Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
JUSTA CAUSA
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
GRÁVIDA
Sumário
O local de trabalho, é um elemento de grande relevância tanto para o empregador, como para o trabalhador. Não se tendo provado que tivesse sido expressamente convencionada a área geográfica onde o trabalho poderia ser exercido, nem que a Ré tivesse informado a A. de qual seria essa área geográfica, a determinação do local de trabalho terá de ser efectuada em função da execução do contrato. Tendo o contrato sido executado em Vila Franca de Xira, considera-se tacitamente acordado como local de trabalho a área desse concelho e limítrofes. A ordem de transferência de uma trabalhadora grávida, de Vila franca de Xira para o Porto, é ilícita, por esta cidade não pertencer à área geográfica convencionada para a prestação do trabalho, nem haver consentimento escrito da trabalhadora (proibição imposta pela cls. 11ª do CCT aplicável).
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Fernanda … intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira,
a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra F…, Ldª (anteriormente S… – Segurança, Ldª), pedindo a condenação da R. a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) € 232,42, relativos a retribuições em atraso à data do despedimento;
b) € 4.744,62, de retribuições vencidas desde a data do despedimento, acrescidas das retribuições vincendas até à data da sentença;
c) € 3.328,56, a título de indemnização por antiguidade;
d) € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
e) os respectivos juros de mora vencidos e vincendos.
Para o efeito, e em resumo, a A. alegou o seguinte:
A A. foi admitida ao serviço da R., em 1.09.2001, por contrato verbal, para, sob a direcção e fiscalização desta, lhe prestar a sua actividade de vigilante, auferindo a retribuição base de € 554,76, acrescida de subsídio de refeição à razão de € 4,86 por cada dia de trabalho. No dia 3.11.2003, o representante legal da R. despediu a A., verbalmente, e sem precedência de processo disciplinar. No dia 13.11.2003, a R. informou, por carta, a A. que havia sido transferida para o Porto, indicando o seu local de trabalho e data de início. A A. respondeu, por carta do dia 14.11.03, dizendo que não podia aceitar a transferência, por esta lhe causar prejuízo sério (sendo certo que a R. tinha conhecimento desde 13.10.03 que a A. estava grávida) e por já se encontrar verbalmente despedida. No desemprego, a A. viu-se obrigada a deixar a sua casa, por não poder pagar a renda e necessita, agora, de ajuda de familiares. A R. não pagou à A. a retribuição referente aos dias 22 a 31 de Outubro de 2003, no montante de € 232,42.
Tem a A. direito, em consequência do despedimento ilícito, às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, bem como à indemnização por antiguidade, desde logo optando por esta, declarando não desejar ser reintegrada no seu posto de trabalho.
Tendo em conta que a A. se encontrava grávida à data do despedimento, a indemnização deve ser fixada no dobro nos termos do art. 24°, n.° 8 da L. 4/84 de 5.4.
Regularmente citada e notificada, a R. contestou, alegando, em resumo, que:
O contrato de prestação de serviços de vigilância com base no qual a A. vinha prestando serviços nas Piscinas Municipais de Vila Franca de Xira cessou, razão pela qual a A. e restantes colegas na mesma situação foram convocados para comparecer na sede da R. Nessa reunião, foi-lhes proposta a cessação do contrato com indemnização compensatória e pagamento dos demais créditos salariais, tendo 6 dos trabalhadores aceite tal proposta, tendo a A. comunicado que ia pensar e, depois, daria uma resposta. Nada tendo a A. dito, a R. colocou-a noutro posto de trabalho, no Porto, comprometendo-se a pagar todas as despesas inerentes à deslocação, o que lhe comunicou, por escrito, não obstante já lhe ter sido dada, verbalmente, tal informação, como alternativa, na reunião supra referida. A A. veio responder alegando ter sido despedida, ao que a R. respondeu imediatamente que não lhe tinha sido feita qualquer comunicação de despedimento e que estava a incorrer em faltas injustificadas. O A. nada mais disse, nem se apresentou no seu novo local de trabalho, pelo que, em 12.12.2003, a R. lhe comunicou a cessação do contrato em face do abandono do trabalho pelo A.
