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RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Sumário
I – O escopo das normas do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) não integra a concessão ou o reconhecimento de direitos subjectivos a particulares. II – Porém, encontra-se no RGEU normas que, para além do interesse público da segurança, aspecto estético e salubridade das edificações, têm em vista a protecção do interesse particular do fruidor das habitações, maxime das que se situam na vizinhança das obras em execução: é o caso das normas dos artigos 59º a 63º do RGEU, as quais impõem restrições às distâncias e alturas de edifícios, relativamente aos prédios vizinhos, por forma a que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição à acção directa dos raios solares não só do prédio objecto dos trabalhos, mas também dos prédios vizinhos. III – A violação de tais normas poderá originar responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no art.º 483º, nº 1, segunda parte, do Código Civil. IV –Não deve, pois, afastar-se in limine a aplicabilidade, pelo tribunal judicial, do RGEU a litígios em que se reclame indemnização pela realização de obras em contravenção ao RGEU.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO Manuel … e consorte Maria …, intentaram, contra José …, nas Varas de Competência Mista Cível e Criminal do Funchal, acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, invocando, em síntese, o seguinte:
Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito …, Funchal, cujas características indicam, bem como de uma sexta parte de uma parcela ou faixa de terra com a área de 240m2, no mesmo sítio e freguesia, os quais adquiriram por doação que lhes fizeram seus sogros e pais. A parcela de terra também ficou a pertencer a outras pessoas, que identificam. Sobre o prédio urbano edificaram os Autores uma moradia unifamiliar, onde residem. O Réu, por seu turno, é proprietário de um prédio urbano que confronta com a parcela de terreno que também é pertença do Autores, na sua parte Leste. Acontece que o Réu está a fazer obras de ampliação, aumentando em dois pisos o seu prédio urbano sem qualquer afastamento da parcela de terra dos Autores, de modo a que as águas do telhado deitem directamente sobre aquela parcela. Além disso, na dita construção o Réu está a edificar duas janelas e duas águas furtadas que deitam directamente sobre aquela parcela de terreno, igualmente sem qualquer afastamento. As ditas janelas e águas furtadas deitam também sobre o prédio urbano pertença dos Autores, situam-se a menos de metro e meio deste e a uma altura superior e permitem a sua devassa. A dita obra viola também as regras do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que enumeram, que impõem limites às distâncias e alturas entre prédios fronteiros, prejudicando o prédio urbano dos AA. e a parcela de terreno adjacente, quanto à sua insolação, salubridade, arejamento e condições urbanas e ambientais e de vida e de vistas. Por último, alegam os Autores que a referida parcela de terra de que são comproprietários é por eles utilizada como arruamento particular de acesso aos seus respectivos prédios, passando a pé e de carro. Ora, o Réu está a utilizar, indevidamente, a referida parcela de terra, utilizando-a para acesso ao seu prédio, quer a pé quer de carro, e ocupando parte da referida parcela de terreno ao parquear nela a sua viatura, por vezes duas viaturas, de modo permanente, o que impede que os Autores tenham acesso, com o seu carro, à sua garagem que dá directamente para a referida parcela. A ampliação do prédio do Réu, mantendo-se como está, diminui fortemente o valor dos dois prédios dos AA., prejuízo que deve ser indemnizado pelo R. a ser calculado em execução de sentença. O Réu é responsável ainda pelos danos irreversíveis causados por violação dos direitos de personalidade dos AA. e dos interesses juridicamente protegidos, danos esses difíceis de calcular que deverão ser calculados em execução de sentença. A conduta do R. constitui ainda abuso de direito.
Os AA. terminam pedindo que o R. seja condenado:
a) A demolir a parte ampliada que levou a efeito no seu prédio, constante de dois novos pisos, por forma a garantir a distância de um metro e meio da extrema do prédio referido na al. b) do artigo 1° (parcela de terreno) e a cércea;
b) A demolir a construção cuja altura exceda o limite imposto pela cércea, artigos 58° a 63° do RGEU;
c) Em qualquer caso, a proceder à eliminação das janelas, águas furtadas ou outras aberturas que deitem para os prédios das als.a) (prédio urbano que constitui a casa de morada de família dos AA.) e b) do artigo 1° e se situem a menos de metro e meio destes;
d) A proceder à recolha das águas das chuvas, no seu próprio prédio, de modo a que não haja possibilidade de caírem para ou sobre o prédio da dita al.b) do artigo 1° da petição inicial;
e) A respeitar os direitos de propriedade dos Autores e a se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar ou depositar materiais ou outros em tal prédio;
f) A indemnizar os Autores de todos os danos causados, quer materiais, quer não patrimoniais por violação dos seus direitos de propriedade e de personalidade e pelo abuso de direito a calcular em execução de sentença.
