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SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ASSOCIAÇÃO
ESTATUTOS
DESTITUIÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PENA DISCIPLINAR
PENA DE EXPULSÃO
PRINCÍPIO DA DEFESA
DANO APRECIÁVEL
DIREITO À IMAGEM
Sumário
I- Prevista nos estatutos de associação a pena disciplinar de expulsão de associado, a inexistência de regulamento procedimental não obsta à efectivação de processo disciplinar. II- Tal procedimento disciplinar deve, no entanto, assegurar ao arguido o princípio constitucional de audiência e defesa (artigo 32º/10 da Constituição). III- Trata-se afinal de contas de respeitar o princípio da proibição do arbítrio que, em matéria disciplinar, justifica que num procedimento dessa natureza haja uma fase da acusação, uma fase da instrução com audição do acusado, a fixação dos factos e, finalmente, se for caso disso, a aplicação da sanção. IV- Os estatutos da associação podem especificar as condições de admissão, saída e exclusão dos associados (artigo 167º/2 do Código Civil) mas, sendo tal disposição facultativa, a inexistência de regulamento que fixe as regras procedimentais não obsta à instauração de processo disciplinar que deve, no entanto, respeitar os mencionados princípios. V- Os factos subsequentes à prática de um ilícito penal (peculato) que se traduzam na omissão de deveres de informação junto da nova direcção da associação por parte do anterior director, que veio a ser condenado por peculato, não se podem considerar justificados pela necessidade de o infractor, assim agindo, querer dificultar o apuramento da sua actuação ilícita. VI- Tais factos, constituindo infracção de deveres estatutários, gozam de autonomia, relativamente aos outros factos, integradores do crime de peculato, para, com base neles, se considerar verificado ilícito disciplinar . VII- A prova de que a deliberação de expulsão de associado causou grande desgosto não permite caracterizar o requisito “ dano apreciável” a que alude o artigo 396º do C.P.C. para efeito de suspensão da deliberação social. VIII- Importa que se demonstre que a deliberação afecta de modo relevante e continuado (apreciavelmente) a imagem do requerente; no entanto, ainda que a deliberação objectivamente afecte a imagem pública, a suspensão não se justifica se o desvirtuamento da imagem já existia de uma forma intensa e marcante e se foi o próprio requerente quem, pela sua comprovada actuação ilícita, contribuiu decisivamente para a perda da sua própria imagem.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. J.[…] intentou providência cautelar de suspensão da deliberação social de 13 de Maio de 2005 tomada na assembleia geral de sócios do S. […], de que é o sócio […], que aprovou a proposta da sua expulsão de sócio do S.[…] 2. Pediu o requerente:
“ ...requer-se...se digne suspender a deliberação tomada na Assembleia Geral realizada em 13 de Maio de 2005 do S.[…] no que respeita à expulsão do sócio […] e, consequentemente, declarar suspensos todos os seus efeitos e todos os actos praticados em resultado daquela deliberação...”
3. A providência foi indeferida.
4. Interposto recurso, o requerente apresenta as seguintes conclusões:
1ª- Nos termos do artigo 396º, nº1 do CPC são condições de exercício da acção cautelar de suspensão de deliberações sociais ter o autor a qualidade de sócio, existir uma deliberação ilegal, isto é, contrária à lei ou aos estatutos e resultar da execução imediata da deliberação dano apreciável
2ª - A lei exige um juízo de mera probabilidade quanto ao requisito da ilegalidade.
3ª - Quanto aos danos é exigido o perigo de ocorrência de dano apreciável.
4ª - O recorrente considera que a deliberação que decretou a sua expulsão estava ferida de ilegalidade, pois o processo disciplinar foi instaurado e correu termos com fundamento num regulamento geral aprovado em 1968 e que se encontra derrogado pelos novos estatutos aprovados em 1996
5ª - O artigo 78º, nº5 e 104º dos estatutos em vigor dizem de forma expressa, e são bem claros quanto à intenção do legislador derrogar o regulamento que foi aplicado pois exige um novo regulamento dando prazo máximo de 180 dias para o efeito.
6ª - O despacho recorrido considera que o Regulamento de 1968 está em vigor pelo que o processo disciplinar e a deliberação são válidos, decisão com a qual o recorrente não pode concordar.
7ª - Existem grandes discrepâncias normativas em matéria disciplinar entre os Estatutos de 1996 e o Regulamento de 1968.
8ª - Considera o recorrente que relativamente aos factos constantes do processo disciplinar do chamado “Processo […]” se consideram prescritos.
