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EXECUÇÃO
COIMA
TAXA DE JUSTIÇA
MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário
I- Na execução de uma coima não pode entender-se que está em causa um interesse directo do Estado ou da Administração, mas antes um interesse público, já que as coimas tem em vista a correcção coerciva da conduta do cidadão infractor, em benefício da comunidade em que está inserido.
II - Por tudo o que se deixa dito, torna-se evidente que o Ministério Público, ao promover, nos termos do art.º 89°, n.° 3, do DL 433/82, a execução de uma coima aplicada por uma entidade administrativa, não age em representação desta, mas antes em nome próprio e na prossecução de um interesse público, que lhe está confiado por lei.
III – Não se pode deixar de entender que Ministério Público está isento do pagamento de custas nas execuções das coimas (contra-ordenações) resultantes da violação de normas estradais, pelo que não tem cabimento a exigência do pagamento de taxa de justiça por se tratar da defesa de um interesse público, que afinal é o mesmo que preside ao desígnio da contra-ordenação e à aplicação da respectiva coima, de que o Ministério Público é particular garante.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I-RELATÓRIO: 1 - O Digno Magistrado do MP, junto do Tribunal de Rio Maior requereu, a execução de coima aplicada a A., pela Guarda Nacional Republicana em consequência da violação do disposto n.º 4 do art.º 85.º do Código da Estrada, em que havia sido condenado pela Direcção Geral de Viação, no montante de € 90,00, acrescida de custas, no montante de € 39,91, o que perfaz o valor global de € 129,91.
Apresentado o requerimento executivo, foi proferido despacho indeferindo aquele requerimento, por não ter sido paga a taxa de justiça, com fundamento no facto de não estar abrangido na isenção de custas de que goza o MP, estabelecida no art. 2°., n° 1 al. a) do CCJ.
Inconformado com a decisão, veio o Ministério Público interpor recurso para este Tribunal da Relação, que inicialmente rejeitado, veio a ser recebido após reclamação para o Presidente deste Tribunal, que deferindo-a ordenou a substituição do despacho por outro que recebesse o respectivo recurso.
Apresentadas oportunamente as alegações o agravante tirou delas conclusões, sustentando nelas em síntese que quando requer a execução das coimas aplicadas ao infractores das normas do Código da Estrada, o faz em nome próprio e não em representação do Estado, pelo que não está sujeito ao pagamento da taxa de justiça, como se pretende na decisão recorrida.
Diz ainda que a remissão do artigo 89.° n.° 2 do DL 433/82 de 27.10 para as normas do Código de Processo Penal apenas quer significar que existe uma identidade quanto à natureza e aos procedimentos das execuções por coima, por custas e por multa criminal afirmando, de forma inequívoca, a competência própria do Ministério Público em instaurar tal tipo de execuções, Abrangendo tal remissão a norma do artigo 522.° n.° 1 do Código de Processo Penal que estabelece expressamente que “o Ministério Público está isento de custas”;
Por outro lado, o artigo 59.° do Código de Processo Civil estabelece que “compete ao Ministério Público promover a execução por custas e por multas em qualquer processo” estando tal competência aqui igualmente consagrada.
Entende assim que o despacho recorrido viola os artigos 219.° da Constituição da República Portuguesa, 2.° n.° 1 alínea a) do Código das Custas Judiciais, 59.° do Código de Processo Civil e 89.° n.° 2 do DL 433/82 de 27.10 e 3.° alíneas a) g) 1) e p) do Estatuto do Ministério Público e 522.° n.° 1 do Código de Processo Penal, devendo por isso ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos termos da execução.
- Não houve contra alegações.
II- FUNDAMENTAÇÃO: Factos provados e direito aplicável : 1 -A matéria de facto a tomar em consideração na apreciação do recurso é a que resulta do relatório acima transcrito.
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2 - O agravante manifesta a sua discordância da decisão recorrida através das conclusões que tira das alegações. O objecto do recurso em apreciação, consiste apenas em apreciar e decidir se o Ministério Público está sujeito ao pagamento de preparo inicial para a execução das coimas relativas as contra-ordenações, consequentes da violação das regras do Código da Estrada, ou se nesses casos, está abrangida pela isenção de custas de que goza estabelecida no art. 2°, n° 1 al. a) do CCJ.