O Réu contestou alegando, em resumo, o seguinte:
O Réu também tem direito a utilizar o prédio referido na al.b) da petição inicial uma vez que também é herdeiro do mesmo, sendo certo que nasceu nesse prédio e sempre o utilizou desde o nascimento até aos dias de hoje. Além disso, as obras levadas a cabo em nada ferem a privacidade dos Autores dado que foi mantido o afastamento que sempre existiu sendo certo, também, que o facto de se deslocar de carro para a sua garagem em nada impede a livre circulação dos demais comproprietários do prédio.
Concluiu dizendo que a acção não tem fundamento e pedindo que a mesma seja julgada improcedente.
Realizou-se a audiência preliminar na qual foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes bem como a base instrutória, sem reclamações.
Após peripécias processuais que irrelevam para o caso, os AA. reduziram o pedido referido na alínea e), o qual passou a ter a seguinte redacção: “A se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar materiais ou outros no prédio da alínea b) do art.º 1º da petição inicial”.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo a final o tribunal respondido à base instrutória, com reclamação dos AA. que foi indeferida.
Oportunamente foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente decidiu:
1º Condenar o Réu a realizar obras que impeçam que das duas janelas e das duas águas furtadas que abriu no seu prédio seja possível a devassa do prédio dos Autores identificado na alínea a) do artigo 1º da petição inicial ou, caso tal não seja possível, a demolir tais janelas e águas furtadas;
2º Absolver o Réu dos restantes pedidos.
Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
I - A douta sentença recorrida "recusou" aplicar as normas que considera "de interesse público pelo que afastada está, desde já, a aplicação do R.G.E.U.”, optando pelo ponto de vista de que “incumbe a este Tribunal aplicar apenas as normas do Código Civil”, cf douta sentença, fls. 393, parágrafo segundo.
II - E com esse fundamento absolveu o Réu do pedido de condenação para demolir a construção cuja altura exceda o limite imposto pela cércea, arts. 58° a 63° do R.G.E.U., construção essa feita para mais de forma clandestina, sem projecto aprovado e sem licenciamento.
III - Tal decisão está em oposição com o douto Ac. do STJ de 28/01/2003, in C.J. N° 116, ano XXVIII- Tomo 1/2003 que conclui por: "I-0 art.59° do R.G.E.U, aprovado pelo D.L. n.° 38.382, de 7/8/51 reconhece um autêntico direito subjectivo aos proprietários fronteiros, garantindo-os contra terceiros e a eventual actuação ilícita das entidades administrativas. -A todo o direito corresponde, nos termos do art. 2. 0, n.° 2 do C.P.C., uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a sua violação e realizá-lo coercivamente "
IV - No caso dos autos, porém, é ainda mais evidente, do que daquele de que trata o Ac. do STJ por se tratar de uma construção clandestina, sem projecto préviamente aprovado pela CMF e sem o respectivo licenciamento.
V - O facto da conclusão IV torna ainda mais indiscutível a competência do Tribunal a quo para aplicar as normas do R.G.E.U.
VI – A douta sentença não tendo aplicado as ditas normas do R.G.E.U, violou os seus artigos 58° a 63° e ainda o art° 2° n° 2 do C.P.C.
VII - Os factos provados n°s. 8°, 9°, 10°, 13°, 14° e 15°, constituem violação pelo Réu de interesses legítimos dos apelantes juridicamente tutelados pelas normas dos arts 58° a 63°, e 73°, do R.G.E.U. e do art° 1.360° do C.C., todas geradoras de responsabilidade civil.
VIII -Tais violações constituem ainda violação do direito de personalidade (direitos subjectivos absolutos) ou interesses juridicamente protegidos (não degradação do ambiente, sol e vistas afectadas com construção ilegal) conforme art° 70°, n° 2 do C.C., também violadas pela douta sentença.
IX – Ao absolver o Réu de se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar ou depositar materiais ou outros em tal prédio, comprovado que este não é dono nem comproprietário do mesmo, conforme matéria de facto provada, a douta sentença violou o art° 1.305° do C.C.