Proferido despacho saneador, com dispensa da selecção dos factos assentes e base instrutória, procedeu-se oportunamente a audiência de julgamento, após o que foi proferida a sentença de fls. 75/85, que julgou a acção parcialmente procedente por provada, condenando a R. Fénix Intersegur, Ldª a pagar à A. a quantia de € 232,42 de retribuição e subsídio de alimentação relativo a sete dias de trabalho do mês de Outubro de 2003, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e parcialmente improcedente por não provada, absolvendo a R. do demais peticionado.
Não se conformou a A., que apelou, apresentando a final as seguintes conclusões:
( … )
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência.
Subidos os autos a este tribunal, pelo digno PGA foi emitido o parecer de fls. 164/165, no qual sustenta que o comportamento da R. constitui um despedimento indirecto ou tácito.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, verifica-se que no caso vêm suscitadas as seguintes questões:
Erro na apreciação da prova, redundando na impugnação da decisão de facto;
Erro na aplicação do direito, designadamente quanto à verificação dos elementos constitutivos do abandono do trabalho e quanto à licitude da transferência de local de trabalho. Subsidiariamente, para o caso de não procederem os fundamentos anteriormente invocados, se houve erro por não ter interpretado a carta da recorrente à recorrida, datada de 19/11/2003, como rescisão, por a transferência lhe causar prejuízo sério. E ainda que também este fundamento improceda, se a sentença errou por não ter condenado a R. a pagar-lhe a retribuição do mês de Novembro 2003, subsídio de Natal de 2003 e férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado nesse ano, a que se refere o art. 27º da p.i.
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1°- A Autora foi admitida ao serviço da Ré a 1 de Setembro de 2001, por tempo indeterminado e ajuste verbal, para prestar a sua actividade sob a direcção e autoridade da R..
2° - A A. exercia funções de Vigilante, nas Piscinas Municipais de Vila Franca de Xira, e auferia mensalmente uma remuneração base de € 554,76 (quinhentos e cinquenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de um subsídio de refeição de € 4,86 (quatro euros e oitenta e seis cêntimos) por cada dia de trabalho, conforme o recibo de retribuição junto a fls. 9.
3° - No dia 13 de Outubro de 2003, a A. informou a R., por escrito, de que estava grávida e apresentou atestado médico, conforme documentos juntos de fls. 12 a 14 dos autos, cujo teor aqui se tem integralmente por reproduzido.
4° - A R. não pagou à A. a quantia de € 232,42, respeitante a 7 dias de trabalho do mês de Outubro de 2003, correspondente a: 1 dia de trabalho das 8h/16h; 6 dias de trabalho das 16h/24h; subsídio nocturno de 25%; e respectivo subsídio de alimentação.
5° - O contrato de prestação de serviços de vigilância com base no qual a A. vinha prestando serviços nas Piscinas Municipais de Vila Franca de Xira, cessou.
6° - Por esse motivo, os vigilantes que vinham prestando os seus serviços naquele local, foram notificados para comparecerem na sede da Ré.
7° - Na sede da R., em duas reuniões ocorridas nos dias 3 e 7 de Novembro de 2003, pelo Director de Recursos Humanos, com o fundamento referido, foi-lhes proposto o pagamento de uma indemnização e demais créditos salariais.
8° - Proposta que foi aceite por seis trabalhadores.
9° - A A. não concordou.
10° - Por carta datada de 7.11.2003, e, de novo, por carta datada de 12.11.03, a R. comunicou à A. que "devido ao cliente ter rescindido o contrato de prestação de serviços de vigilância com a sua entidade patronal, vimos por este meio informar que se deve apresentar dia 17.11.2003 no seu novo posto de trabalho situado na Rua Costa Cabral n.° 799 4200-224 Porto, às 10 horas, por não existir local de trabalho mais próximo do posto extinto propomo-nos a pagar todas as despesas com a deslocação", conforme documentos juntos a fls. 11 e 32 dos autos, que aqui se têm por integralmente reproduzidos.
11° - À data, a R. não tinha outro local de trabalho para a A.
12° - Tal informação tinha sido dada pessoalmente, como alternativa, à A. e restantes colegas, quando se deslocaram à sede da R.
