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CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
EFICÁCIA
ÓNUS DA PROVA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
I- A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, tratando-se, assim, de declaração receptícia (artigo 436.º,n.º1 do Código Civil). II- Incumbe ao emitente, não ao destinatário, o ónus da prova de que a carta, que continha a aludida declaração e onde se reclamava a devolução de quantias concedidas com juros, não foi recebida por culpa do destinatário (artigos 224.º,n.º2 e 342.º,n.º1 do Código Civil). III - Não preenche tal ónus a mera demonstração da devolução da carta registada com aviso de recepção, constando do envelope que “ não foi reclamada”, mas não existindo nenhuma prova de que tenha sido deixado aviso para o destinatário a levantar. IV - O simples facto de constar do envelope que a carta não foi reclamada não prova que o destinatário teve ou podia ter conhecimento de que a mesma se encontrava à sua disposição. V - A certidão de dívida emitida ao abrigo do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro constitui título executivo; no entanto, para que se considerem em dívida as quantias nela indicadas, seria necessário que o exequente tivesse procedido validamente à resolução do contrato, o que não aconteceu, e, por conseguinte, o título executivo não é válido. (SC)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
M... instaurou os presentes embargos de executado contra Instituto […] Alegando, na parte que agora interessa, o seguinte:
O título dado é execução é nulo e, como tal, desprovido de força executiva.
Em causa está um alegado incumprimento por parte da executada de obrigações decorrentes do contrato celebrado entre embargante e embargado.
Técnicos […], em 19 e 21 de Fevereiro de 2001, visitaram a exploração da executada, na sequência do que a […] remeteu à embargada o ofício cuja cópia constitui o documento de fls. 31 (doc. 1).
Tal ofício considera que a exploração da executada contrariava o disposto na Portaria 85/98 de 10.02 e solicita que a mesma se pronuncie sobre o assunto, o que esta fez mediante carta remetida […] em 09.03.2001 (doc. 2).
Posteriormente, a executada recebeu novo ofício da […], o qual consta de fls. 34, informando-a de que a medida 09 - Sistemas Forrageiros Extensivos – se encontrava em situação irregular (doc. 3).
Dessa comunicação consta ainda: “Mais informamos V. Ex.a. que será remetida ao […] fotocópia de todo o processo de candidatura e do relatório de controlo, para que aquele Instituto se pronuncie sobre o eventual incumprimento”. E ainda: “Assim deverá V. Ex.a. aguardar pela decisão do […]”.
A partir desta última comunicação a executada não mais foi notificada do que quer que fosse, sendo que, conforme decorre do referido documento de fls. 34 (doc. 3), não havia ainda uma decisão definitiva sobre se a executada se encontrava ou não em situação de incumprimento com as obrigações decorrentes do contrato.
À executada não foi, pois, comunicada qualquer outra decisão.
Ou seja, não se verifica qualquer situação de incumprimento ou, pelo menos, não há decisão definitiva do organismo competente […] que considere a executada nessa situação.
Não se tendo apurado o incumprimento, não tendo havido decisão do […] nem tendo a executada sido notificada do que quer que seja, nunca este poderia rescindir unilateralmente o contrato celebrado nos termos do nº 6 do DL 31/94, de 05.02.
A rescisão só produz efeitos desde que comunicada à contraparte.
No caso, nem expressa nem tacitamente foi levado ao conhecimento da executada tal rescisão, a qual não se presume.
O Instituto […] também não notificou a executada para proceder à restituição das importâncias recebidas e respectivos juros.
A certidão de dívida dada à execução está ferida de nulidade, uma vez que o processo de onde emana enferma dos mencionados vícios e irregularidades.
E conclui a embargante pedindo que os presentes embargos sejam julgados procedentes, com as legais consequências.
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O exequente/embargado apresentou contestação, na qual alega, na parte que agora interessa considerar:
A embargante não respeitou os compromissos assumidos quanto à medida 9 - Sistemas Forrageiros Extensivos.
