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CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
INCOMPETÊNCIA RELATIVA
Sumário
No âmbito destes autos de procedimento cautelar, a tributação da incompetência absoluta em razão da matéria deve ter lugar nos termos do art. 14º, nº 1, al. n), do CCJ.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I – 1. E… veio Agravar do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que lhe indeferiu o incidente de reclamação da conta, na qual foi tributada em taxa de justiça de valor calculado com base em preceito legal inaplicável.
São as seguintes as conclusões que a Agravante formulou:
1) Ao fixar-se para o presente caso de indeferimento liminar de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais - para o qual não foi proferida qualquer decisão de mérito, nem houve sequer lugar à citação do réu - uma taxa de justiça no montante de € 16.376,00, está-se a taxar em função do valor da causa uma situação cuja utilidade económica efectiva e quantificável é totalmente irrelevante.
2) Para as situações cuja utilidade económica efectiva e quantificável é pouco relevante ou irrelevante, foi consagrado um princípio de determinação da taxa de justiça pelo Juiz, designadamente nos artigos 16°, nº 1 e 18°, n.° 3 do CCJ, com o intuito moderar a tributação.
3) Tendo em conta que a presente situação é efectivamente uma situação cuja utilidade económica efectiva e quantificável é irrelevante, e sabendo que os artigos 16°, n.° 1 e 18°, n.° 3 do CCJ consagram um princípio regulador de situações com essas características, deveria a presente situação ser abrangida por essas normas legais, e não pelas disposições dos artigos 14° e 18°, n.° 2 do CCJ.
4) Tanto a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em função de matéria, como a excepção dilatória de incompetência relativa decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição, têm como consequência, para além do impedimento que o Tribunal conheça o mérito da acção, a absolvição do réu na instância ou o indeferimento em despacho liminar.
5) Consequentemente, ambas as situações deveriam ser reguladas, em matéria de custas judiciais, pelos mesmos princípios.
6) Pelo que, também aqui, deverão aplicar-se os artigos 16º, n° 1 e 18º, n.° 3, revogando-se a decisão recorrida e fixando-se as custas do processo em questão nos limites ali previstos.
7) Termos em que deve o presente recurso de agravo ser julgado procedente e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada, fixando-se as custas do processo dentro dos limites ali previstos.
2. O Ministério Público contra-alegou pugnando no sentido da confirmação da decisão recorrida.
3. O Tribunal “a quo” sustentou a sua decisão tabelarmente.
4. Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Enquadramento Fáctico:
- Para a decisão a proferir releva o seguinte acervo fáctico:
1. A Agravante E… instaurou um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais aprovadas na assembleia-geral da sociedade I… perante o Tribunal “a quo”: o Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira, 2º Juízo Cível.
2. O Tribunal “a quo” julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (considerando que tal competência cabia ao Tribunal de Comércio de Lisboa), referindo na sua decisão que tal “situação configura a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, a qual é do conhecimento oficioso”;
3. Concluindo nos seguintes termos: “julgo pela incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial. Custas a cargo da Requerente” (sendo a data da conclusão de 08/06/2004 – cf. fls. 27).
4. Esta decisão veio posteriormente a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão datado de 30 de Julho de 2004, no seguimento de recurso interposto pela Requerente da providência cautelar e aqui Agravante – a E…
5. Após trânsito em julgado de tal decisãofoi a Recorrente notificada da Conta de Custas que lhe cabia pagar, no montante total de €16.376,00 – cf. fls. 40.
6. Desta conta reclamou a Recorrente em Novembro de 2005.
7. Reclamação que veio igualmente a ser indeferida, por despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 13/2/2006.
8. Para esse efeito considerou o Tribunal “a quo” (no respectivo despacho de indeferimento da reclamação da conta) que:
· a decisão de indeferimento liminar da petição inicial de um procedimento cautelar com fundamento na procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal põe termo à respectiva causa;
· pelo que lhe é aplicável o art.º 14º do Código de Custas Judiciais, na redacção do DL n.º 324/2004, de 27/12;
· assim, só há lugar à redução a metade da taxa de justiça, por força do disposto na alínea n) do n.º 1 do mesmo artigo, que rege a redução da taxa de justiça nos procedimentos cautelares;
· não lhe sendo aplicável o art.º 16º, n.º 1, do CCJ, pois não se trata de uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, nem de um incidente ou outra situação ali prevista.
