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PROCEDIMENTO CAUTELAR NÃO ESPECIFICADO
BEM COMUM DO CASAL
VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
ANULABILIDADE
VENDA
Sumário
I - Apenas há que conhecer da impugnação da matéria de facto que seja relevante para a apreciação do mérito da causa. II - Não existe nenhuma norma probatória que imponha que os factos pessoais das partes apenas possam ser provados por confissão. III - A venda de um automóvel, bem comum do casal, não constitui acto de administração ordinária, estando dependente de autorização do outro cônjuge. IV - A consequência desta “ilegitimidade conjugal” é a anulabilidade do acto de disposição a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros (artigo 1687.º CC). V - O procedimento cautelar não é a sede própria para a formulação do pedido de anulação do contrato de compra e venda do automóvel e cancelamento do registo. VI - Esse será o objecto da acção de que o procedimento é dependência. VII - Não é admissível a instauração de um procedimento cautelar visando obter uma sentença condenatória típica de uma acção declarativa, por contrariar a finalidade própria do procedimento cautelar. VIII - A providência deve ser recusada quando se verifica falta de interesse em agir, designadamente por o requerente ter ao seu dispor meio menos gravoso de acautelar o direito que pretende ver salvaguardado no âmbito do procedimento cautelar. IX - Pretendendo o requerente do procedimento cautelar salvaguardar o seu direito à anulação do contrato perante terceiros adquirentes a quem o comprador possa transmitir o automóvel, basta-lhe intentar a acção de anulação e registá-la no prazo de três anos a contar do negócio. X - Por força do disposto no artigo 291.º, n.º 2, CC, o direito daquele que intenta a ação de anulação é protegido durante três anos, prevalecendo sobre o direito do adquirente que tenha registado a aquisição antes da acção de anulação.
Texto Integral
Apelação n.º 5822/15.5T8MTS.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B…, residente na Rua …, n.º …, …, em Matosinhos, intentou procedimento cautelar não especificado contra C…, com domicílio profissional na Avenida …, n.º …, em Matosinhos e D…, residente na rua …, n.º …., …, na Maia, pedindo que seja ordenada a anulação da venda efectuada pelo primeiro requerido ao segundo e, em consequência, que seja determinado o cancelamento do registo de aquisição de propriedade a favor do segundo requerido, na Conservatória do Registo Automóvel de Matosinhos.
Alegou para tanto, e em síntese, que contraiu casamento com o requerido C… em 16 de Agosto de 1997, no regime da comunhão de adquiridos, encontrando-se separada de facto desde Abril de 2015, data em que o requerido abandonou a casa de morada da família.
Na casa de morada de família ficou o veículo automóvel da marca Peugeot, matrícula ..-ML-.., adquirido em 2011, o qual, não obstante ter sido adquirido com dinheiros próprios da requerente, dados por sua mãe, foi registado em nome do requerido C…. Verificada a separação de facto do casal, o veículo manteve-se na posse da requerente, que sempre o utilizou., até ao Verão de 2015, altura em que ficou totalmente imobilizado por padecer de problemas técnicos e mecânicos que comprometem a segurança da sua circulação.
No dia 1 de Dezembro de 2015, a requerente foi alertada telefonicamente pela sua mãe de que estava à porta de casa desta uma pessoa que disse chamar-se D…, e que tinha sido lá mandado pelo requerido C…, a reclamar a propriedade do veículo, alegando que o tinha comprado àquele. Quando a requerente chegou ao local, este voltou a reclamar a propriedade do veículo, agora à requerente, referindo que o tinha adquirido ao requerido C…, no dia 29 de Novembro, pela quantia de € 11.500,00 e exibindo um documento da Conservatória do Registo Predial de Matosinhos de onde consta como "Facto registado: Transferência da propriedade".
A alegada venda deu-se sem que o alegado comprador tenha visto e inspeccionado o veículo, sem saber exactamente o seu paradeiro ou se mesmo efectivamente existia.
Quando confrontado, quer com o facto de o veículo ser da requerente e esta desconhecer a intenção de tal venda e, em todo o caso, nunca a ter autorizado ou querido, quer com o absurdo de alegadamente comprar um veículo que não sabe se existe, em que condições está, sem experimentá-lo ou inspeccioná-lo, justificou-se o requerido D… com o facto de conhecer o veículo por já o "ter visto a circular", pois já conhece o requerido C… há bastante tempo.
O requerido D… ainda ameaçou a requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo de imediato teria de participar à Policia o "roubo" do mesmo, dizendo-lhe ainda que este veículo até já estava prometido vender a uma outra pessoa que já o tinha prometido adquirir.
A requerente recusou a entrega do veículo, mas teme seriamente que as ameaças do mesmo sejam postas em prática e se veja desapossada do veículo em consequência da alegada venda que foi concretizada do mesmo sem a sua autorização ou sequer conhecimento.
Os requeridos deduziram oposição.
Alegou o requerido C… que a pedido da requerente concordou em "dar um tempo", de forma a repensarem o seu matrimónio, passando o requerido a dormir num imóvel pertencente à mãe da requerente, deixando na casa de morada de família todos os seus pertences, porquanto continuou a frequentá-la com regularidade. O veículo ficou na garagem da casa de morada de família, já que o requerido entendeu que a requerente poderia necessitar do mesmo para ir levar e buscar os filhos à escola, embora, até início de Setembro de 2015, o veículo tenha sido utilizado tanto pelo requerido como pela requerente.
A requerente começou a criar obstáculos no sentido de evitar que o requerido tivesse acesso à casa de morada de família e ao veículo. E, unilateralmente, a requerente procedeu ao cancelamento do seguro do veículo, cancelando o débito directo da conta conjunta através da qual todos os pagamentos referentes ao veículo eram feitos, embora o pagamento do IUC referente ao ano de 2014 tenha sido efectuado pelo requerido em numerário, com dinheiro comum do casal.
No dia 12 de Setembro de 2015, o requerido disse à requerente que iria buscar o veículo, pois necessitava dele, respondendo a requerente que o carro iria ficar guardado, impedindo-o de ter acesso ao mesmo, tendo sido obrigado a chamar a PSP.
Apesar de ter sido impedido de usar o veículo a partir de 12 de Setembro de 2015, o requerido sempre se comportou como dono do mesmo e sempre se preocupou com a sua manutenção.
Ora, uma vez que o veículo apresentava problemas técnicos e mecânicos, ficando imobilizado na garagem da habitação do casal, também a requerente passou a não o usar, alegando risco para a segurança dos passageiros.
Por causa dos problemas existentes no veículo, ambos entenderam que a melhor solução seria a sua venda, sabendo a requerente que o requerido iria tomar providências nesse sentido. A discordância era quanto ao destino a dar ao dinheiro proveniente da venda. A requerente só aceitava a venda se fosse para abater à dívida existente no "Banco E…", já o requerido entendia que o dinheiro da venda deveria ser dividido em partes iguais.
A venda do veículo foi a medida mais razoável e justa que poderia ser tomada, salvaguardando exclusivamente o património comum do casal, sendo que em momento algum o requerido pretendeu ficar com o valor total do mesmo, pois sabe que a requerente tem direito a metade, desde já se dispondo a fazer a entrega de € 6.250,00.
A mesma foi efectuada pelo valor de € 12.500,00, de acordo com as avaliações de mercado e as condições técnicas e mecânicas que o veículo apresenta e a sua negociação ocorreu em condições normais. Os requeridos conhecem-se desde há muito, e em conversa, o requerido D… mostrou-se interessado na compra do mesmo, pois viu uma boa oportunidade de negócio. Quando nas férias de Verão andou com o veículo, o requerido C… teve oportunidade de o mostrar ao requerido D…, pelo que este conhecia o veículo em questão, sendo que nos dias que correm é normal comprar veículos à distância, mesmo sem os inspeccionar.
Por seu lado, o requerido D… alega ser o legítimo proprietário do veículo e que a aquisição se encontra registada a seu favor na competente conservatória do registo automóvel. Refere que conhecia perfeitamente o veículo, o qual adquiriu pelo valor de € 12.500,00 pagos em numerário.
Foi proferida decisão julgando procedente o procedimento, declarando anulada a venda do veículo de matrícula ..-ML-.. efectuada pelo requerido C… ao requerido D… e determinando o cancelamento do registo de aquisição de propriedade a favor do requerido D… na Conservatória do Registo Automóvel de Matosinhos.
Mais se dispensou a requerente do ónus de propositura da acção principal.