Os apelantes terminam pedindo que a sentença recorrida seja anulada quanto aos pontos acima indicados, e o Réu condenado em conformidade com as normas indicadas, designadamente as do R.G.E.U., ou quando assim não seja entendido, seja anulada na mesma a sentença, ordenando-se a baixa dos autos e repetindo-se o julgamento com a eventual ampliação da matéria de facto, para conveniente aplicação das normas do R.G.E.U.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Foi dada como provada a seguinte Matéria de Facto
1. Os requerentes são donos e legítimos proprietários:
a) Do prédio urbano, …, Funchal, no sítio da Quinta do Acciaioly, onde chamam Caminho do Terço, freguesia de Santa Maria Maior, que confronta a Norte com a Vereda, Sul com a entrada comum, Leste com … e Oeste com …, parte do descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n° 37.400 fis. 120, Lo B-106, inscrito na matriz sob o artigo 3099;
b) De uma sexta parte de uma. parcela ou faixa de terra com a área de 240 m2, a qual constitui um arruamento que dá acesso ao prédio identificado na al. a) do artigo 1° da petição inicial e ainda a outros de outrem, no mesmo sítio e freguesia, que confronta a Norte com …, … e os requerentes, Sul com a Estrada Regional 102, …, Leste com … e Oeste com …, parte do dito prédio, omisso na matriz (Alínea A).
2. Prédio e parte do prédio que os AA adquiriram por doação que lhes fizeram seus sogros e pais …, por escritura de 11/12/1972, a folhas 53 do Livro 114-C do 2° Cartório da Secretaria Notarial do Funchal (Alínea B).
3. Prédio e parte de prédio que foram adquiridos pelos ditos doadores … e consorte …, por escritura de partilhas de 27/10/1972, fis. 14-V do Lote 160-A, do dito 2° Cartório Notarial do Funchal, por óbito de … –(Alínea C).
4. O prédio identificado na aI. b) de A) antecedente ficou a pertencer também:
1/6 parte a …, casado em separação de bens; 1/6 parte a … e mulher …; 1/6 parte a …; 1/6 parte a …; e 1/6 parte a … (Alínea D).
5. Os Autores, após terem adquirido o prédio da alínea a) de 1 acima, edificaram sobre ele uma moradia unifamiliar, que é o inscrito na matriz urbana sob o art° 3.099, pelo ano de 1973, onde residem (Alínea E).
6. Os Autores, por si e pelos seus ditos e legítimos antecessores, vêm possuindo o prédio identificado na al. a) de 1 acima, tendo-o edificado, habitando-o, procedendo à sua conservação manutenção e usando-o e colhendo os seus frutos como seus proprietários de forma pública, pacífica, contínua e à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, desde 1972 e há mais de quarenta, trinta e vinte anos (Alínea F).
7. De igual modo os Autores, e os demais comproprietários a que se alude em 4 antecedente e os seus legítimos sucessores, por si e também pelos ditos seus legítimos antecessores, vêm possuindo o prédio identificado na al. b) de 1 acima, usando-o como arruamento particular de acesso aos seus respectivos prédios (ou lotes) conforme resulta da dita escritura de partilhas e do plano de urbanização aprovado pela Câmara Municipal do Funchal na sua reunião de 03/10/1959, passando a pé e de carro, procedendo à sua conservação e manutenção e colhendo os seus frutos, como seus proprietários (Alínea G).
8. O Réu é proprietário do prédio urbano, ao dito sítio e freguesia que confronta com a parcela de terreno ou prédio da al. b) de 1, na sua parte Leste (Alínea H).
9. As obras de ampliação do prédio do Réu não foram precedidas de projecto aprovado pela C.M.F. (Alínea I).
10. Tais obras foram objecto de embargo pela C.M.F. (Alínea J).
11. … foi casado com …, sendo que, do referido casamento nasceu …, em 8 de Junho de 1936 (Alínea L).
12. … contraiu casamento com …, de cujo casamento veio a nascer o ora R., em 22 de Janeiro de 1959 (Alínea M).
13. O Réu está a proceder a obras de ampliação, em altura, do seu prédio urbano a que se alude em 8, sem qualquer afastamento da parcela ou prédio da al. b) de 1, ou seja à distância zero, em relação a esta (Resposta ao facto 1° da base instrutória).
14. O R., na dita construção, está a aumentar dois pisos, em altura, e a edificar duas janelas e duas outras aberturas, ditas águas furtadas, que deitam directamente sobre a parcela ou prédio da al. b) de 1 (Resposta ao facto 2°da base instrutória).
15. As ditas aberturas, janelas e águas furtadas, deitam também sobre o prédio identificado na al. a) de 1 acima, e a menos de metro e meio deste, sendo as águas furtadas a uma altura superior (Resposta ao facto 3° da base instrutória).
16. O R. "nasceu" no referido prédio, sempre o utilizou desde o seu nascimento até aos dias de hoje (Resposta ao facto 9° da base instrutória).
