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FACTO NEGATIVO
ÓNUS DA PROVA
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
Sumário
I- A união de facto não é equiparável, para todos os efeitos, à relação matrimonial. Uma equiparação de regime em todos os relevantes domínios, passando a distinção casamento/união de facto a mera expressão conceitual, sem conteúdo concretizador divergente, atingiria o princípio constitucional da “ protecção ao casamento” consagrado no artigo 36.º da Constituição da República. II- O sucesso da acção em que se reclama o direito a prestações por morte do beneficiário por parte da pessoa que com ele vivia em situação de união de facto depende da prova, para além do requisito geral de carência ou necessidade de alimentos, de todos os requisitos previstos no artigo 2020.º do Código Civil. III- Assim, não obstante se configurar como um facto negativo, a impossibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas a tal legalmente vinculadas, nos termos do artigo 2009.º do Código Civil, constitui elemento constitutivo quer do direito a alimentos da herança do falecido, quer do direito à pensão de sobrevivência (artigo 342.º do Código Civil). (SC)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I- RELATÓRIO
Maria…, intentou acção declarativa de simples apreciação com processo comum e forma ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo, em síntese, que seja declarada titular das prestações sociais devidas por morte do pensionista R…, alegadamente por ter vivido com ele como marido e mulher desde 1997, não tendo este deixado bens que assegurem o sustento da A.
A R. contestou impugnando, nos termos que o artº490, nº3, CPC consente, os factos alegados pela A., com excepção da morte do pensionista e a existência de um filho menor de ambos, proclamando a sua absolvição do pedido.
Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, o Tribunal proferiu sentença acolhendo integralmente o pedido, declarando a A. com direito a alimentos da herança do falecido pensionista, para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência.
Assim vencida a R. apelou pugnando pela revogação do decidido.
Em remate das alegações recursivas, extraiu as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida prescindiu da verificação do requisito constituído pela indispensabilidade de a A. carecer de alimentos e de não lhe ser reconhecido direito a alimentos da herança, nos termos do artº2020 do C. Civil, por inexistência ou insuficiência de bens da herança, reduzindo os requisitos à vivência da A. em união de facto por um período de dois anos e que o beneficiário da CGA não fosse casado ou separado judicialmente de pessoas e bens.
2. A sentença recorrida limitou-se, para a procedência da acção, a à verificação da prova de que a A. viveu em união de facto por um período de dois anos e que o pensionista não fosse casado ou separado judicialmente de pessoas e bens.
3. Conforme exige o disposto no artº6 do DL 135/99, de 28/8 e artº41 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, remetendo ambas as disposições para o disposto no artº2020 do C. Civil, que sujeita o direito de a exigir alimentos da herança do falecido no preenchimento entre outros requisitos: a) que o falecido não fosse casado ou separado judicialmente de pessoas e bens; b) que a A. tenha necessidade de receber alimentos (artº2004, nº1, 1ªparte do C. Civil, ex vi artº20020 do CC; c) que à data da morte do falecido a A. com ele vivesse, em condições análogas às dos cônjuges, há mais de dois anos; d) que a A. não possa obter os pretendidos alimentos nos termos das alíneas a) a d) do artº2009 do C. Civil, ou seja, do seu cônjuge, do seu ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos; e) que a herança do falecido, por falta ou insuficiência de bens, não possa presta alimentos à A. (nº3 a 5 do DL 135/99, de 28/8).
4. Para que a acção pudesse proceder, a A. tinha de ter alegado e provado factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos, nos termos acima indicados.
5. O legislador, além dos requisitos nas alíneas a) a e) prescreve mais uma exigência -Que a herança do falecido, por falta ou insuficiência de bens, não possa prestar alimentos à A.- e o cumprimento da verificação de tal requisito foi preterido com a invocação de um Acórdão do Tribunal Constitucional que não tem força obrigatória geral.
