SUBROGAÇÃO
SEGURADORA
Sumário

1 - A sub-rogação prevista no art. 441º do C. Comercial é distinta da regulada no C. Civil (arts. 589º e sgs.), já que o segurador não paga para satisfazer uma dívida de terceiro responsável para com o segurado; do que se trata é de uma transferência legal dos direitos do segurado fora do âmbito daquela sub-rogação.
2 - O segurador no contrato de seguro obriga-se a suportar o encargo definitivo do prejuízo do segurado apenas na medida em que este não tenha direito de indemnização contra terceiro causador do dano, o que se consegue atribuindo-se-lhe o direito de sub-rogação.

3 - O artº 441º do C. Comercial, para ser razoavelmente interpretado, tem de ser entendido no sentido de conceder ao sub-rogado que paga a indemnização o direito de accionar qualquer dos responsáveis para com o segurado, ainda que simples responsáveis civis, e não apenas o causador ou causadores do sinistro.

- A sub-rogação por declaração do credor não depende do conhecimento do devedor (cfr. artº 768º, 2 do CC) e tem como principal efeito a transmissão do crédito para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor. Tal transmissão só valerá, contudo, perante o devedor depois de lhe ser notificada (artº 583º, nº 1, ex vi do artº 594º do CC), destinando-se a notificação a evitar que este ignore de boa fé a existência da sub-rogação e que o pagamento efectuado ao antigo credor goze de efeito liberatório; seja, a notificação tem em vista a limitação da oposição do devedor à sub-rogação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de PTE 49.894.135,00, a título de capital e juros de mora vencidos desde 25 de Setembro de 1998, acrescida de juros moratórios vincendos sobre o capital de PTE 38.628.520,00 até integral pagamento, para o que alegou, em síntese, que pagou a quantia de LIT 371.000.000,00 (PTE 38.628.520,00) à sua segurada ….transports.…, a título de indemnização pela avaria da responsabilidade da Ré verificada na cerveja que esta vendeu a essa sua segurada, nas condições FOB, e que foi transportada por via marítima entre os portos de Lisboa e Luanda, com o que ficou sub-rogada nos respectivos direitos contra a Ré.

A R. veio contestar a demanda e alegou, em síntese, com relevância para a decisão final, que:
- o contrato de seguro marítimo dos autos não cobre os riscos que extravasem o âmbito do contrato de transporte marítimo;
- a pretensa deficiente acomodação das latas de cerveja nos contentores ocorreu nas instalações da R. em Vialonga, isto é, a causa da avaria da mercadoria produziu-se antes do início do transporte marítimo e da cobertura do seguro;
- não há fundamento para a invocada sub-rogação legal porque a A. suportou danos que não estava obrigada a cobrir segundo o contrato de seguro;
- acresce que a A. não demonstra que tivesse assumido a posição da sua segurada por outra via;
- para além disso, a R. não levou a cabo qualquer acção de deficiente embalagem e acomodação da mercadoria nos contentores antes do início do transporte marítimo;
- os danos resultaram de eventos ocorridos em momento posterior ao da embalagem e acomodação da carga nos contentores;
-para minorar os prejuízos sofridos pela segurada da A., a R. acordou com a mesma conceder-lhe um desconto em futuras encomendas, o que veio a suceder, com isso se encerrando a discussão sobre a eventual responsabilidade da R. relativamente à totalidade dos danos causados pelo sinistro dos autos;
- por outro lado, a A. não concretiza quais foram os danos sofridos pela sua segurada que foram por si ressarcidos;
- a R. ignora quais foram os danos sofridos pela segurada da A. em virtude da avaria da mercadoria;
- a R. também ignora se a A. pagou efectivamente à sua segurada a importância aqui reclamada;
- a R. já reparou parcialmente os danos juntos da segurada da A.; e
- finalmente, não haverá mora da R. enquanto não liquidada a quantia eventualmente devida.

Replicando, a A. alegou que também beneficia da sub-rogação voluntária nos termos declarados pela sua segurada no recibo de indemnização junto com a petição inicial e mais defendeu que o invocado pagamento parcial não lhe é oponível porque é posterior ao conhecimento da sub-rogação operada em favor da A..