Inconformado, apelou o requerido C…, apresentando as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso pretende dar a conhecer aos Venerandos Juízes Desembargadores os motivos pelos quais o Recorrente discorda da douta sentença proferida no processo 5822/15.5T8MTS, que corre os seus termos na Comarca do Porto, Instância Local, Secção Cível - J3 de Matosinhos, tendo como fundamento arguição de nulidades, impugnação da matéria de facto e da matéria de direito.
2 - A douta sentença é nula, quer pela omissão de pronúncia, quer pelo excesso de pronúncia.
3 - Quanto à omissão de pronúncia: Foi requerido pelo ora Recorrente na sua oposição a fls.... o depoimento de parte da Requerente, ora Recorrida; o depoimento de parte foi admitido por despacho a fls ....; e na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 16 de maio de 2016, a ora Recorrida prestou depoimento de parte, com duração de 1 hora, um minuto e dezassete segundos.
3.1 - Ora, no final das declarações de parte da Requerente, com gravação com início ao minuto 1:00:46 e fim 1:01:13, a Meritíssima Juiz a quo referiu o seguinte: "Sras. Oras., eu penso que a Sra. realmente confirmou muita matéria, mas confirmou enquadrando, ou seja, não temos uma confissão tout court, acho que não faz muito sentido estar aqui a lavrar uma assentada, até porque teríamos de estar a explicar e enquadrar isso, se as Sras. Dras. confiarem em mim, depois ... Acho que tudo tem de ser enquadrado!. .. ". Posto isto, ficou diferido para um momento posterior, designadamente o momento da redacção da sentença para a Meritíssima Juiz a quo se pronunciar em relação aos factos sobre os quais houve ou não confissão.
3.2 - Sucede que, a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre os factos confessados pela Requerente, ora Recorrida e, salvo melhor opinião, existe neste caso, a omissão de pronúncia, nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do art.° 605.º do CPC, o que consubstancia a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve e que influi na decisão da causa (art. 195°, n.º 1 do CPC).
3.3 - Assim, nos termos do disposto no artigo 615°, nº1, al. d), 1a parte a douta sentença é nula.
4 - Quanto ao excesso de pronúncia: Na douta sentença a Meritíssima Juiz a quo decretou a inversão do contencioso, partindo do pressuposto de que a Requerente, ora Recorrida requereu ao abrigo do disposto no artigo 369° do CPC a inversão do contencioso.
4.1 - Sucede que, a ora Recorrida, não requereu em nenhum momento processual admissível a inversão do contencioso. Pelo que, não tendo sido requerido a inversão do contencioso, o mesmo não poderia ter sido decretado.
4.2 - Dispõe o artigo 369°, nº1 do CPC que "Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal....". Com efeito, este mecanismo processual permite ao Requerente da providência ficar dispensado do ónus de propor a acção principal, mas para que isso aconteça o mesmo tem o ónus de requerer ao tribunal a inversão do contencioso.
4.3 - Como refere o Conselheiro Lopes do Rego "é o requerente que deve valorar o seu interesse e, em consonância, decidir se lhe interessa ou não a potencial definitividade e consolidação da decisão cautelar" (in Os princípios orientadores da Reforma do Processo Civil, in Julgar, n.º 16, p. 8), não podendo o Juiz oficiosamente decretar a inversão do contencioso.
4.4. - Deste modo, a Meritíssima Juiz a quo conheceu de uma questão - a inversão do contencioso - de que não poderia tomar conhecimento, sendo por isso a douta sentença nula ao abrigo do disposto no artigo 615°, nº 1, al. d) in fine.
5 - Quanto aos concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados:
5.1 - Facto "1.5. O veículo foi adquirido com dinheiro dado à requerente pela sua mãe" dado como provado na douta sentença.
5.1.1 - O douto Tribunal a quo para formar a convicção acerca da veracidade deste facto auxiliou-se no depoimento da testemunha F…, prestado e gravado com início ao minuto 10:36h e fim ao minuto 11: 17h, transcrito no ponto 3.3.1 das alegações.
5.1.2 - A testemunha F… afirmou perante o Tribunal a quo que o veículo foi comprado com dinheiro por ela oferecido à sua filha, ora Recorrida. Mas, a verdade é que não nega que o veículo (independentemente do regime de bens - dizemos nós) é de ambos, dizendo mesmo "eles têm a carrinha que têm, podem agradecer a mim".
5.1.3 - O que não é verdade é que o dinheiro com o qual foi adquirido o veículo tenha sido oferecido só à Recorrida. De facto, existem provas nos autos que indiciam que a intenção da testemunha foi beneficiar ambos, filha e genro.
5.1.4 - Porquanto, foi junto aos autos pelo ora Recorrente a fls ... um documento do banco E… que declara que a conta depósitos à ordem nº …………….. é titulada por B… e C…, tendo a mesma sido aberta em 03/10/2011; e também, a ora Recorrida juntou aos autos a fls ... um documento que prova que a transferência no montante de €500.000,00 foi feita pela mãe da ora Recorrida para a referida conta conjunta no dia imediatamente a seguir ao da sua abertura.
5.1.5 - O que indiciariamente demonstra que o dinheiro foi dado aos dois. Caso contrário, porque motivo, querendo a testemunha apenas dar o dinheiro à Recorrida, não fez a transferência para uma conta só dela? Por que razão o veículo ficou registado em nome do ora Recorrente, cfr. Doc. junto aos autos a fls ...?
5.1.6 - O douto Tribunal a quo não poderia ter desconsiderado o facto do Recorrente e Recorrida estarem em conflito de divórcio, pelo que é normal à luz dos critérios de conveniência que esta testemunha tenha dito que ofereceu o dinheiro à Requerente e, apenas a ela, mas a verdade é que depositou numa conta conjunta do casal, sendo de presumir assim que quis oferecer a ambos.
5.1.7 - Assim, caberia ao douto Tribunal a quo apreciar este meio de prova de acordo com os demais meios de prova, designadamente, a prova documental, que indiciam outra realidade dos factos.
5.1.8 - "VII - O princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objectivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade (artigo 655°, n" 1, do Código de Processo Civil); e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efectivamente assumida; VIII- A avaliação dos depoimentos das testemunhas, realizada de acordo com os ditames referidos em VII- (artigo 396° do Código Civil), deve assentar em dois pólos, via de regra; de um lado, na razão de ciência de evidenciada (artigo 638°, n" 1, final, do Código de Processo Civil); do outro, no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (artigo 635°, n" 1, final, do Código de Processo Civil); sendo estes factores que, além do mais, permitem escrutinar o nível da credibilidade que lhes pode ser conferido" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-2009, relatado por Oliveira Mendes, proc. 107/09.9YFLSB, in www.dgsi.pt).
5.1.9 - Seguindo a orientação do Supremo Tribunal de Justiça para avaliação do depoimento prestado pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento deverá ser tida em consideração a razão de ciência evidenciada no depoimento prestado, assim como o maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir entre a testemunha e as partes interessadas no litigio.
5.1.10 - Aplicando estes ensinamentos ao caso concreto, verificamos que atenta a relação de proximidade entre a testemunha F… e a Recorrida B…, que são mãe e filha, facilmente se conclui que o seu depoimento possa estar inquinado de forma a relatar os factos de acordo com os interesses da filha, aqui Recorrida.
5.1.11 - É comunitariamente aceite e expectável que uma mãe defenda os interesses da filha. Assim, não poderia o depoimento da referida testemunha ter sido avaliado como isento e objectivo, principalmente, quando existem nos autos, outros meios de prova que possam indiciar a realidade dos factos, como seja a prova documental.
5.1.12 - Por conseguinte, sabendo que o casal tem uma conta conjunta, bem como sabendo que o dinheiro foi depositado nessa conta e que foi com esse dinheiro que o veículo foi comprado, e ainda, que o referido veículo ficou em nome do ora Recorrente, facilmente se presume que dinheiro foi oferecido a ambos os cônjuges.
5.1.13 - De todos aqueles factos conhecidos se infere o facto desconhecido - para quem foi oferecido o dinheiro: para os dois. Como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 04-03-2009, relatado por Elisa Sales, proc. 1313/07.6GBAGD.C1, in www.dgsi.pt "No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica; ':As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto."
5.1.14 - Atentas estas considerações o douto Tribunal a quo cometeu um erro de facto ao julgar como provado o facto "1.5. O veículo foi adquirido com dinheiro dado à requerente pela sua mãe". Por isso, se apela ao douto Tribunal ad quem para que o facto 1.5. dado como provado seja alterado para: "O veículo foi adquirido com dinheiro que a mãe da Requerente transferiu para a conta conjunta de ambos os cônjuges".
5.2. Quanto ao facto "1.9. O veículo encontra-se imobilizado desde Setembro de 2015, padecendo de problemas técnicos e mecânicos".