6. Sendo certo que, nos termos do artº36, nº1 da CRP “Todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”, porém, a Constituição apenas quis reconhecer aos cidadãos o direito de constituírem família, independentemente do casamento, sem equiparar as duas figuras jurídicas, sendo que, a consagração dos efeitos jurídicos da união de facto não pode ser aceite como equiparação daquela no casamento.
7. O texto constitucional não pode ser interpretado de forma a tomar a extensível o regime jurídico do direito de família à união de facto.
8. A douta sentença recorrida violou, além do mais, o disposto na Lei 135/99, de 28/8, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a mesma acção e dela absolva a ora recorrente CGA, assim se repondo a legalidade e se aplicando a melhor e mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria.
A recorrida contra-alegou, estribando-se na douta sentença, contrariando o conteúdo das conclusões da R., designadamente, por estar alegada e provada a situação económica da A e dos seus familiares, e além do mais, ser acertada a aplicação da doutrina do referenciado Ac. Tribunal Constitucional nº88/2004 pelo Tribunal a quo, cuja decisão proclama seja mantida.
Cumpridas as formalidades legais, não obsta ao conhecimento de mérito da matéria recorrenda.
II-FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS assentes que importam à decisão e não foram impugnados, são:
R… faleceu no estado de divorciado em 11 de Setembro de 2003.
O falecido era pensionista nº… da Caixa Geral de Aposentações.
Do relacionamento entre a A. e o falecido R… nasceu uma filha, M…, nascida em 4/1/2003;
Desde 1997 a A. vivia com o falecido R… na mesma habitação, dormindo na mesma cama e tomando refeições juntos.
A A. encontra-se desempregada.
A A. vive em casa da mãe com a sua filha e um irmão.
A mãe é auxiliar de acção educativa auferindo cerca de Euros 300, 00 mensais.
O pai da A. abandonou o lar conjugal há 34 anos e nunca dando notícias.
O DIREITO
Estando o recurso balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, são duas as questões a decidir:
1ª A A. logrou alegar e provar os requisitos relativos à qualidade de herdeira hábil, necessários ao reconhecimento da titularidade do direito às prestações sociais por morte do pensionista da função pública acima identificado?
2ª Na hipótese de resposta negativa (não) deverá, ainda assim, ser-lhe reconhecida tal qualidade em função da união de facto que manteve com o falecido e por igualdade de tratamento com a situação de matrimónio?
Uma nota prévia de rigor ditada pelo teor das alegações da A.
A R. recorrente não confinou a sua discordância do julgado à sobredita questão do Acórdão do Tribunal Constitucional, invocando exabundanti a falta de prova da premissa relativa à herança do falecido pensionista.
Por seu turno, a sentença recorrida considerou, apenas, a aplicação da doutrina do citado Acórdão em sustentação a jusante para a procedência da acção, concluindo, em primeira linha, face à ausência de rendimentos da requerente, e às condições económicas dos familiares próximos (Os factos em causa constam como provados no capítulo 2.1 da Sentença, sob os nº4 a 9), pela verificação da necessidade da A. da pensão de sobrevivência (“Verificam-se, pois, os requisitos para a procedência da acção pois demonstrada a necessidade da A. da pensão de sobrevivência e o seu direito à mesma….Ademais, sempre se dirá, que somos de entendimento que os requisitos …. Reconduzem-se …apenas ao estado civil de não casado e à união de facto…”V.fls.86/7).
Posto este ponto prévio, avaliemos da bondade do recurso.
A recorrente não impugnou a factualidade tida por assente (artº690 A do CPC), e dela partiremos para a subsunção jurídica que ao caso acorre.
Conquanto se detecte alguma densidade nos sucessivos diplomas legais (de distintas categorias hierárquicas), que perturba a apreensão da harmonia do sistema, temos por seguro que a matéria relativa aos titulares das prestações sociais por morte de beneficiário dos diversos sistemas de segurança social, cuja causa de pedir constitui a acção dos autos, está actualmente concentrada nos dispositivos que a seguir enunciamos.
Assim.
Nos termos do art. 40° n° 1 al. a) do DL 142/73, têm direito à pensão de sobrevivência, como herdeiros hábeis dos contribuintes, os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020° do C. Civil.