17. Nas obras efectuadas pelo R. manteve-se o afastamento tal como sempre existiu (Resposta ao facto 10° da base instrutória).
18. O início da 1ª fase de reconstrução da moradia do R. contou com o trabalho e colaboração do A. … (resposta ao facto 12° da base instrutória).
19. As águas das chuvas estas são escoadas através de uma caleira, que faz com que a água caia numa levada que passa junto do prédio dos RR. (Resposta ao facto 14° da base instrutória).
20. Apesar da caleira, as águas das chuvas, consoante a sua intensidade, poderão cair para o dito arruamento (Resposta ao facto 15° da base instrutória).
21. Sempre existiu construção naquele sítio e com os mesmos afastamentos (Resposta ao facto 16° da base instrutória).
22. O R. tem garagem (Resposta ao facto 17º da base instrutória).
23. O facto do R. se deslocar de carro para a sua garagem em nada impede a livre circulação dos demais comproprietários do prédio (Resposta ao facto 18° da base instrutória).
24. … vendeu ou cedeu a … (seus filhos) o direito à sexta parte de tal prédio, que lhe pertencia (Resposta ao facto 19° da base instrutória).
25. Os referidos …, por sua vez, mais tarde, venderam ou cederam a mesma sexta parte do identificado prédio a … (Resposta ao facto 20° da base instrutória).
O Direito
As questões suscitadas pelos apelantes são as seguintes: se as normas previstas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas são aplicáveis a litígios como o dos autos, que dizem respeito a direitos de particulares; no caso de resposta positiva a essa questão, se o R. violou tal regulamento, e se de tal violação resulta a obrigação de demolição dos 1º e 2º andares construídos pelo Réu; se os AA. sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais que fundamentam a condenação do Réu no pagamento de indemnização a calcular em execução de sentença; se o Réu deve ser condenado a abster-se de estacionar qualquer viatura ou depositar materiais ou outros no prédio supra referido na alínea b) do nº 1 da matéria de facto. Primeira questão (aplicabilidade das normas do Regulamento Geral das Edificações Urbanas)
O tribunal a quo ponderou que, tendo os AA. invocado, nos autos, interesses particulares, “incumbe ao tribunal aplicar apenas as normas do Código Civil que dirimam o caso em apreço, daí que não sejam aplicáveis normas de interesse público pelo que afastada está, desde já, a aplicação do RGEU”.
Tal entendimento é sufragado por parte da jurisprudência, a qual vem defendendo que o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 07 de Agosto de 1951, apenas contém limitações de direito público ao exercício de certos aspectos do direito da propriedade, não constando entre os fins próprios do regulamento, a tutela de interesses particulares. O RGEU não confere qualquer direito subjectivo aos proprietários de imóveis, nem as suas normas podem ser invocadas para a protecção de direitos de particulares face a outros particulares, devendo a sua aplicação concretizar-se por via administrativa, na jurisdição própria (cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 24.01.1991, in Col. de Jur., ano XVI, tomo I, pág. 148; ac. da Rel. do Porto, 25.11.1993, CJ XVIII, tomo V, p. 230 e ss; ac. da Rel. de Coimbra, de 16.11.1999, CJ XXIV, tomo V, pág. 29; ac. da Rel. de Lisboa, de 24.6.2003, CJ XXVIII, tomo III, pág. 118).
No extremo oposto situa-se uma outra corrente jurisprudencial, em que se insere o acórdão do STJ citado pelos apelantes, a qual entende que o RGEU visa também a protecção de interesses particulares, protecção essa que para ser efectiva impõe o reconhecimento do correspondente direito subjectivo, incluindo o de o particular solicitar perante os tribunais judiciais a condenação de outrem na demolição de obra que fira o seu direito de propriedade por violação de normas do RGEU, desde que a Câmara Municipal tenha o poder de ordenar tal demolição (cfr. acórdão do STJ, de 26.9.1996, publicado na Col. de Jur. STJ, ano IV, tomo III, p. 20; ac. da Rel. de Lisboa, 11.02.1999, internet, dgsi, processo 0078706; ac. do STJ, de 28.01.2003, citado pelos apelantes, in Col. Jur. XXVIII, tomo I, pág, 61; ac do STJ, 30.9.2004, CJ STJ, XII, tomo III, pág. 37 e ss).
Os tribunais portugueses também têm adoptado uma posição intermédia, a qual reconhece que o RGEU, embora não conceda direitos subjectivos a proprietários de imóveis, visa proteger também interesses particulares, cuja violação pode fundar responsabilidade civil extracontratual (cfr. ac. da Rel. de Lisboa, 14.11.1996, CJ XXI, tomo V, p. 96; ac. da Rel. de Guimarães, de 02.10.2002, CJ XXVII, tomo IV, p. 273; ac. do STJ, 15.5.2003, internet, processo 03B535; ac. STJ 08.7.2003, internet, 03A2112).
Nos termos do art.º 1305º do Código Civil, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”. As restrições a que se refere a parte final do artigo podem ser de direito público ou de direito privado. As restrições de direito privado são as que resultam das relações de vizinhança. Têm em vista regular os conflitos de interesses, que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos. A generalidade destas restrições encontra-se prevista e regulada no capítulo relativo à propriedade dos imóveis (artigos 1344º e seguintes do Código Civil) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Coimbra editora, volume III, 2ª edição, páginas 94 e 95. Quanto às restrições de direito público, há as restrições ao direito de construir, previstas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Conforme se diz no preâmbulo do Decreto-Lei nº 38 382, de 07 de Agosto de 1951, que prevê o Regulamento, ele interessa, em primeiro lugar, aos «serviços do Estado e dos corpos administrativos», “pela função directiva e disciplinadora que, através daquele instrumento legal, lhes cabe exercer sobre as actividades relacionadas com as diferentes espécies de edificações, salvaguardando os interesses da colectividade, impondo respeito pela vida e haveres da população e pelas condições estéticas do ambiente local, criando novos motivos de beleza e preservando ou aperfeiçoando os já existentes, tudo de modo a tornar a vida da população mais sadia e agradável e a dar aos núcleos urbanos e rurais um desenvolvimento correcto, harmonioso e progressivo”. O preâmbulo diz também que “o regulamento interessa também muito aos «técnicos» a quem caiba conceber e projectar uma edificação, portanto, pela respectiva consulta para aplicação dos preceitos que estatui, os habilita a dotar a construção projectada com os requisitos necessários ao fim em vista.” “Finalmente”, diz-se no preâmbulo, “o regulamento interessa sobremaneira ao «público», visto que, como fruidor permanente ou temporário das habitações, o referido diploma lhe dá garantia, pela sua aplicação, de que os locais de moradias terão sido erigidos e se manterão de modo a proporcionar-lhe condições vantajosas para a sua saúde e bem-estar; e, como habitante do aglomerado, poderá desfrutar com segurança o ambiente sadio e esteticamente agradável que a aplicação do regulamento terá progressivamente criado e ver respeitados os direitos e regalias que a lei lhe confira em matéria de edificações.”
O RGEU contém normas de natureza proibitiva e impositiva, que têm como destinatários todos aqueles que pretendam executar novas edificações ou quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição das edificações e obras existentes, dentro do perímetro urbano ou zonas rurais e localidades a elas equiparadas (art.º 1º do regulamento). Compete às autoridades administrativas a fiscalização pelo seu cumprimento, bem assim a tomada de medidas destinadas a garantir esse desiderato, nomeadamente o embargo das obras e a imposição da sua demolição (cfr. artigos 2º a 14º, 160º e seguintes do regulamento). Assim sendo, o escopo das normas do RGEU não integra a concessão ou o reconhecimento de direitos subjectivos a particulares. Isto sem prejuízo de assistir a “um vizinho o direito de questionar perante as autoridades e tribunais administrativos o cumprimento e respeito pelas normas de direito público, ligados ao licenciamento de construção e cujo incumprimento lese também os seus indicados direitos privados” (ac. do STA, de 17.3.2005, internet, dgsi, acórdãos do STA, processo 0714/03). Mesmo que a norma pretensamente violada não vise a protecção, em primeira ou segunda linha, de um bem jurídico próprio, não atribuindo um direito subjectivo, no recurso contencioso a legitimidade activa do particular para obter a anulação de acto administrativo ilegal pode basear-se somente na lesão de um interesse directo, pessoal e legítimo, encontrando-se nessa situação o proprietário de prédio vizinho em relação à construção que ofende normas urbanísticas (ac. do STA, de 01.4.2003, internet, dgsi, acórdãos do STA, processo 01614/02). De todo o modo, para a acção em que se pede, com fundamento no direito de propriedade e sua violação por particular, a demolição de obra por este construída, são competentes os tribunais judiciais, ainda que o autor convoque, também, normas de direito público (acórdão do Tribunal de Conflitos, de 16.02.2005, internet, acórdãos do STA, processo 014/04).