Sabendo-se que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, como resulta do disposto nos artº 684º nº3 e 690º nºs 1 e 4 do Cód. Proc.Civil e vem sendo orientação da jurisprudência (1), a elas nos cingiremos na sua apreciação.
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3 – Aceita-se como certo que, com o DL 324/2003 de 27/12, pretendeu o legislador proceder, como decorre do seu Preâmbulo que com a uma profunda alteração do regime de isenção de custas consagrando-se o princípio geral de que,salvo ponderosas excepções todos os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas, independentemente da sua natureza ou qualificação jurídicas (...), se “estende aos processos de natureza cível o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, consagrado (...) no novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.° 15/2002, de 22 de Fevereiro, alterada pela Lei n.° 4-A/2003, de 19 de Fevereiro”. Na verdade, não faria sentido que, sendo essa a regra na jurisdição administrativa, a mesma não fosse também aplicável na jurisdição comum, facto que de acordo com o seu preâmbulo se entenda que,"tal medida reveste carácter essencial para a concretização plena do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, garantindo uma efectiva igualdade processual entre a Administração e os cidadãos". Contudo, como também se diz resulta nesse Preâmbulo, esta alteração de regime nãoprejudica "a actuação do Ministério Público, que, independentemente da sujeição ao pagamento de custas por parte dos seus representados, continua a gozar de isenção nas acções e procedimentos para os quais disponha de legitimidade própria, tendo naturalmente em conta os superiores interesses em causa neste âmbito". Nesta perspectiva, dispõe-se no art. 2°, n° 1 al. a)do CCJ, referente às isenções subjectivas, que oMP goza de isenção de custas "nas acções, procedimentos e recursos em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei".
Da análise do despacho recorrido, verifica-se que nele é pródigo em citações legais e doutrinais, mas nem sequer se faz referência ao facto da coima resultar da violação de regras do Código da Estrada nem das razões da recentes alterações a este diploma, com vista a evitar ou pelo menos reduzir a elevada sinistralidade de todos conhecida, consequente da violação dessas regras.
No despacho recorrido não se teve em conta, que Portugal é dos países da Europa em que morrem mais pessoas na Estrada, quase sempre em consequência da violação dos preceitos legais do referido diploma.
Ora¸ independentemente de se saber a quem se destina o produto das coimas consequente da violação das regras do Código da Estrada e desde já se adianta, que embora seja recebido por entidades da administração directa e indirecta do Estado reverte sempre em proveito da generalidade dos cidadãos, tal como as multas de natureza criminal.
Não é assim, em nosso entender certo que, como se diz o despacho recorrido:” Enquanto a multa representa uma sanção penal, pela violação de bens jurídicos fundamentais da comunidade, a coima é expressão de um Direito Penal Secundário e do Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal”.
Há que ter em conta que nas Estradas circulam também os criminosos que ceifam anualmente largas centenas de vidas humanas e deixam inutilizadas para o resto da vida milhares de cidadãos, que quase sempre ficam impunes dada a dificuldade da recolha de provas, e que só serão evitadas através da sanções, penais ou não penais (contra-ordenacionais), definidas nas regras do citado diploma legal.
È evidente que em nosso entender quando o legislador atribui competência exclusiva ao Ministério Público para instaurar a execuções relativas às coimas, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal, sobre a execução da multa (art. 89°, n.° 2, do D.L. 433/82, de 27/10), atribui-lhe poderes para proceder à execução dessas coimas em nome próprio, a defesa dos direitos que lhe são confiados por lei (Art.º 2.º n.º 1 al. a) o CCJ).
Não é pensável, em nosso entender, que quando a GNR ou a PSP, autua um cidadão que viola as regras do Código da Estrada, o faz para defender o interesse do Estado e que a Lei ao atribuir ao Ministério Público competência exclusiva para tornar eficaz essa sanção o faz para a defesa do interesse privado do Estado.
Entendemos antes, que os dispositivos do Código da Estrada que punem a violação das regras nele definidas, o fazem na defesa do interesse público, da comunidade em geral, tal como é do interesse público o exercício da acção penal de que o Ministério Público é o detentor.