Por isso, os serviços do embargado propuseram, e o conselho de administração deliberou, a rescisão unilateral do contrato celebrado no âmbito do projecto apresentado ao abrigo das medidas agro-ambientais (medida 9 - sistema forrageiros extensivos) (Doc. 2).
Na sequência da deliberação de rescisão contratual, o embargado remeteu à embargante, pelo seguro do correio registado com aviso de recepção, em 22/03/2002, a carta com a referência 33.511/22030001/02 (Doc. 3).
A referida carta foi endereçada para a morada constante do contrato de atribuição das ajudas.
Naquela carta, o embargado comunicava à embargante a rescisão contratual e a exigência de devolução das ajudas concedidas acrescidas de juros.
A mencionada carta, todavia, foi devolvida ao embargado, por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante.
Ou seja, a comunicação do embargado só não foi recebida pela embargante por culpa desta, pelo que, nos termos dos artigos 224º e 295º do CC, deve considerar-se eficaz a comunicação efectuada.
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
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Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo os embargos sido julgados improcedentes, por não provados, devendo prosseguir a execução seus regulares termos.
Dela apelou a embargante, formulando as seguintes conclusões:
I — Para aplicação do disposto no art. 224º n° 2 do C.C. exige-se que a "declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que esse seja posto em condições de só com a sua actividade conhecer o seu conteúdo" que a declaração chegue à esfera de conhecimento ou de controle do destinatário.
II — No caso dos autos apenas se provou que "...a carta foi devolvida ao embargado por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante".
III — Estamos perante uma carta registada com aviso de recepção que, como é do conhecimento comum, fica depositada na Estação dos Correios local, devendo ser enviado um aviso ao destinatário para que este proceda ao seu levantamento.
IV — Também no caso dos autos não se provou que a embargante foi avisada para levantar a carta.
V — Embargante que até alegou não lhe ter sido remetido nenhum aviso para proceder ao levantamento da carta em questão
VI — Claro que esta apenas pode reclamar ou recepcionar aquilo que conheça ao menos existir.
VII — O que constitui pressuposto lógico de aplicabilidade do art. 224º n° 2 do C.C.
VIII — Aliás, em face da devolução da carta, competiria ao embargado alegar e provar que a embargante foi avisada para proceder ao levantamento da correspondência em causa, o que este não fez.
IX — Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 224º n° 2 do C.C, sendo o título executivo dado a execução desprovido de força executiva.
Em contra-alegações pede o apelado a confirmação da sentença.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 – O embargado emitiu em 31 de Maio de 2001 a certidão de dívida que consta de fls. 5 a 7 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – (A);
2 – Entre o embargado e a embargante, como beneficiária, foi realizado, em 05.07.1999, o contrato denominado de “ATRIBUIÇÃO DE AJUDA AO ABRIGO DAS MEDIDAS AGRO-AMBIENTAIS, cuja cópia consta de fls. 8, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo conteúdo – (B);
3 – No âmbito do acordo referido em 2., a embargante beneficiou das ajudas mencionadas na certidão referida em 1. – (C);
4 – Em 19 e 21 de Fevereiro de 2001 técnicos […] visitaram a exploração da embargante, na sequência do que aquela entidade remeteu a esta o ofício cuja cópia consta de fls. 31, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o respectivo conteúdo – (D);
5 – Em resposta a tal ofício, a embargante enviou […] em 09.03.2001, a carta cuja cópia consta de fls. 32 e 33, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o respectivo conteúdo – (E);
6 – Em 19 de Agosto de 2001 a […] enviou à embargante, que o recebeu, o ofício cuja cópia consta de fls. 34, dando-se aqui por inteiramente reproduzido o respectivo conteúdo – (F);
