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OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário
I- A aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento não é automática, impondo a lei ao interessado o ónus de provar ligação efectiva à comunidade nacional (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro). II- A ligação efectiva traduz-se na integração da comunidade nacional que assenta num complexo de liames expressos pelo conhecimento da língua portuguesa, domicílio, comunhão cultural, integração social (que não meramente familiar) e até por factos económico-profissionais, complexo que traduza e demonstre um sentimento de pertença à comunidade portuguesa que seja demonstrativo de uma ligação efectiva à comunidade nacional e não de uma ligação oportunista ( artigo 9º, alínea a) da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro). III- Prova a ligação efectiva à comunidade nacional o cidadão de nacionalidade brasileira que reside em Portugal com o seu cônjuge, aqui adquiriu habitação, trabalha em Portugal, está integrado no sistema fiscal, de saúde e de segurança social portugueses, domina a língua portuguesa, que é língua do seu Estado de origem, mostra conhecimentos mínimos da cultura portuguesa, passada e presente, o que evidencia a sua integração e, por conseguinte, uma vontade efectiva, não oportunista, de adquirir a nacionalidade portuguesa.
(SC)
Texto Integral
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.
1. RELATÓRIO
O Ministério Público propôs esta acção com processo especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, contra, MARIA DE FÁTIMA […], casada, de nacionalidade brasileira, natural do […] Estado do Maranhão, Brasil, nascida a 15/01/1958, filha de […] residente no […] Seixal, pedindo que, salvo prova complementar, se declare procedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, ordenando-se o arquivamento do respectivo processo, com fundamento em que, a requerida Maria de Fátima é natural do Brasil onde nasceu em 15 de Janeiro de 1958.
É filha de pais brasileiros Tendo assim, "jure sanguinis et soli", nacionalidade brasileira.
E actualmente reside em Portugal.
Em 25 de Abril de 1998, nos Estados Unidos, contraiu casamento com o cidadão originariamente português Jorge Manuel Ferreira da Silva, natural de Sesimbra.
E em 04 de Novembro de 2004, na Conservatória do Registo Civil de Sesimbra, declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa com base naquele casamento (art.º 3° da Lei 37/81, de 3 de Outubro).
E bem assim por residir em Portugal desde 2001.
Sendo facto notório a comunhão da língua pátria de Portugal e do Brasil.
Tendo o casal adquirido casa própria no […] Seixal,
Estar integrada nos sistemas fiscal, de saúde e segurança social portugueses, e ter conta em instituição bancária nacional.
Mostrando-se adaptada socialmente em Portugal, onde perfez e mantém amizades,
Existindo o projecto familiar de manter a residência definitiva do agregado familiar em Portugal.
Estando profissionalmente integrada no País onde é empregada […]
E ser titular de escolaridade equivalente ao 9.º ano de escolaridade portuguesa.
Sequentemente foi autuado na Conservatória dos Registos Centrais o processo n.º […], onde se questionou a existência de um factor impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa, razão porque o registo não chegou a ser lavrado.
É que, pela actual lei portuguesa, a atribuição da nacionalidade portuguesa não constitui um efeito automático do casamento.
E vem-se formando jurisprudência no sentido de que a integração comunidade nacional tem que assentar num complexo de liames expressos pelo conhecimento da língua portuguesa, o domicílio, comunhão cultural, integração social (que não meramente familiar), e até por factos económico-profissionais, ou outros, complexo esse que traduza a ideia de um sentimento de pertença perene a tal comunidade (neste sentido genérico, os doutos Acs.12.01.98 proferido no Processo no. 6163/97 e de 02.04.98 no Processo 4/98-L, ambos da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação).
Ora a Requerida não indicou prova da sua integração social, desconhecendo-se também o que conhece de Portugal além da região do Seixal, se tem uma percepção histórica de Portugal (conhece, por exemplo, Pedro Álvares Cabral? ou quem foi o fundador do Reino de Portugal?), das figuras mais representativas da sua cultura (por exemplo sabe quem foi Camões, autor de os Lusíadas?), se acompanha a realidade actual do nosso país (como?), se sabe quais os titulares dos principais órgãos políticos da Nação (quem exerce as funções de Presidente da República? de Presidente da Assembleia da República? de Primeiro-Ministro?), se conhece os símbolos nacionais/art.º 11.º da CRP (quais as cores da bandeira nacional, o hino nacional?) (quais os partidos políticos representados na Assembleia da pública, qual a função essencial desta.
À requerida assiste o direito a indicar ao Tribunal todas as provas admitidas em direito, sobre estes ou outros factos relevantes.
Citada, a requerida apresentou articulado reiterando o seu propósito de aquisição da nacionalidade portuguesa, oferecendo prova testemunhal e documental e aduzindo ainda que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa porque, para além de ser casada com um Português, viver em Portugal e aqui querer ficar para sempre, abraçou este País como sendo o seu, porque se sente em casa com o casamento, com os amigos e vizinhos Portugueses, com o adquirir casa própria, com o exercício do seu trabalho e com o convívio social que mantém com os Portugueses.
Em termos culturais, é uma pessoa média baixa, devido ao seu grau académico e ao nível social em que se encontra inserida, mas não difere de um outro Português, homem ou mulher, da sua idade e seu grau académico.
A requerida conhece algumas coisas da história de Portugal, parte do hino, sabe quem é o Exmo. Sr. Presidente, bem como o Sr. Primeiro-ministro, e os partidos com assento parlamentar.
De facto, o saber com rigor todas os elementos da história do País ou a sua orgânica politica, são coisas que se vão aprendendo, ou seja, é um processo evolutivo com o qual se vai sedimentando o conhecimento da sociedade onde nos encontramos inseridos com o passar dos anos e assim acontece com a Requerida.
Mas, face ao tempo que está no País e o seu nível cultural, não fica atrás de qualquer outro Português em condições semelhantes.
A Requerida já conhece uma boa parte do País, principalmente, o Continente, o que tem vindo a conhecer pelas viagens que tem feito com o marido e amigos, desde o Norte ao Algarve.
A Requerida está, salvo melhor opinião, perfeitamente integrada socialmente.
O Tribunal procedeu à audição da requerida e à inquirição de três das catorze testemunhas por ela indicadas, cujos depoimentos foram objecto de registo/áudio.
2. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS Atenta a prova documental junta com a petição do Ministério Público, o documento junto em audiência, as declarações da requerida e os depoimentos das testemunhas […], o Tribunal considera provados os seguintes factos:
1) A requerida nasceu no […] Estado do Maranhão, Brasil, a 15/01/1958, sendo filha de […] e tem a nacionalidade brasileira.
2) Em 25 de Abril de 1998, nos Estados Unidos da América do Norte, contraiu casamento com o cidadão, originariamente português, Jorge […], natural de Sesimbra.
3) E em 04 de Novembro de 2004,na Conservatória do Registo Civil de Sesimbra, declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa com base naquele casamento (art.º 3° da Lei 37/81, de 3 de Outubro).
4) A requerida reside em Portugal desde 2001, juntamente com o seu cônjuge, […] em execução de projecto familiar de manter a residência definitiva do agregado familiar em Portugal, tendo o casal adquirido casa própria no […] Seixal.
5) Essa casa foi adquirida, com recurso a empréstimo bancário para garantia do qual, os cônjuges constituíram hipoteca e beneficiaram de fiança de um casal português, amigo de ambos.
6) Trabalha como “assistente de mordomo” na residência oficial do embaixador […] situada em Lisboa.
7) Está integrada no sistema fiscal, onde tem o NFC […], apresentando declaração anual de I. R. S. juntamente com o seu cônjuge.
8) Está integrada no sistema de saúde e segurança social portugueses onde tem o número de beneficiário […]
9) É titular de contas bancárias em sociedades bancárias que exercem actividade no território nacional.
10) Mostra-se adaptada socialmente em Portugal, onde ingressou no círculo familiar e de amizades do seu cônjuge e onde perfez e mantém amizades.
11) Frequentou nível de escolaridade equivalente ao 9.º ano de escolaridade portuguesa, falando o português e o inglês.
12) Por despacho de 24/11/2003 do Departamento da Educação Básica do Ministério da Educação foi-lhe reconhecida a equivalência ao Nono Ano de Escolaridade.
13) A requerida conhece algumas figuras da história de Portugal, em especial que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral, que o primeiro rei de Portugal foi D. Afonso Henriques, sabe que Portugal é uma Republica, quem são os titulares dos órgãos de soberania, reconhece o hino nacional e a bandeira portuguesa.
14) A Requerida, para além do conhecimento que lhe é proporcionado pelos meios de comunicação e pelos familiares e amigos, conhece directamente uma boa parte de Portugal Continental pelas viagens que tem feito com o marido e amigos, como a região de Sesimbra a Lisboa onde reside e trabalha, Porto, Aveiro e o Algarve.