9ª - O despacho recorrido considera que não existe prescrição considerando como disciplinarmente punível um facto acessório e sem qualquer relevo directo disciplinar, que não passa de um mero recurso da recorrida, para intervir disciplinarmente, pois já tinham passado os 5 anos
10ª - O despacho refere que os danos morais também podem ser considerados como danos apreciáveis
11ª - Os danos morais estão legalmente protegidos e são legalmente indemnizáveis, quer pela lei civil, quer pela lei penal.
12ª - Considera o despacho recorrido que o recorrente sofreu um enorme desgosto, sobretudo sendo este acto tornado público e publicitado em todos os órgãos de comunicação social, pondo a imagem do recorrente posta em causa
13ª - E sem qualquer sentido o despacho recorrido dá o dito por não dito dizendo: “ estamos no campo dos sentimentos pessoais, dos prejuízos morais, que sem mais factualidade não permitem a caracterização do dano como apreciável para efeitos de tutela do direito”
14ª - Não pode o recorrente concordar com tal decisão, pois sofreu um dano moral grave, que afectou os sentimentos e a sua moral, para além da sua imagem, devendo ser considerado como dano apreciável
15ª - Esta dano moral vai perdurar no tempo até poder estar junto dos seus pares, repor a possibilidade de exercer o seu direito à opinião e defesa das acusações que lhe são feitas.
16ª - Foram violadas as disposições legais do artigo 396º do CPC 5. Factos provados:
1- No dia 13 de Maio de 2005, pelas 20 horas, no Pavilhão […] do Parque Desportivo do Clube […], teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária do requerido com a seguinte Ordem de Trabalhos: - Ponto Único – Apreciação do processo disciplinar mandado instaurar contra o Sócio […], por deliberação da Assembleia Geral tomada aos 28 de Outubro de 2004 e discussão e votação do Relatório Final apresentado pelo instrutor, o qual mereceu a concordância da Direcção, tendo em vista, nos termos do disposto nos artºs 78º, nº1, al. g) e 81º, nº2, dos Estatutos, a aplicação ao supra-identificado Sócio da pena disciplinar de expulsão; 2- Nessa mesma Assembleia foi aprovada por quatro mil novecentos e um votos a favor, dois mil quatrocentos e setenta e seis votos contra e duzentas abstenções, a proposta de expulsão do requerente, nos termos e com os fundamentos que constam da respectiva Acta – Acta nº20 -, a qual se encontra junta aos autos de fls. 72 a 90, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 3- O requerente foi o sócio nº […], tendo após renumeração dos sócios recentemente efectuada o seu novo número passado a ser […] 4- O requerente exerceu as funções de Presidente da Direcção do Clube entre 3 de Novembro de 1997 e 31 de Outubro de 2000; 5- O requerente foi igualmente Presidente da Sociedade Anónima Desportiva do Clube desde a data da sua constituição até 31 de Outubro de 2000; 6- O requerente inscreveu-se como sócio do requerido há mais de 30 anos; 7- O requerente propôs uma Acção Ordinária contra o requerido e contra o S. SAD, […] peticionado que seja declarado que, a 31 de Outubro de 2000, o mesmo é credor dos RR. no montante de Esc. 1.262.497.801$00 e que após 1 de Novembro de 2000, por força do pagamento de responsabilidade dos RR. efectuado pelo autor, é ainda credor no montante de Esc. 124.853.597$00;
8- Nesse mesmo processo foi proferida decisão que julgou a petição inicial inepta e, em consequência, absolveu os RR. da instância, nos termos que constam do documento juntos aos autos de fls. 246 a 251, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 9- Dessa mesma decisão foi interposto recurso pelo requerido e pelo S.[…] SAD para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual revogou a decisão aludida em 8 e ordenou que fosse substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, tendo em conta o disposto nos artigos 508º-A e 510º do Código de Processo Civil, nos termos e pelo fundamentos que constam do documento junto aos autos de fls. 259 a 268, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 10- Desse Acórdão foi interposto recurso pelo requerido e pelo S.[…] SAD para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo os mesmos aí apresentado alegações nos termos que constam de fls. 269 a 273v, recurso esse que ainda se encontra pendente; 11- O requerido tem vários milhares de associados; 12- O processo disciplinar que foi instaurado contra o requerente e cujo relatório e acusação constam de fls. 101 a 137 correu termos ao abrigo do disposto nos artigos 533º e ss do Regulamento do S.[…] aprovado nas reuniões da respectiva Assembleia Geral que tiveram lugar entre 19/02/68 e 29/04/68, o qual se encontra junto de fls. 269 a 430 dos autos de Acção Ordinária de que os presentes constituem apenso, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 13- Na Assembleia Geral de 29/04/68 foi deliberado que o Regulamento aludido em 12 entraria em vigor nessa mesma data; 14- Os Estatutos do S.[…] aludidos em 1 e que se encontram juntos aos autos de fls. 24 a 36, foram aprovados nas Assembleias Gerais de 22/2, 01/03, 20/03 e 22/03 de 1996;