O artº 41, n° 2 do mesmo diploma preceitua que
“aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020° do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito".
Dispõe o artº8, nº2 do DL 322/90, de 18/10 que:
“ O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no artº2020.”
Seguidamente, estabelece o Decreto Regulamentar nº1/94, no seu artº3, nº1:
“ A atribuição das prestações às pessoas referidas no artº2 fica dependente de sentença judicial que lhe reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artº2020 do C Civil (A propósito deste preceito, gerou-se alguma confusão, acerca da necessidade de que a pretensão só poderia ser atendida se existisse uma sentença judicial que, para além de declarar a sua necessidade de alimentos, tivesse julgado improcedente o pedido dos mesmos deduzido contra a herança do falecido, por inexistência ou insuficiência de bens. Admitido que a redacção do art.3º do Dec.Reg.nº1/94, de 18/1 (depois substituído art.6º da Lei nº135/99, de 28/8), se prestava a confusão), trata-se de solução que já há anos vem sendo rejeitada, como observado no Ac.STJ de 9/2/99 in BMJ 484/399).”
O artº 3, nº2 estatui ainda:
“No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta com essa finalidade contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações.”
Por último, o artº 2020, nº1 do C. Civil estabelece que:
“ Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artº2009 (Dispositivo que enuncia os familiares obrigados legalmente à prestação de alimentos, por ordem de preferência).”
Regista-se ainda que a entrada em vigor da Lei 135/99 de 28/8 e da Lei 7/2001 de 11/5, não veio, alterar a questão dos requisitos enunciados.
Assim, a Lei 135/99, veio tão-somente, no nº 4 do seu art. 6°, consagrar a orientação de que, para a obtenção da qualidade de titular de prestação da segurança social, bastaria ao interessado requerente, por razões de economia processual, e caso optasse pela proposição da acção contra a herança, demandar também, e desde logo, a instituição de segurança social competente para a atribuição das prestações, tornando desnecessário intentar primeiro uma acção contra a herança e depois uma outra contra a instituição de segurança social.
Entretanto, a Lei 7/2001 de 11/5 apenas veio estender tal regime jurídico às pessoas que vivessem em união de facto há mais de dois anos independentemente do sexo (art.º 1º), mantendo-se inalterado no demais, o regime jurídico pré-existente de acesso às prestações por morte.
A protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social é realizada genericamente a favor do seu agregado familiar, mediante a concessão de prestações continuadas (pensão de sobrevivência) e o subsídio por morte.
O DL nº 322/90, de 18 de Outubro, definiu a protecção, na eventualidade da morte, dos beneficiários do regime geral de segurança social, fixando às pensões de sobrevivência o objectivo de compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, e ao subsídio por morte compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, tendo em vista facilitar a reorganização da vida familiar (artigo 4º, nºs 1 e 2).
Atento o caso em apreço, a disposição - inovatória - que mais importa destacar, é a do art.º 8 de tal diploma legal.
Neste normativo consagrou-se a extensão do regime jurídico das prestações estabelecidas às pessoas que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges.
Da conjugação dos preceitos legais enunciados, não nos restam dúvidas de que incumbia à A., que vivia em união de facto com o falecido pensionista, a alegação e prova (art.º 342°, nº 1 do C. Civil) de que não lhe era possível obter os alimentos nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009, sendo que a responsabilidade da herança se apresenta como subsidiária da responsabilidade parental.
Com efeito, o reconhecimento do direito às prestações por morte de beneficiário da segurança social por parte de quem vivia com ele em união de facto não depende apenas da alegação e prova dos requisitos inerentes a essa situação - vivência há mais de 2 anos à data da morte do companheiro em condições análogas às dos cônjuges -, sendo, mais, necessária a verificação dos pressupostos estabelecidos no art.º 2020 C.Civil.