7 – Após o ofício referido em 6., a embargante não tomou conhecimento da decisão a que se reporta a parte final do mesmo ofício – (1º);
8 – A embargante não tomou conhecimento da decisão que pôs termo ao contrato referido em 2. – (2º);
9 – A embargante não tomou conhecimento de qualquer comunicação a solicitar-lhe a restituição das ajudas concedidas no âmbito do contrato referido em 2. – (3º);
10 – O projecto apresentado pela embargante (sistemas forrageiros extensivos), tinha por objectivo a manutenção de pastagens naturais ou prados permanentes plurianuais – (4º);
11 – No projecto referido em 10, a embargante declarou explorar 585 ha, dos quais afectou 527,3 ha à medida 9 – sistemas forrageiros extensivos – (5º);
12 – Na acção de controlo referida em 4, foi detectado que 74,94 ha, nas parcelas 3, 11 e 12 da exploração declarada, estavam semeados com aveia – (6º);
13 – A embargante apresentou a candidatura às medidas agro-ambientais, sistemas forrageiros extensivos, no ano de 1998 – (7º);
14 – No mesmo ano a embargante apresentou a candidatura a um outro projecto no âmbito do Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal, medida 2, de apoio à explorações agrícolas – (8º);
15 – No projecto referido em 14. a embargante declarou como património fundiário, 469 ha com o seguinte aproveitamento cultural:
- 12 ha de regadio (azevém e sorgo);
- 180 ha de culturas de sequeiro (aveia e pastagem, consociação forrageira e pastagem melhorada);
- 180 ha de pastagem natural;
- 45 ha de trevo subterrâneo – (9º);
16 – De acordo com as declarações constantes do projecto […] só 225 ha da área declarada pela embargante seriam passíveis de incluir na candidatura da medida 9 das agro-ambientais (sistemas forrageiros extensivos) – (10º);
17 – Pelo que os serviços do embargado propuseram e o Conselho de Administração do mesmo deliberou pôr termo ao contrato referido em 2. – (11º);
18 – Após o que o embargado remeteu à embargante, pelo seguro de correio registado, em 22.03.2002, a carta com a referência 33.511/22030001/02 e que constitui o documento cuja cópia consta de fls. 57 – (12º);
19 – Tal carta foi endereçada para a morada da embargante constante do contrato referido em 2. – (13º);
20 – Nessa carta o embargado comunicava à embargante “a rescisão contratual e a exigência da devolução das ajudas concedidas acrescidas de juros” – (14º);
21 – A mesma carta foi devolvida ao embargado por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante – (15º).
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O DIREITO.
Como é sabido, é pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites dos recursos (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).
Assim, tendo em atenção as conclusões referidas, a única questão a decidir é saber se a carta de fls. 170 (e 57) deve ser considerada recebida pela embargante, ou seja, se a mesma deve ser considerada eficaz por só não ter sido recebida por culpa do seu destinatário, nos termos do nº 2 do artigo 224º do CC, e respectivas consequências.
Como vimos, ficou provado na parte que agora interessa:
- em 19 de Agosto de 2001, a […] enviou à embargante, que o recebeu, o ofício cuja cópia consta de fls. 34.
- neste ofício pode ler-se que foi detectada pelos serviços da […] uma determinada irregularidade. E consta da sua parte final: “Mais informamos V Ex.ª que será remetida ao […] ...fotocópia de todo o processo de candidatura e do relatório de controlo, para que aquele instituto se pronuncie sobre o eventual incumprimento. Assim deverá V. Ex.ª aguardar pela decisão do […] ”.
- então, o Conselho de Administração do embargado deliberou pôr termo ao contrato
- portanto, na sequência daquele ofício, o […] “rescindiu unilateralmente” o contrato, como consta da fls. 56, “com exigência de devolução das ajudas processadas, acrescida dos respectivos juros....”
- e o embargado remeteu à embargante carta registada com A/R, em 22.03.2002, endereçada para a morada da embargante constante do contrato, na qual lhe comunicava tal rescisão.