Foi elaborado o despacho saneador, no âmbito do qual, se desatendeu a matéria exceptiva alegada pela Ré e de que foi interposto recurso, admitido como de agravo e subida imediata em separado e desatendido por acórdão deste tribunal de 7-10-2003.
Condensou-se, com reclamação parcialmente atendida da Ré, a factualidade tida por pertinente.

Procedeu-se a julgamento, no decorrer do qual a Ré deduziu incidente de impugnação contra a admissão da testemunha ……., alegando tratar-se de advogado da A. abrangido pelo segredo profissional, o que foi indeferido pelo despacho ditado para a respectiva acta, a fls. 396/397, de que a Ré interpôs recurso, admitido como de agravo e subida diferida e, por fim, foi proferida sentença a julgar improcedente, por não provada, a acção.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a A.

A A. contra-alegou no recurso de agravo interposto pela Ré do despacho de fls. 396/397 e esta contra-alegou no recurso de apelação da sentença , tendo, ao abrigo do artº 684º-A do CPC, ampliado o objecto deste recurso.

Em ambos os recursos foram oportunamente apresentadas alegações e nas conclusões do agravo, da apelação e da ampliação pela apelada do objecto desta, devidamente resumidas - artº 690º, nº 1 do CPC -, colocam-se, nuclearmente, as seguintes questões ao conhecimento deste tribunal:

recurso de agravo

- a admissão do depoimento da testemunha da A. ..., que declarou ser advogado desta.

Recurso de apelação

- a verificação de todos os requisitos da ajuizada sub-rogação.

Ampliação pela apelada do recurso da sentença

- a impossibilidade da sub-rogação ajuizada;

- a impugnação da matéria de facto.

O Sr. Juiz a quo manteve o despacho agravado.

Cumpre decidir, tendo em conta que foi a seguinte a factualidade apurada na instância recorrida:

1) a Ré B.. celebrou com a sociedade italiana ….transports ……., um contrato mediante o qual lhe forneceu 22.800 paks de 24 latas de cerveja “…..” (180.576 litros de cerveja), destinada a ser transportada para Luanda (A).
2) Tal contrato foi sujeito pelas partes ao regime FOB Lisboa, tendo-se a vendedora, ora R., obrigado:
- a fornecer a mercadoria;
- a proceder à embalagem da mercadoria;
- a entregá-la para embarque no navio “…..” no cais da LISCONT, no porto de Lisboa;
- e a suportar todas as despesas e riscos das mercadorias até ao momento que esta passasse a amurada do navio no porto de embarque (B).
3) As latas de cerveja foram acondicionadas pela R. em 10 contentores de 20’, tendo sido por esta entregues no cais da LISCONT, no porto de Lisboa, e foram transportadas de seguida para o porto de Luanda no navio “….”, ao abrigo do conhecimento de embarque cuja cópia consta a fls. 13-14 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido (C).
4) Foi a ….. S.p.A. quem obteve junto do agente da transportadora marítima os contentores utilizados no transporte (Q6).
5) A mercadoria foi expedida após inspecção prévia da SGS que verificou a quantidade dos lotes de cerveja e que selou os contentores (Q10).
6) O navio “….” chegou a Luanda em 30 de Dezembro de 1997, tendo sido descarregado em 2 de Janeiro de 1998, ficando os contentores armazenados no porto (Q11).
7) Em 18 de Fevereiro de 1998, os contentores foram transportados para o armazém da ….TRANSPORTS em Angola (Q12).
8) A mercadoria em causa chegou a Angola totalmente avariada e imprópria para consumo humano, o que determinou que a mesma tivesse sido destruída por ordem das autoridades angolanas (Q3).
9) A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada (Q4).
10) A embalagem da mercadoria, em latas envolvidas em paks de cartão e plástico, foi a que é usualmente utilizada pela R. em qualquer fornecimento que efectua (Q7).
11) Nunca houve qualquer problema decorrente da embalagem ou acomodação dos produtos efectuadas pela R. nas suas muitas transacções nacionais e internacionais (Q9).
12) Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente (Q14).
13) …..TRANSPORTS remeteu à R. as cartas que constam a fls. 36e 38 a 41 dos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido (D).

14) Com referência à última dessas cartas, a R., em 28 de Setembro de 1998, respondeu através da mensagem que consta a fls. 42 dos autos, “declinando qualquer responsabilidade pelo sucedido” (E).
15) Foi acordado entre a R. e a ….TRANSPORTS, com o objectivo de pôr fim ao diferendo resultante da avaria da cerveja transportada para Angola, que a ….TRANSPORTS faria à R. uma encomenda de 24 contentores de cerveja e que esta, como comparticipação nos prejuízos, ofereceria gratuitamente 12 desses contentores (Q19).

16) Em 18 de Junho de 1999, a R. enviou à ….TRANSPORTS a carta cuja cópia consta a fls. 108-109 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido (H).
17) Por comunicação via fax, datada de 24 de Junho de 1999, informou a R. aceitar a proposta de entrega “de 12x20’ grátis FOB LISBOA e 12x20’ com pagamento normal, desde que seja concluída positivamente esta transacção” (J).
18) Procedeu a ….TRANSPORTS de seguida à encomenda de 4 contentores de cerveja com destino a Angola, que a R. lhe enviou, cobrando-lhe apenas o valor de dois desses contentores (Q23).
19) Posteriormente, a ….TRANSPORTS enviou à R. a carta cuja cópia constitui fls. 114 dos autos e que aqui se dá por reproduzida (K).
20) E, a partir desse momento, não fez qualquer outra encomenda à R. (Q25).
21) É de Esc. 3.348.720$00 o valor dos dois contentores de cerveja fornecidos gratuitamente pela R. (Q26).
22) O acordo celebrado entre a R. e a ….TRANSPORTS …... destinou-se a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada (Q27).
23) Foram remetidas à R. pelos advogados da A. de Trieste e Lisboa as cartas que constam a fls. 44 a 46 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido (F).
24) Com referência à última dessas cartas, a R., em 6 de Outubro de 1999, respondeu recusando o pagamento de LIT 371.000.000,00 que lhe fora solicitado, invocando o acordo celebrado sobre o assunto com a …TRANSPORTS e não se considerando responsável pelo sucedido (G).
25) A A., é uma companhia de seguros que exerce a sua actividade em Itália e em vários outros países, dedicando-se, entre outros, ao ramo de seguros de transportes marítimos (Q1).
26) A A. celebrou com a ….TRANSPORTS o contrato de seguro de transporte marítimo titulado pela apólice n.º 43391305, tendo por objecto o transporte marítimo da mercadoria referida em 1) entre Lisboa e Luanda, com o capital de risco de LIT. 371.000.000 e sujeito, além do mais, ao regime da “INSTITUTE CARGO CLAUSES (A)”, nos termos do certificado de seguro cuja cópia consta a fls. 11 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido.
27) Em razão do contrato de seguro que celebrou, a A. indemnizou a segurada ….TRANSPORTS pelos prejuízos sofridos decorrentes da avaria da mercadoria, pagando-lhe, em 25 de Setembro de 1998, a quantia de LIT 371.000.000,00 (Q5).
28) A referida quantia foi paga a título de indemnização do valor da aquisição da cerveja pela ….transports Centre, S.P.A. e dos lucros estimados que a mesma deixou de auferir com a ulterior venda dessa cerveja (Q5).
29) A ….TRANSPORTS subscreveu o documento denominado quietanza di dano - discharge and subrogation receipt cuja cópia consta a fls. 11 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido (acordo das partes).

Porque o conhecimento do agravo está na dependência do destino da apelação (artº 710º, 1 do CPC), há que começar pelo conhecimento desta.