13° - A Autora respondeu à carta referida em 10°, por escrito datado de 14.11.2003, no qual refere que "venho por este meio dar resposta a carta com aviso de recessão recebida no dia 13.11.2003 Quinta feira, conforme em anexo A: conforme carta mandada a V. Ex. no dia 7.11.2003 Sexta feira, em que exponho um pedido de documentação em relação ao despedimento colectivo efectuado verbalmente por V.Exa. no dia 3.11.2002 Segunda feira, onde me foi comunicado verbalmente que me encontrava despedida, tendo este despedimento sido efectuado de má fé, derivado a não ter seguido as normas estipuladas conforme se encontrão descriminadas no Decreto-Lei. 64-A/89 de 27 de Fevereiro, art. 24°, art. 28° pelo motivo acima descriminado não posso aceitar uma transferência visto já me encontrar despedida verbalmente por VEx. desde o dia 3.11.2003 Segunda-feira” – conforme documento junto a fls. 15 dos autos, que aqui se tem por integralmente reproduzido.
14° - Por carta datada de 19.11.2003, a Ré respondeu à A., na qual refere que:
"Acusamos a recepção da sua última carta. ... É falso que tenha sido instaurado qualquer despedimento colectivo .... É igualmente falso que tenhamos despedido verbalmente V.Exa.... É verdade que o cliente rescindiu o contrato de prestação de serviços em apreço. ... Por fim, é verdade também que V.Exa está a incorrer na prática de faltas injustificadas desde 13.11.03, por não se fazer comparecer no seu posto de trabalho", conforme documento junto a fls. 34 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
15° - Por carta datada de 19 de Novembro de 2003, a Autora responde à carta enviada pela Ré, informando que : "... Em relação há transferência por V.Ex.a ordenada para o novo posto de trabalho sito na Rua Costa Cabral, 799, 4200-224 Porto, não me é possível aceitar esta transferência, devido a me provocar prejuízos sérios, derivado a ter despesas de habitação, família a meu cargo e menor de idade a qual se encontra em pleno ano lectivo, e o meu cônjuge encontra-se a trabalhar junto da área de residência não podendo ser deslocado, deste modo não tenho verba financeira para me permitir margem para mais esforços financeiros", conforme documento junto a fls. 35, que aqui se tem por reproduzida.
16° - A A. não compareceu no novo local de trabalho, nem voltou a contactar a R..
17° - Com data de 12.12.2003, a Ré enviou à A. carta comunicando-lhe a cessação do contrato em face do abandono do trabalho pela A.
18° - A A. tem a seu cargo um filho menor.
19° - Por força desta situação, a A. viu-se obrigada a deixar a sua casa, por não poder pagar renda e necessita da ajuda dos familiares.
Apreciação
Insurge-se a apelante contra a decisão da matéria de facto, mais precisamente na parte em que deu como provado o facto referenciado sob o nº 12 e como não provada a matéria dos art. 5º, 6º e 8º (1) da p.i, alegando que houve erro na apreciação da prova, por não se ter atentado no valor probatório dos documentos juntos aos autos, concretamente das cartas enviadas pela recorrente à recorrida, designadamente no dia 7 de Novembro, que foi junta como doc. nº 7 com a p.i. e cujo teor foi reforçado na carta que constitui o doc. 4 da contestação. Em seu entender tais cartas traduzem, na voz da recorrente, o que se passou nas reuniões de 3 e 7 de Novembro e porque nunca referem qualquer ordem de transferência, mas antes referem o despedimento, constituem prova plena, insusceptível de ser destruída por outro meio de prova, de que a A. foi despedida em 3 de Novembro e de que não foi dada nas aludidas reuniões a informação de que a R. não tinha outro local de trabalho a não ser no Porto.
Adiante-se, desde já que não lhe assiste razão quanto a este ponto.
Para começar cabe salientar que os art. 6º e 8º da p.i., por conterem apenas meros juízos valorativos e conclusões, não são susceptíveis de prova, já que não integram factos.
Por outro lado, nunca poderia a A. produzir prova de factos que lhe são favoráveis (em termos processuais, entenda-se) através de documentos da sua autoria. Além do mais, importa referir que não consta nos autos qualquer carta da A. datada de 7/11/2003. O doc. junto com a p.i. sob o nº 7 (fls.15) é uma carta da A. à R. datada de 14/11/2003 (a que se refere o ponto 13 da matéria de facto). Se bem que nela se aluda a uma outra carta da A. dirigida à R. datada de 7/11, tal carta não se mostra junta aos autos. Mas mesmo que estivesse junta e tivesse o conteúdo mencionado na carta de 14/11 (cfr. nº 13), ela provaria apenas que a A. a escreveu, com aquele conteúdo, mas de forma alguma provaria que os factos nela referidos se passaram como a A. os descreve. Isto vale para aquela carta de 7/11, como para as demais do punho da A. É o que resulta do disposto pelo art. 376º nº 1 e 2 do CC. As cartas em causa, na medida em que reconhecidas como sendo da autoria da A., fazem prova plena quanto às declarações que a A. nelas faz, mas os factos compreendidos na(s) declaração(ões) só se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses da declarante. E no caso não o são.
Não pode, pois, proceder a pretendida alteração da decisão da matéria de facto, seja quanto ao seu nº 12, seja quanto ao art. 5º da p.i., o que todavia não obsta a que se possa eventualmente vir a considerar toda a conduta da R. para com a A. no período em causa como integradora de um despedimento indirecto, o que será apreciado mais adiante.
Passemos então às questões de direito, a primeira das quais é, por razões de precedência lógica, a de apurar se a sentença incorreu em erro ao ter considerado legítima a colocação da A. no Porto, não considerando sequer que se pudesse falar em mudança de local de trabalho da A., por não ter resultado provado o local acordado.
O local de trabalho, ou seja, o local onde o trabalhador deve cumprir o contrato, prestando a sua actividade, é um elemento de grande relevância, tanto para o empregador, como para o trabalhador. Para o empregador porque, em geral, a prestação do trabalhador só servirá o seu interesse se o for no local onde dele precisa (o que deve ficar acordado no contrato, expressa ou tacitamente, precisamente dada a importância que isso passa a assumir para a vida do trabalhador (2)). Para o trabalhador, na medida em que implica com a organização da vida do mesmo aos mais diversos níveis, pessoal, familiar, habitacional e social, de tal forma que constitui uma das garantias do trabalhador (art. 21º nº 1 al. e) da LCT (3)) não ser transferido para outro local, salvo nas situações previstas no art. 24º, ou seja, se a transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador (nos casos de transferência individual),ou se resultar de mudança total ou parcial do estabelecimento, sendo que, mesmo neste caso, se a mudança lhe causar prejuízo sério, pode sempre rescindir o contrato com direito a indemnização por antiguidade, que só não será devida se a entidade patronal provar que a mudança não causa prejuízo sério ao trabalhador, isto é, que não determina uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador.
Segundo José Andrade Mesquita (4) “…o princípio da segurança no emprego, consagrado no art. 53º da Constituição (…), embora ligado à cessação do contrato, abrange outros aspectos relacionados com a estabilidade do vínculo laboral, como a exacta delimitação do local de trabalho. Facilmente se intui que sem estabilidade espacial não há segurança no emprego. De nada adiantava proibir os despedimentos sem justa causa se, em simultâneo, se permitisse a definição do local de trabalho de forma tão lata que o trabalhador fosse colocado, a todo o momento, em qualquer lado.
Do princípio da segurança no emprego decorre que o local de trabalho tem de estar determinado ou ser determinável, correspondendo, em qualquer caso, à efectiva execução contratual e não a hipotéticas necessidades empresariais futuras. Estas podem dar lugar a posteriores alterações do local de trabalho segundo regras que equilibrem os interesses de ambas as partes”.
No caso, tratando-se de uma empresa de segurança e cabendo à A. exercer funções de vigilante, a determinação do local de trabalho tem, naturalmente, especificidades próprias, decorrentes da circunstância de a actividade desenvolvida pela R., na qual se integrava o trabalho da A., ter lugar nos locais determinados pelos clientes da empresa, que podem variar ao longo do tempo.
Nos termos da clª 14ª nº 1 do CCT entre a AES (Associação de Empresas de Segurança) e o STADE (Sind. dos Trab. de Serviços de Portaria, Vigilância, Domésticas e Profissões Similares e Actividades Diversas) e outros publicado no BTE nº 4/93, aplicável ex-vi da PE publicada no BTE nº 13/93 “O local de trabalho do pessoal de vigilância é o sítio geograficamente convencionado entre as partes para prestação da actividade do trabalhador”, determinando o nº 2 que “a estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da actividade de vigilância, sem prejuízo de tal rotatividade ser entendida como mudança de local de trabalho…”
Por sua vez a clª 15ª nº 1 dispõe “Entende-se por mudança de local de trabalho para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer mudança de local de prestação de trabalho, ainda que na mesma cidade, desde que determine acréscimo de tempo ou despesas de deslocação para o trabalhador.” Entre as situações previstas no nº 2 desta cláusula como permitindo que o trabalhador seja transferido do seu posto de trabalho conta-se a da alínea a) “quando houver rescisão do contrato entre a empresa e o cliente”.