Conforme se diz no preâmbulo do RGEU, este dá ao fruidor permanente ou temporário das habitações a garantia de que os locais de moradias terão sido erigidos e se manterão de modo a proporcionar-lhe condições vantajosas para a sua saúde e bem-estar. Também ali se diz que o “público”, como habitante do aglomerado, poderá desfrutar com segurança o ambiente sadio e esteticamente agradável que a aplicação do regulamento terá progressivamente criado e ver respeitados os direitos e regalias que a lei lhe confira em matéria de edificações. Em consonância com esse objectivo, encontram-se no RGEU normas que, para além do mero interesse público da segurança, aspecto estético e salubridade das edificações, têm em vista a protecção do interesse particular do fruidor das habitações, maxime das que se situam na vizinhança das obras em execução: é o caso das normas dos artigos 59º a 63º do RGEU, invocadas pelos AA/apelantes, as quais impõem restrições às distâncias e alturas de edifícios, relativamente aos prédios vizinhos, por forma a que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição à acção directa dos raios solares não só do prédio objecto dos trabalhos (art.º 58º do RGEU), mas também dos prédios vizinhos. Ora, a violação de tais normas poderá originar responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto no art.º 483º, nº 1, segunda parte, do Código Civil. Daí que o tribunal a quo não deveria ter rejeitado, in limine, a aplicabilidade ao litígio das normas do RGEU.
Por conseguinte, responde-se positivamente a esta primeira questão. Segunda questão (se o R. violou o RGEU, e se de tal violação resulta a obrigação de demolição dos 1º e 2º andares construídos pelo Réu)
Os AA. entendem que os factos provados sob os números 8, 9, 10, 13, 14 e 15 constituem violação pelo Réu de interesses legítimos dos apelantes tutelados pelas normas dos artigos 58º a 63º e 73º do RGEU, e ainda do art.º 1360º do Código Civil.
O art.º 1360º do Código Civil reporta-se à abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes, e tem em vista a protecção da privacidade do prédio vizinho, tendo sido apreciada e aplicada pelo tribunal a quo em termos que não merecem censura.
O art.º 58º do RGEU estipula que “a construção ou reconstrução de qualquer edifício deve executar-se por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, e bem assim o seu abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos”. Trata-se, conforme resulta do seu texto, de uma norma que tem em vista tão só as condições de arejamento, iluminação e insolação do prédio a licenciar e não as dos prédios vizinhos (neste sentido, acórdão do STA, de 24.09.2003, internet, dgsi, processo 04646; acórdão do STA, de 17.02.2004, internet, dgsi, processo 047882). Porém, esta norma não poderá ser dissociada das normas seguintes, as quais denotam a preocupação de garantir condições adequadas de arejamento, iluminação natural e exposição à acção directa dos raios solares dos edifícios vizinhos ao edifícios a construir ou ampliar. Assim, o art.º 59º do RGEU estabelece que “a altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior”. No art.º 60º estipula-se que “independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a 10 m”. Nos diversos parágrafos do art. 59º estabelecem-se regras especiais, para edificações construídas sobre terrenos em declive, para edifícios de gaveto formado por dois arruamentos de largura ou de níveis diferentes, e para casos de simples interrupção de continuidade numa fila de construções. No § único do art. 60º admite-se alinhamento inferior ao supra referido, nos casos de arruamentos já ladeados, no todo ou maior parte, por edificações. O art.º 63º do RGEU estipula que as câmaras municipais, salvo o disposto no artigo seguinte, não poderão consentir qualquer tolerância quanto a estas regras, “a não ser que reconhecidamente se justifiquem por condições excepcionais e irremediáveis, criadas antes da publicação deste regulamento, e somente se ficarem garantidas em condições satisfatórias, a ventilação e iluminação natural e, tanto quanto possível, a insolação do edifício em todos os seus pisos habitáveis”. O art.º 64º do RGEU estipula que “poderão admitir-se outras soluções em desacordo com o disposto nos artigos anteriores, desde que fiquem em todo o caso estritamente asseguradas as condições mínimas de salubridade exigíveis, mas só quando se trate de edificações cuja natureza, destino ou carácter arquitectónico requeiram disposições especiais”.
Provou-se que os AA. são proprietários de um prédio urbano, onde edificaram uma moradia unifamiliar (prédio “a”), onde habitam, e ainda de uma sexta/parte de uma parcela de terreno contígua àquela (prédio “b”) (nºs 1, 5 a 7 da matéria de facto). O R., por sua vez, é proprietário de um prédio urbano, que confronta com a aludida parcela de terreno ou prédio “b” (nº 8 da matéria de facto). O R. procedeu a obras de ampliação, em altura, do seu prédio, aumentando-o em dois pisos e edificando duas janelas e duas outras aberturas, ditas águas furtadas. O referido prédio não tem qualquer afastamento da parcela de terreno ou prédio “b” supra citado e as referidas janelas e aberturas deitam directamente sobre a aludida parcela de terreno (nºs 13 e 14 da matéria de facto). As ditas aberturas, janelas e águas furtadas, deitam também sobre a moradia dos AA, e a menos de metro e meio desta, ficando as águas furtadas a uma altura superior (nº 15 da matéria de facto). No que diz respeito à parcela de terreno ou prédio “b”, não está em causa um edifício, pelo que não são de tomar em consideração as regras supra referidas. Já quanto à moradia dos AA., constata-se que o R. aumentou em dois andares o seu prédio, situado a distância inferior a um metro e meio da casa dos AA., sendo que o último andar (onde ficam as águas furtadas), é mais alto do que a casa dos AA.
Aparentemente, mostram-se violados os artigos 59º e 60º do RGEU. Acresce que as ditas obras não foram precedidas de projecto aprovado pela Câmara Municipal do Funchal e foram objecto de embargo pela Câmara (nºs 9 e 10 da matéria de facto). Porém, como se viu, o RGEU permite que em casos excepcionais, que tenham a ver com as características específicas do local das edificações, nomeadamente situações de facto muito antigas, e desde que fiquem estritamente asseguradas as condições mínimas de salubridade exigíveis, as câmaras podem autorizar obras que não cumpram as limitações de altura e distância previstas naqueles artigos 59º e 60º. Ora, provou-se que nas obras efectuadas pelo R. manteve-se o afastamento tal como sempre existiu (nº 17 da matéria de facto) e ainda que sempre existiu construção naquele sítio e com os mesmos afastamentos (nº 21 da matéria de facto). Por outro lado, na petição inicial os AA. dizem que a referida obra prejudica o prédio dos AA. “quanto à sua insolação, salubridade, arejamento e condições urbanas e ambientais e de vida e de vistas” (artigo 16º da p.i.) mas não alegam factos que permitam avaliar em que grau se verificam tais prejuízos. Para tal deveriam os AA. ter especificado a orientação solar dos edifícios em causa, as características do lado da moradia virado para a obra, a extensão da moradia que confina com o edifício do R. (sendo certo que, a avaliar pelo alegado na petição inicial e dado como provado, o edifício do R. confina sobretudo com a parcela de terreno, ou prédio “b”). Acresce que estas disposições referem-se às distâncias e alturas relativas a fachadas, tidas como “lado principal ou frontaria de um edifício”, excluindo-se empenas ou “fachadas laterais” (ac. do STJ, de 26.9.1996, CJ STJ, ano IV, tomo III, pág. 21; ac. do STA, de 03.11.2005, internet, dgsi, processo 0939/03), aspecto esse que não está esclarecido, por falta de alegação pelas partes. Quanto à clandestinidade da obra, o STA tem entendido que “a clandestinidade da obra não implica, nos termos da lei, necessária e inelutavelmente, a sua demolição”, sendo que “a legalização de uma obra construída sem licença prévia decorre, nos termos do artigo 165º do RGEU, de um poder discricionário, que depende, no seu exercício, dos pressupostos vinculativos estabelecidos no nº 1 do artigo 167º do mesmo diploma” (acórdão de 29.10.2002, internet, dgsi, processo 046696). Para o STA, “a proibição de demolir obras clandestinas que possam ser legalizadas é corolário do princípio constitucional da necessidade, que obsta a que sejam impostas aos particulares restrições desnecessárias. Assim, se as obras, apesar de ilegalmente efectuadas, satisfazem os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, ou são susceptíveis de os virem a satisfazer, não é permitida a demolição(art.º 167º do RGEU)” (acórdão de 02.02.2005, internet, dgsi, processo 0633/04).
Os AA. sugerem, no seu recurso, subsidiariamente, que se anule a sentença e se repita o julgamento com a eventual ampliação da matéria de facto, para conveniente aplicação das normas do RGEU. Vejamos. Tal decisão, admitida nos termos do disposto no art.º 712º do Código de Processo Civil, teria de ter por objecto factos que tivessem sido alegados pelas partes e que o tribunal a quo não tivesse tomado em consideração na selecção dos factos assentes e na fixação da base instrutória (artigos 508º-A nº 1 alínea e), 511º do Código de Processo Civil). Isto porque, como é sabido, compete às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, não podendo o juiz fundar a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas partes, ressalvados os factos notórios e os de conhecimento oficioso (artigos 264º e 664º do Código de Processo Civil). Ora, o tribunal a quo levou em consideração os factos alegados pelas partes, sendo certo que a alegação de que a obra do R. prejudica o prédio dos AA. “quanto à sua insolação, salubridade, arejamento e condições urbanas e ambientais e de vida e de vistas” é uma mera conclusão, que como tal não pode figurar na base instrutória ou na matéria de facto assente, carecendo da alegação de factos dos quais se possa extrair essa mesma conclusão. Não há, pois, fundamento para a pretendida ampliação da matéria de facto.