III – Enquadramento Jurídico:
1. A questão suscitada nos presentes autos circunscreve-se à de saber se é aplicável, para efeitos de cálculo da taxa de justiça a pagar pela Agravante, o disposto no art.º 14º, n.º 1, alínea n), do Código de Custas Judiciais ou, ao invés, o seu art.º 16º.
E a consequência não é indiferente, porquanto:
- na primeira situação – a do art.º 14º do CCJ - apenas há lugar à redução a metade da taxa de justiça;
- e na segunda hipótese – a do art. 16º do CCJ - a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da complexidade da causa ou da sua natureza manifestamente dilatória, em valor que pode variar entre 1 UC a 20 UCs.
Vejamos.
2. É sabido que se encontra consagrado no Código das Custas Judiciais o princípio da tributação processual proporcional ao valor da causa, de acordo com o qual a taxa de justiça devida é determinada em função do valor da causa subjacente.
Existem, contudo, normas que prevêem valores díspares para as taxas de justiça, valores esses que variam em função de diversos factores, sendo que o resultado prático desta diferença reflecte-se de forma acentuada no montante global das custas a pagar.
Essas reduções da taxa de justiça encontram-se reguladas nos artigos 14º e segts do CCJ.
Com interesse para a decisão destacam-se as normas 14º e 16º.
No art. 14º - com a epígrafe de “redução a metade da taxa de justiça” – o legislador optou por elencar diversas situações, que enuncia de forma clara, nas diversas alíneas, com recurso expresso ao nome dos institutos jurídicos abarcados por tal normativo.
E assim estabelece expressamente que a taxa de justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nos seguintes casos: “ Procedimentos cautelares e respectiva oposição” – cf. seu nº 1, al. n).
Já no citado art. 16º o legislador optou por nele englobar “outras questões incidentais”, conforme o enuncia na epígrafe da norma, fazendo menção, no seu n.º 1, “às ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas”, à “incompetência relativa”, aos “impedimentos, suspeições”, à “falsidade”,... ao “desentranhamento de documentos”, “bem como noutras questões incidentais não referidas no art. 14º”.
Ou seja: o legislador para além de enunciar algumas situações e incidentes – como o da incompetência relativa e os incidentes da falsidade e suspeição - alarga o leque abarcando “outras questões incidentais não referidas no art. 14º do CCJ”.
Sobre a diferença de regimes pode ler-se em Salvador da Costa (1) que o art. 16º “visa, fundamentalmente, moderar a tributação de situações incidentais não tipificadas, inominadas ou inconfiguradas pela lei como tais e inverter o sistema de tributação de vários dos incidentes tipificados, designados ou configurados na lei, mas que não assumem utilidade económica efectiva ou quantificável e, consequentemente, não se justifica que a taxa de justiça seja determinada com base no valor da causa”.
E mais à frente: “As situações como a da incompetência relativa, os impedimentos e as suspeições, a falsidade,... são claramente tipificadas ou configuradas na lei como incidentes. O incidente de incompetência relativa, cujo regime de arguição consta dos arts 108º a 114º do CPC, é susceptível de resultar da violação de uma norma de competência em razão do valor, do território, da forma do processo aplicável ou de pacto ou convenção de jurisdição. E o vencido na questão da competência é que suporta o pagamento das custas respectivas (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC. Transitada em julgado a decisão proferida sobre a incompetência do Tribunal, o processo não é remetido à conta, que deve ser realizada no Tribunal que julgar a matéria da causa em primeira instância (arts. 50º e 51º do CCJ)”.
3. Do que antecede podemos desde logo extrair a seguinte conclusão: o caso dos autos – questão de incompetência absoluta, em razão da matéria - não está expressamente abarcada pelo art. 16º do CCJ, no qual apenas se faz referência à incompetência relativa. Nada se dizendo quanto à incompetência absoluta.
Contudo, este segmento normativo estende a sua aplicação a outras situações que configura como incidentes.
E a questão que se coloca é a de saber se nesse preceito também se poderá integrar a incompetência absoluta.
E desde já se adianta que, quanto a nós, estamos em crer que não.
4. Com efeito, constata-se que o CPC trata a incompetência relativa – a fundada, nomeadamente, no valor da causa, na forma do processo e na divisão judicial do território – como um incidente. Não só pelo que antecede (em que o CCJ a integra nas “questões incidentais”) mas também porque determina que, julgada procedente esta excepção, a acção prossegue no Tribunal que for julgado competente, para onde será remetida – cf. art. 11º, n.º 3, do CPC. Aí prosseguindo a sua tramitação normal subsequente sem outras consequências.
Igual classificação é-lhe dada por Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, (2) onde se pode ler que: “o incidente de incompetência relativa não está integrado no capítulo dos típicos incidentes da instância, mas é, na realidade, um verdadeiro e próprio incidente da instância.”
Não sendo despiciendo referir que na enumeração dos incidentes da instância feita por este Autor não se inclui a incompetência absoluta.
Por outro lado, no caso da incompetência absoluta, as consequências e efeitos legais previstos diferem, grosso modo, daqueles, determinando a lei a absolvição do Réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar – cf. art. 105º, n.º 1, do CPC.
Podendo, pois, dizer-se, que a lei processual civil lhe atribui um tratamento idêntico ao da própria acção, impondo ao juiz, nos termos do n.º 1, alínea a), do art. 288º, que se abstenha de conhecer do pedido e absolva o Réu da instância.
A diferença de regimes entre a incompetência absoluta ou relativa é inquestionável, radicando, quanto a nós, na natureza das normas jurídicas violadas, de acordo com o interesse que o legislador pretendeu acautelar.
Podendo-se sufragar a conclusão expendida por Antunes Varela quando refere que “o regime da incompetência absoluta do Tribunal revela, nos vários aspectos em que se desdobra, um tratamento acentuadamente mais severo do que o correspondente à incompetência relativa”.(3)
E esclarece a razão fulcral da diferença de regimes – entre incompetência absoluta e incompetência relativa: tal diferença “reflecte a ideia geral de que na incompetência absoluta há a ofensa de um interesse público, que é o da boa administração da justiça, enquanto na incompetência relativa (jogando com Tribunais da mesma espécie e do mesmo plano da escala hierárquica) há apenas a lesão de interesses de ordem particular”.
Daí também a estatuição de efeitos diversos:
- No primeiro caso (incompetência absoluta), atenta a gravidade do vício, o legislador estabelece como efeitos os já enunciados supra, de indeferimento liminar ou o da absolvição do Réu da instância, determinando, em regra, a inutilização dos actos praticados – cf. art. 105º do CPC.
- No segundo caso (incompetência relativa), os efeitos circunscrevem-se à remessa do processo para outro Tribunal, onde a acção prossegue o seu curso normal não tendo influência na validade dos actos praticados na acção.
São estas particularidades que, em nosso entender, permitem que se faça a contagem, em termos de custas, não como se a incompetência absoluta se tratasse de um incidente integrado no art. 16º e 18º, nº 3, do CCJ, mas sim de uma situação enquadrável nos termos do art. 14º do CCJ e, in casu, na sua alínea n).
5. É certo que o valor a que se chegou em matéria de custas, no caso concreto, é bastante elevado, porquanto o valor atribuído à acção também o é.
Sendo elevado o montante a pagar, compreendemos as preocupações da Recorrente, às quais não podíamos deixar de ser sensíveis.
Mas a verdade é que a diferente natureza jurídica dos institutos em causa impede-nos de enveredar por um entendimento que conceda um tratamento à incompetência absoluta igual àquele, mais favorável, que a lei prevê para a incompetência relativa, em sede de tributação e fixação da respectiva taxa de justiça. Tanto mais que o legislador as distinguiu expressamente, conforme resulta da análise jurídica das normas 14º e 16º do CCJ, conexionadas com as já citadas do CPC, englobando no artº 16º do CCJ, mais favorável, apenas a incompetência relativa e os incidentes.
Por outro lado, o princípio geral do valor da causa, in casu, o de um procedimento cautelar, corresponde ao valor que foi atribuído pela própria parte e se mostra inserido no pedido inicial – cf. artºs 313º, nº 3, alínea c) do CPC e artº 5º, nº 3, do CCJ. Devendo, contudo, ser tido em consideração o dispositivo legal que em matéria de custas impõe que, sendo as mesmas pagas pelo Requerente, serão as custas atendidas na acção respectiva, desde que se verifiquem os requisitos estabelecidos no artº 453º, nº 1, do CPC.
Para situações como a do caso sub judice, em que o legislador em matéria de custas não atentou, ou pelo menos não quis valorizar nos mesmos moldes, ainda poderá eventualmente ter lugar o benefício de apoio judiciário, nomeadamente com base no preceituado no artº 18º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho – “se ocorrer um encargo excepcional” – desde que se considere estarem preenchidos os restantes pressupostos legais.
6. Destarte, e com os fundamentos que antecedem, conclui-se no sentido de que: - A tributação da incompetência absoluta em razão da matéria, no âmbito destes autos de procedimento cautelar, deve ter lugar nos termos da alínea n), do n.º 1, do art. 14º, do CCJ.
7. Por fim dir-se-à também que quanto à pretendida equiparação da presente situação ao regime da incompetência relativa, de molde a possibilitar a remessa dos presentes autos ao Tribunal competente, já anteriormente tal questão tinha sido suscitada (aquando do recurso interposto pela Recorrente do despacho de indeferimento da providência cautelar que julgou o Tribunal “a quo” incompetente em razão da matéria (incompetência absoluta) e que a condenou nas custas cuja contagem deu origem à presente reclamação) – e foi objecto de decisão por parte deste Tribunal da Relação, que denegou tal pretensão, fazendo-o nos seguintes termos: “Pretende a agravante que, em caso de se considerar competente o Tribunal de Comércio de Lisboa, seja ordenada a remessa dos autos para esse Tribunal. Mas sem qualquer razão. Em primeiro lugar, há que ter presente que a decisão sobre a incompetência absoluta não tem valor fora do processo em que for proferida, como decorre do disposto no artigo 106° do CPC, pelo que não é vinculativa para o Tribunal que se repute materialmente competente, ressalvada a excepção prevista no artigo 107°, n° 1, do mesmo diploma. Ou seja, a decisão pela qual um Tribunal se declare incompetente, em razão da matéria, não faz caso julgado positivo sobre qual seja o Tribunal competente, ao invés do que sucede, nos termos do artigo 111°, n° 1, 2 e 3, do CPC, em sede de incompetência relativa; daí que possa até ocorrer conflito negativo de competência. Será por isso que o efeito da incompetência absoluta não é a remessa dos autos para o Tribunal pretensamente competente, mas sim o indeferimento liminar da petição ou do requerimento inicial ou a absolvição do réu da instância, conforme momento processual em que é apreciada, como decorre, com meridiana clareza, do disposto nos artigos 105°, n° 1, 1110, n° 3, e 288°, n° 1, alínea a), do CPC. Tal não prejudica, no entanto, a possibilidade de aproveitamento do processado, findos os articulados e havendo acordo das partes, nos precisos termos do n° 2 do artigo 105° do CPC, nem a eventual manutenção dos efeitos civis derivados da proposição da primeira acção, nos termos do n° 2 do artigo 289° do mesmo Código; mas são situações que, obviamente, aqui se não colocam “(4)
8. Pelo exposto, soçobra o presente recurso e confirma-se a decisão recorrida com os presentes fundamentos.
IV – Decisão:
- Termos em que se acorda em negar provimento ao Agravo e, em consequência, se confirma a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que indeferiu a reclamação da conta.
- Custas pela Agravante. Lisboa, 29 de Junho de 2006.
Ana Luísa de Passos Geraldes Fátima Galante Ferreira Lopes
_________________________________________ 1.-In “Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado”, do citado Autor, págs. 168 e segts.
2.-Cf. 3ª edição, da Almedina, págs. 321 e segts.
3.-Neste sentido veja-se Antunes Varela, in “Manual de Porcesso Civil”, págs. 218 e segts.
4.-cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Julho de 2004, Relator: Manuel Tomé Soares Gomes, inserido a fls. 35 a 39 dos autos.