15- Do artigo 78º, nº5, desses mesmos Estatutos consta: “5. Qualquer pena, salvo a de admoestação, só pode ser aplicada mediante processo disciplinar, nos termos a fixar por regulamento, aprovado pela direcção”; 16- Posteriormente à aprovação dos referidos Estatutos não foi aprovado qualquer regulamento por parte da direcção do requerido; 17- Por Acórdão proferido nos Autos de Processo Comum […] Vara Criminal de Lisboa, transitado em julgado, o requerente foi condenado pela prática de um crime de peculato, p.p. pelos artigos 375º, nº1 e 386º, nº1, alínea c) do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, nos termos e pelos fundamentos que constam da certidão junta aos autos de fls. 688 a 742, confirmado nos termos que constam do Ac. da Relação de Lisboa e do Tribunal Constitucional juntos de fls. 743 a 812, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 18- O requerente junto dos seus amigos e conhecidos demonstrou grande desgosto com a instauração contra si do processo disciplinar e com a pena de expulsão que lhe foi aplicada; 19- Nas Assembleias Gerais do requerido apenas têm intervenção e direito de voto os associados do mesmo; 20- O requerente está em desacordo com a forma e o modo utilizados pelos actuais órgãos sociais do requerido para a gestão do mesmo; 21- Para além do processo disciplinar instaurado contra o requerente, não foi instaurado pelo requerido qualquer outro processo disciplinar contra um sócio que tenha culminado com a aplicação da pena de expulsão ao mesmo; 22- Desde a data da aprovação dos Estatutos aludidos em 14 e até esta data o requerido atribuiu várias distinções honoríficas; 23- Desde a data da aprovação dos Estatutos aludidos em 14 e até esta data o requerido tem aplicado a pena de suspensão a centenas de sócios por falta de pagamento de quotas e outras contribuições obrigatórias; 24- Desde a sua constituição e até esta data o requerido tem mantido o desenvolvimento de actividades desportivas, sociais, culturais e recreativas; 25- No âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado o requerido apresentou defesa nos termos que constam de fls. 93 a 100, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; 26- No processo disciplinar instaurado contra o requerido ficaram provados, entre outros, os seguintes factos: «(...) 4. Em 28 de Dezembro de 2000, o Sócio-Arguido apresentou à “D.”, a solicitação do S.[…], um documento com a descrição dos movimentos, referentes ao período do seu mandato, que deveriam constar, a seu crédito e a seu débito, da conta em seu nome aberta na contabilidade do S.[…] (que o Sócio-Arguido designa por “conta corrente”»;
5. Em data situada entre 29 de Junho de 1999 e 16 de Julho de 1999, o S.[…] vendeu os direitos desportivo, vulgo “passe”, do jogador profissional de futebol […] à sociedade “F.[…] Limited”. (...) 9. De acordo com o combinado entre o Sócio-Arguido e o empresário […], o preço fixado para o passe do jogador foi de USD 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil dólares americanos), que seriam pagos pela “F.[…]s, Limited” do seguinte modo: USD 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil dólares americanos) seriam compensados com crédito de igual montante que a empresa, igualmente representada pelo mesmo P.[…], “S.[…]s, Limited” tinha sobre o S.[…], e os restantes USD 1.000.000 (um milhão de dólares americanos) seriam pagos em duas prestações.
10. O Sócio-Arguido formulou, então, o propósito de se apoderar da verba de USD 1.000.000 (um milhão de dólares americanos), tendo pedido, desde logo, ao representante da “F.[…] Limited”, P.[…], que o pagamento fosse feito através de dois cheques emitidos ao portador, a pretexto de uma suposta necessidade de movimentar tais montantes, ao que P.[…] aderiu. (...) 16. Do documento elaborado pelo Sócio-Arguido e enviado à “D.[…]” em 28 de Dezembro de 2000 – supra referido no nº4 da presente acusação – foi por aquele intencionalmente omitida a inscrição do montante que havia recebido da “F.[…]Limited” (...)».
27- Por Acórdão proferido nos Autos de Processo Comum […] V, ainda não transitado em julgado, o requerente foi absolvido dos crimes de peculato e de branqueamento de capitais, previstos pelos artigos 375º, nº1, do Código Penal, com referência ao art.º 386º, nº1, alínea c) do mesmo diploma e 2º, alínea b) do DL nº 325/95, de 2.12, com referência ao art.º 1º, alínea a) da Lei nº 36/94, de 29.9, bem como de dois crimes de falsificação, previstos pelo artigo 256º, nº1, alínea a) e nº4 do Código Penal e condenado pelo cometimento, como co-autor, de três crimes de falsificação, previstos pelo art.º 256º, nº1, alínea a) e nº4 do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles.
Em cúmulo jurídico destas penas com a pena de 4 anos e 6 meses de prisão que foi imposta ao requerente no processo nº […] foi o mesmo condenado na pena única de 6 anos de prisão, nos termos e pelos fundamentos que constam do respectivo Acórdão junto aos autos de fls. 138 a 201;
28- Desse mesmo Acórdão foi interposto recurso pelo S.[…] para o Tribunal da Relação de Lisboa nos termos que constam da motivação junta de fls. 204 a 244.
29- A comunicação social deu grande cobertura aos factos relativos aos processos judiciais aludidos em 17 e 27; 30- Em 13 de Maio de 2005 o requerente não era titular de qualquer cargo nos órgãos sociais do requerido; 31- Nessa mesma data, o requerente, enquanto sócio do requerido, tinha direito a 20 votos na respectiva Assembleia Geral; 32- O Conselho Fiscal do S.[…] emitiu parecer sobre o processo disciplinar instaurado contra o requerente no sentido da não verificação de “nenhuma ilegalidade ou irregularidade de que possa conhecer, pronunciando-se pela remessa do processo para a Mesa da Assembleia Geral, em cumprimento do disposto nos artºs 81º, nº2, dos Estatutos e 558, nº1, do Regulamento Geral do S.[…]”, nos termos que constam da Acta da respectiva reunião cuja certidão consta de fls. 276 e 277.
33- O requerente não esteve presente na Assembleia Geral aludida em 1-.
Apreciando:
6. De acordo com o disposto no artigo 396º/1 do CPC a execução de deliberação social deve ser suspensa se (a) for contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e se (b) causar dano apreciável.
7. O requerente tem o ónus de justificar a qualidade de sócio e de mostrar que a execução da deliberação pode causar dano apreciável.
8. Há, pois, a necessidade de formular dois juízos, um juízo de probabilidade traduzido na verificação de que o requerente é titular de um direito aparente e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito forte que será o da verificação da ameaça do dano jurídico (ver Código de Processo Civil Anotado, Alberto dos Reis, Vol I, pág. 677).
9. Vejamos em primeiro lugar se a deliberação tomada pela assembleia geral do S.[…] é uma deliberação ilegal por ter sido efectuada na sequência de um procedimento disciplinar cuja tramitação decorreu ao abrigo de um regulamento de 1968 que o recorrente considera revogado.
10. Os estatutos do S.[…], aprovados em 1996, prescrevem no artigo 78º/5 que qualquer pena, salvo a de admoestação, só pode ser aplicada mediante processo disciplinar, nos termos a fixar por regulamento, aprovado pela direcção.
11. O regulamento não foi ainda aprovado.
12. O processo disciplinar que correu contra o requerente foi efectuado nos termos e ao abrigo do Regulamento do S.[…] aprovado em 1968.
13. Sustenta o recorrente que a referida situação, omissão de regulamento, gerou um vazio normativo em matéria punitiva, não havendo fundamento legal para a sua instauração e tramitação até porque existem discrepâncias normativas entre o Estatuto de 1996 e o Regulamento de 1968.
14. No entanto verifica-se que o requerente não aponta nenhum vício de natureza procedimental que haja sido efectivado por via do recurso ao dito regulamento de 1968 susceptível de afectar a deliberação tomada pela assembleia geral do S.[…]
15. Não se trata, assim, de considerar uma aplicação cumulativa de disposições incompatíveis do regulamento e dos estatutos pois, em tal circunstância, prevaleceria a disposição estatutária por se dever considerar implicitamente revogada a anterior disposição incompatível (artigo 7º/2 do Código Civil: revogação implícita).