A questão essencial da lide, tal como vem apresentada pelas partes, passa pelo apuramento da eficácia e limites da sub-rogação invocada pela A. perante a Ré.
A sub-rogação, ainda que intimamente ligada ao cumprimento da obrigação, traduz-se, na sua essência, como modalidade de transmissão do crédito, sendo esta, inclusive, a orientação do Código Civil, que dela se ocupa no capítulo sobre transmissão de créditos e de dívidas (cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., págs 280 e sgs.).
Este também o entendimento de Antunes Varela, quando, a propósito, observa que “embora a sub-rogação assente no facto do cumprimento e este constitua a causa extintiva da obrigação por excelência, a circunstância de a satisfação do interesse ser operada, não pelo devedor, mas por terceiro, ou com meios por este facultados, tem como efeito que o crédito, em lugar de se extinguir, transita de armas e bagagens para esse terceiro” (in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pág. 353).
A sub-rogação tanto pode derivar de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo, a quem é feito o pagamento, ou entre o terceiro e o devedor (arts. 589º, 590º e 591º do CC) - sub-rogação convencional ou voluntária -, como directamente da própria lei (artº 592º do CC) - sub-rogação legal.
Nos termos do artº 441º do C. Com., " o segurador que pagou a deterioração ou perda dos objectos segurados fica sub-rogado em todos os direitos do segurado contra terceiro causador do sinistro, respondendo o segurado por todo o acto que possa prejudicar esses direitos."
A sub-rogação legal aqui prevista é distinta da regulada no C. Civil (arts. 589º e sgs.), já que o segurador não paga para satisfazer uma dívida de terceiro responsável para com o segurado; do que se trata é de uma transferência legal dos direitos do segurado fora do âmbito daquela sub-rogação.
Na verdade, o segurador no contrato de seguro obriga-se a suportar o encargo definitivo do prejuízo do segurado apenas na medida em que este não tenha direito de indemnização contra terceiro causador do dano, o que se consegue atribuindo-se-lhe o direito de sub-rogação (Vaz Serra, RLJ, ano 94º, págs. 226 e 227).
Por outro lado, o artº 441º do C. Com., para ser razoavelmente interpretado, tem de ser entendido no sentido de conceder ao sub-rogado que paga a indemnização o direito de accionar qualquer dos responsáveis para com o segurado, ainda que simples responsáveis civis, e não apenas o causador ou causadores do sinistro.
Como observa Moutinho de Almeida, "não existe qualquer razão para que se exclua da sub-rogação do segurador o responsável civil", acrescentando que "para quem, como nós, sustenta que a prestação do segurador extingue o interesse do segurado, justificativo da tutela jurídica da prestação deste contra o responsável, a ausência de sub-rogação determinaria a cessação gratuita e inexplicável da responsabilidade do responsável civil" (in O Contrato de Seguro, pág. 221 e nota 29).
Temos, assim, que a sub-rogação do segurador nos direitos do segurado depende do pagamento pelo primeiro do prejuízo sofrido pelo último e que por este prejuízo seja responsável outro que não o próprio segurado.
Todavia, é apodíctico que esse prejuízo sofrido tem de derivar do risco assumido no contrato de seguro, pois só assim se pode dizer que o pagamento pelo segurador da “deterioração ou perda dos objectos segurados” ocorreu no âmbito desse contrato, condição necessária à sub-rogação em benefício do segurador prevista no artº 441º do C. Com.,
Daí que e revertendo para o concreto dos autos, estando o dano aqui em causa, na atenção do seu processo de produção (deficiente acomodação da mercadoria nos contentores em que foi transportada), excluído da cobertura do contrato de seguro ajuizado (cláusulas 4.3 e 8.1 do Institute Cargo Clauses “A”), como, e bem, se entendeu na sentença sindicanda, temos que o pagamento da respectiva indemnização pela A. à sua segurada não foi feito no âmbito desse contrato e, como tal, não pode fundamentar a sua sub-rogação com base no mesmo, condição essencial, como se disse, à configuração da sub-rogação legal estabelecida no artº 441º do C. Com..
De outra forma, no limite, permitir-se-ia a sub-rogação do segurador nos direitos do segurado, desde que provasse a existência entre ambos de um qualquer contrato de seguro válido, ainda que totalmente estranho ao sinistro desencadeados dos danos ressarcidos.
É de ter, pois, como afastada a sub-rogação legal.