- a mesma carta foi devolvida ao embargado por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante, pelo que esta não tomou conhecimento da decisão que pôs termo ao contrato.
- a embargante não tomou conhecimento de qualquer comunicação a solicitar-lhe a restituição das ajudas concedidas no âmbito desse mesmo contrato.
Portanto, aquela carta, cujo original consta agora de fls. 170, foi remetida para a morada da embargante que constava do contrato, tendo a mesma sido devolvida ao embargado por não ter sido por aquela recebida nem reclamada.
E, por isso, foi referido na douta sentença recorrida:
«Resulta daí que a declaração contida em tal carta só por culpa da embargante não foi por si recebida, isto é, só por culpa sua não tomou conhecimento do respectivo conteúdo ou seja da rescisão (...) do contrato e da solicitação da devolução das importâncias naquela missiva referidas.
Assim, o […] teve fundamento para rescindir (resolver) o contrato de atribuição de ajuda ao abrigo das medidas agro-ambientais celebrado com a embargante em 05.07.1999 e para exigir a devolução integral das ajudas e acréscimos.
A declaração que opera tal rescisão (resolução) e solicita a restituição das importâncias devidas, contida na carta de fls. 57 - agora junta a fls. 170- é eficaz, uma vez que, tendo sido enviada para a morada constante do contrato, só não chegou ao conhecimento da embargante por não ter sido por esta recepcionada ou reclamada».
Com este fundamento, e tendo em consideração o preceituado no nº 2 do citado artigo 224º, foram julgados improcedentes os embargos.
Todavia, diz a apelante o seguinte:
- para que possa ser aplicada a doutrina do artigo 224º é necessário que a carta esteja ao alcance do destinatário, que este tenha a possibilidade, se quiser, de a receber;
- o destinatário deve ser avisado para levantar a carta, pois, caso contrário, não o poderá fazer;
- nada existe na matéria de facto provada que nos permita concluir que o destinatário foi avisado, sendo certo que sem ser avisado ninguém pode reclamar o que quer que seja;
- a embargante expressamente alegou que não recebeu (nem lhe foi enviado) qualquer aviso para proceder ao levantamento da carta;
- por isso não tem aplicação o artigo 224º do CC. Pelo contrário, o apelado diz o seguinte:
- a questão do envio do aviso para o levantamento da carta não foi quesitada nem tinha que o ser, pois se trata de uma falsa questão;
- ficou provado que a carta foi devolvida porque não foi recebida nem reclamada pelo destinatário;
- pelos elementos constante do processo verifica-se que no envelope endereçado à recorrente os serviços de correios apuseram a indicação de que a carta não foi reclamada,
- a recorrente deveria ter reclamado oportunamente da formulação dos quesitos.
Vejamos.
Do exposto resulta que e o embargado remeteu à embargante a carta registada com A/R endereçada para a morada constante do contrato, na qual lhe comunicava a sua resolução; todavia, a mesma carta foi devolvida ao embargado por não ter sido recebida nem reclamada pela embargante.
Dispõe o nº 1 do art. 224º do Cód. Civilquea declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida....
Em relação a esta espécie de declarações (recipiendas) foram, pois, adoptados na nossa legislação os critérios da recepção e do conhecimento. Assim, não se exige a prova do conhecimento pelo destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder. O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este esteja em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. E, neste caso, o conhecimento presume-se, tratando-se mesmo de uma presunção iuris et de iuris. Portanto, em princípio, estas declarações só se tornam eficazes quando chegam ao poder do destinatário ou são dele conhecidas.
Todavia, nos termos do seu nº 2 “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
Nestes termos, a declaração recipienda Declaração receptícia ou recipienda é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário.(ou receptícia) é eficaz nos casos seguintes:
- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida;
- quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida.