16. Trata-se de saber, na falta de aprovação de regulamento e concedendo-se, a mero título de raciocínio, que o Regulamento de 1968 se encontra revogado, situação equivalente para estes efeitos à que ocorreria se nem regulamento houvesse, se estaria vedado à assembleia geral da associação, enquanto não aprovasse novo regulamento, excluir um associado apesar de a exclusão estar estatutariamente prevista (artigo 78º,alínea g).
17. É inegável que a assembleia geral tem competência para deliberar a exclusão do associado e, consequentemente, para tal efeito, dispõe de competência para mandar instaurar processo disciplinar e determinar a quem compete a incumbência de proceder à sua instrução. Foi, aliás, o que no caso sucedeu (ver facto 1 e documento nº 4 a fls. 378; ver artigo 172º do Código Civil).
18. E também se afigura que em matéria disciplinar, no plano substantivo, regem as regras constantes do estatuto, ou seja, não pode ser aplicada ao associado sanção que nos estatutos não esteja prevista, nem a medida da pena a aplicar pode levar em consideração, no plano agravativo. circunstâncias para além das que constam desses mesmos estatutos.
19. De igual modo o associado não poderá ser sancionado com base na violação de deveres que não estejam previstos em preceitos estatutários ou regulamentares que se assumam de natureza taxativa.
20. Nenhum destes referidos aspectos está em causa e, por isso, as assinaladas discrepâncias entre o regulamento e os estatutos só poderiam assumir interesse se o requerente tivesse sido sancionado com base em violação de disposição contemplada apenas em regulamento revogado ou se, na medida da pena, tivesse assumido relevo determinante o circunstancialismo contemplado apenas em tal regulamento.
21. Não se passando as coisas desta forma, a inexistência de regulamentação em matéria procedimental não obstaria sequer a que se considerasse aplicável o regulamento revogado enquanto não passasse a valer novo regulamento pois não se vê que, criada a necessidade de se encontrar suporte procedimental, se justificasse o recurso analógico à regulamentação prevista em diplomas dessa natureza.
22. A inexistência de um regulamento que contemplasse matéria processual não criaria portanto um “vazio” impeditivo de qualquer actuação no plano disciplinar.
23. Assim sendo, o que poderia relevar seria a inobservância de regras mínimas na condução do procedimento disciplinar que desrespeitassem o princípio da proibição do arbítrio ou princípios fundamentais de consagração constitucional - princípio da igualdade ou o princípio da audiência e da defesa (artigos 13º e 32º/10 da Constituição).
24. Ora, também aqui, nenhuma crítica é apresentada pelo requerente, o que se compreende pois tais direitos foram assegurados.
25. Importa, portanto, garantir a efectivação de um procedimento disciplinar que assegure tais direitos. A sua inobservância sempre geraria desrespeito do princípio do arbítrio se não quisermos estender à matéria disciplinar associativa o regime garantístico equivalente ao do processo criminal
26. Nesta medida importaria atender, como refere o Prof. Menezes Cordeiro, ao facto de que “as sanções disciplinares devem ser aplicadas dentro de certas regras, designadamente: antes de qualquer sanção, deverá ser comunicado ao visado o facto ou factos de que ele é acusado, dando-se oportunidade de se defender. No fim, qualquer decisão terá de ser justificada. Podemos isolar, no exercício do poder disciplinar associativo, os seguintes momentos:
- a iniciativa disciplinar... - fase da acusação e fase da instrução com audição do acusado... - a fixação dos factos... - a aplicação da sanção
Pergunta-se se os estatutos podem prescindir de tudo isto, prevendo, apenas, a aplicabilidade de sanções, sem qualquer justificação. Entendemos que não. A hipótese de alguém aderir a uma associação contribuindo para ela com bens ou serviços e, depois, colocar-se totalmente nas mãos dela, admitindo uma exclusão ad nutum, equivaleria à constituição de obrigações naturais sem base legal” (Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, pág. 673).
27. No entanto, no caso vertente, tal como se sublinhou na decisão recorrida, o regulamento de 1968 deve considerar-se em vigor até ao momento da aprovação do novo regulamento.
28. De facto, constando desse regulamento que “ no caso de alteração dos Estatutos continuará válido este Regulamento Geral em tudo o que não contrariar as alterações introduzidas no texto estatutário” (artigo 626º/1), a matéria procedimental, que não consta dos novos estatutos, está salvaguardada.
29. Os novos estatutos não revogam nem expressa, nem globalmente o anterior regulamento (artigo 7º do Código Civil).
30. Há apenas revogação tácita ou por incompatibilidade daquelas disposições do regulamento que contrariem as alterações introduzidas no texto estatutário.