Uma das garantias dos trabalhadores previstas na clª 11ª do CCT é a proibição, à entidade patronal, de “f) transferir o trabalhador para outro local de trabalho ou zona de actividade sem o seu prévio consentimento feito por escrito, sem prejuízo do estipulado na clª 15ª…”
Daqui resulta desde logo que cabia às partes, aquando da celebração do contrato, delimitar geograficamente a zona onde a prestação da trabalhadora devia ser exercida (ainda que, eventualmente, com rotatividade por diversos postos de trabalho). A omissão dessa delimitação expressa é imputável à entidade patronal, já que é ela, enquanto detentora da organização de meios que é a empresa, quem possui os elementos (designadamente o conhecimento da localização dos estabelecimentos dos clientes da sua carteira de clientes e a zona ou zonas do país em que lhe interessa manter ou expandir a sua actividade) para a ela proceder, sendo certo que, nos termos dos art. 3º nº 1 al. b) e 4º nº 1 do DL 5/94 de 11/1, estava obrigada a informar a trabalhadora, por escrito, do local de trabalho.
Não se tendo provado que tivesse sido expressamente convencionada a área geográfica onde o trabalho da A. poderia ser exercido, nem que a R. tivesse informado a A. de qual seria essa área geográfica, a determinação do local de trabalho terá de ser efectuada em função da execução do contrato. Neste sentido se pronuncia José Andrade Mesquita, na obra citada, pag. 404: “O local de trabalho deve, pelo menos, ser determinável através de critérios objectivos explicitados pelo empregador. Se o empregador não informa, por escrito, sobre o local de trabalho, este determina-se em função da execução contratual.” E mais adiante, a pag. 405 “O local de trabalho dos vigilantes também se afere pela informação prestada pelo empregador e pela execução contratual, abrangendo, normalmente, uma zona geográfica (v.g. Lisboa) onde a entidade patronal tem clientes.” Deste modo, porque o contrato foi executado em Vila Franca de Xira temos de considerar que o local de trabalho tacitamente acordado foi, no caso, a área de Vila Franca de Xira, podendo quanto muito, considerar-se extensível à área metropolitana em que Vila Franca de Xira se insere, isto é, à região da Grande Lisboa (abrangendo Lisboa e concelhos limítrofes).
Salvo o devido respeito não nos parece aceitável admitir (como ao fim e ao cabo se faz na sentença recorrida) que a inexistência de convenção expressa sobre a determinação geográfica da área em que a actividade da trabalhadora seria prestada, seja equivalente ao acordo no sentido de que o local de trabalho pode estender-se a todo o país, ou tampouco que não se possa considerar que a transferência de Vila Franca de Xira para o Porto constitua sequer mudança de local de trabalho, por não ter resultado provado o local acordado. Desde logo porque não temos qualquer indício de que a trabalhadora soubesse, ao estabelecer o acordo contratual com a R., de que poderia vir a ser colocada em qualquer ponto do país, designadamente na cidade do Porto. Ora a R., ao admitir a A. por contrato por tempo indeterminado, sabendo que os contratos com os clientes são em regra temporários, tinha obrigação de informar a A. sobre a área geográfica em que poderia vir a ser exigida a sua prestação, designadamente quando cessasse o contrato com o cliente onde a mesma iria prestar o seu trabalho. Não o tendo feito, tem de sujeitar-se a ver interpretado o contrato quanto a essa questão em conformidade com a respectiva execução e, assim sendo, a considerar-se tacitamente limitado o local de trabalho da A. à área de Vila Franca de Xira ou, quanto muito, à área metropolitana em que Vila Franca se insere. Por outro lado, e ainda que porventura se admitisse que a falta de convenção expressa sobre a área geográfica para o exercício da actividade significava que podia ser colocada em qualquer ponto do país, bastava que a mudança determinasse acréscimo de tempo ou despesas de deslocação para poder ser considerada mudança de local de trabalho à luz do CCT, não sendo por isso correcto dizer que a transferência não constituía mudança de local de trabalho.
Entendemos, pois, ao contrário da sentença recorrida, que, no caso estamos em presença de mudança de local de trabalho, que não era lícita, por o Porto não pertencer à área geográfica tacitamente convencionada para a prestação do trabalho, nem haver consentimento, por escrito, da trabalhadora (cfr.a proibição imposta pela clª 11ª al. f) do CCT).