Por outras palavras, o sucesso da acção em que se reclama o direito a prestações por morte de beneficiário por parte da pessoa que com ele vivia em situação de união de facto depende da prova, para além do requisito geral de carência ou necessidade os alimentos, de todos os requisitos previstos no art.º 2020, nº1:
- a vivência de duas pessoas de sexo diferente, em condições análogas às do cônjuge;
- a verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos;
- ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens;
- e não poder a pessoa sobreviva obter alimentos do seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmãos, caso em que os poderá reclamar da herança do falecido.
Não obstante se configurar como um facto negativo, a impossibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas a tal legalmente vinculadas conforme o art.º 2009 do C. Civil é, assim, em caso de união de facto juridicamente relevante, um elemento constitutivo, quer do direito a alimentos da herança do falecido, quer do direito à pensão de sobrevivência.
Perante a formulação negativa do último dos requisitos, poderiam suscitar-se dúvidas acerca da natureza de facto constitutivo do direito mas antes de um facto impeditivo, cuja prova caberia então à R.(artº 342, nº2 do CC (E para cuja satisfação não bastaria à R., impugnar por desconhecimento o facto alegado pela A)); porém, consciente das dificuldades da distinção, o legislador dá solução à questão, considerando que em caso de dúvida deverá considerar-se como facto constitutivo do direito, tal como estabelece no nº3 do artº342 do C. Civil, consagrando a doutrina do Prof. Manuel Andrade, a qual se autonomiza da dificuldade de prova própria dos factos negativos (Manuel de Andrade in Noções Elementares do Processo Civil pág. 188)) “(….) circunstância que é irrelevante para quem aplica e interpreta a lei(…)”
Do que vem dito deflui que não é a mera realidade sociológica da convivência em condições análogas às dos cônjuges durante, pelo menos, dois anos até à data da morte que confere o direito à pensão de sobrevivência ou às prestações por morte, exigindo, ainda, a lei a frustração da concretização da obrigação alimentar.
Em abono do entendimento contrário que encontrou eco, de igual modo, na fundamentação da sentença a quo, surge o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 88/04- (In DR,II, de 16/4), de 10/2/2004, expondo a tese segundo a qual a natureza e os pressupostos de atribuição de pensão de sobrevivência não têm a ver com os de atribuição de direito a alimentos.
Nesse aresto julgaram-se inconstitucionais as normas dos artº40, nº1, e 41, nº2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo Público quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem com ele convivia em união de facto depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, o qual terá de ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas. a) a d) do art.º 2009, e tal assim por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artº18, nº2, mas decorrente também do princípio do Estado de direito consagrado no artº2, conjugado com o disposto nos arts.36, nº1, e 61º, nºs 1º e 3º, da CRP.
Ressalvado o elevado respeito que a decisão nos merece, não podemos sufragar a aplicação restritiva do art.º 2020 pelo nº1 do artº6 da Lei nº 135/99, de 28/8, e em termos idênticos, pela disposição correspondente da Lei nº 7/2001, de 11/5 por se tratar de interpretação, ab-rogatória, pois que, olvida a exigência constante da parte final do nº1º daquele primeiro, referida ao artº2009, parece incontornável que onde no artº6º, nº1º, da Lei nº 135/99, de 28/8, se refere o artº2020 do C. Civil, que, por sua vez, remete para o artº2009, não pode, por via deste, deixar de estar presente o artº2004.
A matéria relativa à equiparação da união de facto ao casamento apaixona amiúde os deputados dos diversos quadrantes políticos, sendo certo que a nossa Constituição quedou-se tão-somente no reconhecimento pela Lei Fundamental da união de facto como um modode constituição de família reconhecido juridicamente, e portanto, gerador de efeitos jurídicos.
Todavia, tem cabido ao legislador ordinário a delimitação de quais os efeitos jurídicos, que, em cada situação, são reconhecidos no âmbito da união de facto e que nos quer parecer que não ultrapassou, até ao momento, uma protecção à união de facto tida por ética e socialmente justificada, como é o caso dos condicionalismos determinantes à concessão de prestações sociais por morte.