Assim, o recurso improcede nesta parte. Terceira questão (se os AA. sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais que fundamentam a condenação do Réu no pagamento de indemnização a calcular em execução de sentença)
A este respeito, escreveu-se na sentença recorrida:
“Por último, pediram os Autores a condenação do Réu numa indemnização pelos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais por violação dos seus direitos de propriedade e de personalidade e pelo abuso de direito a calcular em execução de sentença. Ora, apesar de os Autores terem alegado que o comportamento do Réu viola aqueles direitos, o certo é que não invocaram quaisquer factos concretos que nos levem a concluir pela existência de qualquer violação ilícita à pessoa do Autor ou à sua personalidade daí que, face ao disposto no artigo 483° do Código Civil, não haja responsabilidade civil por parte do Réu e consequente dever de indemnizar os Autores.”
Face aos factos provados e atendendo à análise já feita das regras do RGEU, entendemos que, ressalvada a situação de devassa, enquadrada no art.º 1360º do Código Civil e resolúvel nos termos determinados pela sentença recorrida, efectivamente não está demonstrada a invocada violação ilícita do direito de propriedade dos AA., assim como do seu direito de personalidade (numa suposta dimensão de não degradação do ambiente, sol e vistas afectadas com a construção ilegal), pelo menos com consequências danosas, ou seja, com reflexos na sua esfera jurídica, quer patrimonial quer não patrimonial, fundamentadores de uma pretensão indemnizatória (artigos 496º e 562º e seguintes do Código Civil). A falta de prova de danos implica a absolvição da pretensão respectiva, e não o envio para liquidação posterior. Esta só cabe na situação em que se provou a ocorrência de danos ressarcíveis, mas não foi possível obter a sua quantificação (artigos 569º do Código Civil e 661º do Código de Processo Civil; ac.do STJ, de 18.9.2003, internet, processo 03B2195).
Improcede, pois, o recurso também nesta parte. Quarta questão (se o Réu deve ser condenado a abster-se de estacionar qualquer viatura ou depositar materiais ou outros no prédio supra referido na alínea b) do nº 1 da matéria de facto)
Provou-se que os AA. são comproprietários da parcela de terreno descrita no nº 1 alínea b), da matéria de facto, a qual usam, juntamente com os outros comproprietários, como arruamento particular de acesso aos seus respectivos prédios. O R. usa a referida parcela de terreno para aceder à sua garagem, o que em nada impede a livre circulação dos demais comproprietários da parcela de terreno.
Se bem que inicialmente os AA. pretendessem que o R. fosse condenado, além do mais, a abster-se de usar a aludida parcela de terreno, quer passando a pé quer de carro, a dada altura reduziram o pedido, pedindo apenas que o R. fosse condenado a abster-se de estacionar qualquer viatura ou colocar ou depositar materiais ou outros em tal prédio. O R. opôs-se a essa pretensão, alegando que também é comproprietário da aludida parcela de terreno, por via sucessória. Ora, não se provou tal direito de propriedade. Por outro lado, também não se provou que o R. usa a aludida parcela de terreno para estacionar o seu carro (resposta negativa ao art.º 8º da base instrutória). Mas isso não significa que, face ao direito dos AA. sobre o aludido prédio, e atendendo à invocação por parte do R. de uma pretensa titularidade, em compropriedade, de iguais direitos sobre essa parcela de terreno, que se revelou infundada, não se deva condenar o R. a abster-se de praticar os aludidos actos, que atentam contra a exclusividade dos AA. e dos restantes comproprietários no uso do aludido terreno (art.º 1305º do Código Civil).
Daí que, nesta parte, a apelação deva proceder. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente:
a) Revoga-se a sentença na parte em que absolve o R. do pedido de condenação de se abster de estacionar qualquer viatura ou colocar materiais ou outros no prédio da alínea b) do art.º 1º da petição inicial” e, em sua substituição nessa parte, condena-se o R. a abster-se de estacionar qualquer viatura ou colocar materiais ou outros no prédio da alínea b) do art.º 1º da petição inicial (ou seja, alínea b) do nº 1 da matéria de facto supra);
b) No mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso, na proporção de ¾ pelos AA. e ¼ pelo R., mantendo-se, quanto à primeira instância, a proporção de ½ por cada uma das partes, fixada na sentença recorrida.