Em anotação a este artigo escrevem Pires de Lima e Antunes Varela: “no nº 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta-restante como fazia usualmente”.
Estamos, in casu, perante uma declaração recipienda, pelo que não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão.
Todavia, é plenamente justificável que se considere eficaz uma declaração que só não foi recebida por culpa do destinatário. E isso poderia suceder no caso sub judice, se, por exemplo, o carteiro tivesse avisado a embargante de que tinha uma carta registada para levantar, ou, com maior evidência, se esta se tivesse recusado expressamente a recebê-la.
Normalmente, quando o destinatário duma carta registada com A/R não se encontra no seu domicílio para a receber, é deixado um aviso para poder ser levantar na respectiva estação dos correios. Nestes casos, se essa carta não for levantada será devolvida ao remetente com a indicação de que não foi reclamada. Então, em princípio, deverá considerar-se que somente não foi recebida por culpa do destinatário.
Não é, todavia, este o caso, ou melhor, não está provado que seja este o caso, como vimos.
É certo que consta do envelope devolvido que a carta “não foi reclamada” (fls. 168). Mas não existe qualquer prova de que a embargante tenha sido avisada; embora também não haja prova em sentido contrário.
Em casos como este, o normal é que o carteiro deixe aviso. Mas, por uma qualquer razão, tal poderá não ter acontecido no caso concreto, que é o que nos interessa considerar. Há que ter em consideração que, por exemplo, nos grandes centros urbanos, por simples lapso, o aviso pode ser deixado na caixa do correio do vizinho, o que, por vezes, acontece, como é do conhecimento comum.
No caso parece tratar-se de uma herdade no Alentejo e, por isso, esta confusão não se poderia verificar com a mesma facilidade. Mas sempre temos de admitir que a carta não foi deixada em termos de poder ser recebida pela destinatária. Não temos nenhuma prova nesse sentido. O simples facto de constar do envelope que a carta não foi reclamada não faz prova de que a embargante teve ou podia ter conhecimento de que a mesma se encontrou à sua disposição. Nada nos garante que a destinatária foi procurada para assinar o A/R ou mesmo que o tal aviso foi colocado à sua disposição.
Como vimos, na sentença recorrida entendeu-se que a declaração é eficaz, «uma vez que, tendo sido enviada para a morada constante do contrato, só não chegou ao conhecimento da embargante por não ter sido por esta recepcionada ou reclamada».
A verdade é que, salvo o devido respeito, não existe prova nos autos de que a carta só não foi recebida por culpa da embargante. E não existe qualquer presunção de conhecimento ou sequer de que esse mesmo conhecimento era possível. A única prova que existe nos autos é a de que a carta foi enviada para a morada constante do contrato (que é a da embargante, pois esta nada disse em sentido contrário) e que a mesma não foi recebida. E o embargado apenas alegou que a carta foi enviada para a morada constante do contrato e que só não foi recebida pela embargante por culpa sua. Mas deste último facto não foi feita prova.
É certo que a apelada apenas disse na petição dos embargos:
- a partir da ultima comunicação (a anterior à que constava da carta em causa) não foi notificada do que quer que fosse;
- à executada não foi comunicada qualquer decisão;
- posteriormente o […] não informou a executada do que quer que fosse.
Mas isto equivale à alegação de que não recebeu qualquer comunicação. E este facto não é posto em causa. Na “resposta” a embargante alega mais expressamente que não recebeu (ela ou qualquer outra pessoa da herdade) qualquer aviso para levantar a carta.
Por isso não se compreende a alegação do apelado no sentido de que a recorrente deveria ter reclamado oportunamente da formulação dos quesitos. De resto, uma resposta de “não provado” a qualquer daqueles factos não teria qualquer relevância, pois compete ao exequente provar que notificou a executada da deliberação em causa, ou seja, de que procedeu à resolução do contrato.
Não há qualquer dúvida de que a carta foi devolvida ao embargado por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante.
