnica profissional de arquivo principal da “X.”, estando actualmente a trabalhar na alfândega de “Y…”..
14 - É casada e tem dois filhos, de 6 e 16 anos de idade.
15 - A assistente é considerada uma pessoa educada e boa funcionária.
16 - A forma como foram proferidas as afirmações referidas em 2) e 3), no Tribunal e em plena audiência pública de julgamento, vieram contribuir para a sua publicitação, generalizando o seu conhecimento, tendo sido publicado num periódico um dito que tem manifestamente em vista esta situação.
17 - A assistente sofreu um desgosto devido ao procedimento da requerida.
18 - Pelo menos desde 1995/1996 que corriam rumores na cidade da Horta de que o director da “X.” mantinha um relacionamento íntimo com uma funcionaria da biblioteca.
19 - No âmbito do processo disciplinar mandado instaurar em 05/04/1998 ao Sr. Dr. C., funcionário da “X.”, foi referido expressamente por aquele o seguinte: "...a história que nos últimos tempos tem corrido, dentro e fora de portas da “X.”, de que o director andara a ter práticas sexuais com uma das funcionárias do serviço, de seu nome B...."
20 - O marido da assistente passou a ter desconfianças do comportamento desta, o que afectou a estabilidade do seu matrimónio.
21 - A arguida não tem antecedentes criminais.
22 - A arguida exerce funções de assistente administrativa especialista na “Z.”, auferindo mensalmente cerca de €800.
23 - A arguida e casada e tem três filhas menores de 10, 7 e 6 anos de idade.
24 - Vive na companhia das filhas, do marido e de um do em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário, estando a pagar mensalmente €448,92 a título de prestação bancária.
25 - O marido da arguida e funcionário da EDA, auferindo mensalmente cerca de €1.500.
26 - A arguida e tida no meio em que vive como pessoa honesta, séria e trabalhadora.
*
Não se provaram outros factos da acusação, designadamente, que:
(…)

Indicação Probatória

Quanto aos factos provados:
(….)
Em suma, da prova testemunhal produzida nada resulta que possa abalar, no essencial, a acusação.
De facto, a arguida imputou à assistente a prática de factos a que alegadamente assistiu e cuja veracidade, contudo, não logrou provar.
Por um lado, e tal como supra já se referiu, para além da testemunha Inácia Picanço, que apenas afirmou ter-lhe a arguida relatado os factos após ter presenciado os mesmos, ninguém presenciou nada de concreto (sendo certo que a testemunha D. negou ter mantido qualquer tipo de relacionamento sexual com a assistente).
Por outro lado, tendo a arguida exercido o seu direito ao silêncio — o que, ainda que não a possa prejudicar também em nada contribuiu para a sua defesa — ficou por esclarecer as circunstâncias em que alegadamente presenciou os factos que imputou a assistente.
Ora, se a arguida presenciou os factos que relatou naquele julgamento, incumbia-lhe dirigir a sua defesa para prova da veracidade das imputações por si feitas — imputações essas que constam de sentença escrita e proferida no âmbito do PCS 130/99. Isto é, a prova da veracidade dos factos que subjazem às imputações cabia à arguida, sendo certo que tal prova iria funcionar como causa de justificação da conduta, afastando a ilicitude da mesma.
Quanto aos aspectos subjectivos da actuação da arguida foram considerados provados por intermediação da prova produzida quando valorada com as regras da experiência comum. Assim, a essa luz, foi possível estabelecer com a necessária certeza que a arguida actuou de forma livre e voluntária, tendo admitido que ao prestar o seu depoimento em tribunal e ao imputar a assistente a prática de actos sexuais com o director da “X.”, estava a lançar uma suspeita sobre a honestidade da assistente bem como a lançar a desconfiança do marido sobre a mesma, o que sabia ser proibido e punido por lei.
2) quanto aos aspectos pessoais e familiares da arguida e seus antecedentes criminais:
(…)
*
Indicação Probatória quanto aos factos não provados:
A convicção negativa sobre os factos dados como não provados resultou das circunstâncias que se passam a explanar:
1 - quanto aos demais aspectos imputados na acusação:
(….)
.
2 – quanto ao pedido civil:
(…)