31. Destacam-se, por exemplo, aquelas a que o recorrente se referiu, a saber, a pena de eliminação que o regulamento previa (artigo 511º/2, alínea b) e que não consta do novo estatuto (artigo 78º), ou o catálogo diferenciado em matéria de circunstâncias agravantes (artigo 78º,nº3 e 4 dos estatutos) ou a matéria de reincidência, acumulação e premeditação que não constam dos novos estatutos na medida em que dela possa decorrer agravação da infracção disciplinar a aplicar.
32. A circunstância de os estatutos preverem o prazo de 180 dias para aprovação do regulamento (artigo 104º) não significa que, decorrido esse prazo, o regulamento existente cesse de vigorar.
33. Uma tal interpretação, além de contrariar a referida disposição do regulamento que salvaguarda essa situação omissiva, não seria compreensível pois não se vê que interesse teria a associação em criar um vazio regulamentar que ela própria quis impedir.
34. Outra questão suscitada pelo recorrente é a de que a sua responsabilidade disciplinar está prescrita precisamente porque o artigo 510º do Regulamento do S.[…] diz que “ o direito de exigir responsabilidade disciplinar prescreve passados cinco anos sobre a data em que a falta tiver sido cometida, salvaguardando o que expressamente esteja estabelecido em contrário nos estatutos e neste regulamento”.
35. O processo disciplinar foi instaurado por deliberação da assembleia geral de 28 de Outubro de 2004 mas os factos que geraram a sua condenação criminal relativos à denominada “ venda do ‘passe’ do jogador […]” ocorreram em 20 e 26 de Julho de 1999, quando os cheques emitidos pela F.[…] foram depositados em conta bancária do recorrente.
36. Cumpre, desde já, assinalar que o recorrente foi sancionado disciplinarmente também pela prática de outros factos descritos na acusação sob os nºs 19 a 29 e 32 a 35 e, por isso, ainda que houvesse prescrição, subsistiam os outros factos e não se vê que o recorrente ponha em causa a procedência da sanção disciplinar que lhe foi aplicada com base nesses outros factos.
37. A matéria que o recorrente considera abrangida pela prescrição, por falta de autonomia face à infracção praticada, resulta dos seguintes factos constantes da acusação deduzida em processo disciplinar:
4. Em 28 de Dezembro e 2000 o sócio-arguido apresentou à “D.[…]”, a solicitação do S.[…], um documento com a descrição dos movimentos referentes ao período de seu mandato que deveriam constar, a seu crédito e a seu débito, da conta em seu nome aberta na contabilidade do S.[…]
16. - Do documento elaborado pelo sócio-arguido e enviado à “ D.[…]” em 28 de Dezembro de 2000 - supra referido no nº4 da presente acusação - foi por aquele intencionalmente omitida a inscrição do montante que havia recebido da “F.[…]Limited”.
38. De acordo com o recorrente tais factos não dispõem de autonomia, são meramente acessórios, relativamente aos factos que motivaram a sua condenação.
39. E esses factos são os seguintes que constam da acusação proferida no âmbito do processo disciplinar:
5- Em data situada entre 29 de Junho de 1999, o S.[…] vendeu os direitos desportivos, vulgo “passe”, do jogador profissional de futebol […] à sociedade F.[…] limited.
6- Para tal foi celebrado entre o S.[…] e a aludida sociedade F.[…]Limited um contrato de compra e venda de todos os direitos desportivos sobre aquele jogador intervindo o sócio-arguido em representação do S.[…] e o empresário […] P.[…], em representação da sociedade.
7- O mesmo contrato foi, posteriormente, em data indeterminada, assinado pelo então vice-presidente da Direcção […]
8- Em tal contrato foi aposta a data de 29 de Junho de 1999.
9- De acordo com o combinado entre o sócio - arguido e o empresário P.[…]o preço fixado para o passe do jogador foi de USD 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil dólares americanos que seriam pagos pela F.[…] Limited do seguinte modo: USD 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil dólares americanos) seriam compensados com crédito de igual montante que a empresa, igualmente representada pelo mesmo P.[…], ‘S.[…] limited’ tinha sobre o S.[…] e os restantes USD 1.000.000 ( um milhão de dólares americanos) seriam pagos em duas prestações.