5.2.1 - O veículo está imobilizado desde Setembro de 2015, por decisão unilateral da Recorrida.
5.2.2 - No depoimento prestado e gravado com inicio ao minuto 24:35 e fim 24:57h, a Recorrida afirma que: Advogada: (...) "A Sra. quando tomou a decisão do carro, foi uma decisão unilateral: é assim que vai ser até decidirmos?
Recorrida: Está a falar como se eu fizesse isso com arrogância, não. Foi uma decisão unilateral mas que foi falada, eu acabei por decidir".
5.2.3 - De acordo com o depoimento de parte prestado, verifica-se que o carro foi imobilizado por decisão da Recorrida, devendo o douto Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto ter tomado em consideração a confissão da Recorrida e ter dado como provado que o veículo está imobilizado desde Setembro de 2015, por decisão unilateral da Recorrida, padecendo de problemas técnicos e mecânicos.
5.2.4 - Deste modo, o facto dado como provado nos termos "1.9. O veículo encontra-se imobilizado desde Setembro de 2015, padecendo de problemas técnicos e mecânicos" deve ser alterado para:"O veículo encontra-se imobilizado desde Setembro de 2015, por decisão unilateral da Requerente, padecendo de problemas técnicos e mecânicos".
5.3. Facto "1.18. O requerido D… referiu à requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo teria de participar à Polícia o "roubo" do mesmo" dado como provado na douta sentença.
5.3.1 - Para dar como provado tal facto o douto Tribunal a quo atendeu ao testemunho de F… nas suas declarações prestadas e gravadas com inicio em 5:23h e fim a 5:53h transcritas no ponto 3.3.2 das alegações.
5.3.2 - Quanto ao mesmo facto a ora Recorrida nas suas declarações prestadas e gravadas com início ao minuto 08:40 e fim ao minuto 8:54 em afirmou o seguinte: "Apesar de eu dizer ao senhor que não lhe ia entregar o carro, expliquei-lhe a situação e ele disse ''Ai, então eu vou ter que dar parte do carro como roubado à Policia" e eu disse "Olhe o senhor faça o que achar que tem de fazer".
5.3.3 - Com efeito, saber se o Requerido D… disse à Requerente que ia dar o carro como roubado à Polícia é um facto pessoal das partes, sendo que é favorável à Recorrida, mas desfavorável ao Recorrido D…, por isso apenas poderia fazer-se prova desse facto através da prova por confissão, designadamente através do depoimento de parte do Requerido D…, que poderia ter sido requerido pela Recorrida e não foi.
5.3.4 - Ora, é muito conveniente que a testemunha F… e B…, mãe e filha, com o mesmo interesse na causa, tenham referido que o Requerido D… tenha dito que ia comunicar o roubo à polícia. Por este motivo, o douto Tribunal a quo não poderia ter dado a credibilidade e a relevância que deu aos seus depoimentos.
5.3.3 - Efetivamente, tratando-se de um facto favorável a uma parte e desfavorável a outra, o único meio de prova a atender deveria ser através do depoimento de parte do Requerido D…, através da sua confissão.
5.3.4 - "I. A confissão como instrumento probatório incide naturalmente sobre factos, "fornece unicamente a prova da verdade do facto ou factos a que respeita': os quais terão de ser contrários ao interesse do declarante (cf. art. Os 341. ° e 352. ° do CC). II. O depoimento de parte só pode recair sobre factos: factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, por só assim se justificar a especial eficácia probatória que a lei lhe atribui (cf. art. ° 554. o, n. ° 1, actual art. ° 454. o, n. ° 1). III. Factos pessoais são, sem dúvida, os próprios da parte -por si praticados- e os que foram objecto da sua percepção pessoal, aqui se incluindo aqueles relativamente aos quais, tendo em atenção a sua natureza e circunstâncias em que ocorreram, o julgador, em seu prudente arbítrio, conclua deverem ser do conhecimento do depoente." (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-2014, relatado por Maria Domingas Simões, proc. 814/11.6TBCVL-A.C1, in www.dgsi.pt)
5.3.5 - Em face disto, o mais certo era o Tribunal ficar com dúvida em relação à verificação deste facto e se após a apreciação de todos os elementos de prova levados ao processo por impulso das partes ou por iniciativa do juiz, permanecer a dúvida sobre a verdade de uma asserção de facto necessário para a formação da convicção daquele e para a prolação da decisão, o Tribunal pode e deve pronunciar-se desfavoravelmente em relação à pretensão da parte a quem incumbia o ónus da prova.
5.3.6 - Portanto, o facto dado como provado "1.18. O requerido D… referiu à requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo teria de participar à Polícia o "roubo" do mesmo" deve ser dado como NÃO PROVADO!
5.4 - Facto "1.21. Munido de tal título, o requerido, D… poderá alienar, ele próprio, o veículo a terceira pessoa e indicar essa pessoa o local onde o mesmo se encontra, solicitando o respectivo levantamento nesse local" dado como provado na douta sentença.
5.4.1 - Este facto corresponde ao facto do artigo 46° da petição inicial da ora Recorrida, não tendo a mesma feito qualquer prova em relação ao mesmo. Por isso, não se compreende nem se aceita por que motivo o douto Tribunal a quo deu como provado este facto.
5.4.2 - O facto do Requerido D… poder alienar o veículo a terceira pessoa e indicar para o levantamento do mesmo o local onde se encontra, não passa de mera especulação, sem qualquer concretização fáctica nos autos.
5.4.4 - Conforme refere a testemunha G… nas suas declarações prestadas e gravadas com inicio ao minuto 19:58 e fim 20:09h:
Advogada - Olhe, agora o seu amigo iria colocar o carro para vender, certo?
Testemunha - A partida sim, também precisa do carro para ele e até podia ficar com ele, mas acho que era para vender ...". Ora, a única testemunha que fala na hipótese do carro ser vendido, também não oferece certezas ao Tribunal quanto à venda do mesmo, logo não é suficiente e bastante para dar como provado tal facto.
5.4.5 - Por isso, e muito bem, não foi dado como provado o facto "2.4. O requerido D… disse à requerente que o veículo até já estava prometido vender a outra pessoa".
5.4.6 - Mais uma vez, apenas se faria prova quanto a este facto através da prova por confissão, designadamente depoimento de parte do Requerido D…, que a Recorrida, não requereu, tendo essa faculdade e, portanto, não fez prova do facto.
5.4.7 - Posto isto, o facto dado como provado "1.21. Munido de tal título, o requerido, D… poderá alienar, ele próprio, o veículo a terceira pessoa e indicar essa pessoa o local onde o mesmo se encontra, solicitando o respectivo levantamento nesse local" deve ser dado como NÃO PROVADO.
5.5. Facto "1.22. A requerente pode ser confrontada com exigências de autoridades policiais no sentido da entrega do veículo" dado como provado na douta sentença.
5.5.1 - Este facto, de que a requerente possa ser confronta com exigências de autoridades policiais para a entrega do veículo também não pode ser dado como provado, pelas razões supra expostas no ponto 5.3.
5.5.2 - Com efeito, se o facto 1.21. não pode ser dado como provado, igualmente o facto 1.22, por maioria de razão também não pode ser dado como provado.
5.5.3 - Mais, uma vez caímos no âmbito das meras hipóteses não podendo as mesmas ser fundamento para o decretamento de uma providência cautelar, já que não existe prova cabal nos autos que indiquem que a Requerente possa ser confrontada com exigências de autoridades policiais.
5.5.4 - Portanto, também o facto "1.22. A requerente pode ser confrontada com exigências de autoridades policiais no sentido da entrega do veículo" deve ser dado com NÃO PROVADO.
5.6. Facto "2.13. O Requerido C… sempre se preocupou com a manutenção do veículo, nomeadamente revisão, mudança de pneus" dado como não provado na douta sentença.
5.6.1 - Quanto a este facto houve confissão por parte da ora Recorrida em sede de depoimento de parte prestado e gravado com início ao minuto 2:29h e fim 4:03 transcrito no ponto 3.3.5 das alegações.
5.6.2 - A Recorrida confessou que o Recorrente sempre tratou da revisão e manutenção do automóvel.
5.6.3 - Posto isto, quanto ao facto "2.13. O Requerido C… sempre se preocupou com a manutenção do veículo, nomeadamente revisão, mudança de pneus" deve ser dado como PROVADO!
5.7. - Quanto ao facto "2.17. A vontade de vender o veículo surgiu da Requerente".