Consequentemente, não lhe devia a A. obediência, uma vez que tal ordem era contrária ao seu direito (cfr. art. 20º nº 1 al. c) da LCT, a contrario) e, por conseguinte, a situação que a R. considerou de faltas injustificadas por um período prolongado em termos de lhe permitir presumir o abandono do trabalho, não se verificou. Além do mais não se verificava um dos pressupostos que permitem presumir o abandono, mais precisamente que a entidade empregadora não tivesse recebido comunicação do motivo da ausência (art. 40º nº 2 da LCCT), pois face à carta da A. referida no ponto 15 (que não se provou que não tivesse sido recebida), a R. bem sabia que a A. não aceitava a transferência, por entender que esta lhe provocava prejuízos sérios, em termos familiares e por falta de capacidade financeira.
Aliás, a transferência de uma trabalhadora grávida (facto que a R. bem conhecia por lhe ter sido comunicado, cfr. nº 3) e com um nível de rendimentos como os referidos em 2, para um novo local de trabalho a cerca de 300 km do anterior, apesar de com a declaração de se propor pagar todas as despesas com a deslocação (cfr. nº 10), como bem assinala o Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer (fls. 164/165) “só pode ter o significado óbvio de criação de uma situação que a R. sabe que a A., com toda a probabilidade não aceitaria, consequentemente podendo, desta forma abusiva, desencadear o que pretendia, a rescisão por faltas injustificadas, em suma, claramente, despedir a A..
Se não aceitou a bem a rescisão proposta, a R. traçou logo a estratégia de despedir a A., não por forma directa, escrita, mas indirecta, tácita, pela criação de uma situação de trabalho que a R. bem sabia que a A. jamais poderia aceitar, tanto mais que estava grávida.”
Com efeito, não tendo sido definida convencionalmente a área geográfica para a prestação da actividade pela trabalhadora com tamanha abrangência que o Porto coubesse ainda no seu âmbito, nem tendo a trabalhadora acordado por escrito na transferência para lá, era previsível que ela não pudesse aceitar a mudança de local de trabalho, por a distância da residência não ser compatível com a deslocação diária entre a casa e o trabalho e vice-versa, a mudança de residência ser demasiado onerosa, não só em termos financeiros, como em termos de estabilidade do agregado familiar e menos ainda se coloca a hipótese de lhe ser exigível que obtivesse alojamento no Porto, mantendo a casa de morada da família na área de Vila Franca de Xira, aí se deslocando nos dias de descanso, por isso ser incompatível com o nível de rendimentos que auferia, além de desestruturar o agregado familiar de que fazia parte um filho menor.
É certo que está assente que à data a R. não tinha outro local de trabalho para a A. (nº 11) e que a A. não tinha aceite a proposta de (cessação por mútuo acordo com) pagamento de uma indemnização e demais créditos salariais (nºs 7 e 9). Mas não é menos verdade que não sabemos se a indemnização proposta era ou não conforme ao critério legal (art. 13º nº 3 da LCCT). E também é certo que, embora invocando prejuízo sério, a A. não rescindiu o contrato como lhe permitia o nº 6 da clª 15ª do CCT, com direito a uma indemnização correspondente a um mês de indemnização por cada ano de antiguidade.
Se a R. não tinha mesmo outro posto de trabalho e se a A. não rescindiu o contrato com fundamento no prejuízo sério que a mudança lhe causava, restava à R. desencadear o procedimento para o despedimento por extinção do posto de trabalho (art. 26º e seg. da LCCT) ou de despedimento colectivo, se porventura houvesse uma pluralidade de trabalhadores na mesma situação (cfr. art. 16º da LCCT), em todo o caso, exigindo uma tramitação com um formalismo que tem uma função de tutela do direito do trabalhador.
Persistir na decisão de impor a transferência para o Porto, quando sabia que isso era inaceitável pela trabalhadora redunda, ao fim e ao cabo, na imposição de uma situação que necessariamente conduz à rotura da relação de trabalho, traduzindo-se pois, ainda que de uma forma indirecta, num verdadeiro despedimento, que não pode deixar de ser considerado ilícito por não ter observado o formalismo processual adequado (cfr. art. 32º e 24º da LCCT).