Todavia, nem por isso a questão enunciada fica definitivamente arrumada. É que sobra ainda a sub-rogação voluntária, claramente expressa no recibo de pagamento da indemnização feito pela A. à sua segurada (doc. de fls. 43, traduzido a fls. 136), dado integralmente por reproduzido na petição inicial (cfr. item XV deste articulado).
É certo que a causa de pedir, como decorre da definição legal constante do art. 498º, 4 do CPC, é o facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou em que assenta o direito invocado pelo A., o qual deve, desde logo, na petição inicial expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção - art. 467º, nº 1. c) do mesmo Código.
Não obstante e lembrando os ensinamentos de Anselmo de Castro quando observa que “o autor terá... de, na petição inicial..., indicar o facto genético do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer, não lhe sendo, todavia, exigido que faça desde logo uma exposição completa do elemento factual “ (in Lições de Processo Civil, 1970, vol. II, pág. 754), só de forma algo temerária se poderá considerar como afastado o suporte da pretensão da A. em tal fundamentação.
Não sendo de louvar, é certo, a remissão nos articulados para os documentos, antes sendo tecnicamente mais aconselhável a exposição dos factos que estes traduzem, parece não oferecer dúvidas que com tal remissão, o conteúdo do documento em referência passou a fazer parte integrante da peça processual que acompanhou.
Assim e importando não confundir ineptidão com petição simplesmente deficiente - petição que evidenciando claramente a causa de pedir omite factos ou circunstâncias cuja falta pode até levar ao desatendimento da pretensão -, na base desta acção há que ter também a sub-rogação convencional concomitante com o cumprimento, porque constante do documento que o traduz, seja, o recibo de pagamento pela A. da indemnização reclamada pela compradora da mercadoria deteriorada fornecida pela Ré e cujo teor foi dado como reproduzido na petição inicial e apenas foi contrariado pela Ré quanto ao valor que dele consta ter sido pago (cfr. itens 138º e sgs. da contestação).
De resto, esta sub-rogação é claramente assumida na réplica (cfr. itens XIV e sgs. deste articulado) pela A., pelo que também pelo mecanismo da ampliação da causa de pedir - que a lei adjectiva lhe permitia (artº 273º, nº 1 do CPC) - havia e há que a considerar como fundamento da sua pretensão.
E o que vem de dizer-se colhe igualmente em relação ao teor do documento de fls. 38, igualmente dado como reproduzido na petição e do qual consta o custo (a quantia que se pagou por uma coisa, como é definido no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo) da cerveja avariada (194.160 USD), reclamado pela sub-rogante da A. e que a Ré, é certo, impugnou, ao menos parcialmente, já que, admitindo pagamento dessa mercadoria, contraria, no entanto o valor que se diz ter sido pago (conjugação dos itens 123º e 129º da contestação).
Por isso e sendo embora certo que o sub-rogado tem de alegar e provar os danos ressarcidos, já que “adquire na medida da satisfação dada ao credor, os poderes que a este competiam” (artº 593º, nº 1 do CC), não podia, sem mais, como se entendeu na sentença sindicanda, dar como adquirido que não foi alegado que “o segurado da A. pagou à Ré a importância de x a título do pagamento da mercadoria”, antes que ter, nos termos sobreditos, como alegada tal factualidade, que, porque controvertida e relevante para a decisão da causa, devia ter sido levada à base instrutória.
Ainda para infirmar os danos ressarcidos pela A., alegou a Ré um acordo efectuado com a segurada desta para por termo ao litígio originado com a deterioração da cerveja fornecida, tendo a A., na réplica, impugnado a validade desse acordo, até porque celebrado após o conhecimento pela Ré da sub-rogação operada a seu favor (cfr. itens XVII e sgs. desse articulado).
A sub-rogação por declaração do credor não depende do conhecimento do devedor (cfr. artº 768º, 2 do CC) e tem como principal efeito a transmissão do crédito para o terceiro (sub-rogado) que cumpriu em lugar do devedor. Tal transmissão só valerá, contudo, perante o devedor depois de lhe ser notificada (artº 583º, nº 1, ex vi do artº 594º do CC), destinando-se a notificação a evitar que este ignore de boa fé a existência da sub-rogação e que o pagamento efectuado ao antigo credor goze de efeito liberatório; seja, a notificação tem em vista a limitação da oposição do devedor à sub-rogação.