Neste conspecto, como resulta da intencionalidade das normas dos arfe. 2020º, 8º, nº1º, do DL nº 322/90, e 1º e 3º do Decreto Regulamentar nº1/94 e bem assim, do art. 6º da Lei nº7/2001, a impossibilidade, de obtenção de alimentos das pessoas a tal obrigadas é pressuposto do direito a alimentos da herança e o direito a estes ou a impossibilidade da herança de os prestar são momentos constitutivos do direito à pensão de sobrevivência.
De jure constituto, tanto quanto se sabe, a limitação dos efeitos atribuídos à união de facto destacada no relatório preambular do DL 496/77, de 25/11, não foi até ao momento postergada, pelo que, à margem de qualquer posição pessoal que se sustente sobre a matéria, não é de contemplar em juízo a interpretação restritiva plasmada no citado acórdão.
Tal como foi registado por França Pitão (In RLJ, ano 120-82 e segs.), no relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República no Proc.IP 43/94, sobre Segurança Social, Família e União de Facto, observou-se que “ (….) o legislador ordinário ainda não optou por conferir igual relevância ao vínculo conjugal e à união de facto (….) e o juízo valorativo da sociedade portuguesa actual sobre a união de facto não se afigura de tal modo claro que reclame pela equiparação legislativa da união de facto ao casamento (…. .)”
Na mesma esteira alinha o pensamento do Prof. Pereira Coelho (In RLJ, ano 120-82 e segs.), propugnando que, apesar da união de facto se qualificar como relação de família, o seu conteúdo é notoriamente mais pobre que a relação matrimonial, sendo certo que, por isso e na fase actual do nosso direito, se não deva considerar com tal cariz para a generalidade dos efeitos.
Acrescentando ainda, que os efeitos gerais do casamento não sejam extensivos à união de facto, sob pena de eventual violação do principio constitucional da «protecção ao casamento», consagrado no art.º 36, nºs 1 e 2 da CRP (P.Coelho, obra citada, pág. 84).
Não colhem, de igual feita, salvo o devido respeito, as considerações segundo as quais, ao admitir-se a diferença de regime a aplicar ao candidato à pensão que foi casado com o falecido e ao candidato que comungou a vida em união de facto, traduziria a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade com assento constitucional.
É de elementar sensibilidade jurídica que o tratamento de igualdade perante a lei pressupõe situações iguais, o que não se verifica, dado que, ao abrigo da inexorável liberdade individual, uns há que optam por acolher a sua união no regime jurídico do estado de casados, e outros optam por a validar apenas no plano de facto, conscientes de que as obrigações e direitos à luz do sistema jurídico são diferenciados (e não motivados por condições meramente subjectivas (Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, 3ª, pag.126) e os quais, debalde, poderão apelidarem-se de equiparáveis (Ac.STJ de 18/11/2004 in www.dgsi.pt/jst).
Suportamos, igualmente, a interpretação restritiva supra-indicada na jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça (V.ex.Ac.STJ de 31/5/05 e Ac.STJ de 21/1/03).
É certo que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº88/04, em referência, versa em particular as normas constantes dos arts.40º, nº1º, e 41º, nº2º, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo Público em que se regula a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, entidade demandada na acção espécie.
Todavia, e também na área da função pública, a doutrina do citado aresto veio a ser contrariada pelo recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº159/2005, II Série, de 29/3/2005 (Disponível na mesma base de dados), o que denota a fragilidade daquela tese.
Lê-se nesta decisão o seguinte:
“Com efeito, o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo a exclusão total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico - como o da destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios - pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal recorte é aceitável - se segue um critério constitucionalmente aceitável - tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis - sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessa alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no acórdão 187/01, publicado no Diário da República, II, de 26/6/01)”.
Por último, o Tribunal Constitucional já se tinha anteriormente pronunciado pela não verificação do vício da inconstitucionalidade da norma do artº8, nº1º, do DL 322/90, na parte em que faz depender de todos os requisitos previstos no artº2020, nº1 a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da segurança social, a quem com ele convivia em união de facto, relativo ao regime legal da união de facto no âmbito da segurança social – v. Acórdão do Tribunal Constitucional nº195/2003 (No Proc.nº312/2002-2ª, publicado no DR, II Série, nº118, de 22/5/ 2003).
