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CONTRATO DE TRABALHO
FUNÇÃO PÚBLICA
NULIDADE
Sumário
É nulo o contrato individual de trabalho celebrado entre uma trabalhadora e o Estado Português para o exercício de funções públicas, uma vez que, à data da celebração desse contrato, a trabalhadora já era aposentada da função pública. Apesar de nulo tal contrato produz os seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- A…, intentou no 3º Juízo, 3ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, CONTRA,
ESTADO PORTUGUÊS. II- PEDIU que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência deve o réu ser condenado ao pagamento de:
- € 1.630,54 correspondente às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença;
- € 1.419,28 correspondente aos proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado no ano em que se verificou a cessação;
- € 18.707,00 relativo ao pagamento de uma eventual indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, entrando no cômputo todo o tempo decorrido até à sentença, caso venha a optar por esta em alternativa à reintegração;
- juros de mora à taxa legal sobre as quantias devidas desde as datas dos respectivos vencimentos. III- ALEGOU, em síntese, que:
- É funcionária pública aposentada desde Dezembro de 1989;
- Em 1.11.90, e após ter sido aprovada em concurso publico, foi admitida ao serviço do Estado como secretária integrando o quadro de pessoal assalariado do …;
- A relação laboral era de direito privado;
- Embora tenha declarado optar pela sua reintegração na função publica ao abrigo do disposto nº DL 444/99 de 3.11, a verdade é que o réu nunca deferiu tal pretensão, pelo que o seu estatuto continua a ser de relação laboral privada;
- O réu comunicou-lhe a rescisão do seu contrato a partir de 30/04/03, sem justa causa aferida em processo disciplinar. IV- O réu foi citado e, realizada Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação, veio a contestar após notificação para o efeito, dizendo, no que agora se mostra com importância, que:
- A condição de funcionária aposentada impediu a sua integração no quadro único de vinculação (o respeitante à relação de direito público), por força da incompatibilidade prevista nos art.s 78º e 79º do EA, motivo pelo qual a sua pretensão não foi deferida;
- A autora não se encontrava integrada no quadro único de contratação (relação privada), e a qualidade de funcionária aposentada também lhe interditava a constituição válida de um contrato de trabalho com prestação de trabalho remunerado em regime de direito privado, ainda que na administração periférica. V- A autora respondeu mas, por despacho de fols. 90, determinou-se o desentranhamento dessa peça processual. VI- Foi proferido despacho saneador e realizada audiência de discussão e julgamento, vindo, a final, a ser proferida sentença em que se decidiu pela forma seguinte: "Julgo parcialmente procedente o pedido da autora e:
A) condeno o réu a pagar-lhe a quantia de 1.438,99 USD ( mil, quatrocentos e trinta e oito e noventa e nove), acrescidos de juros, às taxas legais, a contar de 30.04.03, até integral pagamento, a titulo de proporcionais;
B) julgo improcedente o remanescente do pedido.
Custas a cargo de autora e ré, na proporção vencimento/decaimento."
Dessa sentença recorreu a ré (fols. 139 a 146), apresentando as seguintes conclusões: A. A Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da Apelante assentou em errados pressupostos de Direito; B. A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo fez errada interpretação do preceito que invocou para efeitos de sustentação da sua decisão; C. Aos aposentados, nos termos das normas que integram o EA, não está vedada a possibilidade de contratarem, no âmbito de uma relação regulada sob a égide do direito privado, com o Estado; D. Seja em regime de prestação de serviços, seja ao abrigo de uma relação de natureza puramente laboral; E. As funções exercidas pela Apelante não são, reconhecidamente, de natureza pública; F. Os Postos Consulares e, em concreto, o CGPCC, não são empresas públicas; G. Inexiste qualquer tipo de incompatibilidade de natureza legal que obste à validação da relação laboral consolidada entre o Estado e a Apelante; H. O contrato individual de trabalho entre as partes consolidado é válido e não enferma de nenhum vício que possa determinar a sua nulidade; I. E o negócio jurídico celebrado não colide com qualquer disposição legal de natureza imperativa ou outra. VII- O réu contra-alegou (fols. 152 a 160) pugnando pela manutenção do decidido, excepto na parte em que se condenou o Estado no pagamento à autora de proporcionais de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, em que se bateu pela revogação desta parte da sentença.
