ENERGIA ELÉCTRICA
FORNECIMENTO
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
INTERPELAÇÃO
Sumário

I- Não é excluído do regime prescritivo previsto na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho o fornecimento de energia eléctrica em média tensão.
II- O direito de exigir o pagamento de fornecimento de energia eléctrica de média tensão prescreve no prazo de seis meses (ver artigo 10.º/1 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho).
III- A prestação de serviços essenciais, nos quais se inclui o fornecimento de energia eléctrica, não se enquadra em nenhum dos créditos referidos nos artigos 316.º e 317.º do Código Civil, mas no n.º 1 do referido artigo 10.º onde não se concede que a prescrição tenha natureza outra que não a extintiva.
IV- A emissão de factura ( e a sua comunicação ao devedor) não constitui causa interruptiva do prazo de prescrição, trata-se de mera interpelação para pagar que não encontra abrigo na previsão constante do artigo 323.º do Código Civil.

(SC)

Texto Integral

Acordam na Relação de Lisboa

I. Procº nº 2737/06

[…]

Pedido: condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €40 396,43, acrescida de juros vincendos à taxa contratual, desde 12 de Julho de 2005, até integral pagamento. Peticiona ainda, a apelante, os juros de mora correspondente a facturas pagas com atraso, relativas a consumos de Dezembro de 2003 a Março de 2004 e despesas bancárias com devolução de cheques.

Alegou, em resumo, que em 12 de Julho de 2003, foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica entre EDP – Energia SA e […] (outorgantes estes que vieram a ser substituídos pela apelante e apelado), com início em 1 de Dezembro de 2003; todavia, a R. (que sucedeu a esta última) não efectuou os pagamentos dos consumos de electricidade dos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2004, a que acrescem os correspondentes juros de mora à taxa contratual.

Citada, a R. contestou pugnando pela absolvição do pedido e invocando a prescrição, com base no disposto no art.º 10º n.º1 da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, porquanto, desde a data da prestação do serviço até à data da reclamação do respectivo pagamento, decorreram mais de seis meses.

Na resposta, a A/apelante defendeu a improcedência da excepção, sustentando que o fornecimento em causa (média tensão) enquadra-se na excepção do n.º 3 do art.º 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, ou seja, o regime geral da lei civil (5 anos); mas mesmo que assim não se entendesse, continua a defender, a exigência do pagamento foi tempestiva, porquanto a factura foi emitida no prazo de seis meses a contar do fornecimento.

Foi proferida decisão que concluiu pela improcedência do pedido.

É contra esta decisão que se insurge a recorrente, formulando as seguintes conclusões:

1. A recorrente forneceu energia eléctrica à recorrida, que esta consumiu, em Abril, Maio, Junho e Julho de 2004, ao abrigo de um contrato de fornecimento de energia eléctrica com a mesma celebrado, consumo este que foi facturado em 3, 4 e 5 de Agosto de 2004, no valor de € 38.486,60 e que a recorrida não pagou, o que confessou.

2. A recorrida veio invocar a excepção da prescrição constante do art.º 10º n.1 da Lei 23/96 de 26.07 (que prevê a prescrição do direito de exigir o pagamento do preço dos diversos serviços prestados no prazo de seis meses após a sua prestação), dado que a acção condenatória foi proposta em Julho de 2005, requerendo a absolvição do pedido.

3. A recorrente, entende, todavia, que o fornecimento de energia eléctrica contratado se encontra abrangido pela excepção prevista no n.º 3 do art.º 10º da citada Lei 23/96 (que exclui do prazo curto de prescrição os fornecimentos de energia eléctrica em alta tensão), uma vez que no conceito de alta tensão se devem incluir a média tensão e a muito alta tensão, tendo em conta a intencionalidade normativa da lei e, no quadro desta, a fundamentação da diferenciação de regimes.

4. A referida lei, integrada na ordem pública de protecção, tem como objectivo a protecção dos utentes de serviços essenciais, pelo que o facto de se terem excluído utentes fornecidos com certas características de tensão, só pode significar, na óptica legislativa, que essa categoria de utentes não merece tutela especial ou que essa necessidade de tutela é suplantada pelos interesses da contraparte.

5. Não sendo o conceito em causa unívoco uma vez que há legislação que o utiliza quer em sentido amplo, quer em sentido restrito, não nos devemos cingir à interpretação literal.

6.Também não nos devemos cingir a uma interpretação segundo a qual a proximidade temporal da legislação que acolhe o conceito restrito (DL 182/95) determina que esse conceito é aplicável ao n.º3 do art.10º da Lei 23/96, uma vez que o próprio DL 182/95 restringe a sua aplicação ao seu próprio âmbito.

7. Pelo contrário, tal conceito é tradicionalmente interpretado como bipartido, abrangendo a alta tensão, indistintamente, os valores que excedam a baixa tensão, pelo que, tendo em conta o carácter funcional dos conceitos jurídicos, o sentido da expressão deve traduzir elementos valorativamente relevantes para a estatuição a que está ligada, razão pela qual é relevante a intencionalidade da norma.

8. A excepção do n.º 3 do art.º 10º fundamenta-se, assim, no facto de os riscos que a mesma Lei pretende ver protegidos, não terem razão de ser nos utentes de alta tensão e, uma vez que estes não diferem dos utentes de média tensão, nem quanto ao seu perfil funcional ou dimensional, não se vê motivo para a interpretação literal do conceito.

9. Ao contrário, já nada aproxima os utentes de média tensão dos de baixa tensão; neste caso, existe alimentação directa da rede, o cálculo do consumo resulta de uma simples operação aritmética com base na leitura do contador, ao contrário do que sucede no caso da média e alta tensão (e obviamente da muita alta tensão) em que os utentes têm um posto de transformação, existe equipamento de medição, e é possível ao utente o controlo do consumo, entrando na estrutura tarifária vários factores cuja utilização pode originar demoras no apuramento ou erros nem sempre fáceis de detectar num curto espaço de tempo.

10. Assim, não é aplicável à recorrente o disposto no art.º 10º n.º1, mas sim o prazo geral do art.º 310º aliena g) do Cód. Civil, não se encontrando consequentemente prescritos os seus direitos, uma vez que a acção foi interposta em Julho de 2005.

11. Acresce que ainda que lhe fosse aplicável o disposto no já citado n.º1 do art.º10º, a recorrente enviou a factura no mês seguinte ao do fornecimento da energia, a qual foi tempestiva.

12. A prescrição ali prevista tem natureza presuntiva, fundando-se na presunção de cumprimento, destinando-se a proteger o devedor de pagar duas vezes ou de não guardar a quitação.

13. O direito de exigir o pagamento previsto no art. 10º n.º1 é o direito de enviar a factura e não o direito de a cobrar judicialmente, pelo que a recorrente, também assim procedeu em tempo.

14. Competiria pois à recorrida ter provado o seu pagamento, o que não fez, tendo confessado a divida, pelo que mesma deve ser paga à recorrente.

15. Em face do exposto, foram violadas as disposições constantes do art.º 10º nºs 1 e 3 da Lei n.º 23/96, bem como o art.º 310º g) do Código Civil.

16. As normas jurídicas que constituem fundamento da decisão – aplicação do n.º1 e não do n.º3 do art.º 10º da Lei 23/96 e do art.º 310º aliena g) do Cód. Civil – deveriam ter sido interpretadas no sentido de que o fornecimento de energia eléctrica efectuado pela recorrente à recorrida em causa nos presentes autos, em média tensão, e que confessadamente esta não pagou, se encontra abrangido pelo n.º 3 do art.º 10º, uma vez que o conceito nele constante abrange os fornecimentos em média tensão contratada.

17. Em consequência, não se aplica o prazo prescricional de seis meses, previsto no n.º1 do referido art.º 10º, ao caso dos autos, mas sim o prazo de cinco anos previsto no art.º 310º al. g) do Código Civil, pelo que deveria ter sido considerada improcedente a excepção de prescrição invocada pela recorrida.

18. Acresce que, sem conceder na aplicação dos autos, o n.º 1 do art.º 10º deveria ser interpretado no sentido de o prazo prescricional de seis meses para a exigência de pagamento, ser uma prescrição presuntiva e, como tal, não se poderia a recorrida valer da mesma porque confessou o não pagamento, com os efeitos dos art.ºs 38, 490º e 567 CPC.

19. Para além de que deveriam ter ficado provados documentalmente os factos alegados nos art.ºs 7º, 8º,9º, 10º e 11º da PI.

A apelada apresentou contra-alegações.

II. 1. As questões que cumpre resolver consistem em saber se: (a) deve ou não ser alterada a matéria de facto; (b) a dívida em causa está ou não prescrita (onde cabe discutir a questão de saber se do âmbito do regime prescritivo do art.º 10 da lei 23/96 é de excluir o fornecimento de energia eléctrica em média tensão e se, não sendo o caso, devemos ou não considerar que a prescrição em causa tem natureza presuntiva ou extintiva).

II. 2. 1. Em primeira instância foi dado como provado que:

1. Em 12 de Julho de 2003 foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica entre EDP – Energia S.A., e […] (outorgantes estes que vieram a ser substituídos pela ora autora – empresa do Grupo EDP, constituída no sistema liberalizado de energia eléctrica – e pela R.);

2. O fornecimento de energia eléctrica às instalações da R., situadas em […], teve início em 1 de Dezembro de 2003;

3. A R. não efectuou o pagamento dos fornecimentos de energia eléctrica, cujo consumo realizou, no valor de € 38.486,60, correspondentes às seguintes facturas:

a) Factura n.º 404040800000027, relativa aos consumos do mês de Abril de 2004, no valor de €9.478,64;

b) Factura n.º 404040800000028, relativa aos consumos do mês de Maio de 2004, no valor de €9.043,29;

c) Factura n.º 404040800000033, relativa aos consumos do mês de Junho de 2004, no valor de €10.277,93;

d) Factura n.º 404040800000045, relativa aos consumos do mês de Julho de 2004, no valor de €9.686,74;


Apreciando:

II. 2. 2. 1. Quanto ao recurso da decisão de facto.

Veio a recorrente, nos termos do art.º 712º n.º1 a) CPC requerer sejam dados como provados os art.º 7º, 8º, 10º e 11º da P. I., alegando ter apresentado documentos, em si, suficientes, para que o Tribunal Arbitral os tivesse dado como assentes (1).

O primeiro dos documentos (fls. 56), designado por apuramento da dívida… consubstancia a cópia de um conjunto de outros documentos (factura; cálculo dos juros; e resumo da dívida); os segundos a sexto (fls. 57 a 61) traduzem-se em notas de crédito e o sétimo (fls. 62) consubstancia uma carta dirigida à R. e da autoria da A., pela qual se anuncia a intenção de recurso ao Tribunal arbitral, na ausência do pagamento que a autora entende ser-lhe devida.

Todos os documentos são da autoria da autora.

Independentemente da força probatória dos documentos em causa (documentos particulares da autoria da A.), à luz do disposto, entre outros, do art.º 376 CC, cumpre referir que esses mesmos documentos reportam-se a juros em dívida; a despesas bancárias alegadas pela A. e que terão sido originadas pela devolução de cheques; a contactos entre a A. e a R., com vista à celebração de um acordo de pagamentos. Ora, salvo o devido respeito, apenas alguns desses factos podem relevar do ponto de vista do pedido formulado, uma vez que os juros não dependem de qualquer cálculo concreto efectuado pela A., mas resultam dos termos convencionados e da legislação aplicável. Apenas o alegado quanto a despesas bancárias com cheques devolvidos parece ter algum relevo do ponto de vista do petitório mas, ainda assim, pode entender-se que se trata de matéria implicitamente impugnada atendendo aos termos da defesa, encarada no seu conjunto. Por isso, não bastaria a força probatória reconhecida aos documentos particulares pelo art.º 376º Cód. Civil para dar como provado o questionado facto.

Conclui-se, assim, que não é de ampliar a matéria de facto dada como provada.

II.2.2.2 Quanto à prescrição ou não da divida:
.
Quanto a saber se o fornecimento de energia eléctrica em média tensão é de excluir do regime prescritivo da Lei 23/96.

A Jurisprudência não é uniforme, mas afigura-se-nos que o critério mais razoável é o seguido pelo douto Acórdão proferido no Tribunal Arbitral.

Na verdade, na linha que veio a originar a transposição para o ordenamento nacional da Legislação Europeia sobre a protecção do consumidor, entendeu o legislador dever proteger de modo especial o consumidor de serviços públicos essenciais (neste caso, pessoas singulares e colectivas), através da Lei 23/96, de 26 de Julho.

Por consumidor, aqui, parece dever entender-se o utente desses mesmos serviços (independentemente do carácter profissional ou não da actividade a que se destine o fornecimento) – art.º 1/1 e 3.

Temos, assim, um conceito muito lato de consumidor ou de utente para efeitos da referida lei, conceito esse que não sofre qualquer restrição explícita na mesma lei; bem pelo contrário.

A especialidade do regime neste domínio de essencialidade dos serviços prende-se, como se diz nos debates parlamentares com a natureza [desses] mesmos serviços, o modo como são prestados e […] as especiais dificuldades [para os consumidores] em fazer valer os seus direitos. Reconhece-se, por isso, nos referidos debates a especial necessidade em assegurar o exercício dos direitos dos consumidores em sectores onde os bens ou serviços prestados …são …essenciais à vida e dos quais não se pode prescindir (2).

Apontam-se, além disso, razões como a actuação das empresas fornecedoras, em geral, em regime de monopólio, desequilibrando assim as relações em desfavor do consumidor.  

Foi por isso que se instituíram medidas como: o direito à participação (art.º 2º); pré-aviso adequado, aquando da suspensão do fornecimento (art.º 5º); a proibição de imposição de cobrança de consumos mínimos (art.º 8º); a obrigatoriedade e gratuitidade da facturação detalhada (art.º 9º) e o fomento da arbitragem para a resolução de conflitos de consumo.

O regime prescritivo constante deste diploma é um regime especialíssimo que exclui expressamente do seu âmbito o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.

Ora bem, o princípio geral a que devem obedecer as relações contratuais entre o prestador do serviço e o consumidor são regidas pelo princípio geral da boa-fé que já derivava da lei geral mas que a lei especial veio reforçar com a estatuição do art.º 3º e do qual é corolário o dever de informação estabelecido no art.º 4º (dever de informação conveniente).

Ora, – como se tem dito - num mundo de tão elevada tecnicidade – e no âmbito de uma lei de tão reforçado alcance protector, não é razoável admitir que o conceito de alta tensão abranja também a média tensão.

Tal seria, do nosso ponto de vista, juridicamente inadmissível, já que o sentido do texto (para um declaratário normal) tem de ter apoio na literalidade do mesmo – o que não parece manifestamente o caso, segundo a lógica da tese do recurso.

Em socorro deste mesmo entendimento aqui sustentado pode ainda convocar-se o disposto no art.º 60º da Lei Fundamental (pioneira a regular a matéria da protecção dos consumidores) no segmento que se reporta à informação (e que só tem sentido quando permita a transparência dessa mesma informação em toda a sua dimensão) (3).

Por estas razões a que acrescem as que doutamente se alinham no Acórdão recorrido (4) não pode deixar de se concluir pela negativa à questão posta: não é excluído do regime prescritivo da lei 23/96 o fornecimento de energia eléctrica de média tensão.

. Cumpre agora apreciar a questão de saber se a prescrição em causa tem natureza presuntiva ou extintiva.

Subscrevemos aqui também a tese do Acórdão.

O n.º 1 da lei em apreço dispõe que a dívida prescreve num prazo de seis meses; por seu turno, o n.º 3 diz que prescreve no prazo de cinco anos (regra do Cód. Civil).

Por conseguinte, o direito de exigir o pagamento do fornecimento de energia de Média Tensão, prescreve no prazo de seis meses. Resta, no entanto saber, se a prescrição prevista no n.º 1 do art.º. 10º da Lei 23/96, de 26 de Julho é ou não uma prescrição presuntiva.

Dispõe o art.º 312º do Cód. Civil, sob a epígrafe Fundamento das prescrições presuntivas que: As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.

E, como bem diz, Almeida Costa, este tipo de prescrições explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir via de regra quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado; e, daí que o devedor fique dispensado da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isso poderia tornar-se-lhe difícil (5). Assim, distinguem-se tais prescrições presuntivas das chamadas prescrições verdadeiras, pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada (6).

Ou seja, podemos concluir que apenas são consideradas prescrições presuntivas as aplicáveis às situações mencionadas na Subsecção III, da Secção II, do Titulo I, do Livro I do Código Civil, nomeadamente, as mencionadas no art.º 316º e 317º do referido Código.

Ora, a prestação de serviços essenciais, nos quais se incluiu o fornecimento de energia eléctrica, não se enquadra em nenhum dos créditos referidos naqueles artigos, mas no nº1 do art.º 10º da Lei 23/96 onde não se concede que a prescrição tenha natureza outra que não a extintiva (7). 

Aliás, se a prescrição prevista não fosse extintiva, não acautelaria os interesses que a própria Lei visa defender: pode defender-se, com efeito, que tal ocorreria nos casos em que os consumidores fiquem privados dos serviços considerados essenciais, quer por impossibilidade de pagamento, quer para os salvaguardar das entidades com quem contratam, tendo em consideração que nos bens essenciais, por regra, a hipótese de escolha é pouca ou nenhuma.

Quanto ao disposto na al. g) do art.º. 310º do CCivil não tem aplicação às dívidas provenientes da prestação deste tipo de serviços (8), porque como sabemos, a Lei especial derroga a Lei geral. Apesar de o fornecimento de energia eléctrica ser uma prestação periódica (existe fruição da energia durante um período, por parte do consumidor que, mediante factura apresentada à Companhia de Electricidade, paga essa fruição, por sucessivos períodos), existe uma lei especial: a Lei 23/96, como vimos.

Por fim, dir-se-á que a emissão da factura (e a sua comunicação ao devedor) não pode ser causa interruptora do prazo de prescrição, porque como bem disse o douto Acórdão, ora recorrido, a mesma inaugura a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagar o preço (a qual só nasce com a recepção dessa mesma factura); até lá, o consumidor não sabe qual é a sua dívida, quanto consumiu de electricidade – trata-se de uma interpelação para pagar. Ora, o acto fundador não pode conceptualmente ser confundido com a causa de interrupção, nem de resto para tanto lhe daria cobertura o art.º 323/2 Cód. Civil, o qual exige um ambiente judicial que aqui não se visitou.

III. Termos em que, de harmonia com as disposições legais citadas, improcede o presente recurso e se confirma, consequentemente, a decisão recorrida.

 Custas pela recorrente.

Lisboa, 19-9-2006

(Maria Amélia Ribeiro)

(Arnaldo Silva)

(Graça Amaral)



___________________________________
1.-Transcrevem-se aqui esses mesmos artigos da P.I.:
Artigo 7.º
A estes montantes acrescem juros de mora no valor de €504,44 correspondentes a facturas pagas com atraso, relativas a consumos de Dezembro de 2003 a Março de 2004;
Artigo 8.º
Os pagamentos atrasados originaram despesas bancárias com devolução de cheques, no valor de €37,40;
Artigo 10º
Entre os advogados da A. e R. houve contactos escritos tendo em vista a celebração de um acordo de pagamento da divida, mediante um pagamento semanal de €1000,00;
Artigo 11º
Contactos esses infrutíferos, não tendo obtido resposta a proposta de acordo enviada em 30.11.2004.

2.-Diário da Assembleia da República de 12 de Abril de 1996 (IS).

3.-Se porventura a intenção do legislador era outra, ou seja, a de excluir desse regime de prescrição os fornecimentos de energia eléctrica em média tensão, então há que concluir forçosamente que tal intenção não deixou qualquer vestígio na letra da lei. Por conseguinte, nunca será possível recorrer a uma interpretação extensiva do preceito em causa porque tal interpretação não tem no texto “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso(n.º 2 do art. 9º do Cód. Civil) - Vd. Ac. STJ, Proc. N.º 04B869 de 29/04/2004 in www.dgsi.pt

4.-Segundo a orientação do Acórdão do STJ, de 09/07/2003, in www.dgsi.pt:, a finalidade da Lei n.º 23/96, que consiste na protecção dos utentes de qualquer dos serviços públicos enumerados no n.º 2 do seu artigo 1º, não se limita ela a regular as relações jurídicas estabelecidas para o fornecimento de tais serviços entre pequenos consumidores-utentes, antes deve ter-se por alargada a todos os demais utilizadores de bens ou serviços públicos essenciais nela indicados, designadamente quando o consumidor de energia é uma empresa que fabrica e comercializa artigos de cerâmica. Na mesma senda, Calvão da Silva entende que os utentes protegidos pela Lei 23/96 serão: os particulares assinantes de telefone, de água, de electricidade ou de gás, para a residência pessoal ou familiar; os profissionais liberais […] ou qualquer outro profissional, por exemplo, comerciante em nome individual – assinantes dos mesmos bens ou serviços para o escritório, consultório ou empresa, qualquer pessoa colectiva, nacional, estrangeira ou multinacional, publica ou privada, para afirmar que os consumidores do fornecimento de energia de Média Tensão encontram-se abrangidos por este diploma, e como tal, compreensível que, o legislador tenha excepcionado apenas a Alta Tensão e não aquela.

5.-Vd. Almeida Costa, Mário Julio de, Direito das Obrigações, 9.ª Ed. Rev. e Aum., Almedina, 2001, p. 1052

6.-Vd. Ac. STJ 03B3894, de 18.12.2003, in www.dgsi.pt

7.-Vd. Ac. STJ 03B1032, de 05.06.2003, in www.dgsi.pt.

8.-Ib. Idem.