Ademais, cremos que os argumentos que ali abraçam a aludida inconstitucionalidade não contemplam elementos que, relativos a qualquer especificidade dos requisitos exigidos na situação do vindicante do direito à pensão de sobrevivência social e o pensionista do regime da função pública, em relação ao âmbito da segurança social, pelo que se justifica a conclusão de que a atribuição da qualidade de beneficiário da pensão de sobrevivência depende não apenas da verificação da união de facto, como, também, da impossibilidade da obtenção de alimentos, tanto de quem a tal está legalmente obrigado nos termos do art.º 2009 do C. Civil, como da herança do companheiro(a) falecido.
Voltando à situação dos autos e revertendo aos factos dados por assentes.
Desde logo, detectamos a ausência de prova de um dos requisitos para a atribuição do direito, qual seja, a de que a herança do falecido companheiro da A não esteja apta a prestar –lhe alimentos .
Como se sabe, atento o disposto no artigo 2020 do Código Civil com referência ao artigo 2009, nº 1, alíneas a) a d), ambos do Código Civil, na situação de união de facto, tem direito a exigir alimentos à herança do falecido aquele que:
- com ele vivia há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;
- e que não possa obter os alimentos ou do cônjuge ou ex-cônjuge, ou dos descendentes, ou dos ascendentes, ou dos irmãos.
Nesta circunstância ampara a razão à recorrente quando afirma faltar a prova da “insuficiência dos bens da herança (Pag. 80, ponto 9).”
A A. alegou no petitório a matéria em causa que foi vertida devidamente na base instrutória no ponto 6; contudo, o tribunal deu a resposta de “não provado” (A este propósito obtempera a A . nas suas contra-alegações que logrou a prova de tal facto “ a contrario”, consideração que é de afastar categoricamente à luz das regras do ónus de prova).
Donde, faltou à A. provar, como lhe competia, que no acervo hereditário do falecido companheiro R… não existiam bens que lhe permitissem efectivar, o direito a alimentos por ter vivido com o autor da herança em união de facto, prejudicada a satisfação primeira através dos pais e irmãos (atenta a situação económica que resultou provada) e de harmonia com o disposto no artº2020, nº1 do C. Civil.
De resto, e por tudo o que fica exposto, revelando-se prejudicada a apreciação da verificação dos demais elementos legais para a atribuição do direito que a A. reclama, sempre se dirá que os factos exigiriam ainda uma ponderação acrescida quanto à necessidade efectiva da referida pensão.
Senão, vejamos.
A A. está desempregada e vive com a mãe, situação que atenta a sua idade de mulher ainda jovem não se prevê definitiva e é de molde (nada consta sobre limitação para o trabalho) a considerar-se que a breve trecho estará em condições de angariar por si e com as forças do trabalho os rendimentos para o seu sustento e do filho, sem embargo, da ajuda da segurança social que é devida ao menor.
A inobservância na situação em análise de todos os requisitos legais estabelecidos para a obtenção do direito à pensão de sobrevivência por banda da A. que viveu com o pensionista em união de facto, compromete o êxito da acção intentada para declaração do mesmo.
Resumindo para concluir, no caso espécie não tendo sido feita a prova da inexistência de bens da herança, não poderia ter sido - como foi - reconhecido à A. o impetrado direito, pelo que se mostram violados pela sentença, por erro de interpretação e de aplicação, os arts 8º do DL 322/90 de 18/10, 3º do DR 1/94 de 18/1, 2009º e 2020º do C. Civil e o 6º da L 7/2001 de 11/5.
III- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, e emconsequência, revogar a douta sentença, e assim improcedente o pedido da A.
Custas pela A, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que desfruta.
Lisboa, 2 de Maio de 2006
Isabel Salgado
Roque Nogueira
Soares Curado (vencido. Perfilho o entendimento adoptado na sentença recorrida)