Competia então ao embargado provar que a carta só não foi recebida pelo destinatário por sua culpa. É que não estamos perante nenhum caso de inversão do ónus da prova. E não há nada que nos permita concluir ser suficiente o envio da carta para a morada constante do contrato (e o […] somente diz que a carta foi enviada para a morada constante do contrato e que, por isso, a embargante a não recebeu por culpa sua).
Decidiu o acórdão da Relação do Porto que se considera eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do destinatário, como é o caso de este se ausentar para parte incerta, de se recusar a receber a carta ou de não a ir levantar à posta restante, como fazia normalmente (RP de 18.10.83 – CJ ano 83, vol. 4, pag. 260).
Mas também não se pode exigir que o destinatário esteja sempre em casa para receber a correspondência que lhe seja enviada, até porque pode, por exemplo, estar internado por doença ou em viagem. E, de qualquer maneira, só a poderá receber se a mesma tiver sido colocada à sua disposição.
II
Foi referido na douta sentença recorrida: a declaração que opera tal rescisão (resolução) e solicita a restituição das importâncias devidas, contida na carta de fls. 57 é eficaz, uma vez que, tendo sido enviada para a morada constante do contrato, só não chegou ao conhecimento da embargante por não ter sido por esta recepcionada ou reclamada.
E por isso, foram os embargos julgados improcedentes.
Ora, como vimos, não pode considerar-se que tal carta só não chegou ao conhecimento da embargante por culpa sua.
Consequentemente, a declaração em causa não pode ser considerada eficaz.
O embargado invocou como título executivo uma certidão de dívida resultante do alegado incumprimento do contrato, ao abrigo do DL 31/94, de 05.02, com redacção dada pelo DL 351/97, de 05.12. E estabelece com efeito o artigo 8º, nº 1, que constituem titulo executivo as certidões de dívida emitidas pelo […]
Segundo este, a executada não teria cumprido o contrato e, por isso, procedeu à sua resolução, com as legais consequências, ou seja, o pedido de devolução das quantias recebidas e juros de mora. E foi na sequência deste alegado incumprimento que foi emitida a certidão de dívida pelo próprio exequente (agora invocada como título executivo).
Mas, para que se considere que estavam em dívida as invocadas quantias, seria necessário que o exequente tivesse procedido validamente à resolução do contrato, fazendo a respectiva comunicação à executada.
Ora, se é certo que, em 19 de Agosto de 2001, a […] enviou à embargante o ofício referido, em que a informava de que deveria aguardar pela decisão do […], a verdade é que não tomou conhecimento desta última decisão, ou seja, da resolução do contrato.
É que, como vimos, não se provou que a partir de tal ofício (fls. 34) a embargante tivesse recebido qualquer outra comunicação. E, ao receber aquela (comunicação), ainda não tinha sido tomada qualquer deliberação pelo […].
É certo que, nos termos do nº 1 do artigo 6º do DL 31/94, em caso de incumprimento do contrato por parte do beneficiário, o […] pode modificar ou rescindir unilateralmente os contratos. Todavia, tal “rescisão” deverá ser feita e comunicada aos interessados nos termos legais. Como determina o artigo 436º do CC, a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.
E, nos termos do CPA, devem ser notificadas aos interessados os actos administrativos que lhe causem prejuízos, sob pena de serem ineficazes em relação a eles (art.º 66).
De resto, preceitua o nº 2 do referido artigo 6º que, “em caso de rescisão do contrato pelo […], o beneficiário será notificado para, no prazo de 15 dias, proceder à restituição das importâncias recebidas, acrescidas de juros à taxa legal...”
Nesta conformidade, o […] não tem título executivo válido.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar procedente a apelação e procedentes os embargos e extinta a execução.
Custas pelo apelado.
Lisboa, 9 / 5 /2006.
Pimentel Marcos Abrantes Geraldes Maria do Rosário Morgado