B) O DIREITO APLICÁVEL
A requerida, Maria de Fátima […], pretende que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa com fundamento no disposto no art.º 3.º da Lei n.º 37/81 de 3/10, por estar casada com um português, residindo em Portugal e tendo uma efectiva ligação à comunidade nacional.
A aquisição da nacionalidade por essa via, tendo subjacentes, para além do mais, razões de protecção familiar, não é automática antes exigindo para cada indivíduo uma “ligação efectiva à comunidade nacional”, como dispõe o art.º 9.º, al. a) da Lei n.º 37/81 na redacção que lhe foi dada pelo art.º 3.º da Lei n.º 25/94 de 19/08.
E essa ligação efectiva à comunidade nacional, sendo um conceito aberto, deve ser integrada por factos concretos dos quais se possa concluir que a requerida pela sua inserção familiar, social e cultural, possui a tal ligação afectiva à comunidade nacional, devendo esses factos ser comprovados pelo interessado.
Como dispõe o art.º 22.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 322/82 de 19/08, na redacção do Dec. Lei n.º 253/94 de 20 /10, “Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção deve: a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional”.
No caso sub judice, para integração desse conceito legal, a requerida, acatando o requerido pelo Ministério Público e dando cumprimento ao disposto nesse preceito, articulou factos, juntou documentos e ofereceu testemunhas tendo feito a prova da matéria de facto supra descrita.
Tais factos permitem-nos concluir com segurança que a requerente, com família constituída e a residir e a trabalhar em Portugal tem com este país um relacionamento que ultrapassa as necessidades de obtenção de proventos pelo trabalho, configurando-se como a ligação efectiva à comunidade nacional que a lei citada define como pressuposto para a aquisição da nacionalidade.
Com efeito, a requerida que, para além do casamento apresentava, a priori, pelo menos, os liames do nome português e da língua portuguesa, provou ainda que:
- Reside em Portugal desde 2001, juntamente com o seu cônjuge, […] em execução de projecto familiar de manter a residência definitiva do agregado familiar em Portugal, tendo o casal adquirido casa própria no […] Seixal (n.º 4 da matéria de facto).
- Essa casa foi adquirida, com recurso a empréstimo bancário para garantia do qual, os cônjuges constituíram hipoteca e beneficiaram de fiança de um casal português, amigo de ambos (n.º 5 da matéria de facto), com a estabilidade e solidez inerentes a tais actos.
- Trabalha como “assistente de mordomo” na residência oficial do embaixador […] situada em Lisboa (n.º 6)).
- Está integrada no sistema fiscal, onde tem o NFC […], apresentando declaração anual de I. R. S. juntamente com o seu cônjuge (n.º 7)).
- Está integrada no sistema de saúde e segurança social portugueses onde tem o número de beneficiário […] (n.º 8)).
- É titular de contas bancárias em sociedades bancárias que exercem actividade no território nacional (n.º 9)).
- Mostra-se adaptada socialmente em Portugal, onde ingressou no círculo familiar e de amizades do seu cônjuge e onde perfez e mantém amizades (n.º 10)).
- Por despacho de 24/11/2003 do Departamento da Educação Básica do Ministério da Educação foi-lhe reconhecida a equivalência ao Nono Ano de Escolaridade (n.º 12)).
- Conhece algumas figuras da história de Portugal, em especial que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral, que o primeiro rei de Portugal foi D. Afonso Henriques, sabe que Portugal é uma Republica, quem são os titulares dos órgãos de soberania, reconhece o hino nacional e a bandeira portuguesa (n.º 13)).
- Para além do conhecimento que lhe é proporcionado pelos meios de comunicação e pelos familiares e amigos, conhece directamente uma boa parte de Portugal Continental pelas viagens que tem feito com o marido e amigos, como a região de Sesimbra a Lisboa onde reside e trabalha, Porto, Aveiro e o Algarve (n.º 14)).
Tais factos permitem concluir que a requerida, comparativamente com os restantes cidadãos da sua nacionalidade de origem, com os cidadãos de outros países com semelhantes ligações históricas a Portugal, para além de ser casada com um português, apresenta uma ligação efectiva à comunidade nacional.
Tendo a requerida feito a Prova Complementar a que o Ministério Público se reporta na sua petição, deverá, pois, ser-lhe concedida a nacionalidade portuguesa
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o pedido formulado pela requerida, concedendo-lhe a nacionalidade portuguesa. Sem custas (art.º 27 do Reg. Aprovado pelo do Dec. Lei n.º 322/82 de 19/08).
Transitado em julgado, envie certidão à Conservatória dos Registos Centrais (art.º 30.º do Regulamento citado).