5.7.1. Conforme se pode verificar através do depoimento de parte da Recorrida prestado e gravado com início ao minuto 4:30 e fim ao minuto 7:06, transcrito no ponto 3.3.8 das alegações, ainda que tenha sido em Junho/Julho, momento anterior ao da venda, a verdade é que quem primeiro fala em vender o automóvel foi a Recorrida e é neste enquadramento que o Recorrente afirma que "A vontade de vender o veículo surgiu da Requerente".
5.7.2. Assim, o facto "2.17. A vontade de vender o veículo surgiu da Requerente" deve ser alterado para PROVADO nos seguintes termos: "A vontade de vender o veículo surgiu da Requerente em Junho/Julho".
5.8. - Quanto ao facto "2.20. O valor económico do veículo estava a diminuir".
5.8.1. - Como é de conhecimento geral e como bem afirma a testemunha G… no seu depoimento prestado e gravado com início ao minuto 6:55 e fim ao minuto 7:06: "Aliás, passado um ano civil, os carros desvalorizam no mínimo 2.500,00"
5.8.2. - Para além da desvalorização que qualquer carro tem com o decorrer do tempo, o veículo automóvel dos autos tem outra particularidade que contribui para a diminuição do seu valor económico, designadamente as avarias mecânicas e técnicas, assumidas pela própria Recorrida e conforme provado na douta sentença, e que não só têm um custo elevado, como refletem no valor de venda do veículo.
5.8.3.- É notório que o veículo ao ficar imobilizado na garagem está a perder valor económico.
5.8.4- Por isso, o facto "2.20. O valor económico do veículo estava a diminuir" deve ser alterado para PROVADO nos seguintes termos: "O valor económico do veículo por causa das avarias mecânicas e técnicas que apresenta está a diminuir por cada ano civil".
5.9. - Quanto ao facto "2.21. O requerido C… quando tratou de vender o veículo pretendeu evitar prejuízos para o património comum do casal" dado como não provado na douta sentença.
5.9.1 - Na realidade estamos perante um facto favorável ao Recorrente e desfavorável relativamente à Recorrida e a Meritíssima Juiz a quo julgou-o como não provado. No entanto, não existe fundamento para o seu julgamento como não provado, uma vez que o mesmo foi confessado na oposição apresentada pelo Recorrente (Vide artigo 44°) e não foi feita prova do contrário pela Recorrida.
5.9.2. - Depois, sabendo que o veículo imobilizado com avarias perde valor económico, como é óbvio o Recorrente ao vende-lo pretendeu evitar prejuízos para património comum do casal.
5.9.3. - E quanto a isto é importante realçar que no artigo 47° da oposição, o Recorrente dispôs-se a entregar € 6.250,00 à Recorrida, o que demonstra que o mesmo não se quis apropriar do valor total do veículo, simplesmente considerou que ao vende-lo naquela altura ganharia mais do que se o vendesse mais tarde.
5.9.4. - Portanto, também o facto "2.21. O requerido C… quando tratou de vender o veículo pretendeu evitar prejuízos para o património comum do casal" deve ser alterado para facto PROVADO.
6. - Quanto à matéria de direito: ao decidir como decidiu a douta sentença violou as normas do artigo 362°, nº1, do artigo 368°, nº2 e artigo 615°, nº1, al. d) do CPC, do artigo 1682°, nº1 e do artigo 1679° do Código Civil.
7 - Da inexistência dos fundamentos da Providência Cautelar: O artigo 362º do CPC dispõe que "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado." Desta norma resulta que são requisitos da providência cautelar não especificada: 1) não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na Lei;
2) a existência de um direito;
3) o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação; e
4) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
7.1 - Além destes requisitos, dever-se-á indicar como secundário o previsto na parte final do nº 2 do artigo 368°: o de não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar.
7.2. - Da falta do requisito: receio fundado de que outro cause uma lesão grave e irreparável.
7.2.1. - A Recorrida requereu ao douto Tribunal a quo a anulação da venda efectuada pelo Recorrente ao Requerido D…, alegando para tal que não deu consentimento para a venda e que o adquirente D… "poderá, munido de tal título, alienar, ele próprio, por sua vez, o veículo a terceira pessoa, e indicar a essa terceira pessoa, o local onde o mesmo se encontra, solicitando o respectivo levantamento nesse local; e a requerente pode ser confrontada com exigências de autoridades policiais no sentido de entregar o veículo".
7.2.2 - Ora, atenta a factualidade supra descrita nos pontos 3.3.3. e 3.3.4. das alegações e que aqui se reproduzem, tais factos não foram alvo de prova, apenas se tratam de meras hipóteses e presunções colocadas pela ora Recorrida para fundamentar a providência cautelar não especificada requerida, pois tais fundamentos invocados não passam de meras especulações que não permitem supor que haverá efetiva lesão do direito de posse da Recorrida, até porque o Requerido D… não tem na sua posse o automóvel.
7.2.3. - "Como diz Alberto dos Reis, o receio há-de ser de tal ordem que justifique a providência requerida e só a justifica quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer de que está iminente a lesão do direito. Quanto à lesão, a gravidade e a difícil reparação são requisitos cumulativos, pelo que não merecem tutela cautelar as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, ainda que irreparáveis, bem como as lesões graves mas facilmente reparáveis, havendo que lançar- se mão de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito cuja lesão é receada e os factos em que o receio se traduz. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-11-2012, relatado por Francisco Caetano, proc. 460/12.7T2ILH.C1, in www.dgsi.pt)
7.2.4 - Assim, o requisito relativo ao fundado receio de que o direito sofra lesão grave e de difícil reparação não está preenchido, tendo a douta decisão violado o disposto no artigo 362, nº 1 do CPC. 7.3 - Da falta do requisito previsto no n02 do artigo 3680 CPC: o automóvel em causa está imobilizado desde Setembro de 2015, padecendo de problemas técnicos e mecânicos (Vide facto provado 1.9 da douta sentença); o veículo não tem seguro, porque foi cancelado pela Recorrida (Vide factos provados 1.26. e 1.27 da douta sentença); e apresenta problemas técnicos e mecânicos sendo que, desde Setembro de 2015 que a requerente passou a não o usar, pois afirma colocar em risco a segurança dos passageiros (Vide facto provado 1.29. da douta sentença).
7.3.1 - Deste modo, considerando o dano que a Requerente sofreu com a venda do automóvel com o prejuízo sofrido pelos Requeridos, C… e D…, verificamos que o prejuízo sofrido pelos requeridos é manifestamente superior ao da Recorrida.
7.3.2 - Vejamos, o automóvel está avariado, sem qualquer utilização, não podendo a Recorrida usufruir do mesmo. Por outro lado, o Requerido D… adquiriu um veículo, pagou um preço por ele, e até a presente data não pode usufruir do mesmo, porque se encontra depositado na garagem da Recorrida, que não o entregou. E a verdade é que até à presente data, devido à providência cautelar, ainda não foi ressarcido da quantia paga pelo veículo, estando com isso também despojado de € 12.500,00. Por sua vez, o ora Recorrente nem pode usufruir do automóvel, nem pode gerir a sua quota-parte do dinheiro recebido pela venda do mesmo, uma vez que a presente acção ainda se encontra pendente.
7.3.3 - Efetivamente, o prejuízo que os requeridos sofrem excede consideravelmente o suposto dano que a Recorrida teve com a venda do veículo, tanto mais que o próprio Recorrente sempre se comprometeu em entregar metade do valor da venda do mesmo.
7.3.4 - Nestes termos, a providência cautelar deveria ter sido recusada pelo douto Tribunal a quo nos termos do disposto no artigo 368°, nº 2 do CPC. Sem prescindir do supra alegado, sempre se dirá que:
8 - Do ato de administração ordinária: O Recorrente e a Recorrida são casados no regime da comunhão de adquiridos e o automóvel foi adquirido na constância do matrimónio, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 1724°, nº 1, al. c) do Código Civil, é um bem comum.
8.1 - No que concerne à administração dos bens comuns, o nosso código civil seguiu a regra da administração conjunta, o que significa que ambos os cônjuges são os administradores do património comum. No entanto, esta regra comporta excepções, designadamente a prevista no artigo 1678°, nº 3, 1ª parte que preceitua "cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente a bens comuns do casal".
8.2 - O que são actos de administração ordinária? "São actos a que corresponde uma gestão comedida, sem se correrem grandes riscos capazes de poder vir a proporcionar grandes lucros mas também grandes prejuízos. No fundo, identificam- se com uma gestão prudente no sentido de se aproveitar, de forma razoável, as qualidades ou virtualidades do património, sendo, por isso, pacífico que integra esta modalidade tudo o que concerne a prover à conservação dos bens administrados e a promover a respectiva frutificação normal" (in Luís Duarte Manso e Nuno Teodósio Oliveira, Direito das Sucessões - Casos práticos resolvidos, 3a ed., 2009, p.61 e 62).