“Com efeito, se a notificação não se fizer e, na ignorância da sub-rogação, o devedor pagar ao antigo credor ou efectuar com ele qualquer negócio relativo ao crédito (remissão, compensação, concessão de moratória, etc.), quer o pagamento, quer estoutro negócio serão oponíveis ao sub-rogado.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 351).
Sendo assim e porque relevante para a boa solução da causa, havia que levar à base instrutória não só o conteúdo do acordo invocado pela Ré, como foi feito (quesitos 19º e 27º), mas também o alegado conhecimento, na data desse acordo, da sub-rogação operada a favor da A. (cfr. itens XVII e XVIII da réplica), devendo dizer-se que a lei não exige qualquer formalidade especial para a notificação da sub-rogação, podendo esta ser feita, por isso, por simples declaração (artº 217º do CC), nem, por outro lado, se exige que esta declaração tenha de ser feita na língua portuguesa, que apenas está reservada aos actos judiciais (artº 139º do CPC).
É a altura de dizer que as respostas aos quesitos relacionados com esse alegado acordo são contraditórias, pois não se pode dar como provada a celebração de um acordo para resolver e por fim a todo o diferendo resultante da avaria da mercadoria fornecida pela Ré à sub-rogante da A. (resposta ao quesito 19º) e, ao mesmo tempo, dar-se como provado que esse mesmo acordo apenas se destinou a cobrir os gastos com a destruição dessa mercadoria (resposta ao quesito 27º).
Esta contradição é insanável, impondo-se a sua eliminação porque, interessando à composição do litígio o apuramento do verdadeiro e concreto dano sofrido pela sub-rogante da A., tal também passa pela eficaz ou não oponibilidade a esta desse acordo e do seu âmbito.
Em conclusão, se à base instrutória se deve levar toda a matéria de facto controvertida relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (artº 511º do CPC), há-de convir-se que à boa decisão da causa interessa sobremaneira saber-se a cerveja avariada fornecida pela Ré à sub-rogante ….transports custou a esta 194.160 USD (doc. de fls. 38, dado como reproduzido no item XI da petição inicial), bem como a factualidade que se prende com o alegado conhecimento pela Ré da sub-rogação operada a favor da A. (itens XVII e XVIII da réplica) e ainda a eliminação da contradição das respostas que receberam os quesitos 19º e 27º da base instrutória.
O artº 712º do CPC permite ao Tribunal da Relação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não sido suscitado o conhecimento desse vício pelas partes no recurso, anular a decisão de facto, se reputar deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, bem como quando considerar indispensável a ampliação desta (a peça condensadora do processo não tem o cunho da definitividade, estando imbuída do princípio da refundibilidade sempre que necessário), desde que, naturalmente, em respeito pelo disposto nos arts. 650º, al. f) e 664º do CPC, o que bem se compreende, pois o juízo sobre a correcta aplicação das normas legais só é possível se for apurada a factualidade indispensável para tal e ela for suficientemente inteligível (Acs. do S.T.J. de 29-10-89 e de 29-11-89 in B.M.J., respectivamente, 390-372 e 391-514 e da Rel. de Lisboa de 3-5-90 in C.J., 1990, Tomo III, 103 e ainda Rodrigues Bastos in Notas ao Código do Processo Civil, vol.II, pág. 336).
Tal suficiência e clareza factual não existe, como se disse, no caso em apreço.
Em conclusão, torna-se indispensável que este tribunal use dos seus poderes conferidos pelo citado normativo adjectivo e, consequentemente, decrete a anulação do julgamento com vista, por um lado, à ampliação da base instrutória e resposta aos novos quesitos e, por outro, com vista à obtenção de novas respostas, não contraditórias, aos quesitos 19º e 27º, sem prejuízo, obviamente, do alargamento do julgamento a outros pontos da matéria de facto para evitar contradições na decisão.

Pelo exposto, decide-se ordenar a formulação de novos quesitos, ao abrigo do artº 650º, al. f), do CPC, contendo a matéria factual que supra se referenciou e anular o julgamento e a sentença, a fim de, em novo julgamento, se responder não só a esses novos quesitos, mas ainda se suprir a contradição das respostas aos quesitos que igualmente se referenciaram, com o que fica, por ora, prejudicado o conhecimento do agravo.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 04-05-2006

Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues