CABEÇA DE CASAL
DESPEJO
LEGITIMIDADE
Sumário

1. A autora, cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, tem legitimidade para, desacompanhada dos restantes herdeiros, intentar acção de despejo relativamente a um imóvel da herança arrendado pelo falecido.
2. Nos poderes de administração incluem-se aqueles que visam a valorização e protecção do património, que são os objectivos principalmente visados com a acção de despejo, sobretudo quando radica em violações contratuais por parte do arrendatário, como as apontadas aos réus.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório.
1. G, intentou, no Tribunal da Praia da Vitória, acção de despejo, contra J e S, pedindo que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento relativo à casa sita na Praia da Vitória e que os réus fossem condenados a despejar imediatamente o arrendado e a pagar a quantia de € 172,09 de rendas vencidas, bem como as vincendas até à entrega da casa, sendo as posteriores à sentença em dobro, tudo acrescido dos juros de mora, à taxa legal.
Para além de invocar que, foi casada no regime de bens da comunhão geral, com JM, falecido em 27.05.2001, de cuja herança é cabeça de casal, alegou que o seu falecido marido arrendou, verbalmente, em 1974, ao réu a casa acima identificada, mediante o pagamento da renda mensal de 500$00, tendo os réus deixado de pagar essa renda desde Janeiro de 1997 e que, para além disso, desde 1998, os réus deixaram de habitar a casa arrendada, passando a viver noutra casa.
Citados, editalmente, vieram os réus contestar e deduzir reconvenção.
A autora respondeu às excepções (respeitantes ao depósito de rendas) e contestou o pedido reconvencional.
Convidada a autora a apresentar nova petição para explicar em que qualidade o marido arrendara a casa, veio apresentar nova petição (fls. 87 a 89) e juntou certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial da Praia da Vitória, relativa ao prédio em questão e da qual resulta que o mesmo está inscrito em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de G, de M, de D e de M, por sucessão legitimária.

Por despacho de 28.02.2005, foi a autora convidada a deduzir incidente de intervenção provocada “dos demais comproprietários”, sob pena dos réus serem absolvidos da instância, com fundamento em que, sendo titulares inscritos do prédio em causa não só a autora, mas também os restantes inscritos, nos termos do disposto nos artigos 1405º nº 1 do C. Civil e 28º nº 1 do CPC, existindo uma situação litisconsorcial necessária, tornava-se imperativo que a acção fosse intentada por todos os comproprietários, sob pena de ilegitimidade (fls. 112 e 113).
Não tendo acatado o convite, em 23.05.2005 foi proferido despacho a declarar a autora parte ilegítima e a absolver os réus da instância (fls.140).

Inconformada com este despacho, agravou a autora.
Alegou e, no final, formulou as seguintes conclusões:
a) A A. intentou a presente acção de despejo na sua qualidade de cabeça de casal da herança indivisa deixada por óbito de seu falecido marido da qual faz parte o prédio arrendado;
b) Ao cabeça-de-casal incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha;
c) A locação, quando por prazo não superior a 6 anos, constitui um acto de administração ordinária;
d) Instaurar pelo cabeça-de-casal acção de despejo em relação a prédio arrendado por prazo inferior a 6 anos que faça parte da herança indivisa administrada pelo cabeça de casal constitui acto de administração ordinária.
e) O cabeça-de-casal tem legitimidade para por si só intentar tal acção de despejo.
f) A sentença recorrida violou os artigos 1405°, n.°1, 2079°, 1204° do Código Civil e ainda artigos 28.°, n.° 1, 288° e 508° do Código de Processo Civil.
Terminou pedindo o provimento do agravo e a revogação do despacho recorrido ordenando-se ao Mm° Juiz a quo que profira despacho que considere a autora parte legítima, prosseguindo os autos a sua subsequente tramitação até decisão final.

Não houve contra alegação.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Matéria de Facto.
2. Para a apreciação do presente agravo importa considerar a factualidade constante do relatório que antecede.

O Direito.
3. A única questão a apreciar traduz-se em saber se a autora, cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, tem legitimidade para, desacompanhada dos restantes herdeiros, intentar acção de despejo relativamente a um imóvel da herança arrendado pelo falecido.
No âmbito do direito sucessório os herdeiros não têm por si poder para administrar salvo se a algum deles for deferido o cabeçalato.
Efectivamente, conforme deriva do disposto no artigo 2079º do Código Civil, “a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal”.
A lei qualifica a locação como acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a 6 anos (artigo 1024º/1 do Código Civil).
E instaurar acção de despejo constituirá acto de administração?
Entendemos que sim.
Nos poderes de administração incluem-se aqueles que visam a valorização e protecção do património, que são os objectivos principalmente visados com a acção de despejo, sobretudo quando radica em violações contratuais por parte do arrendatário, como as apontadas aos réus.
A lei, aliás, atribui, embora limitadamente, poderes ao cabeça-de-casal que vão para além da mera administração: tais são os poderes de reivindicar os bens que deva administrar ou de exercer as competentes acções possessórias (artigo 2088º do Código Civil; cfr.ainda o disposto no art. 2091º, conjugado com o estatuído no nº 2 do art. 2078º do mesmo diploma) ou o de vender frutos ou outros bens deterioráveis ou mesmo os frutos não deterioráveis para satisfação de encargos da herança ou despesas do funeral e sufrágios (artigo 2090º do Código Civil) ou ainda o de cobrar dívidas (artigo 2089º do Código Civil). Por isso, a acção de despejo justifica-se enquanto acto de administração no âmbito dos poderes gerais conferidos pelo artigo 2079º do Código Civil.
E assim tem sido entendido desde há muito.
Como referia Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª ed, I, p. 305, no âmbito da situação temporária de administrador de bens em que tem mera parte ideal (e até em que não tem parte nenhuma) ao cabeça-de-casal compete “praticar os actos que sejam indispensáveis à conservação o património em partilha, exercer aquele conjunto de direitos que a lei lhe outorga especificamente com vista a essa conservação e cumprir as tarefas que diplomas vários lhe impõem em atenção à qualidade em que foi investido ou a que tem potencial direito”. E entre essas tarefas e direitos aquele autor enuncia, a título exemplificativo e entre muitos outros, o de “dar de arrendamento os bens da herança” (obra citada, p. 306) e “propor acção de despejo contra os arrendatários dos bens da herança” (obra citada, p. 315).
Por seu lado, também o Prof. Alberto dos Reis, em anotação concordante ao acórdão do STJ de e 18-3-1949, escreveu: “ é evidente que o cabeça-de-casal tem poderes para dar de arrendamento os bens que administra; se pode arrendar, pode, logicamente, fazer cessar o arrendamento quando haja fundamento legal para isso e pedir, consequentemente, o despejo do prédio arrendado. Dar de arrendamento e pedir o despejo são manifestamente actos de administração; estão dentro da legítima esfera de acção do cabeça-de-casal” (R.L.J., 82º Ano, pág. 332).
E assim tem também maioritariamente decidido a jurisprudência. Cfr., designadamente, Ac. da Relação de Lisboa, de 14.12.1982, B.M.J. 328, 617, e de 22.5.90, BMJ. 397, 562; Ac. da Relação do Porto de 7.01.1986 C.J., 1, pág. 155, Ac. da Relação de Coimbra de 14.10.1986, B.M.J. 360, p. 663; Ac. da Relação de Évora, de 19.06.1997 C.J., 3, pág 276 e mais recentemente Acórdão também desta Relação, de 13.11.2003, in www.dgsi.pt/jtrl, profundamente fundamentado).
Procede, pelo exposto, o núcleo central da argumentação da recorrente, impondo-se dar provimento ao agravo e, consequentemente, revogar o despacho recorrido.

Decisão.
4. Termos em que se acorda em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido, declarando-se que a autora, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, tem legitimidade para instaurar a presente acção de despejo.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Abril de 2006.
(Manuela Gomes)
(Olindo Geraldes)
(Ana Luísa Geraldes)