TRABALHADOR
SUSPENSÃO PREVENTIVA
TRABALHO NOCTURNO
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
Sumário

Enquanto durar a suspensão de funções por força do processo disciplinar instaurado ao trabalhador é devida a remuneração especial pelo trabalho nocturno, mas não é devido o subsídio de alimentação.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


R…, residente em … moveu acção emergente do contrato de trabalho, com processo comum, contra:
BRISA – AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, SA", com sede em S." Domingos de Rana, Quinta da Torre da Aguilha, Edifício Brisa, pedindo:
“ A condenação da ré a reconhecer o direito a receber o subsidio de almoço e a retribuição por trabalho nocturno durante o período de suspensão do contrato de trabalho, e a pagar a quantia de € 3.058,14, bem como as que se vierem a vencer de subsídios de almoço e remuneração por trabalho nocturno até à data da regularização da situação.”

Para o efeito alega que foi admitida ao serviço da ré para exercer as funções de Operadora de Posto de Portagem, mediante uma retribuição mensal no valor de € 648,00, diuturnidades no valor de € 60,60, subsidio de refeição, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, e uma remuneração especial pela prestação de trabalho nocturno. No dia 2002.06.06, a ré instaurou-lhe um processo disciplinar, e suspendeu-a da prestação das suas funções, suspensão que ainda se mantém. A partir da data da suspensão, a ré não mais pagou o subsídio de almoço nem a retribuição especial de trabalho nocturno.

Na contestação a ré alega que a autora foi suspensa preventivamente do exercício da sua actividade laboral, não lhe é devida nenhuma prestação patrimonial que pressuponha a efectiva prestação do trabalho. Assim o trabalhador suspenso preventivamente não tem direito a receber o subsídio de almoço nem o de trabalho nocturno por pressuporem a efectividade de funções.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido.

A autora, inconformada, interpôs recurso, tendo nas suas alegações proferida as a seguir transcritas

Conclusões:
“1. Os subsídios de turno e de alimentação percebidos nos termos provados nos autos integram a retribuição da recorrente, pelo seu carácter habitual e regular e ligação e contrapartida da prestação de trabalho;
2. E como tal são-lhe devidos a exemplo da remuneração ou da retribuição base quando do período de suspensão preventiva;
3. Mesmo que se entenda que estão ligados à prestação efectiva do trabalho (como aliás a base também está) o que é certo é que o trabalho não foi prestado efectivamente por decisão unilateral da entidade patronal,
4. Inexiste pois fundamento para o seu não pagamento,
5. Assim não tendo entendido, violou a decisão recorrida os art°s 310-2 e 82° do RJCIT aprovado pelo D.L. n° 49408 de 24.11.1969.”

Nas contra-alegações a ré pugna pela confirmação do decidido.

Colhidos os vistos legais


CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I – As questões suscitada no âmbito deste recurso é apenas a de saber se a autora tem ou não direito, enquanto está suspensa preventivamente por força da instauração do processo disciplinar, a auferir o subsídio de alimentação e a retribuição especial pelo trabalho nocturno.


II – Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:
1.Por contrato de trabalho celebrado em Setembro de 1995, foi a autora foi admitida ao serviço da ré;
2. Para exercer as funções de Operadora de Posto de Portagem sob as ordens, direcção e fiscalização da ré;
3. Mediante uma retribuição mensal, que é desde 2003.01.01, no valor de € 648,00, acrescida de diuturnidades no valor de € 60,60;
4. Anteriormente, a autora auferia uma remuneração mensal de € 627,00, acrescida de diuturnidades no valor de € 58,36;
5. A ré pagava ainda à autora um subsídio de refeição, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, cujo valor, no ano de 2002 era de € 7,4, e no ano de 2003, deveria ser de € 7,5.
6. A autora desde a data da sua admissão que pratica um horário de trabalho que se inicia às 13H00 e termina às 21H30, com intervalo de descanso das 18H00 às 18H30, de segunda-feira a sexta-feira.
7. O que implica a prestação diária de 1H30M de trabalho nocturno.
8. A ré pagava à autora, desde a data da sua admissão e até 2002.06.06, a remuneração especial pela prestação de trabalho nocturno, correspondente a uma hora e meia por cada dia de trabalho efectivamente prestado, com o acréscimo de 25% sobre a remuneração da hora normal, de acordo com as disposições legais e convencionais.
9. No dia 2002.06.06, a ré instaurou à autora um processo disciplinar.
10. E na sequência deste, suspendeu a autora da prestação das suas funções, suspensão que ainda se mantém.
11. A partir da data da suspensão, a ré não mais pagou à autora o subsídio de almoço nem a retribuição especial de trabalho nocturno;
12. O processo disciplinar instaurado à autora continua a correr seus termos;
13. Pelo menos desde o início de 2002, a autora é associada do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, e esta associação sindical é associada da FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços.


III – Fundamentos de direito

Como se referiu, a questão suscitada é apenas a de saber se a autora tem direito, enquanto está suspensa preventivamente por força da instauração do processo disciplinar, a auferir o subsídio de alimentação e a retribuição especial pelo trabalho nocturno.
A sentença recorrida entendeu que, por estarem dependentes da prestação efectiva de trabalho e por isso não integrarem o conceito de retribuição, não são devidos o subsídio de almoço e a retribuição especial por trabalho nocturno enquanto a autora estiver suspensa preventivamente, ao abrigo do art. 31, n.º2 da LCT.
Vejamos então
Dispõe o aludido dispositivo, que: “Iniciado o procedimento disciplinar pode a entidade patronal suspender a prestação de trabalho, se a presença do trabalhador se mostrar inconveniente, mas não lhe é lícito suspender o pagamento da retribuição.”
Configura assim este normativo uma suspensão temporária da prestação de trabalho, por iniciativa da entidade empregadora, enquanto decorrer o processo disciplinar, se por ela for considerado inconveniente a presença do trabalhador no serviço ou para o apuramento dos factos, não lhe sendo, porém, permitido suspender o pagamento da retribuição do trabalhador.
Ora, não concretizando este dispositivo o que entende por retribuição para os seus efeito, teremos de nos socorrer do conceito legal, que analisaremos, sobre ele dispõe o art. 82 da LCT:
" 1- Só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."
Assim, segundo este normativo, a retribuição abrange pois o conjunto de valores que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador. Excluem-se, assim, do conceito de retribuição as meras liberalidades, atribuídas com anumus donandi, sem prévia vinculação do empregador.
A retribuição representa, pois, a contrapartida, por parte do empregador,
da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido, por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador, por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.
Na verdade, com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo constante. E, ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximados, de forma a inserir-se na ideia de periodicidade e das necessidades de ambos os contraentes. Como é referido no AC do STJ de 13.1.93 CJ/ STJ Tomo 1º pág. 226., as ideias de regularidade e periodicidade não constituem apenas o suporte das aferições sobre o carácter retributivo de certa prestação, antes são também um elemento necessário para definir o que é a retribuição – tipo ou modular durante um período padrão de tempo a qual constitui a base de cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores.”
No caso, resultou apurado que:
- A ré pagava à autora um subsídio de refeição, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, cujo valor, no ano de 2002 era de € 7,4, e no ano de 2003, deveria ser de € 7,5.
- A ré pagava à autora, desde a data da sua admissão e até 2002.06.06, a remuneração especial pela prestação de trabalho nocturno, correspondente a uma hora e meia por cada dia de trabalho efectivamente prestado, com o acréscimo de 25% sobre a remuneração da hora normal, de acordo com as disposições legais e convencionais.
Assim, no caso, o subsídio de alimentação e a retribuição especial do trabalho nocturno, de acordo com o critério fixado no art. 82º da L.C.T, porque foram auferidas de forma regular e periódica ao longo da execução do contrato, integram o aludido conceito de retribuição; com este entendimento, pacífico, na jurisprudência ver, ainda, AC do STJ de 22.9.1993, CJ Tomo 3º pág. 26 9; As do STJ de 8.5.96 Ir CJ l 2º -251; AC do STJ de 20.1.99, BMJ 483, 122.
Importa, contudo, caracterizar a natureza retributiva das prestações em causa.
Relativamente à remuneração do trabalho nocturno, ela é determinada pela maior penosidade das condições em que esse trabalho é prestado. E, tal como doutrina e jurisprudência têm entendido essa prestação será apenas devida enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, ou seja, enquanto o trabalhador prestar trabalho naquelas circunstâncias; e estando na disponibilidade do empregador a sua prestação, possui um carácter reversível, que, contudo, não lhe retira a natureza retributiva na medida em que detém, como se referiu, um carácter regular e periódico, criando no trabalhador a expectativa de ganho normal destinado à satisfação das suas necessidades permanentes e periódicas.
Mas, também, segundo a cl 59, da convenção colectiva aplicável, celebrado entre a FEPCES e a Brisa, publicado no BTE n.º21, de 8.6.02, a prestação pelo trabalho nocturno é considerada como retribuição, que será superior em 25% à retribuição, a qual dá direito ao trabalho equiparado prestado durante o dia.
Deste modo, não podemos deixar de concluir que a ré não podia ter suspendido o pagamento desta retribuição enquanto a trabalhadora se encontrar suspensa preventivamente, face ao disposto no art. 31, n.º2 da LCT.
Quanto ao subsídio de alimentação, se é certo que ele visa compensar as despesas que o trabalhador tenha de realizar com a sua alimentação, por não se encontrar no seu domicílio em virtude da prestação de trabalho, destinando-se, por isso, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador tem de efectuar para ir executar o seu trabalho, não deixam, no entanto, de representar um ganho do trabalhador no seu orçamento familiar, que se traduz num benefício económico para o mesmo determinado pela sua prestação de trabalho e que se vence independentemente do local onde o trabalhador toma a sua refeição, cf. acórdão do STJ de 13.1.93, CJ STJ Tomo I pág. 226: “ No concernente ao subsídio de refeição, o seu pagamento começou por se justificar com o encargo imposto ao trabalhador de se deslocar ao local de trabalho, obrigando-o a tomar aí uma refeição, em lugar de o fazer em sua casa, com integração da correspondente despesa na economia conjunta do seu agregado familiar.
Nesta perspectiva, o subsídio de refeição deveria ser colocado à margem do salário global, por ter uma causa específica e individualizável, diferente da disponibilidade da força de trabalho. Todavia, o subsídio de refeição assumiu rapidamente uma feição diferente da sua justificação inicial, “passando a funcionar como um complemento do vencimento, que conta para a economia familiar do trabalhador e que se vence independentemente de o trabalhador ter que tomar a refeição no lugar de trabalho, por ser distante da sua residência. Razões de natureza fiscal conduziam a privilegiar esta forma de remuneração...”
Assim, ainda que seja reconhecida, nestas situações, uma natureza retributiva específica ao subsídio de alimentação, tem sido ainda pacífica a jurisprudência ao continuar a considerá-lo como elemento da retribuição do trabalhador; ver Acórdão RC de 7.4.94 Ir C.J., tomo 2ª p.59; Acórdão de RC de 13.11.98, CJ tomo 5º pág. 68.
No caso em apreço, a atribuição do subsídio de refeição está regulado na cl 71, da regulamentação colectiva aplicável, que dispõe:
“1- “Nos locais e nos horários de trabalho em que as empresas não garantam o fornecimento de refeição será atribuído a cada trabalhador com horário completo ou a tempo parcial de cinco ou mais horas, um subsídio de alimentação no valor de 7, euros por cada dia de trabalho efectivo.”...
E no n.º3 –: o subsídio referido só e devido em cada dia se o trabalhador prestar serviço nos e, verificadas as condições a seguir se estabelecem.
4 - O subsídio de refeição, como substitutivo do direito do trabalhador à utilização de refeitórios não integra o conceito legal de retribuição
Temos assim que, no caso, o subsídio de refeição só existe na impossibilidade de ser fornecida alimentação em espécie e nesta situação está dependente do trabalhador estar de facto ao serviço e nas circunstâncias referidas no n.º3 da cl 71. E, ainda que se considere que o n.º4 da aludida clª71, não pode afastar o subsídio de refeição do conceito legal de retribuição pelas razões acima expostas, ele só é, contudo, devido quando o trabalhador prestar efectivamente trabalho.
Deste modo, atenta à natureza retributiva do subsídio de refeição em causa, ligada à prestação efectiva do trabalho, uma vez que a trabalhadora não presta de facto trabalho enquanto durar a suspensão decorrente da instauração do processo disciplinar, afigura-se-nos que a ré não está obrigada a pagar-lhe o aludido subsídio; entendimento este que, em situações idênticas, tem sido aceite pela jurisprudência, a título de exemplo, o As. RL de 29.6.94 In CJ Tomo 3 – 181; Ac da RC de 13.11.96, Ir BMJ 461-536.
Improcede pois o recurso interposto nesta parte.

IV – Decisão

Face ao exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, alterando-se a sentença recorrida no sentido de considerar ser devido à trabalhadora a remuneração especial pelo trabalho nocturno, enquanto durar a suspensão das suas funções por força do processo disciplinar que lhe foi instaurado, sendo a ré condenada no seu pagamento, ou seja na quantia de 283,35 euros vencida entre 6.6.02 a 31.12.03, e na quantia de 286,79 euros, vencida entre 1.1.03 a 15.9.03, a nas vincendas até final da suspensão, confirmando-a no demais a sentença recorrida
Custas em partes iguais.

Lisboa, 28 de Junho de 2006

____________________________
____________________________
____________________________