Correram os Vistos legais. VIII- A matéria de facto dada como provada em 1ª instância, não impugnada e que se acolhe, é a seguinte:
1- A A é funcionária pública aposentada e detém a nacionalidade portuguesa;
2- Tendo exercido funções investida daquele estatuto até meados de Dezembro de 1989, altura em que, por sua iniciativa, cessou a sua relação de emprego público com o Estado Português, por via de um pedido de aposentação antecipada, após a prestação de serviço pelo período de quinze anos e sete meses;
3- No início do ano de 1990, a A. teve conhecimento que o … pretendia admitir pessoal;
4- Tendo sido aberto, para o efeito, um concurso público com o objectivo do preenchimento dos lugares disponíveis para o exercício de funções de Secretário de 2ª Classe do Quadro do Pessoal Assalariado daquele Posto Consular;
5- Tendo sido opositora ao mencionado concurso, no âmbito do qual prestou as correspondentes provas legalmente previstas, ficou a A. classificada em segundo lugar ( Doc. n.º 19);
6- A homologação do resultado do concurso foi comunicada ao Senhor Embaixador de Portugal em Pretória pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), através de ofício datado de 28 de Setembro de 1990 (Doc. n.º 2);
7- A A. iniciou as suas funções no CGCC, para o exercício da categoria profissional de Secretária de 2ª Classe, em 1 de Novembro de 1990;
8- Em 1 de Dezembro de 1995, em plena execução contratual, foi atribuído à A. o seu primeiro prémio de antiguidade, nos termos da legislação em vigor, de acordo com comunicação que recebeu através do ofício n.º 212/620/Cape Town, de 24.05.96, emanada do Departamento Geral de Administração (DGA) do MNE – Repartição de Pessoal Contratado nos Serviços Externos (Doc. n.º 4);
9- Tendo adquirido o direito ao segundo prémio de antiguidade em 1 de Dezembro de 2000 ( Doc. n.º 5);
10- Em 7 de Janeiro de 2000, a autora, na sequência da implementação do novo Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovado pelo Decreto-Lei, n.º 444/99, de 3 de Novembro (EPSEMNE), subscreveu e remeteu ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros um requerimento perspectivando a sua reintegração na função pública (Doc. n.º 6);
11- Tendo sido expedido pelo CGCC, em 19 de Janeiro do mesmo ano, documentos subscritos pela A. e dirigidos ao Senhor Ministro, tendo em vista a instrução do referido processo de integração (Doc. n.º 7), de acordo com os modelos aprovados pelo MNE;
12- Em 29 de Janeiro de 2001 e por referência à circular do MNE C-236, de 30 de Janeiro de 2000, a A. remeteu àquele Ministério duas declarações e subscreveu dois documentos relativos ao seu direito de opção pelo regime da função pública, indicando, pela mesma via, o regime de segurança social a que pretendia submeter-se (Doc. n.º 8);
13- Datada de 21 de Maio de 2001, foi expedida comunicação por parte do CGCC à Direcção de Serviços de Recursos Humanos do MNE, cujo assunto se reportava à “Informação sobre descontos efectivos para CGA e ADSE” (Doc. n.º 9), da qual resulta que a A. não procedia a descontos para a CGA desde que entrou para a reforma (sic), pretendendo, assim, descontar para aquela instituição;
14- Por outro lado, e no que à ADSE diz respeito, informa-se também que a A. vem mantendo o direito como funcionária aposentada, e que é sua intenção iniciar os descontos novamente a partir de 1 de Janeiro de 2001;
15- Termina-se, concluindo, que é seu intuito efectuar os respectivos descontos para a CGA, a partir de 1 de Novembro de 1990, data em que assumiu funções no Posto;
16- A pretensão da A., consubstanciada em ver deferida a sua opção pelo regime da função pública, nunca foi objecto de despacho favorável por parte do MNE;
17- Em diversas ocasiões, a própria Chefe daquele Posto Consular, sensível a uma pretensão que a própria tinha como legítima, indagou junto do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros e do DGA sobre qual o andamento que havia sido dado ao processo em causa (Docs. n.ºs 10, 11 e 12);