Nestes termos pelo que se deixa dito, resulta expressamente da lei que, não será devida taxa de justiça desde que se possa concluir, como julgamos ter deixado claro, que o MP agiu em nome próprio.
Só seria devida taxa de justiça se da situação em apreciação resultasse que oMP agiu em representação de outrem.
Assiste assim razão ao Recorrente ao alegar que não representa, nos presentes autos de execução por coima, aentidade administrativa que aplicou a coima, antes actuando em nome próprio, na defesa de um interesse que lhe é confiado por lei, em concreto pelo disposto no art. 89°, n.° 2, do D.L. 433/82, de 27/10.
Como decorre do art. 219°, n.° 1 da Constituição da República "ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como (...) participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática". Estas funções ecompetências do MP vêm, aliás, explicitadas nos arts. 3° e segs. da Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei 47/86, de 15/10, com asalterações introduzidas por diplomas posteriores.
Por outro lado, o art. 89°, n.° 2 do DL 433/82, de 27/11, , como se deixou dito, no que se refere à execução das coimas estabelece que "a execução é promovida pelo representante do Ministério Público junto do tribunal competente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa".
O n.° 3 do citado preceito vem ainda esclarecer que "quando a execução tiver por base uma decisão da autoridade administrativa, esta remeterá os autos ao representante do Ministério Público competente, para promover a execução".
No despacho recorrido partiu-se do pressuposto de que o Ministério Público actuava representando o Estado enquanto exequente, que hoje não beneficia da isenção de custas (cfr. art. 2° do CCJ).
Contudo, como é por demais evidente, tal interpretação não nos parece ser a mais acertada, porquanto, na execução de uma coima não pode dizer-se que esteja em causa um interesse directo do Estado ou da Administração, mas antes um interesse público, já que as coimas tem em vista a correcção coerciva da conduta do cidadão infractor, em benefício da comunidade em que está inserido.
Como vem sendo entendimento desta Relação, que não podemos deixar de aceitar como o mais acertado, é que se trata da defesa de um interesse público, que afinal é o mesmo que preside ao desígnio da contra-ordenação e à aplicação da respectiva coima, de que o Ministério Público é particular garante (2). Por tudo o que se deixa dito, torna-se evidente que o Ministério Público, ao promover, nos termos do art.º 89°, n.° 3, do DL 433/82, a execução de uma coima aplicada por uma entidade administrativa, não age em representação desta, mas antes em nome próprio e na prossecução de um interesse público, que lhe está confiado por lei.
Sendo assim e tendo em consideração a isenção subjectiva prevista no art. 2°, n.° 1, al. a) do CCJ, não há lugar ao pagamento de qualquer taxa de justiça inicial na execução instaurada pelo Mº Pº relativa ao processo em apreciação.
Julgam-se assim procedentes as conclusões tiradas das alegações e em consequência o recurso não pode deixar de proceder. III-DECISÃO
Em face de todo o circunstancialismo descrito e do preceituado nas aludidas disposições legais, concede-se provimento ao recurso e em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene a prossecução da execução sem o pagamento da taxa de justiça inicial. Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento.
Lisboa, 25/05/06
Gil Roque
Carlos Valverde
Granja da Fonseca
________________________________________________ 1.-Vejam-se entre outros os Acs. STJ. de 2/12/82, 25/07/86, 3/03/91, 29/05/91 e 4/02/93, do STA de 26/04/88 (in BMJ, nº 322º- 315, 359º-522, 385º- 541, Acórd.Doutrin.364-545, Col.Jur./STJ,1993, 1º-140 e Ac.Dout.,322 -1267 respectivamente).
2.-Veja-se entre outros neste sentido o Ac.R.L de 4.11.2004 desta secção em que foi relator Pereira Rodrigues em que se salienta que: "... o Ministério Público, ao promover a execução das coimas - quer as aplicadas pelo tribunal, quer as aplicadas pelas entidades administrativas - está a agir em nome próprio, por força do exercício de uma função que lhe está cometida por lei e que visa proteger interesses de ordem pública. Em tal actuação não representa qualquer entidade, designadamente o Estado, defendendo apenas interesses que lhe estão confiados por lei" (in- www.dgsi.pt.).