Daí que se tenha considerado provado que o comportamento da arguida teve eco no meio social em que a assistente se insere, mas já não que ate esse momento a assistente tenha tido uma vida conjugal feliz e sem problemas, e que só após tal facto tenham começado os problemas conjugais.
*
Fundamentação Jurídica:
Estabelece o artigo 180.°, do Código Penal, que: "Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, e punido com pena de prisão ate seis meses ou com pena de multa ate 240 dias”.
Constitui, pois, elemento objectivo do tipo legal de crime em questão a imputação de factos ou formulação de juízos, ofensivos da honra e consideração de outrem, dirigindo-se a terceiro que não a pessoa visada. O elemento subjectivo não exige dolo específico, basta que o agente, com a sua conduta preencha qualquer das formas de dolo contempladas no artigo 14°, do Código Penal.
A difamação tem como bem jurídico duas ordens de interesses que se exprimem pela honra e consideração — não só enquanto crédito de confiança que cada um pode ter adquirido a nível social ao longo da sua vida, mas também enquanto qualidade intrínseca da personalidade humana, referindo-se a probidade, rectidão, lealdade, em suma, ao carácter de uma pessoa.
A honra e aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um individuo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que e e vale; a consideração e aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa a falta de consideração ou ao desprezo público(cfr.Beleza dos Santos,RLJ .ano 92, pag.167) .Os processos executivos de tal ilícito pode apresentar-se de varias formas: imputação de um facto ofensivo (ainda que meramente suspeito, e que a imputação tenha o cal-deter de incerteza), formulação de juízos de desvalor, ou ainda a reprodução de uma imputação ou de um juízo. Um facto, no sentido proposto pela norma, e um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência, ou um juízo de suspeita sobre tal realidade exterior.
No caso em apreço, a arguida afirmou em sede de julgamento ter visto, por duas vezes, o director da “X.” a manter relações sexuais com a assistente no sótão do edifício da biblioteca e ainda que uma terceira vez os tinha visto abraçados e aos beijos.
É manifesto que esta conduta da arguida preenche aquele elemento objectivo, na medida em que, dirigindo-se a terceiro, afirma que a assistente tem um caso amoroso extraconjugal, o que constitui facto ofensivo da honra e consideração da assistente. A afirmação da arguida contem um juízo sobre o comportamento da assistente enquanto esposa que e ofensivo da sua honra e consideração.
Por outro lado, resultou provado que, a arguida actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabedora da ilicitude da sua conduta, pelo que actuou com dolo.
Praticou, pois, a arguida, com essa sua conduta o crime de difamação. Tendo tal imputação de factos sido feita cm sede de audiência de julgamento no qual a arguida depunha como testemunha, deve concluir-se que praticou a ofensa "através de meios ou circunstancias que facilitem a sua divulgação". Com efeito, não podemos esquecer que a audiência de julgamento e pública e que a questão que então se julgava teve alguma repercussão publica nesta comarca atenta as divergências existentes entre o então director da BPAH e um outro funcionário.
x
Da escolha e medida concreta da pena
O crime de difamação p. e p. nos artigos 1800 e 183°, 11° 1, alíneas a) do Código Penal, e punido abstractamente com pena de prisão até oito meses ou multa ate 320 dias.
Face ao disposto no artigo 70°, do Código Penal, dever-se-á optar pela aplicação de pena não privativa da liberdade sempre que determinado ilícito for punível com pena privativa e não privativa, em alternativa, desde que com tal pena se realizem as finalidades da punição.
No caso concreto e não obstante as exigências de reprovação e prevenção geral do crime em causa serem grandes, entendemos que a condenação em prisão e desnecessária para alcançar os fins político-criminais do direito penal neste âmbito, pelo que se opta pela multa. Com efeito, o facto de a arguida não ter antecedentes criminais e estar socialmente integrado levam-nos, desde logo, a tomar tal opção.
*
Nos termos do disposto no artigo 47°, n° 1, do Código Penal, a fixação dos dias de multa e feita com recurso aos critérios estabelecidos no artigo 71°, do mesmo código.
Assim, dentro da moldura abstracta da pena de multa acima definida haverá que encontrar a pena concretamente aplicável a arguida, considerando as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra ou favor da mesma.
A determinação da medida da pena far-se-á em fun0o da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial de futuros crimes, tendo em atenção todas as circunstancias que deponham a favor ou contra o arguido e que não façam parte do tipo de crime (artigo 71° do Código Penal).
Vejamos então qual o seu quantum.
Como já temos referido, deve tomar-se como modelo de determinação da medida da pena, por ser o que melhor se adapta ao disposto no Código Penal, aquele que comete a culpa a função ((mica) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; a prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo e dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos—dentro do que e consentido pela culpa - e cujo limite mínimo e fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e a prevenção especial a função de encontrar o "quantum" exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente (ou, em certos casos, de advertência e/ou de segurança) - para nos exprimirmos com as palavras de Figueiredo Dias. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. ano 3.°. Abril-Dezembro.p.186 - pelo que não será legitimo denegar a substituição da pena privativa de liberdade em nome de considerações retiradas da culpa.
E assim o critério mais adequado será o de partir do limite mínimo da moldura penal aplicável - cfr. autos c obra atrds citados; Ac. STJ de 23-3-90. Rev. Port. Ciencia Criminal, I, 1991, p.243
No caso em apreço, e tendo em conta os parâmetros do artigo 71°, do Código Penal, o quadro relevante e o que segue:
A elevada ilicitude do facto (que ocorreu por questões de índole laboral dado que a arguida se sentia discriminada pelo director da “X.”) a gravidade das suas consequências (suspeitas sobre o comportamento da assistente com consequente agravamento dos problemas de relacionamento no casal constituído por aquela e marido, para alem da assistente ter visto o seu nome posto em causa e ter sido marcada com a fama de adúltera, também se sentiu desgostosa e indignada com tal).
- As imputações efectuadas são graves do ponto de vista da sua apetência para ofender a honra e consideração da assistente e que as mesmas tendo sido proferidas em sede de audiência de julgamento foram conhecidas de varias pessoa – não só de advogados, magistrados, testemunhas, e publico que assistiu ao julgamento, como teve alguma repercussão numa notícia de jornal.
A modalidade do dolo, o que revela um grau normal de censurabilidade da atitude antijurídica da arguida;
A integração social e familiar da arguida, a ausência de antecedentes criminais tornam menos relevante a necessidade de prevenção especial.
Atentos os motivos expostos, considera-se como justo e adequado aplicar a arguida uma pena de 160 dias de multa pelo crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180°, n° 1, com referência ao artigo 183°, n° 1, ambos do Código Penal.
*
Da determinação do montante diário da multa:
II
Na determinação do quantitativo diário da multa, o n° 2 do artigo 47°, do Código Penal, manda atender a situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais.
Ora, ponderando a factualidade apurada e melhor descrita em 22) a 25) dos factos provados a luz do principio que "O montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade" (Ac. Relação de Coimbra, de 13/08/95, in CJ, tomo IV), entendemos ser justo e adequado fixar a taxa diária em €6, montante que já representara algum sacrifício para a arguida, mas que não ultrapassara o limiar do aceitável nem porá em causa a sua subsistência.

Pedido cível:
Assim, a conduta da demandada A. é ilícita e geradora de responsabilidade civil, nos termos do disposto não só no artigo 180°, do Código Penal, mas também, nos termos do disposto no artigo 483° do Código Civil.
Havendo responsabilidade penal e ocorrendo a existência de danos consequentes da acção ilícita, mostram-se necessariamente perfectibilizados os pressupostos legais da responsabilidade civil enunciados no artigo 483°, do Código Civil, ex vi do artigo 129°, do Código Penal, com a consequente obrigação indemnizatória — artigo 562" e seguintes do Código Civil.
Porem, o artigo 483° do C. Civil, estipula que quem violar ilicitamente o direito de outrem e responsável pelos danos resultantes dessa violação. Assim, para que exista obrigação de indemnizar e necessário que exista o facto, que o mesmo seja ilícito, que exista nexo de imputação subjectiva, que exista dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Vejamos então.
A demandante deduziu pedido cível com fundamento na difamação de que foi objecto, em sede de audiência de julgamento, por parte da demandada, computando os danos morais sofridos em €4.987,98.
Nos termos supra descritos, encontram-se preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar, sendo que os danos morais sofridos foram que a assistente viu afectada a estabilidade do seu matrimónio e sofreu um desgosto com procedimento da requerida, sendo que e pessoa educada e trabalhadora.
Por outro lado, há que ter em conta que, tanto a ofendida como a demandada são pessoas bem consideradas no meio em que vivem.
Entendemos que, atento o teor das imputações feitas, as circunstancias em que ocorreram os factos e os danos demonstrados, bem como a situação económica da arguida, e adequado fixar, a titulo de indemnização a quantia de €997,60, a pagar pela demandada à demandante/assistente.
*
Da não transcrição:
Considerando que a arguida não tem antecedentes criminais, e encontra-se profissional e socialmente inserido, entendemos poder presumir, com alguma segurança, que os factos em causa nos autos tendo constituído um incidente na sua vida, fazendo-se uma prognose favorável quanto ao não cometimento de novos ilícitos pela mesma.
Assim, porque entendemos que se encontram reunidos os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 17° da Lei 0 ° 57/98, de 18 de Agosto, ordena-se a não transcrição da sentença condenatória proferida nestes autos contra a arguida nos certificados a que se referem os artigos 11° e 12°, ambos da Lei n° 57/98, de 18 de Agosto.

DECISÃO:
Pelo exposto decide-se:
1 – Condenar a arguida A., pela prática, como autora material, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180°, n° 1, e 183°, n° 1, ambos do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, a taxa diária de €6 (seis euros), o que perfaz a multa global de €960.
2-Condenar a arguida/demandada a pagar a assistente/demandante B., a quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos morais.


VII – Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cfr. AC. STJ 16-11-1995, 31-01-96 e 24-03-99 BMJ 451-279, 453-338 e CJ VII-I-247, e arts. 403° e 421°, n° l do C.P.Penal).
2. A arguida veio invocar as seguintes questões:
a) verificação de causa de exclusão da ilicitude
b) A sentença recorrida, face à prova produzida em julgamento, errou, na matéria fixada como provada;
c) contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
d) inexistência de exame crítico da prova;
3. De acordo com o acórdão do STJ de 19/10/95 –DR I Série de 28/12/95, a existência de algum dos vícios do art° 410 n° 2 do C.P.P. é de conhecimento oficioso.
Recorde-se que a norma respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se , têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.
Da leitura da sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão. Clareza que resulta desde logo da extrema simplicidade factual e jurídica do caso, não existindo a mais ténue obscuridade ou contradição. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado.
Do erro notório na apreciação da prova - trata-se, como pacíficamente tem vindo a ser considerado, de um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum.
É manifesta a ausência de tal erro.
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - verifica-se este vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.
É por demais evidente que todos os factos à boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos, e suficientes para a conclusão de direito.
Acresce ainda que na decisão recorrida, ao proceder-se à fundamentação, em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, enunciado no art.º 127.º do C.P.P., resulta com clareza da motivação da decisão de facto que quanto aos factos considerados provados, o tribunal se baseou.
Entende-se, perfeitamente, pela fundamentação qual o raciocínio lógico que levou o Tribunal a dar como assentes os factos provados. Registe-se que a explicitação dos motivos que levaram à decisão sobre a matéria de facto e à formação da convicção do julgador, tem de ser feita globalmente, tendo em atenção os factos dados como provados, o que no caso é perceptível.
Pelo exposto, e ainda à míngua da verificação dos vícios -fundamento de recurso previstos no art.° 410 n° 2 do C. P. P., aliás, é imperioso concluir que a factualidade tida por apurada na sentença recorrida terá de considerar-se definitivamente fixada.
Refira-se, ainda, que a sentença recorrida observou os requisitos formais e substanciais exigidos pelo art.º 374.º do C.P.Penal.
Da análise da sentença sob recurso consideramos que a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida, é clara e incontroversa .

4. Da qualificação jurídica dos factos imputados à arguida :
A arguida A., foi condenada, pela prática, como autora material, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180°, n° 1, e 183°, n° 1, ambos do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, a taxa diária de €6 (seis euros), o que perfaz a multa global de €960,e ainda,
- Condenada a pagar à assistente/demandante B., a quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos morais.
Nos termos do art.180°, n° l, do C.P. comete um crime de difamação quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua hora ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.
Difamação é a manifestação, por qualquer meio (integram-se nos meios de execução todos aqueles que representem forma de expressão do pensamento), de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém.
O bem jurídico lesado pela difamação é, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal.
Em causa está, pois, a protecção da dignidade individual, da honra e consideração de terceiros - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos in O Código Penal de 1982, vol.2, 1986, pp.203 e 204.
A honra é a essência da personalidade humana, referindo-se propriamente à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter.
A consideração é o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros.
Para preenchimento do elemento subjectivo do tipo do crime é suficiente o dolo genérico, traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração do visado - cfr. Ac. S.T.J. de 17/02/83, Proc. n°36867 cit. por Leal-Henriques e Simas Santos in ob. e p. cit.(s), R.L. de 18/05/88 in C.J., ano XIII, T.3, p.180 e R.C. de 9/03/88 in C.J., ano XIII, T.2, p.84.
Ora, consta dos factos provados que :
(….)
Crime é todo o facto típico, ilícito, culposo e punível (vd. Teresa Beleza, Direito Penal Ed.AAFDL) ou ainda “o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança” ( art.º 1.º n.º 1 do C.P.Penal).
A sentença recorrida não fez, em nosso entender, um correcto enquadramento jurídico dos factos imputados à arguida.
Tendo a mesma prestado juramento como testemunha e efectuado depoimento em audiência de julgamento, estava obrigada a dizer a verdade (vd. art.º 132 n.º 1 alínea d) do C.P.Penal).
Assim a arguida, enquanto testemunha, estava a obrigada a dizer a verdade pelo que a sua conduta não era ilícita dado que agiu no cumprimento de um dever imposto por lei, nos termos do disposto no art.º 31.º n.º 2 alínea c) do C.Penal.
E também não resulta que a arguida enquanto testemunha não tivesse dito a verdade. Os factos que relatou pela sua própria natureza são de quase impossível prova, já que são situações que não têm grande publicidade, a não ser pelo seu próprio depoimento.
E a sentença que considerou como elemento de prova esse mesmo depoimento entendeu-o válido no sentido de o mesmo ter sido de tal forma credível que levou a que nessa parte tivesse sido absolvido o demandado C..
Sendo ainda discutível se, vindo a provar-se que mentiu em julgamento, que tal não preenchesse antes os elementos típicos de um crime de falsas declarações ( vd. art.º 360.º do C.Penal) e não um crime de difamação.
Assim, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 31.º n.º 2 alínea c) do C.Penal , 132.º n.º 1 alínea d) do C.P.Penal, e art.,º 180.º n.º s 1 e 3 do C.Penal, a conduta da arguida não é ilícita pelo que não se encontram preenchidos os elementos típicos do crime de difamação, pela verificação de uma causa de exclusão de ilicitude.

5. No que respeita ao pedido civil de indemnização:
De acordo com o disposto no art.129° do C.P., a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Nos termos do art.483° do C.C., aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Relativamente ao pedido cível formulado pela demandante, não existe violação ilícita de qualquer direito de outrem, maxime da assistente, pelo que não há lugar a qualquer indemnização.

Encontram-se ainda, e pelo exposto, prejudicadas outras questões levantadas pela arguida.

VIII - Termos em que, concedendo provimento ao recurso interposto pela arguida :
1. Se absolve a mesma da prática do crime de difamação de que vinha acusada ;
2. Bem como se absolve a arguida/demandada do pedido cível contra ela formulado.
3. Custas a cargo da assistente/demandante sendo a taxa de justiça de 4 UC’s .
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator- vd. art.º 94 º n.º 2 do C.P.Penal)
Lisboa, 23 de Março de 2006

Fernando Estrela
Cid Geraldo
Trigo Mesquita