Reconhecemos, pois, a razão da apelante quanto à ilicitude da ordem de transferência que mais não é do que um despedimento encapotado, indirecto, que não pode deixar de ser declarado ilícito e quanto à não verificação dos pressupostos legais para o abandono do trabalho (art. 40º da LCCT).
O despedimento teve lugar em 17/11/2003 (data da eficácia da ordem de transferência que a R. sabia que a A. não poderia cumprir), pelo que é devida a retribuição do mês de Novembro até essa data, além das vencidas desde 24/4/2004 (30º dia anterior à data da propositura da acção) até ao trânsito deste acórdão, nelas se incluindo férias, subsídios de férias e de Natal, designadamente proporcionais ao ano da cessação, a que deverão ser deduzidos os rendimentos do trabalho auferidos em actividade iniciada posteriormente ao despedimento (cfr. art. 13º nº 2 al. a) e b) da LCCT, art. 10º nº 1 e 6º nºs 1 e 2 do DL 874/76, de 28/12 e art. 2º nºs 1 e 2 b) do DL 88/96 de 3/7), cuja liquidação se relega para execução de sentença.
É ainda devida, porque foi essa a opção manifestada, indemnização por antiguidade nos termos do art. 13º nº 3 da LCCT, em dobro, por força do disposto pelo art. 24º nº 8 da L. 4/84 de 5/4, dado que a A. se encontrava grávida, a liquidar igualmente em execução de sentença.
Vem ainda pedida indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 10.000.
Entendemos que se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, porquanto o despedimento, nas circunstâncias referidas, que já qualificámos de ilícito, é culposo, passível de um juízo de censura e os danos morais dele resultantes, maxime, de, estando a trabalhadora grávida e mãe de um filho menor, se ter visto obrigada a deixar a casa, por não poder pagar a renda e a recorrer a ajuda de familiares, se nos afiguram evidentes e merecedores da tutela do direito (art. 483º e 496º do CC), tendo-se por adequado à compensação do sofrimento psíquico causado por essa situação o montante de € 5000.
Decisão
Pelo que ficou exposto se acorda em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e em sua substituição julgar a acção parcialmente procedente por provada, declarando a ilicitude do despedimento da A. e condenando a R. a pagar-lhe:
- as retribuições do mês de Novembro de 2003, até dia 17, as retribuições vencidas desde desde 24/4/2004 até ao trânsito deste acórdão, nelas se incluindo férias, subsídios de férias e de Natal, designadamente proporcionais ao ano da cessação, a que deverão ser deduzidos os rendimentos do trabalho auferidos em actividade iniciada posteriormente ao despedimento;
- a indemnização por antiguidade contada desde 1/9/2001, até à data do trânsito, em dobro, devido ao facto de ser trabalhadora grávida,
tudo acrescido de juros à taxa legal desde a data de vencimento de cada prestação, até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.
Mais se condena a R. a pagar à A. a quantia de € 5000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar do trânsito, absolvendo-a do restante pedido.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Lisboa, 21 de Junho de 2006
_________________________________ (1).-5º- No dia 3 de Novembro de 2003, a representante legal da ora R. dirigiu-se à A., informando-a de que estava despedida.
6º- A sua declaração de vontade, sem qualquer justa causa, produziu a imediata cessação do contrato de trabalho.
8º- Todas estas “diligências” foram, tão só, a procura de uma escapatória para remediar a ilicitude do despedimento que tinha acabado de fazer.
(2).-Como refere Bernardo Lobo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 1992, pag. 347) “… fixado no contrato o lugar da prestação, o trabalhador vai dispor nesses termos a sua maneira de viver. De acordo com o local em que trabalha vai organizar o seu plano de vida, pois é tendo em vista o sítio onde desempenha a sua actividade que o trabalhador fixa a sua residência, resolve o problema dos seus transportes, cuida da educação dos filhos e programa até o gozo dos seus ócios. Com efeito, trabalhar num determinado lugar significa o mesmo que ir viver para esse lugar e aqui se compreende uma série de valores em que entram elementos económicos e materiais de vulto, como o custo de vida e a fadiga e demora dos transportes e outros interesses talvez de maior importância: saúde, bem-estar, educação e a simples alegria de viver…”
(3).-À data dos factos que se discutem, mais precisamente, da celebração do contrato e da transferência do local de trabalho, ainda não tinha entrado em vigor o CT aprovado pela L. 99/2003 de 27/8. No novo código a matéria consta dos art. 154º e 315 a 317º.
(4).-Direito do Trabalho, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pag. 403.