8.3 - Como salienta Carvalho Fernandes, o legislador não nos fornece um critério rigoroso para apurar o que sejam actos de administração extraordinária e só casuisticamente se poderá estabelecer a sua delimitação (in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. 11,2001, págs. 562 e ss.).
8.4 - Considerando o caso dos autos em que estamos diante de um bem móvel comum, mais precisamente um veículo automóvel, que foi vendido pelo Recorrente há que atender às circunstâncias em que o mesmo foi vendido para se aferir se o ato é administração ordinária ou extraordinária.
8.5 - Vejamos, ficou provado que, pelo menos desde Setembro de 2015 até à presente data, o veículo não é utilizado, quer pela Recorrida, quer pelo Recorrente; tal deve-se ao facto de apresentar problemas técnicos e mecânicos que colocam em causa a segurança da sua circulação; até à data, a Recorrida nada fez, nem reparou a avaria, nem tratou de o vender; e é de conhecimento geral que o veículo de dia para dia perde valor económico, sendo ou não utilizado.
8.6 - Além disso, a verdade é que a avaria não pode ser desconsiderada, pois uma vez com problemas mecânicos, para sempre problemas mecânicos, portanto a venda seria sempre a solução mais adequada e razoável para a boa administração do bem.
8.7- Assim, a venda tratou-se de um ato de administração ordinária, pois visou aproveitar, de forma razoável, as qualidades ou virtualidades do veículo e prover à conservação do património do casal, que com o veículo parado e com avarias se estava a degradar.
8.8 - E a verdade é que com a venda o património aumentou em pelo menos €12.500,00, pois mais vale €12.500,00 do que um carro parado na garagem, sem utilização.
8.9 - Posto isto, O bem móvel poderia ser vendido sem o consentimento do outro cônjuge, ao abrigo do disposto no artigo 1682°, nº 1, in fine do Código Civil.
8.10 - Sucede que, o Recorrente por ter o registo a seu favor sempre poderia tomar a providência de vender o automóvel.
8.11 - Na realidade a declaração de venda não exige o consentimento escrito do cônjuge.
8.12 - A Recorrida não tomou qualquer providência em relação ao veículo, a não ser imobiliza-lo, o que também não é bom para o património do casal, principalmente quando não têm outro veículo e fica a degradar-se sem utilização e com problemas mecânicos que necessitam de reparação.
8.13 - Pelo que, mais uma vez, o Recorrente poderia vender o automóvel, ao abrigo do disposto no artigo 1679° do CC.
8.14 - Se o legislador protege o menos, quem não tem a administração, também protege o mais, quem tem a administração do bem e quem tem o registo automóvel a seu favor!
8.15 - Por tudo isto, o contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e o Requerido D… é válida, não necessitando do consentimento da Recorrida. Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência: - Ser a sentença declarada nula; - Caso assim V. Exas. não entendam, deve sempre ser concedido provimento à alteração da matéria de facto propugnada pelo Apelante nas alegações e conclusões de Recurso;
- E ser alterada a decisão sobre a matéria de direito no sentido propugnado pelo Apelante, fazendo-se assim Serena, Sã e Objetiva.
Justiça!
Contra-alegou a requerente, assim concluindo:
1. A douta sentença recorrida está cabal e coerentemente fundamentada, quer em termos fácticos, quer em termos de direito, pelo que não merece qualquer juízo de censura à recorrida,
2. Não assistindo, salvo o devido respeito, qualquer razão ao recorrente na interposição do recurso e respectiva fundamentação.
3. Desde logo, não existe manifestamente qualquer omissão de pronuncia pelo facto de não ter sido lavrada uma assentada, em termos absolutamente autónomos e literais,
4. Porquanto não houve qualquer confissão de factos por parte da recorrida e, muito menos, susceptíveis de favorecer o recorrente (houve, sim, confirmação por parte da depoente de toda a matéria por si alegada por escrito até à data da realização da audiência de discussão e julgamento),
5. Além de que deixou de haver necessidade de lavrar assentada na medida em que todo o depoimento de parte foi integralmente gravado e está perfeitamente audível [vidé Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/09/2014, Proc. n° 1190/12.5TBGMR.Gl).
6. Contudo, ainda que assim não fosse - mas é! - o recurso não é o meio próprio para suscitar a questão duma eventual nulidade, pois essa questão devida ter sido suscitada até ao final da diligência respectiva, nos termos do artigo 1990 CPC, pelo que, ainda que assistisse razão ao recorrente - e, salvo o devido respeito, não assiste -, esse seu direito já precludiu.
7. Do mesmo modo, considera-se não haver excesso de pronúncia, exactamente pela fundamentação constante da douta sentença recorrida.
8. E exactamente porque a solução, prevista na lei - de inversão do contencioso com a possibilidade de dispensa judicial de ónus de abertura da acção principal, após verificação concreta do estado dos autos e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio-, configura a possibilidade de consolidação formal da decisão cautelar.
9. Ora, no caso em apreço é manifesto que a tutela cautelar substitui a definitiva pois o efeito útil é exactamente o mesmo, ou seja, a anulação da venda e cancelamento do registo de aquisição a favor do terceiro.
10. Aliás, tem vindo a ser amplamente discutida a técnica da inversão do contencioso, sendo defendido pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (No Parecer apresentado à Assembleia da República em Janeiro de 2013, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Proc.civil/parecer-ASPJaneiro2013-pdD que a técnica da inversão do contencioso será mais eficaz caso não fique dependente de requerimento, o que manifestamente não se entende e vai contra a racionalidade e lógica da criação deste instituto.
11.E, por isso, tem sido propugnado que a solução que melhor promoveria o equilíbrio de posições entre as partes é uma semelhante à consagrada no artigo 21°, nº 7 do Dec-Lei 149/95 de 24 de Junho (Regime de Locação Financeira), cuja conclusão pela definitividade da decisão proferida não está dependente de requerimento, baseando-se numa ponderação do Juiz, respeitando o exercício do contraditório entre as partes.
12. Relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto também não assiste qualquer razão ao recorrente pelo que as respostas aos pontos 1.5, 1.9,1.18,1.21,1.22,2.13,2.17,2.2032.21, devem manter-se nos exactos termos em que foram dadas na douta sentença recorrida, tendo em conta as transcrições constantes das presentes contra-alegações e, ainda, algumas das que são trazidas à colação pelo recorrente e que infirmam, elas mesmas, o raciocínio que este pretende fazer valer.
13. Não assiste, igualmente razão ao recorrente quanto à alegada inexistência dos fundamentos da providência cautelar, subscrevendo-se na íntegra a argumentação constante da douta sentença quanto a essa questão.
14. Para além de que se for tida em conta a factualidade constante das transcrições constantes das presentes contra-alegações esses fundamentos saem claramente reforçados.
15. Do mesmo modo, não assiste razão ao recorrente quando refere faltar o requisito previsto no nº 2 do artigo 368° CPC aderindo-se totalmente à argumentação constante da douta sentença recorrida, a qual sai reforçada com o teor das transcrições coligidas pela recorrida e que confirmam em pleno a existência do requisito previsto no nº 2 do artigo 368° CPC.
16. E naturalmente que também não pode colher a tese, aliás peregrina, de que a alienação do veículo em questão nos presentes autos enquadra-se nos actos de administração ordinária [que não carecem, esses sim, do consentimento de ambos os cônjuges],
17. Pois trata-se obviamente dum acto de administração extraordinária, que carece da autorização de ambos os cônjuges, em se tratando de um bem móvel categorizado como bem comum.
17. Não só pela argumentação jurídica constante da douta sentença recorrida, como também pela argumentação doutrinal e jurisprudencial constante das presentes contra-alegações.
Termos em que negando provimento ao recurso interposto e confirmando a douta sentença recorrida,
Farão V. Exas.
Justiça
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1.1. A requerente contraiu casamento com o requerido C… em 16 de Agosto de 1997, não tendo celebrado qualquer convenção antenupcial.
1.2. Em Abril de 2015 o requerido C… saiu da casa de morada da família, aí ficando todo o recheio da casa e o veículo automóvel da marca Peugeot, matrícula ..-ML-...
1.3. Em 2 de Julho de 2015, a requerente apresentou na 3ª Secção de Família e Menores da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, com sede em Matosinhos, uma acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o requerido C…, tendo sido designada tentativa de conciliação para o dia 17 de Dezembro de 2015.
1.4. Em 2011, foi adquirido o veículo automóvel identificado em 1.2.
1.5. O veículo foi adquirido com dinheiro dado à requerente pela sua mãe.
1.6. O veículo foi registado em nome do requerido C….
1.7. Em 30.11.2015 e com referência ao veículo identificado em 1.2., foi pago pela requerente o IUC relativo ao ano de 2015.
1.8. O pagamento do seguro automóvel do veículo era efectuado por débito directo na conta de D.0. n.º …. ……….. do "E…", da qual eram titulares a requerente e o requerido C….
1.9. O veículo encontra-se imobilizado desde Setembro de 2015, padecendo de problemas técnicos e mecânicos.
1.10. No dia 1 de Dezembro de 2015, de manhã, a requerente foi alertada telefonicamente pela sua mãe de que estava à porta de casa desta, próxima da casa da requerente, uma pessoa que disse chamar-se D… e que tinha sido lá mandado pelo requerido C…, afirmando que tinha comprado o veículo ao requerido C….
1.11. Quando a requerente chegou ao local para esclarecer o que se estava a passar, constatou que não conhecia o requerido D… de parte alguma.
1.12. O requerido D… voltou a afirmar, agora à requerente, que tinha adquirido o veículo ao requerido C… pela quantia de 11.500€, exibindo um documento emitido pela Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, denominado de "Comprovativo de Apresentação", do qual, com referência ao veículo identificado em 1.2., constava, designadamente, "Facto registado: Transferência de propriedade" e "Titular: D…".
1.13. O requerido D… referiu que tinha comprado o veículo há dois dias atrás, portanto, no domingo, dia 29 de Novembro de 2015, e que o requerido C… lhe disse para ir procurar e recolher o veículo a casa da requerente.
1.14. A venda deu-se sem que o requerido D… tenha inspeccionado o veículo.
1.15. Quando confrontado com a afirmação da requerente de que o veículo era seu, que desconhecia a intenção de tal venda, que nunca a autorizou, bem como com o facto de comprar um veículo sem o experimentar ou inspeccionar, o requerido D… afirmou conhecer o veículo por já o ter visto.
1.16. Não foi exibida à requerente a declaração de venda do veículo.
1.17. O requerido D… informou a requerente de que fazia trabalhos de segurança e que, de vez em quando, comprava e vendia veículos.
1.18. O requerido D… referiu à requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo teria de participar à Polícia o "roubo" do mesmo.
1.19. A requerente recusou a entrega do veículo.
1.20. O requerido D… registou a propriedade do veículo a seu favor em 30.11.2015.
1.21.Munido de tal título, o requerido D… poderá alienar, ele próprio, o veículo a terceira pessoa e indicar a essa terceira pessoa o local onde o mesmo se encontra, solicitando o respectivo levantamento nesse local.
1.22 A requerente pode ser confrontada com exigências de autoridades policiais no sentido da entrega do veículo.
1.23. Após sair da casa de morada de família, o requerido C… instalou-se num imóvel que pertence à mãe da requerente, continuando a frequentar a casa de morada de família para visitar os filhos.
1.24. Até Abril de 2015, o automóvel foi utilizado pelo requerido C… e pela requerente.
1.25. Depois de Abril de 2015 até Setembro de 2015, requerido C… utilizou o veículo, pelo menos, em dois fins-de-semana e durante uma semana no mês de Agosto.
1.26. A requerente procedeu ao cancelamento do seguro do veículo, cancelando o débito directo.
1.27. No dia 12 de Setembro de 2015, a requerente informou o requerido C… de que cancelara o débito directo do seguro e que o carro iria ficar guardado.
1.28. O requerido C… efectuou uma participação junto da PSP, declarando que no dia 12.09.2015 a requerente "não lhe entregou a sua viatura ..-ML-.., que tinham acordado utilizar em conjunto durante o processo de divórcio."
1.29. Uma vez que o veículo apresentava problemas técnicos e mecânicos, após Setembro de 2015 a requerente passou a não o usar, pois afirmava colocar em risco a segurança dos passageiros.
1.30. O veículo foi vendido por valor não inferior a € 12.500,00.
1.31. O requerido C… conhece o requerido D….
1.32. Em conversa com o requerido D…, o requerido C… deu-lhe a conhecer que ele e a esposa estavam em processo de divórcio e que pretendia vender o veículo.
1.33. O requerido D… mostrou-se interessado na compra do veículo, pois viu uma boa oportunidade de negócio.
1.34. O requerido C… deu indicações ao requerido D… sobre o local onde deveria ir buscar o veículo.
1.35. Pela Ap. 3966 de 03.12.2015, foi efectuado o registo da presente providência cautelar. Factos Não Provados:
Não se provou qualquer outro facto, de entre os alegados nos articulados, com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
2.1. A venda do veículo ao requerido D… deu-se sem que este o tenha visto.
2.2. O requerido D… está mancomunado com o requerido C… para desapossar e desapropriar a requerente, à força, do veículo.
2.3. O veículo vale € 20.000,00.
2.4. O requerido D… disse à requerente que o veículo até já estava prometido vender a uma outra pessoa.
2.5. Em Setembro de 2015, o requerido C… não concordou que, com a venda do carro, o destino do dinheiro deveria ser divido pelos dois, em partes iguais.
2.6. Foi aí que a requerente disse que a partir daquele dia o carro iria ficar preso na garagem da casa de morada de família e que não iria mais circular.
2.7. A pedido da requerente, o requerido C… concordou em "dar um tempo" de forma a repensarem o seu matrimónio.
2.8. Na ocasião a que se alude em 1.2., o requerido C… deixou na casa de morada de família todos os seus pertences.
2.9. Na ocasião a que se alude em 1.2., o automóvel ficou na garagem da casa de morada de família, pois o requerido C… entendeu que a requerente poderia necessitar do veículo para ir levar e buscar os filhos à escola.
2.10. A requerente procedeu da forma descrita em 1.26. sem comunicar o facto ao requerido C….
2.11. O pagamento do IUC referente ao ano de 2014 foi pago pelo requerido C… em numerário.
2.12. No dia 12 de Setembro de 2015, o requerido C… falou com a requerente que iria buscar o carro pois necessitava do mesmo.
2.13. O requerido C… sempre se preocupou com a manutenção do veículo, nomeadamente revisão, mudança de pneus.
2.14. Por causa dos problemas existentes no veículo, a requerente e o requerido C… entenderam que a melhor solução seria a venda do mesmo.
2.15. A discordância era relativa ao destino a dar ao dinheiro proveniente da venda.
2.16. A requerente sabia que o requerido C… iria tomar providências para vender o veículo, pois não fazia sentido manter um carro que apresentava problemas mecânicos e técnicos parado numa garagem sem fazer uso dele, a desvalorizar-se.
2.17. A vontade de vender o veículo surgiu da requerente.
2.18. Desde Julho que ambos falavam na venda do veículo, devido às avarias.
2.19. A requerente só aceitava a venda do veículo se fosse para abater a dívida existente junto do "Banco E…", já o requerido C… entendia que o dinheiro da venda deveria ser divido em partes iguais.
2.20. O valor económico do veículo estava a diminuir.
2.21. O requerido C… quando tratou de vender o veículo pretendeu evitar prejuízos para o património comum do casal.
2.22. O preço do veículo foi pago pelo requerido D… em numerário.
3.Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
-nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
-nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
-impugnação da matéria de facto;
-verificação dos pressupostos do procedimento cautelar não especificado;
3.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Arguiu o apelante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, CPC, por não ter sido reduzida a escrito alegada confissão da requerente.
Segundo afirma, por iniciativa do Sr.ª Juiz da 1.ª instância, a pronúncia quanto aos factos sobre os quais teria recaído confissão ficou diferido para momento posterior, não tendo havido pronúncia sobre os factos alegadamente confessados, que, aliás, não identifica.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, a sentença é nula, designadamente, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 608.º, n.º 2, CPC, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704).
Nas palavras do acórdão do STJ, de 2005.01.13, Oliveira Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4251,
«… a omissão de pronúncia prevenida no art. 668º, nº 1º, al. d) [actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)], diz respeito às questões a que alude o nº 2 do art. 660º [actual artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte]
Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo.
Definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.
Bem assim deverão ser apreciados os pressupostos processuais desse conhecimento - sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes.
Como tudo melhor elucidado, com menção da pertinente doutrina, em Ac.STJ de 11/1/2000, BMJ 493/387-7».
O que sucedeu não foi uma nulidade da sentença, cujos fundamentos estão taxativamente enunciados no artigo 615.º CPC, mas antes uma nulidade processual.
Fora das situações enunciadas nos artigos 186.º a 194.º CPC, que integram as nulidades principais, dispõe o n.º 1 do artigo 195.º CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas).
As nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependente de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 196.º CPC.
As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu.
Assim, deveria o apelante ter arguido a alegada nulidade no prazo de dez dias a contar do conhecimento (artigos 199.º, n.º 1, e 149.º CPC).
Não tendo o feito, não pode esgrimi-la em sede de recurso da sentença, pois, a existir, tal nulidade deve considerar-se sanada.
Improcede, pois, a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
3.2. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Sustenta o apelante a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, por a Mm.ª Juiz a quo ter decretado a inversão do contencioso, sem que tal lhe tivesse sido requerido.
Ocorrenulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Em nenhum momento a requerente declarou pretender a inversão do contencioso, pelo que a mesma não podia ter sido oficiosamente decretada, face ao que se dispõe no artigo 369.º, n.º 1, CPC: "Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal (...)".
A sentença é, pois, nula no segmento em que decretou a inversão do contencioso.
Não colhe, assim, a argumentação da apelada quando invoca o parecer Associação Sindical dos Juízes Portugueses apresentado à Assembleia da República em Janeiro de 2013 (conclusão 10.ª das contra-alegações), pois é manifesto que tal posição não obteve acolhimento do legislador.
Independentemente de certos sectores da doutrina discordarem da solução consagrada pelo legislador, a verdade é que foi inequívoca a sua vontade de deixar a inversão do contencioso subordinada ao impulso do requerente da providência cautelar, em respeito ao princípio do dispositivo.
Procede, pois, a nulidade da sentença neste segmento.
3.3. Da impugnação da matéria de facto
Tendo sido dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, CPC, importa reapreciar a matéria de facto impugnada pelo apelante. Factos provados que o apelante pretende sejam alterados:
-1.5. O veículo foi adquirido com dinheiro dado à requerente pela sua mãe. Redacção pretendida: O veículo foi adquirido com dinheiro que a mãe da Requerente transferiu para a conta conjunta de ambos os cônjuges.
Discutia-se nos autos se o dinheiro com que foi comprado o automóvel em questão tinha sido dado pela mãe da apelada a esta unicamente, se ao casal, para daí se extrair consequências relativamente à propriedade do automóvel - a apelada sustentava tratar-se de bem próprio; o apelante de bem comum.
A sentença recorrida, atendendo à circunstância de o automóvel estar registado em nome do apelante e ao disposto no artigo 1725.º, CPC, considerou o bem comum, apesar de ter sido adquirido com dinheiro dado pela mãe da apelada.
Não se questionando que se trata de bem comum, mostra-se irrelevante a pretendida alteração.
A reapreciação da matéria de facto constitui uma garantia das partes no sentido de ver reapreciado o julgamento por uma instância de recurso, e não um exercício académico.
Por isso, apenas há que conhecer da impugnação da matéria de facto que seja relevante para a apreciação do mérito da causa, não se podendo desperdiçar recursos escassos em actividades inúteis.
Termos em que não se conhece deste ponto da matéria de facto.
-1.9. O veículo encontra-se imobilizado desde Setembro de 2015, padecendo de problemas técnicos e mecânicos. Redacção pretendida: O veículo está imobilizado desde Setembro de 2015, por decisão unilateral da Recorrida, padecendo de problemas técnicos e mecânicos.
Pretende o apelante a alteração da redacção por forma a fazer constar que o automóvel foi imobilizado por decisão unilateral da apelada.
Não se descortina o alcance desta pretendida alteração na economia do procedimento cautelar, já que não é a responsabilidade pela imobilização do veículo que aqui se discute.
Termos em que não se conhece da impugnação deste ponto da matéria de facto.
-1.18. O requerido D… referiu à requerente de que se não lhe fosse entregue o veículo teria de participar à Polícia o "roubo" do mesmo.” Redacção pretendida Não Provado.
Insurge-se o apelante contra a valoração do testemunho de F…, mãe da apelada, atenta a relação de parentesco entre ambas.
Afirmando que se trata de um facto pessoal das partes, favorável à apelada mas desfavorável ao apelante D…, sustenta que tal facto apenas pode ser provado através da prova por confissão (depoimento de parte do apelado D…).
Não existe nenhuma regra probatória que imponha a prova por confissão para os factos pessoais das partes.
Assim, embora tais factos sejam passíveis de prova por confissão, nada obsta a que sejam provados através de testemunhas ou de presunções judiciais (prova livre).
Só assim não será quando a lei dispuser de forma diversa, como sucede, por exemplo, na situação prevista no artigo 364.º, n.º 2, CC: Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
Nessa conformidade, o facto em apreço era passível de ser provado através de testemunhas.
A relação de parentesco entre mãe e filha não consubstancia nenhuma inabilidade para depor. Justifica apenas especiais cautelas na sua valoração.
A 1.ª instância, valorou positivamente este depoimento, não tendo este tribunal razões para valorá-lo de forma diversa.
Mantém-se, pois, a redacção deste facto.
- 1.21. Munido de tal título, o requerido D… poderá alienar, ele próprio, o veículo a terceira pessoa e indicar essa pessoa o local onde o mesmo se encontra, solicitando o respectivo levantamento nesse local. Redacção pretendida
- Não Provado.
Diz o apelante que a apelada não fez qualquer prova do facto em causa, o qual não passa de mera especulação, sem qualquer concretização fáctica nos autos. E que a prova de tal facto deveria ser feita por confissão (depoimento de parte do apelado D…).
Relativamente à necessidade deste facto ser provado por confissão, remetemos para o que se disse supra.
Que alguém munido da declaração de venda de um automóvel assinado pelo proprietário o pode alienar a terceira pessoa, que o pode reclamar, é uma evidência, um facto notório.
Que o risco de a transmissão a terceiro ocorrer é real decorre do depoimento da testemunha G…, que disse que achava que o carro era para vender. Embora não tenha deposto com um grau de certeza elevado, é o suficiente no âmbito de um procedimento cautelar, especialmente porque o apelado D…, segurança de profissão, também se dedica à compra e venda de automóveis.
Mantém-se a redacção impugnada.
-1.22. A requerente pode ser confrontada com exigências de autoridades policiais no sentido da entrega do veículo.
Trata-se de mais uma evidência. O contrato de compra e venda, para além de transmitir a propriedade do bem vendido, faz nascer a obrigação de entrega da coisa vendida ao comprador, que, por seu turno tem a obrigação de pagar o preço (cfr. artigo 879.º CC).
Tendo o veículo sido vendido, é expectável que venha a ser diligenciada a sua entrega ao comprador.
Nada a censurar neste facto. Factos não provados que o apelante pretende sejam alterados para provados
-2.13. O Requerido C… sempre se preocupou com a manutenção do veículo, nomeadamente revisão, mudança de pneus.
Não estando em causa a responsabilidade pela imobilização do veículo, nem estando questionada a natureza do automóvel -bem comum - , não se vislumbra o interesse deste facto na economia da providência.
Com efeito, este facto foi alegado no artigo 29.º da oposição destinava-se a corroborar que o automóvel lhe pertencia, para afastar a qualificação do bem como próprio da apelada, como esta sustentava: “...o 1.º requerido sempre se comportou como dono do carro, e sempre se preocupou com a manutenção do próprio, nomeadamente revisão, mudança de pneus, etc.”
Termos em que não se conhece da impugnação deste ponto da matéria de facto.
-2.17. A vontade de vender o veículo surgiu da Requerente.
Outro facto irrelevante na economia da providência. Não interessa de quem partiu a vontade; o que releva é ter havido ou não consentimento para a venda.
Uma coisa é a vontade de venda, outra, diversa, as condições em que tal venda deva ser feita.
Outro facto irrelevante impeditivo do conhecimento da respectiva impugnação.
-2.20. O valor económico do veículo estava a diminuir. Redacção pretendida: O valor económico do veículo por causa das avarias mecânicas e técnicas que apresenta está a diminuir por cada ano civil.
-2.21. O requerido C… quando tratou de vender o veículo pretendeu evitar prejuízos para o património comum do casal Redacção pretendida: Provado.
Como decorre da leitura dos artigos 48.º a 51.º da oposição, a alegação destes factos destinou-se a legitimar a aplicação do disposto no artigo 1679.º CC, para a eventualidade de se entender que não detinha a administração do bem.
Nos termos deste normativo, O cônjuge que não tem a administração dos bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.
No entanto, este normativo nunca lograria aplicação por não se encontrar preenchido um dos seus pressupostos: o outro cônjuge estar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer.
O que sucede no caso dos autos é que a apelada não deu o seu consentimento à venda, falta de consentimento essa que não podia ser contornada por esta via.
A irrelevância destes factos na economia do recurso impede o conhecimento da respectiva impugnação.
3.4. Da verificação dos pressupostos do procedimento cautelar comum
Constituem requisitos cumulativos do procedimento cautelar comum:
a) - probabilidade séria de existência do direito que se pretende acautelar (fumus bonus juris) - artigo 362.º, n.º 1, CPC;
b) - fundado receio de que outrém cause lesão grave e dificilmente reparável desse direito antes de ser proferida decisão na acção de que a providência é dependência (periculum in mora) - artigo 362.º, n.º 1, CPC;
c) - inexistência de providência tipificada aplicável ao caso- artigo 362.º, n.º 3, CPC ;
d) instrumentalidade (dependência de uma acção principal, intentada ou a intentar), salvo inversão do contencioso -artigo 364.º, n.º 1, CPC;
e) - adequação de providência à remoção do periculum in mora - artigo 362.º, n.º 1, CPC;
f) - possibilidade de recusa de providência pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar -artigo 368.º, n.º 2, CPC.
A primeira questão a abordar prende-se com a probabilidade séria da existência do direito da apelada.
O direito que a apelada pretende ver tutelado é o direito à anulação do contrato de compra e venda de um automóvel, bem comum do casal, celebrado sem o seu consentimento pelo marido.
Pretende o apelante que a venda do automóvel integra um mero acto de administração.
Dispõe o artigo 1682.º, n.º 1, CC, que alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.
Tal como foram estruturadas as alegações, a legitimidade do apelante para a venda de um bem comum sem autorização apelada depende de se considerar a venda do automóvel como acto de administração ordinária, por forma a enquadrá-la na excepção consagrada na parte final do artigo 1682.º, n.º 1, CC.
Recorde-se que, de acordo com o disposto no artigo 1678.º, n.º 3, CC, Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.
Não se afigura que a venda de um automóvel, ainda que com problemas mecânicos, possa se reconduzir a um mero acto de administração ordinária.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, pg. 289, em anotação ao artigo 1678.º, n.º 3, CC, afirma que este artigo, qual “águia de duas cabeças” enuncia duas regras distintas mas complementares:
“A 1.ª, da administração concorrente, refere-se aos actos de administração ordinária. Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária, relativamente a bens comuns do casal.
A 2.ª, da administração conjunta, abrange os actos de administração extraordinária”. Os actos desta natureza, relativos aos bens comuns, só podem ser validamente praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.
A doutrina tende a considerar como actos de administração ordinária os que se destinam a prover à conservação dos bens (pintar a casa, reparar o muro caído, consertar a viatura, etc.) ou promover a sua frutificação normal (apanha da azeitona, monda da seara, poda das árvores, substituição da vinha envelhecida, etc.). Como actos de administração extraordinária são catalogados os que visam a realização de benfeitorias ou melhoramentos nas coisas ou a frutificação anormal dos bens”.
Ora, a venda do automóvel é um acto de disposição que não se quadra ao conceito de acto de administração ordinária. O património comum viu-se privado do bem, à revelia da apelada, tendo o apelante embolsado o preço recebido (embora tenha declarado, no artigo 47.º da oposição, estar disposto a entregar à apelada metade do valor recebido).
No sentido de que a venda de um automóvel não constitui um acto de administração ordinária veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2013.03.21, Carlos Querido, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 57/07.3TBSBR.P1
A circunstância de não poder ser utilizado devido a avaria mecânica não descaracteriza o acto de disposição, até por que se desconhece a natureza dos problemas do automóvel.
Acto de administração ordinária seria promover a reparação do veículo, não vendê-lo.
A consequência desta “ilegitimidade conjugal” é a anulabilidade do acto de disposição a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros (artigo 1687.º CC).
Nessa conformidade, assistirá à apelada o direito à anulação do contrato, em acção a intentar para o efeito.
Refira-se que o procedimento cautelar não é a sede própria para a formulação do pedido de anulação do contrato de compra e venda do automóvel e cancelamento do registo.
Esse será o objecto da acção de que o procedimento é dependência.
O acórdão da Relação de Coimbra, de 2005.06.28, Jaime Ferreira, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 1345/05, julgou não ser admissível a instauração de um procedimento cautelar visando obter uma sentença condenatória típica de uma acção declarativa, por contrariar a finalidade própria do procedimento cautelar.
Embora esta decisão tenha sido proferida no âmbito de anterior legislação, mantém actualidade, mesmo após a consagração da figura da inversão do contencioso.
O campo privilegiado de aplicação deste instituto são aquelas situações que se esgotam na tutela cautelar, em que a acção principal destinada a conferir definitividade constitui uma mera formalidade, v.g., proibição do lançamento de um livro, da realização de um espectáculo (cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, pg. 132 e ss.).
A possibilidade de inversão do contencioso não legitima, porém, a inversão da essência do procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e provisoriedade, por forma a transferir para o procedimento cautelar a aceção definitiva.
Por outras palavras, não é admissível que se peça no âmbito de um procedimento cautelar a anulação de um contrato de compra e venda de um automóvel e cancelamento do registo.
O receio manifestado pela apelada foi de que o automóvel pudesse ser vendido a terceiro, comprometendo o seu direito à anulação do contrato.
Para afastar este receio bastaria, por exemplo, a intimação do comprador a não transmitir ou onerar o veículo até à decisão da acção de anulação, numa aplicação do princípio da mínima ingerência (cfr.Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pg. 329).
Nessa conformidade, a anulação do contrato e cancelamento do registo em sede cautelar, além de inadmissível, seria excessivo, desproporcional.
É o princípio da proporcionalidade que está subjacente à solução consagrada no artigo 368.º, n.º 2, CPC, invocado pelo apelante: A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
Se assim é, por maioria de razão a providência deve ser recusada quando se verifica falta de interesse em agir, designadamente por o requerente ter ao seu dispor meio menos gravoso de acautelar o direito que pretende ver salvaguardado no âmbito do procedimento cautelar (para maiores desenvolvimentos veja-se Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pgs. 216 e ss.).
O meio legal idóneo para a satisfação da apelada é a propositura da acção principal e realização do respectivo registo.
O artigo 291.º, n.º 1, CC, estabelece que A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
No entanto, o n.º 2 do mesmo artigo consagrou uma protecção para o beneficiário da anulação ou declaração de nulidade.
Com efeito, de acordo com este normativo, Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
Significa isto que o direito do terceiro (sub-adquirente) só será protegido se o titular do direito à anulação ou declaração de nulidade não intentar e registar a acção no prazo de três anos (cfr. acórdãos do STJ, de 2010.10.26, Garcia Calejo, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1268/036TBSCR.L1.S1, e de 2007.06.21, Salvador da Costa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B1847).
Em síntese, a apelada dispõe de um meio eficaz para salvaguarda do seu direito de anulação perante uma eventual venda do automóvel a terceiro pelo adquirente contra quem pretende dirigir a acção de anulação, não carecendo de recorrer ao procedimento cautelar, que se revela excessivo.
4.Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida.
Custas pela apelada.
Porto, 27 de Setembro de 2016
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
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Sumário
I - Apenas há que conhecer da impugnação da matéria de facto que seja relevante para a apreciação do mérito da causa.
II - Não existe nenhuma norma probatória que imponha que os factos pessoais das partes apenas possam ser provados por confissão.
III - A venda de um automóvel, bem comum do casal, não constitui acto de administração ordinária, estando dependente de autorização do outro cônjuge.
IV - A consequência desta “ilegitimidade conjugal” é a anulabilidade do acto de disposição a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros (artigo 1687.º CC).
V - O procedimento cautelar não é a sede própria para a formulação do pedido de anulação do contrato de compra e venda do automóvel e cancelamento do registo.
VI - Esse será o objecto da acção de que o procedimento é dependência.
VII - Não é admissível a instauração de um procedimento cautelar visando obter uma sentença condenatória típica de uma acção declarativa, por contrariar a finalidade própria do procedimento cautelar.
VIII - A providência deve ser recusada quando se verifica falta de interesse em agir, designadamente por o requerente ter ao seu dispor meio menos gravoso de acautelar o direito que pretende ver salvaguardado no âmbito do procedimento cautelar.
IX - Pretendendo o requerente do procedimento cautelar salvaguardar o seu direito à anulação do contrato perante terceiros adquirentes a quem o comprador possa transmitir o automóvel, basta-lhe intentar a acção de anulação e registá-la no prazo de três anos a contar do negócio.
X - Por força do disposto no artigo 291.º, n.º 2, CC, o direito daquele que intenta a ação de anulação é protegido durante três anos, prevalecendo sobre o direito do adquirente que tenha registado a aquisição antes da acção de anulação.