10- O sócio-arguido formulou, então, a propósito de se apoderar da verba de USD 1.000.000 ( um milhão de dólares americanos) tendo pedido, desde logo, ao representante da F.[…] Limited, P.[…], que o pagamento fosse feito através de dois cheques emitidos ao portador, a pretexto de uma suposta necessidade de movimentar de imediato tais montantes, ao que P.[…] aderiu.
11- O dinheiro titulado pelos cheques da F.[…]Limited não foi registado na contabilidade do S.[…]
12- Nem entrou nos cofres do S.[…] através de outra designação contabilística.
13- O sócio-arguido recebeu a quantia de USD 1.000.000 ( um milhão de dólares americanos) , facto que ocultou a todos os membros dos órgãos sociais e aos serviços administrativos do S.[…]
14- O sócio-arguido agiu sempre em proveito próprio e em prejuízo efectivo do S.[…] aproveitando-se do facto de se encontrar em exercício de funções de presidente da Direcção.
15- Até ao fim do mandato do sócio-arguido, na conta-corrente entre o S.[…] e a F.[…] limited constava a crédito do S.[…] a quantia de USD 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil dólares americanos), contabilizada pelo seu contravalor em escudos, no montante de 482.623.975$00 (quatrocentos e oitenta e dois milhões seiscentos e vinte e três mil novecentos e setenta e cinco escudos).
40. Os factos referidos nos pontos 4 e 16 da acusação, que estiveram também na base da sanção aplicada, não preenchem por si os crimes de peculato pelos quais o recorrente foi condenado.
41. Eles são, aliás, subsequentes ao momento em que se consumou o ilícito penal.
42. Dito isto, isso não significa que tais factos não possam assumir em si relevância, para efeitos disciplinares, pois do que se trata agora é da omissão do dever que assiste a qualquer sócio de prestar ao clube toda a colaboração possível que lhe for solicitada e de prestar aos órgãos sociais as informações que lhe sejam pedidas no âmbito das actividades do clube e na defesa dos seus legítimos interesses (artigo 13º/1, alíneas f) e j) dos estatutos).
43. Ora, o recorrente não podia deixar de informar com todo o rigor no documento a apresentar à D.[…] o destino das aludidas verbas, importando salientar que essa informação se efectuava já a solicitação da nova direcção do S.[…]
44. A circunstância de o recorrente se ter apropriado das referidas verbas não lhe impõe uma “ coerência” comportamental no plano da ilicitude, não justifica a omissão de deveres, ou seja, a prática de um ilícito criminal não impõe que os comportamentos subsequentes que porventura visem dificultar o apuramento desse ilícito penal mereçam tutela de conformidade legal.
45. Assim, no plano do ilícito disciplinar, a actuação do recorrente, evidenciando um propósito de não colaboração intencional no esclarecimento da situação financeira da associação, designadamente no período em que fez parte da respectiva direcção, não pode deixar de ser considerada autónoma e relevante.
46. Não há, pois, prescrição no tocante aos referidos factos pois eles dispõem de relevante autonomia e significado no plano disciplinar.
47. Insurge-se finalmente o recorrente pelo facto de a decisão, reconhecendo embora o desgosto que representa a expulsão de associado, não considerar esse desgosto, sem mais factualidade, susceptível de caracterizar o “dano apreciável” a que alude o artigo 396º do CPC.
48. Os danos são normalmente de natureza patrimonial mas não está excluída a possibilidade de danos morais a acautelar com a suspensão da deliberação (ver Temas da Reforma do Processo Civil, Abrantes Geraldes, IV Volume, pág. 94).
49. A mera demonstração do desgosto, ainda que intenso, causado pela deliberação de expulsão, não basta, por si, para se caracterizar o referido pressuposto de verificação de dano apreciável que decorre da execução da deliberação inválida demonstrativa do periculum in mora.
50. Se assim fosse, todas as deliberações implicariam um tal requisitos pois não se vê que uma deliberação de expulsão de sócio de uma associação não implique desgosto e mesmo desgosto intenso.
51. Algo mais se impõe provar, como se sublinhou na sentença, e esse algo mais passa pela demonstração de que a execução imediata da deliberação afecta de forma desproporcionada, rectius, “apreciável” a imagem do requerente.
52. Outro tipo de dano, de ordem não moral, não foi questionado no âmbito do recurso contrariamente ao que ocorreu no requerimento inicial onde se argumentou que, com a expulsão, ficaria o requerente em situação de dificuldade acrescida para se ressarcir dos créditos que alega deter sobre o requerido, invocando também o prejuízo decorrente da impossibilidade de fazer frente à actual direcção da associação.
53. Dir-se-á que a imagem do requerente fica muito afectada com a presente deliberação tanto mais que não foi instaurado qualquer outro processo disciplinar contra um sócio que tenha culminado com a aplicação da pena de expulsão (facto 21).
54. Opor-se-á a este argumento o de que também não há conhecimento de que outro associado, enquanto presidente da direcção do S.[…], haja incorrido nos actos ilícitos em que incorreu o requerente.
55. Do ponto de vista da imagem, para densificação do conceito de dano apreciável de ordem moral a ter em conta, não se pode olvidar que a presente deliberação não surge no início, mas no culminar de um processo, que teve grande repercussão pública.
56. O requerente foi condenado na 1ª instância em 17- -4-2002, e no Tribunal da Relação em 22-10-2002 e, como se viu, apenas em 28 de Outubro de 2004 foi determinada a instauração de processo disciplinar contra o requerente.
57. Não foi, portanto, tal deliberação de 2004, nem aquela outra de 2005 cuja suspensão pretende o requerente, que afectaram a sua imagem, causando o grande desgosto a que se alude no ponto 18 da matéria de facto.
58. O requerente não situa, no requerimento inicial, o periculum in mora nesse súbito desvirtuar de imagem; dela fala apenas no recurso (ver artigos 24º e 25º das alegações e conclusão 12ª). A questão é nova (artigo 660º do C.P.C.) e, se o contraditório houvesse, impor-se-ia certamente equacionar, face aos factos alegados, se o prejuízo resultante da suspensão era ou não superior ao que pode derivar da sua execução (artigo 397º/2 do C.P.C.).
59. Seria, no entanto, essa uma razão que consubstanciaria o “ dano apreciável”; tal razão poderia merecer atendibilidade se, de facto, a imagem do requerente fosse afectada pela primeira vez com a deliberação de expulsão, uma deliberação que, em tal circunstância, seria o princípio, não o culminar de um processo de desvirtuamento de imagem que é da exclusiva responsabilidade do requerente.
60. Acompanhamos a decisão recorrida quando, admitindo que o dano moral possa constituir danos apreciável, rejeita que, no caso em apreço, o dano apreciável fique preenchido com a prova do facto referido em 18.
Concluindo: I- Prevista nos estatutos de associação a pena disciplinar de expulsão de associado, a inexistência de regulamento procedimental não obsta à efectivação de processo disciplinar. II- Tal procedimento disciplinar deve, no entanto, assegurar ao arguido o princípio constitucional de audiência e defesa (artigo 32º/10 da Constituição). III- Trata-se afinal de contas de respeitar o princípio da proibição do arbítrio que, em matéria disciplinar, justifica que num procedimento dessa natureza haja uma fase da acusação, uma fase da instrução com audição do acusado, a fixação dos factos e, finalmente, se for caso disso, a aplicação da sanção. IV- Os estatutos da associação podem especificar as condições de admissão, saída e exclusão dos associados (artigo 167º/2 do Código Civil) mas, sendo tal disposição facultativa, a inexistência de regulamento que fixe as regras procedimentais não obsta à instauração de processo disciplinar que deve, no entanto, respeitar os mencionados princípios. V- Os factos subsequentes à prática de um ilícito penal (peculato) que se traduzam na omissão de deveres de informação junto da nova direcção da associação por parte do anterior director, que veio a ser condenado por peculato, não se podem considerar justificados pela necessidade de o infractor, assim agindo, querer dificultar o apuramento da sua actuação ilícita. VI- Tais factos, constituindo infracção de deveres estatutários, gozam de autonomia, relativamente aos outros factos, integradores do crime de peculato, para, com base neles, se considerar verificado ilícito disciplinar . VII- A prova de que a deliberação de expulsão de associado causou grande desgosto não permite caracterizar o requisito “ dano apreciável” a que alude o artigo 396º do C.P.C. para efeito de suspensão da deliberação social. VIII- Importa que se demonstre que a deliberação afecta de modo relevante e continuado (apreciavelmente) a imagem do requerente; no entanto, ainda que a deliberação objectivamente afecte a imagem pública, a suspensão não se justifica se o desvirtuamento da imagem já existia de uma forma intensa e marcante e se foi o próprio requerente quem, pela sua comprovada actuação ilícita, contribuiu decisivamente para a perda da sua própria imagem.
Decisão: nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida
Custas pelo recorrente
Lisboa,01 de Junho de 2006
(Salazar Casanova) (Silva Santos) (Bruto da Costa)