18- A autora tomou conhecimento da comunicação do MNE datada de 14 de Março de 2002 Doc. n.º 13, fls 43, que se reproduz;
19- A Cônsul … dirigiu à DGA, em 22 de Maio de 2002, a missiva constituída pelo Doc. n.º 14, que se reproduz;
20- Até ao dia 30 de Abril de 2003, a A. não foi formalmente notificada de nenhuma decisão relativa ao seu pedido de opção pelo regime da função pública;
21- À autora foi comunicado que cessaria as suas funções em 30.04.03, conforme despacho do Senhor Director do DGA doc. n.º15 de fols. 46 que se reproduz;
22- Não foram pagos à A. os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao ano em que se verificou a cessação de funções, tendo a autora recebido as quantias referidas na Nota de Abonos e Descontos do mês de Abril de 2003 (Doc. n.º 16), última que recebeu, e que se reproduz;
23- Em 26.06.01, autora foi notificada da necessidade de enviar um requerimento dirigido a S.EXª o Primeiro Ministro, solicitando autorização para exercício de funções públicas, nos termos do art. 78º, 1, c), e 79º do EA, único enquadramento possível para o seu pedido de opção pelo regime da função pública, conforme doc. 1, fls 72, que se reproduz;
24- Em 1.08.01, foi remetido através de ofício do … o pedido da autora datado de 26.07.01 ( doc. 2 ), para o accionamento dos mecanismos previstos nos art.s 78º, 1, c), e 79º do EA, por forma a serem obtidas as autorizações superiores previstas e de, por essa via, atento o condicionalismo existente, manter a sua actual remuneração de assistente administrativa, conforme doc. 3, fls 74, que se reproduz;
25- Em 20.06.02 foi solicitado a S. Exª o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, nos termos dos art.s 78º, 1, c), e 79º, do EA, autorização para o exercício das funções de assistente administrativa, no regime da função pública, por parte da autora funcionária aposentada, pelo prazo de um ano contado a partir da data do despacho de autorização, conforme doc. 4 e 4-A, que se reproduzem;
26- Tendo a cônsul-geral na Cidade do Cabo, em 6.02.03, enviada ao DGA a missiva de fls 78, doc. 5, que se reproduz, solicitando autorização para a autora “ ...continuar por enquanto exercício de funções ...”;
27- O Consulado Geral de Portugal na Cidade do Cabo recebeu a comunicação do MNE-DGA, que se encontra a fls 79, doc. 6 que se reproduz. IX- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela autora/apelante, as questões fundamentais que se colocam no presente recurso são as seguintes: A 1ª, se o contrato celebrado entre autora e réu, com início de funções a 1/11/1990 não é nulo por não existir incompatibilidade com o Estatuto da Aposentação; A 2ª, sendo o contrato nulo, ou válido, quais as consequências em função do que foi pedido pela autora. X- Decidindo. QUANTO À 1ª QUESTÃO.
Na sentença recorrida considerou-se, e bem, que o vínculo laboral estabelecido entre autora e réu, com início de desempenho a 1/11/1990, configura um contrato individual de trabalho e não qualquer relação jurídica de natureza administrativa. E essa natureza contratual encontrada não é sequer objecto de qualquer discórdia nestes autos, quer por parte da apelante, quer por parte do apelado nas respectivas alegações e contra-alegações de recurso, ambos aceitando expressamente a constituição do vínculo laboral através de contrato individual de trabalho.
O dissídio instala-se, todavia, relativamente à validade desse contrato individual de trabalho, uma vez que a autora já era funcionária pública aposentada na altura da celebração do mesmo (factos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7).
A sentença objecto de recurso entendeu que o contrato de trabalho era nulo porque "…de acordo com o disposto no art. 78º, 1, do EA, os aposentados não podem exercer funções remuneradas ao serviço do Estado, salvo em regime de prestação de serviços. Aliás, mesmo em relação ao exercício de funções públicas existem limitações previstas no art. 79º do mesmo diploma.
Ora, sendo tal norma imperativa, e sendo a autora aposentada, em virtude desta incompatibilidade não pode validamente constituir-se uma relação jurídica de contrato individual de trabalho, porque violadora de lei, o que gera nulidade do contrato – 280º, do Cód. Civil."
Porém, a apelante objectou que o contrato era válido, face ao disposto no art. 78º-1 do Estatuto da Aposentação, porque nem a mesma exercia funções públicas nem o Consulado-Geral de Portugal na Cidade do Cabo é, ou alguma vez foi, considerado juridicamente como empresa pública.
O Estatuto da Aposentação (EA) está regulado no DL nº 498/72 de 9/12 que, na redacção primitiva do seu art. 78º-1, estabelecia que "Os aposentados não podem exercer funções remuneradas ao serviço do Estado…salvo em regime de prestação de serviços…". Ora a sentença recorrida, tudo indica, concluiu pela nulidade do contrato de trabalho amparada numa redacção do EA que já não estava em vigor à data da celebração do contrato, olvidando-se a redacção dada àquele art. 78º-1 pelo DL nº 215/87 de 29/5.
Assim, a nova redacção do referido art. 78º-1 passou a estabelecer que "Os aposentados ou reservistas das Forças Armadas não podem exercer funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas, excepto se…".
Que o Consulado-Geral de Portugal na Cidade do Cabo não é uma empresa pública é algo de tão óbvio que não merece uma única linha sobre o assunto. Resta então, para que a autora, porque aposentada, estivesse impedida de prestar trabalho para o mesmo Consulado, que as funções a exercer fossem públicas.
A apelante, nas suas alegações de recurso estabelece alguma confusão quanto a esta matéria concluindo que, pelo facto de o seu contrato de trabalho ter natureza privada, as funções a exercer não podiam ser públicas. Mas não é assim.
De facto, os serviços públicos, para a execução de funções públicas, podem recorrer a regime de trabalho sujeito ao direito privado e a regime de trabalho sujeito ao direito administrativo. O que distingue as funções públicas das funções das privadas não é o regime laboral a que está sujeito o executante, mas a natureza das próprias funções.
Como é sabido, as funções públicas são executadas no âmbito dos serviços públicos, que aparecem geralmente como serviços administrativos, e são o "modo de actuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idóneos para satisfação de uma necessidade colectiva individualmente sentida"- Prof. Marcello Caetano, Direito Administrativo, Almedina, 1983, II Volume, pag. 1067.
Assim, "as relações exteriores do Estado com as outras potências e com as organizações internacionais são desenvolvidas pelos serviços diplomáticos; e a protecção aos cidadãos nacionais residentes no estrangeiro, bem como às empresas portuguesas que actuam fora do território nacional, é concedida pelos serviços consulares e de apoio à emigração." – José Pedro Fernandes e Afonso Queiró, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1º Suplemento, 1998, pag. 13.
Ora o Consulado-Geral de Portugal na Cidade do Cabo está integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros e a apelante foi contratada para exercer as funções de secretária de 2ª classe (facto nº 4).
Sendo indubitável que os Consulados de Portugal no estrangeiro concretizam uma actividade que prossegue o interesse público do Estado Português, quer a nível diplomático, quer a nível de apoio à emigração, às empresas e aos cidadãos portugueses no estrangeiro, executam, por isso, funções públicas. Daí também que a autora, exercendo funções de secretária de 2ª Classe no Consulado, exercia funções públicas, tendo sido contratada para satisfação de necessidades do Estado Português com carácter e interesse público.
Deste modo, atento o referido art. 78º-1 do EA (redacção do DL nº 215/87) autora e réu não podiam ter celebrado o contrato de trabalho em causa, sendo o mesmo nulo, como se decidiu na sentença recorrida, porque contrário a disposição legal imperativa. QUANTO À 2ª QUESTÃO.
A sentença sob censura decidiu, face à nulidade do contrato de trabalho, que "atenta a natureza continuada desta relação, o contrato produziu os seus efeitos somente enquanto se executou, ou seja, até à data da sua rescisão em 30.04.03 – art. 15º da LCT.
O que significa também que a autora apenas terá direito aquilo que lhe é devido por referência à duração do contrato, ou seja, os proporcionais de férias, subsídio de férias, e de Natal do ano da cessação do contrato - art.s 10º do DL 874.76 de 28-12, e 2º do Dec.Lei 88.96, de 3.7.".
Mas não é exactamente assim.
Refere o réu, nas suas contra-alegações, que qualquer dos contraentes pode colocar termo ao contrato nulo, "unilateralmente, em qualquer momento, sob qualquer forma, quando verificado o vício que determina a nulidade, sem necessidade de propor qualquer acção de invalidade". E é verdade, mas acontece que o réu colocou termo ao contrato sem invocar a nulidade do mesmo, como facilmente se conclui do facto nº 21, sendo a comunicação do seguinte teor: "Informa-se Vexa que por Despacho do Sr. DGA de 26/02/03 será comunicado à Presidência do Conselho de Ministros que continuidade de funções Srª Alcina Rosado cessará próximo dia 30 de Abril, não sendo assim possível permanência ao serviço para além daquela data."
Desta forma e apesar do contrato de trabalho celebrado ser nulo, o réu apenas na sua contestação destes autos invocou a proibição da celebração do mesmo por força do art. 78º-1 do EA (v. arts. 19º e 23º da contestação, a fols. 69 e 70, respectivamente).
Como já se viu, a comunicação que foi feita à autora limitou-se a transmitir a cessação para o dia 30 de Abril, realçando a impossibilidade de permanência ao serviço após aquela data.
O despedimento é uma forma de extinção da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
"Tecnicamente, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro"- Pedro Furtado Martins, "Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva", ed. de 1992, pag. 37.
Sendo o despedimento um acto unilateral recipiendo, torna-se vinculante para o declarante quando se verifica o conhecimento, ou a cognoscibilidade da declaração emitida. A partir desse momento o trabalhador está juridicamente despedido, pelo que o contrato de trabalho terminou.
Assim, o réu, com aquela comunicação, denunciou unilateralmente o contrato de trabalho existente com a autora, com efeitos a partir de 30/4/03, pelo que nessa data foi posto fim, pelo réu Estado, àquela relação laboral, sendo de concluir que a autora foi despedida pelo réu
O despedimento da autora efectuado pelo réu, porque não foi precedido de processo disciplinar nem de invocação de justa causa ou de qualquer causa de caducidade das previstas nas als. b) e c) do art. 4º do Dec-Lei nº 64-A/89 de 27/2, é ilícito, nos termos do art. 12º-1-a)-c) do Dec-Lei nº 64-A/89 de 27/2.
Debruçando-se sobre a questão das consequências de actos extintivos do contrato de trabalho antes da declaração de invalidade, como é o caso dos autos, escrevem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, ed. LEX, 1994, pag. 74 que "...se o empregador tiver despedido ilicitamente o trabalhador aplicar-se-ão as regras sobre os efeitos do despedimento ilícito (cfr. art. 13.º da LCCT), embora aqui possa ser necessário fazer uma adaptação dessas regras tendo em vista a invalidade do contrato de trabalho.
'Na verdade, a articulação entre a invalidade do contrato de trabalho e as normas que disciplinam a extinção do mesmo coloca-se hoje em termos diferentes do que aqueles que eram pressupostos da LCT. Acontece que no regime actual (tal como naquele que o antecedeu- DL nº 372-A/75 de 16/6) um dos efeitos do despedimento ilícito consiste na chamada reintegração do trabalhador, ou seja, na possibilidade de o tribunal declarar a manutenção forçada da relação laboral (cfr. art. 13.º, 1, b), da LCCT e respectiva anotação). Ora, esta consequência do despedimento ilícito não tem aplicação quando o contrato de trabalho for inválido, pois o tribunal não pode declarar a invalidade e, ao mesmo tempo, declarar que o contrato se mantém. Daí que o despedimento ilícito tenha como consequência apenas a obrigação da entidade patronal pagar as retribuições vencidas correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução e a indemnização de antiguidade. É claro que isto pressupõe que a questão da invalidade do contrato seja levantada no decurso da acção de impugnação do despedimento, quer por iniciativa das partes, quer do próprio tribunal, quando se trate de um caso de nulidade (Vd. RIBEIRO LOPES (1978), pag. 180-181)".
No mesmo sentido veja-se o Ac. da Rel. de Coimbra de 10/7/97, Col. 1997, T. 4, pag. 66, onde se escreve que, tendo sido pedida a reintegração, "esse despedimento apenas pode conferir ao trabalhador despedido o direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até à declaração da nulidade do contrato pela entidade empregadora".
De facto, atento disposto no art. 286º do CC e uma vez que as nulidades operam "ipso jure", a execução do contrato de trabalho cessou, necessariamente, com a notificação à autora da contestação da ré em que se invoca a proibição de celebração do contrato em causa, porque, nessa data, o réu Estado invocou perante a autora a invalidade do contrato de trabalho. Assim, pelo exposto por força do art. 13º-1-a)-2-a)-b) e 3 do Dec-Lei nº 64-A/89 de 27/2, sendo o despedimento ilícito, tem a autora direito ao pagamento das importâncias que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data em que a contestação do réu foi notificada à autora, ou seja, desde 7/2/2004 até 14/5/2004 (v. fols. 2 e 80) (mensalidades, férias, subsídios de férias, subsídios de Natal, proporcionais de férias, subsídio de férias e de subsídio de natal) descontados que sejam os montantes das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidas pelo autor em actividades iniciadas após o despedimento.
Não tem a autora direito à indemnização de antiguidade porquanto não foi a mesma pedida, já que não chegou a haver, por parte da autora, opção pela mesma em detrimento da reintegração.
Importa considerar que a retribuição mensal auferida pela autora na altura do despedimento ascendia a € 1.452,58, acrescida de € 71,43 a título de subsídio de refeição, num total de € 1.524,01, como se retira do facto nº 22.
Assim, considerando o dia da propositura da acção (8/3/2004) e o da notificação da contestação à autora (14/5/2004), tem esta direito:
1- Aos salários mensais a partir de 7/2/00 até 14/5/04, no montante de € 4.927,63 (3 meses + 7 dias à razão de € 1.524,01 mensais ou € 50,82 diários);
2- À retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidas em 1/1/04, nos termos dos arts. 3º-1, 6º-1-2 e 10º-2 do Dec. Lei nº 874/76 de 28/12, no montante de € 2.905,16 (2 meses à razão de € 1.452,58 mensais);
3- Aos proporcionais da retribuição de férias e respectivo subsídio, correspondentes ao tempo de serviço do ano de 2004 até à data da notificação ao autor da contestação da ré (14/5/2004), nos termos dos arts. 6º-1-2 e 10º-1 do Dec. Lei nº 874/76 de 28/12, no montante de € 1.081,37 ([(€ 1.452,58 mensais : 12 x 4) + (€ 1.452,58 mensais : 12 : 30 x 14)] x 2);
4- Ao proporcional do subsídio de Natal relativo a 2004, nos termos do art. 2º-2 do Dec. Lei nº 88/96 de 3/7, no montante de € 540,68 ([(€ 1.452,58 mensais : 12 x 4) + (€ 1.452,58 mensais : 12 : 30 x 14)]);
Somam, assim, todas as verbas apuradas até agora, um total de € 9.454,84, quantia esta que a autora tem a receber do réu Estado, descontadas que sejam, em liquidação em execução de sentença, as importâncias relativas a rendimentos de trabalho eventualmente auferidas pela autora em actividades iniciadas após o despedimento.
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor- art. 804º-1 do CC.
Porém, sendo a obrigação ilíquida, nos termos do art. 805º-3 do CC, só há mora a partir da liquidação.
Tudo visto, a apelação tem de proceder parcialmente. XI- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida e condenando-se a o réu Estado a pagar à autora a quantia que se liquidar em execução de sentença resultante do desconto das importâncias relativas a rendimentos de trabalho eventualmente auferidas pela autora em actividades iniciadas após o despedimento ocorrido a 30/4/2003 e até 14/5/2004, sobre o montante de € 9.454,84, acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva, desde a data da liquidação até efectivo pagamento.
Custas por autora e réu, em ambas as instâncias, nas proporções dos respectivos decaimentos.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas