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LIVRANÇA
AVAL
CONVERSÃO DE CRÉDITOS EM PARTICIPAÇÓES SOCIAIS
SOCIEDADE INSOLVENTE
Sumário
I - O aval representa uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio ou da livrança, assumindo a obrigação do avalista, duas características essenciais: é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL); e é solidária, respondendo o avalista a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL). II - Tendo sido imposta ao credor/exequente, no âmbito de um processo de insolvência, a conversão do crédito em participações sociais da sociedade insolvente (apesar de ter votado contra o referido plano), tal conversão não pode ser validamente invocada pelo avalista/executado, na execução instaurada pelo credor, face à imperatividade do disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE.
Texto Integral
Processo n.º 3238/15.2T8PRT-A.P1
Sumário do acórdão
I - O aval representa uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio ou da livrança, assumindo a obrigação do avalista, duas características essenciais: é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL); e é solidária, respondendo o avalista a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL).
II - Tendo sido imposta ao credor/exequente, no âmbito de um processo de insolvência, a conversão do crédito em participações sociais da sociedade insolvente (apesar de ter votado contra o referido plano), tal conversão não pode ser validamente invocada pelo avalista/executado, na execução instaurada pelo credor, face à imperatividade do disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Por apenso aos autos de execução instaurados pela exequente Banco B…, SA, os executados C…, D…, E… e F… deduziram oposição por meio de embargos de executado, alegando em síntese: o requerimento executivo é inepto por no campo destinado à exposição dos factos a exequente não ter justificado o preenchimento das livranças e a falta de título executivo e por não ter sido apresentada a convenção de preenchimento; o crédito exequendo encontra-se extinto, face à conversão da quantia de € 58.465,78, em 5.846.578 ações integrantes do capital social da sociedade G…, SA, efetuado no âmbito do processo de insolvência nº 413/13.8TYVNG; o preenchimento das livranças dadas à execução é abusivo no que respeita aos valores nelas inscritos e às datas de vencimento; a embargada é responsável pelos danos causados aos embargantes; a embargada litiga de má-fé.
Posteriormente, juntou aos autos o parecer jurídico de fls. 127v a 142.
Notificada, a exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e a consequente manutenção dos títulos dados à execução, mais alegando, em síntese: os avalistas não se obrigaram perante o avalizado mas sim perante o titular das livranças, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular pelo pagamento da quantia titulada na livrança; a conversão dos créditos em capital social da empresa insolvente não pode ser entendida como causa de extinção do crédito, mas tão só como uma via para que tal possa vir a ocorrer, através do recebimento de dividendos ou pela venda das participações sociais, o que até agora não se concretizou e poderá nunca se concretizar.
Em 17.12.2015 foi realizada a audiência prévia (ata de fls. 153), tendo sido proferido despacho saneador no âmbito do qual foram desde logo julgadas improcedentes as invocadas exceções de ineptidão do requerimento executivo e de falta de título executivo, após o que foram afirmados pela positiva todos os pressupostos processuais, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova e programando-se os atos da audiência, sem reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, em 14.04.2016, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Assim, em face de todo o exposto, decide-se julgar improcedentes, por não provados, os embargos de executado deduzidos pelos embargantes C…, D…, E… e F… e, em consequência, determinar o prosseguimento da ação executiva intentada pela embargada Banco B…, SA. Custas pelos embargantes (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil)».
Não se conformaram os embargantes e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais, formulam as seguintes conclusões:
I. Os Apelantes vêm recorrer da decisão do tribunal a quo que julgou improcedentes os Embargos de Executados, por considerar que a dívida exequenda não foi extinta pela sua conversão em capital social da devedora principal operada em processo de insolvência, continuando a ser exigível aos Apelantes, avalistas, por força do n.º 4 do artigo 214.º do CIRE e por considerar que o preenchimento das livranças dadas à execução não foi abusivo.
II. Independentemente do entendimento que possa ser sufragado quanto à natureza da conversão dos créditos em capital social (cessão de créditos seguida de confusão, dação em pagamento, compensação ou outros entendimentos híbridos), certo é que todos conduzem ao mesmo resultado: a extinção do crédito originário.
III. A disposição legal vertida no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE não pode ser lida e aplicada de forma simplista, porquanto a mesma tem uma finalidade específica de tutela dos credores que não deve, contudo, ser extravasada, sob pena de subverter a sua verdadeira ratio e permitir o abuso de direito.
IV. O legislador pretende com o n.º 4 do artigo 217.º do CIRE salvaguardar os direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou garantes dos efeitos de duas típicas providências com incidência no passivo, eventualmente concedidas ao insolvente no âmbito do plano: o perdão e a redução do valor dos créditos. Nos restantes casos, os efeitos da aprovação e homologação do plano de recuperação estendem-se à relação dos credores com os codevedores e terceiros garantes (neste sentido, vide CATARINA SERRA, “Nótula sobre o artigo 217.º n.º 4 do CIRE”, em Estudos dedicados ao professor Dr. Luis A. Carvalho Fernandes, Vol. I, pg. 381 e 382).
V. O n.º 4 do artigo 217.º não tem aplicação no caso concreto dos autos, onde o crédito do Banco Recorrido foi convertido integralmente em participações sociais da devedora principal.
VI. Por um lado, o n.º 4 do artigo 217.º, in fine, refere que os codevedores ou os terceiros garantes “apenas poderão agir com o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvente pudesse exercer contra ele os seus direitos”, o que se traduz num direito de regresso. A Sentença proferida pelo tribunal a quo invoca na sua decisão, equivocadamente e sem nenhuma base legal, a existência de um direito de sub-rogação quando refere: “a exequente não poderá receber duas vezes o mesmo crédito, pelo que após o seu recebimento por qualquer uma das referidas vias, deverá abrir mão das ações em benefício do devedor sub-rogado ou da sociedade, consoante o caso (...).
VIII. O direito de regresso, que se encontra referido no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE não é uma subrogação, pois são institutos jurídicos diferentes. (Vide a este propósito o Ac. do TRC de 24.01.2012, Proc. 644/10.2TBCBR-A.C1)
IX. Por esse motivo, não e não sendo aplicável a sub-rogação, não poderão os aqui Avalistas assumir a posição de acionistas da Sociedade G…, S.A., sendo que não existe qualquer meio para o exercício do direito de regresso previsto na citada norma legal para os casos da conversão de créditos em capital social, o que evidencia a não aplicabilidade da norma no caso em análise.
X. A participação numa sociedade é um ato voluntário, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a tornar-se sócio de uma sociedade, o que decorre de princípios do Direito Comunitário, do n.º 2 do artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, do princípio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da liberdade contratual prevista no artigo 405.º do Código Civil e ainda do artigo 7.º do CSC, pelo que os aqui Apelantes não se podem tornar sócios de uma sociedade contra a sua vontade.
XI. A decisão recorrida lança mão de uma série de presunções equivocadas, sobre as quais não podia de forma alguma fundar a decisão.
XII. O Tribunal a quo assume erradamente que o Banco Recorrido viu o seu crédito convertido contra a sua vontade e que a quantia exequenda é superior ao do crédito reclamado.
XIII. Na verdade o Banco Recorrido apenas votou negativamente à aprovação do plano de recuperação na sua generalidade, não se opondo nem recorrendo da homologação e execução do referido plano e o valor do crédito exequendo apenas é superior ao crédito convertido em capital social porquanto o Banco procedeu à contabilização de novo juros, penalizações e comissões aquando do preenchimento das livranças dadas à execução, em 22.01.2015, conforme é possível aferir pela diferença de valores patente na carta interpelatória remetida pelo Banco e datada de 14.01.2015 junta nos autos, sendo que o capital em dívida é o mesmo e decorre dos mesmos contratos.
XIV. O tribunal a quo pressupõe também de forma infundada na sua Sentença que o Banco Exequente recebeu ações de uma sociedade insolvente e que existe uma forte probabilidade de “nos tempos mais próximos não terem correspondência com o seu valor facial”.
XV. Esta conclusão não deve colher, na medida em que a sociedade, mediante a execução do plano de recuperação deixou de se encontrar em situação de insolvência, passando a não deter passivo, pelo que se encontra numa posição privilegiada no mercado editorial português.
XVI. O Tribunal não pode sustentar a sua convicção em suposições infundadas, baseado em suposições, sendo que a determinação do valor das participações sociais só pode ser realizada por Relator Oficial de Contas ou perito idóneo, o que não foi requerido pelo Banco Recorrido nem pelo Tribunal.
XVII. A extinção de um crédito mediante a sua conversão em participações sociais de uma sociedade, esgota neste ato a obrigação existente. Coisa diversa é o interesse económico que neste caso o Banco Recorrido possa perseguir, e que poderá, ou não, alcançar ou até superar por meio da sua qualidade de sócio. (Neste sentido, Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Editorial Qui Juris?, 2015, pg. 747)
XVIII. O crédito, em sentido obrigacional, já se extinguiu com a sua conversão em capital social.
XIX. Ainda que a solução apontada no sentido da “sub-rogação” dos aqui Apelantes na posição do Banco Recorrido fosse admissível, a decisão proferida pelo tribunal conduz a resultados incongruentes, pois, a sua execução levaria situações das quais decorreriam abusos de direito, pactos leoninos e locupletamentos a favor do Banco Apelado.
XX. A posição de sócio acionista de uma empresa não é igual à de um titular de um crédito sobre a devedora originária. Uma “sub-rogação” dos avalistas (conforme refere a sentença recorrida), terceiros para efeitos da conversão dos créditos do Banco Apelado em capital da sociedade devedora principal, coarcta indiscutivelmente o âmbito do direito de regresso que a norma do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE estipula.
XXI. Por não ser aplicável a norma especial do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, impera a lei geral, pelo que importa regressar ao regime das obrigações solidárias, que dispõem no artigo 523.º do Código Civil que “A satisfação do direito do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores.”
XXII. Resulta abusivo, à luz do art. 336.º do Código Civil e dos ditames da boa-fé, que o Banco Recorrido, após o seu crédito ter sido convertido em ações e tendo assumido a sua qualidade de sócio da sociedade, tenha procedido mais de 3 meses depois ao preenchimento de livranças em branco, subscritas por uma sociedade da qual era sócia e que não era sua credora naquela data, e as tenha preenchido com a intenção de as utilizar como título executivo.
XXIII. Os contratos de crédito que contêm os pactos de preenchimento das livranças dadas à execução já não tinham validade, pelo que o seu preenchimento foi abusivo.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Costumeira Justiça!
A recorrida não apresentou resposta às alegações de recurso.
II. Do mérito do recurso 1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se na seguinte questão: saber se é exigível o pagamento da livrança aos avalistas (executados/recorrentes), face à conversão do crédito da exequente/recorrida, relativamente à sociedade insolvente, em capital social da mesma, no âmbito do processo de insolvência.
2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada, enunciada na sentença:
1 – A exequente Banco B…, SA, intentou contra os executados C…, D…, E… e F…, a ação executiva de que estes autos são apenso, dando à execução as livranças apresentadas com o requerimento executivo, cujos originais estão integrados no processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, contendo, para além do mais, os seguintes dizeres:
A) Livrança nº ……………….
Local e data de emissão – Matosinhos – 2011/06/07;
Importância - € 56.648,26;
Vencimento – 2015/01/22;
Livrança caução ao contrato de empréstimo nº …………….;
Subscritora – G…, SA, com aposição na face anterior da livrança da assinatura do seu administrador sobre o respetivo carimbo;
Avalistas – Na face posterior da livrança foram apostas as assinaturas atribuídas a E…, F…, D… e C…, precedidas da frase “Por aval à subscritora” ou “Bom por aval à subscritora”;
B) Livrança nº ………………
Local e data de emissão – Matosinhos – 2011/12/02;
Importância - € 14.197,88;
Vencimento – 2015/01/22;
Livrança caução ao contrato de empréstimo nº …………….; Subscritora – G…, SA, com aposição na face anterior da livrança de duas assinaturas dos seus administradores sobre o respetivo carimbo;
Avalistas – Na face posterior da livrança foram apostas as assinaturas atribuídas a E…, F…, C… e D…, precedidas da frase “Bom por aval ao subscritor”;
2 – A primeira das referidas livranças (nº ……………….) foi subscrita, em branco, pela sociedade G…, SA, e avalizada pelos executados C…, D…, E… e F…, para garantia do efetivo cumprimento das obrigações decorrentes da celebração do contrato denominado “acordo de regularização de responsabilidades”, constante do documento de fls. 110 a 113, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
3 - Através do mencionado contrato, em 07/06/2011, a exequente e a sociedade G…, SA, acordaram em consolidar as responsabilidades decorrentes dos contratos ali identificados, na quantia global de € 53.200,00, reconhecendo a aludida sociedade a respetiva dívida e comprometendo-se a amortizá-la no prazo de 60 meses, em prestações mensais, constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira no primeiro mês a contar da data da outorga do contrato;
4 – Em conformidade com o estipulado na cláusula 8ª do aludido contrato “assiste ao BANCO o direito de considerar vencidas, imediata e automaticamente, todas as obrigações do MUTUÁRIO emergentes do presente contrato, caso se verifique relativamente a estes algumas das condições previstas no artigo 780º do Código Civil, designadamente (…) estar em curso contra o MUTUÁRIO (…) acção de insolvência ou outro procedimento judicial que implique limitações à livre disponibilidade dos bens”;
5 – E na sua cláusula 11ª estabeleceu-se que “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do presente acordo, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, MUTUÁRIO e GARANTE, respetivamente, subscreve e avaliza uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiverem dívida à data do seu preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data do vencimento de qualquer das prestações convencionadas, as mesmas não forem integralmente pagas”;
6 – Em 14/01/2015, a exequente remeteu aos executados carta registada com aviso de receção nos termos documentados a fls. 113v, 114v e 115v, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhes o vencimento das obrigações decorrentes do referido contrato e informando-os de que iria proceder ao preenchimento da livrança pelo valor de € 56.648,26, fixando-lhe a data de vencimento para o dia 22/01/2015, salientando ainda que, não sendo a referida quantia paga no prazo de 8 dias, o processo seria enviado, sem qualquer outro aviso, para acionamento judicial;
7 - A segunda das referidas livranças (nº ……………….) foi subscrita, em branco, pela sociedade G…, SA, e avalizada pelos executados C…, D…, E… e F…, para garantia do efetivo cumprimento das obrigações decorrentes da celebração do contrato de empréstimo, constante do documento de fls. 106v a 109v, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; 8 - Através deste último contrato, em 02/12/2011, a exequente emprestou à sociedade G…, SA, a quantia de € 14.000,00, destinada ao pagamento da quantia devida pela resolução antecipada do contrato de permuta de taxa de juro com a Refª 3332.001, reconhecendo a aludida sociedade a respetiva dívida e comprometendo-se a amortizá-la no prazo de 24 meses, em oito prestações trimestrais, constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira no terceiro mês a contar da data da outorga do contrato;
9 – Em conformidade com o estipulado na cláusula 4ª do aludido contrato “o BANCO poderá resolver de imediato o presente contrato (…) nas seguintes situações: (…) Estar em curso contra o MUTUÁRIO (…) acção de insolvência ou outro procedimento judicial que implique limitações à livre disponibilidade dos seus bens”;
10 – E na sua cláusula 7ª estabeleceu-se que “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do presente acordo, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, MUTUÁRIO e GARANTE, respetivamente, subscreve e avaliza uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiverem dívida à data do seu preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data do vencimento de qualquer das prestações convencionadas, as mesmas não forem integralmente pagas”;
11 – Em 14/01/2015, a exequente remeteu aos executados carta registada com aviso de receção, nos termos documentados a fls. 114, 115 e 116, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhes o vencimento das obrigações decorrentes do referido contrato e informando-os de que iria proceder ao preenchimento da livrança pelo valor de € 14.197,88, fixando-lhe a data de vencimento para o dia 22/01/2015, salientando ainda que, não sendo a referida quantia paga no prazo de 8 dias, o processo seria enviado, sem qualquer outro aviso, para acionamento judicial;
12 –A sociedade G…, SA, foi declarada insolvente por sentença proferida, em 28/03/2013, no processo nº 413/13.8TYIVNG, do extinto 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;
13 – No âmbito do referido processo de insolvência a exequente Banco B…, SA, reclamou créditos no valor de € 58.465,78, tendo os mesmos sido reconhecidos e graduados como comuns (cfr. documentos de fls. 17 a 20 e 33 a 38, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
14 – Ainda no mesmo processo de insolvência foi apresentado o plano de recuperação documentado a fls. 44 a 58, o qual foi homologado por sentença de 12/05/2014, documentada a fls. 64 a 66, o que tudo aqui se dá por integralmente reproduzido;
15 – A exequente Banco B…, SA, votou contra o referido plano de recuperação (cfr. ata de fls. 59v a 63, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
16 – Na parte que agora releva, através do referido plano de recuperação foi determinada a conversão dos créditos em participações sociais da sociedade devedora (G…) nos termos do artigo 203º, do CIRE, por correspondente aumento de capital;
17 – Em 09/10/2014, nos termos do artigo 217º, nº 3, do CIRE e em cumprimento da sentença homologatória do plano de recuperação da sociedade G…, SA, foi outorgada a escritura pública de aumento de capital e alteração do contrato de sociedade documentada a fls. 70 a 86, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual foi feito constar, para além do mais: “j) Uma entrada efetuada por Banco B…, S.A. (…) mediante a conversão de créditos sobre a sociedade de que era titular, no montante de cinquenta e oito mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos (€ 58.465,78), ficando a deter, cinco milhões oitocentos e quarenta e seis mil quinhentas e sessenta e oito ações de sociedade, no valor nominal de cinquenta e oito mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos”;
18 – Em 19/12/2014, a sociedade G…, SA, remeteu à exequente carta registada com aviso de receção, documentada a fls. 88 a 89, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, enviando-lhe cópia da referida escritura e comunicando-lhe, em síntese, que em cumprimento do plano de recuperação aprovado no processo de insolvência o crédito reclamado de € 58.465,78, havia sido convertido em capital social, passando a mesma a deter, por esta via, 5.846.578 ações da sociedade;
19 - Em 06/02/2015, os executados C…, E…, D…, e F…, através do seu mandatário judicial, remeteram à exequente carta registada com aviso de receção, documentada a fls. 90v a 91v, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe o seu entendimento de que “encontrando-se extinta a obrigação principal nos termos em que a mesma foi reclamada no processo de insolvência da devedora, nada poderá ser exigido aos M/Constituintes enquanto avalistas, sob pena de incorrer em locupletamento ilícito”;
20 – Entre 10/09/2015 e 15/09/2015, E…, na qualidade de administrador da sociedade G…, SA, e H…, do departamento de participações financeiras da exequente, trocaram entre si as mensagens de correio eletrónico documentadas a fls. 159/160, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; 21 – Em 31/01/2016, em nome dos executados E… e F…, estavam registados na central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal os débitos documentados a fls. 161 a 165, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, não constando dos mesmos qualquer débito a favor do Banco B…, SA..
3. Fundamentos de direito
3.1. Breve abordagem ao regime do aval, no que concerne à natureza autónoma da obrigação
Provou-se que a G…, SA, subscreveu duas livranças com aposição na face anterior desses títulos, da assinatura do seu administrador sobre o respetivo carimbo, e que na face posterior da livrança foram apostas as assinaturas de E…, F…, D… e C…, precedidas da frase “Por aval à subscritora” ou “Bom por aval à subscritora”.
O aval é um negócio jurídico unilateral cambiário, através do qual o avalista (ou dador do aval) assume a obrigação de garantir o pagamento de uma letra ou de uma livrança (artigos 30 e 77 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL). Trata-se de uma obrigação de garantia, que se distingue da obrigação principal (do aceite) e que se liga à obrigação do avalizado (artigo 31 da LULL).
O aval representa assim uma obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente do signatário da letra de câmbio ou da livrança.
Apesar de economicamente visar um fim semelhante à fiança, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio.
Vejamos duas diferenças essenciais: i) contrariamente ao que se passa com a fiança, que é uma garantia de natureza acessória (art. 627.º, n.º 2, do CC), a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL); ii) enquanto a fiança tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: art. 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (art. 47.º, n.º 1, da LULL)[1]. 3.2. A questão da persistência da dívida, para além do plano de insolvência
Sob a epígrafe (Execução do plano de insolvência e seus efeitos), preceitua o artigo 217.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado por CIRE)[2]:
«1 - Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados. 2 - A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação, mas prescindindo-se das declarações de vontade do devedor cujo consentimento não seja obrigatório nos termos das disposições deste Código e da nova sociedade ou sociedades a constituir. 3 - A sentença homologatória constitui, designadamente, título bastante para: a) A constituição da nova sociedade ou sociedades e para a transmissão em seu benefício dos bens e direitos que deva adquirir, bem como para a realização dos respectivos registos, b) A redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação, exclusão de sócios e alteração dos órgãos sociais da sociedade devedora, bem como para a realização dos respectivos registos. 4 - As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.».
No regime falimentar anterior, dispunha o artigo 63.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de abril:«As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os coobrigados ou os terceiros garantes da obrigação, salvo se os titulares dos créditos tiverem aceitado ou aprovado as providências tomadas e, neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos.»
Em anotação ao n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[3], que se pronunciaram contra o regime do art.º 63.º do (CPEREF), e que o legislador «esteve atento e houve por bem considerar os reparos, modificando a orientação, de sorte que agora, seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade originário.»
Mais referem os autores citados, que a disciplina geral da lei não exclui a reação do condevedor ou garante contra o credor, nos termos gerais, se puder demonstrar que o procedimento adotado a favor do devedor foi exclusiva ou predominantemente dirigido a prejudicá-lo, não tendo, no entanto, legitimidade para solicitar a não homologação do plano, nos termos que constam do artigo 216.º.
A posição enunciada não tem sido pacífica, particularmente nas situações em que o credor vota favoravelmente o plano de insolvência.
No entanto, no acórdão de 26.02.2013[4], o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, a propósito da moratória aprovada no plano, que o facto de o credor ter votado favoravelmente o plano de insolvência não confere aos avalistas o direito de invocar o plano como fundamento válido de oposição à execução.
Consta do citado aresto:
«Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente. Ao votar a favor de tal plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores. Não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram. Com efeito, o credor do insolvente, ao votar favoravelmente um plano de insolvência, fá-lo apenas em relação ao insolvente. Os garantes estão fora do âmbito da insolvência e do que nesta se delibera.».
No mesmo sentido, vai o acórdão da Relação de Coimbra, em acórdão de 1.07.2014[5], parcialmente sumariado nestes termos: «Sendo o plano de insolvência constituído por um conjunto de medidas que só visa a sociedade insolvente, regulando os termos e condições em que os débitos dele constantes irão ser pagos e não sendo as obrigações dos condevedores do insolvente ou dos terceiros garantes, afectadas por aquele plano – art.º 217º, n.º 4, do CIRE – o facto do credor não poder exigir à insolvente o pagamento do seu crédito, para além dos termos aí acordados, não é impeditivo de poder exigir a totalidade do crédito nos termos em que o podia fazer anteriormente a esse plano aos avalistas da insolvente.».
No que respeita ao processo de revitalização, o acórdão da Relação de Lisboa, de 17.05.2016[6], dá-nos conta do consenso jurisprudencial[7] quanto ao entendimento da não invocabilidade pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento, da aprovação de um plano de revitalização, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficie a sociedade subscritora da letra ou da livrança, citando os seguintes arestos: do STJ de 30.10.2014, Proc. 16/13.7TBSCF-A.S1; da Relação de Lisboa, de 26.02.2015, Proc. 516/13.9TBRMR-A.L1 e de 4.6.2015, Proc. 125/13.2TCFUN-A.L1; desta Relação, de 9.7.2014, Proc. 1213/12.8TBVFR-B.P1, de 16.9.2014, Proc. 1527/13.0TBVNG-A.P1, de 7.10.2014, P. 3803/13.2TBGDM-A.P1, de 25.11.2014, Proc. 2055/13.9TBGDM-A.P1; e da Relação de Évora, de 23.10.2014, Proc. 652/13.1TBOLH-B.L1, todosacessíveis no site da IGFEG.
No caso sub judice, provou-se que:
12 – A sociedade G…, SA, foi declarada insolvente por sentença proferida, em 28/03/2013, no processo nº 413/13.8TYIVNG, do extinto 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;
13 – No âmbito do referido processo de insolvência a exequente Banco B…, SA, reclamou créditos no valor de € 58.465,78, tendo os mesmos sido reconhecidos e graduados como comuns (cfr. documentos de fls. 17 a 20 e 33 a 38, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
14 – Ainda no mesmo processo de insolvência foi apresentado o plano de recuperação documentado a fls. 44 a 58, o qual foi homologado por sentença de 12/05/2014, documentada a fls. 64 a 66, o que tudo aqui se dá por integralmente reproduzido;
15 – A exequente Banco B…, SA, votou contra o referido plano de recuperação (cfr. ata de fls. 59v a 63, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
16 – Na parte que agora releva, através do referido plano de recuperação foi determinada a conversão dos créditos em participações sociais da sociedade devedora (G…) nos termos do artigo 203º, do CIRE, por correspondente aumento de capital.
Em suma, apesar de a recorrida ter votado contra o plano, o mesmo foi aprovado e homologado, convertendo o crédito da exequente em capital social da sociedade insolvente. Quid juris?
Preceitua o artigo 198.º do CIRE, na alínea b) do n.º 2: «Podem, porém, ser adoptados pelo próprio plano de insolvência: (…); b) Um aumento do capital social, em dinheiro ou em espécie, a subscrever por terceiros ou por credores, nomeadamente mediante a conversão de créditos em participações sociais, com ou sem respeito pelo direito de preferência dos sócios legal ou estatutariamente previsto»
A questão primordial que se coloca é a de saber se, sendo imposta ao credor (como ocorreu relativamente ao recorrido), a «conversão de créditos em participações sociais», se deverá considerar extinto o crédito e, consequentemente, a obrigação dos avalistas.
Alegam os recorrentes: “II. Independentemente do entendimento que possa ser sufragado quanto à natureza da conversão dos créditos em capital social (cessão de créditos seguida de confusão, dação em pagamento, compensação ou outros entendimentos híbridos), certo é que todos conduzem ao mesmo resultado: a extinção do crédito originário”.
Será assim?
A questão não é despicienda e a resposta talvez não seja pacífica.
As formas de extinção da obrigação para além do cumprimento, encontram-se previstas no Código Civil, nos artigos 837.º a 873.º: dação em cumprimento; consignação em depósito; compensação; novação; remissão; e confusão.
Os institutos enunciados que se afiguram mais vocacionados para a integração e consequências jurídicas da “conversão de créditos em participações sociais” são a dação em cumprimento, a confusão e a compensação.
No que respeita à dação em cumprimento (instituto regulado nos artigos 837.º a 839.º do CC), nos termos imperativamente previstos no art.º 837.º, «só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento».
O requisito legal enunciado afasta definitivamente a aplicação deste instituto, na medida em que o credor votou contra o plano de insolvência que prevê a ‘imposição’ da medida de conversão dos seus créditos em participações sociais da insolvente.
No que respeita à confusão, apenas ocorre quando na mesma pessoa se reúnem as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, situação que tem como consequência a recíproca extinção do crédito e da dívida, nos termos do artigo 868.º do Código Civil.
Não será, manifestamente, equacionável o instituto em apreço, na medida em que a aquisição “forçada ou não” de participações sociais não torna o credor simultaneamente devedor.
Vejamos agora a figura da compensação.
O instituto da compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor da outra, apontando a doutrina quatro requisitos exigidos pela lei: i) a reciprocidade dos créditos (art.º 847/1 CC); ii) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito (art.º 847/1, a) do CC); iii) a homogeneidade ou fungibilidade das prestações (art.º 847/1, b) do CC); iv) a existência e validade do crédito principal, que se pretende compensar[8].
Afigura-se-nos que este será o instituto mais vocacionado para integrar a previsão factual vertida nos autos, pese embora o facto de na situação sub judice, não existir qualquer acordo negocial, ou mesmo qualquer manifestação de vontade do credor (que se opôs sem sucesso ao plano proposto, que veio a ser aprovado).
Registe-se que, no atual regime jurídico das sociedades é inequívoca a proibição de extinção de obrigação de entrada no capital social, por compensação de um crédito (art.º 27/5 do CSC), salvo no caso excecional de compensação com os lucros da sociedade, prevista no artigo 27/4 do CSC[9].
Do que não podem restar dúvidas é que a lei impõe ao credor, mesmo nas situações em que este discorda do plano, a sua sujeição à medida de conversão dos seus créditos em participações sociais, desde que os restantes credores logrem aprovar o plano e este venha a ser judicialmente homologado.
Ora, tal conversão, ainda que forçada, não poderá deixar de se integrar no instituto da compensação: o crédito do credor da insolvência extingue-se por compensação com a obrigação de pagamento do preço devido pela aquisição da participação social.
É o que transparece do confronto do instituto em apreço, com a seguinte factualidade provada:
16 – Na parte que agora releva, através do referido plano de recuperação foi determinada a conversão dos créditos em participações sociais da sociedade devedora (G…) nos termos do artigo 203º, do CIRE, por correspondente aumento de capital;
17 – Em 09/10/2014, nos termos do artigo 217º, nº 3, do CIRE e em cumprimento da sentença homologatória do plano de recuperação da sociedade G…, SA, foi outorgada a escritura pública de aumento de capital e alteração do contrato de sociedade documentada a fls. 70 a 86, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual foi feito constar, para além do mais: “j) Uma entrada efetuada por Banco B…, S.A. (…) mediante a conversão de créditos sobre a sociedade de que era titular, no montante de cinquenta e oito mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos (€ 58.465,78), ficando a deter, cinco milhões oitocentos e quarenta e seis mil quinhentas e sessenta e oito ações de sociedade, no valor nominal de cinquenta e oito mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos”;
18 – Em 19/12/2014, a sociedade G…, SA, remeteu à exequente carta registada com aviso de receção, documentada a fls. 88 a 89, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, enviando-lhe cópia da referida escritura e comunicando-lhe, em síntese, que em cumprimento do plano de recuperação aprovado no processo de insolvência o crédito reclamado de € 58.465,78, havia sido convertido em capital social, passando a mesma a deter, por esta via, 5.846.578 ações da sociedade.
Em suma, o credor (aqui recorrido), em consequência do plano de recuperação aprovado no processo de insolvência, viu o crédito reclamado de € 58.465,78, convertido em capital social, passando a deter, por força do referido plano, com a eficácia decorrente da homologação judicial, 5.846.578 ações da sociedade cuja insolvência fora requerida.
A aquisição de participações sociais implicaria, em regra, o pagamento das mesmas. In casu, a aquisição forçada de tais participações (imposta por lei, face ao plano aprovado), não teve como contrapartida a entrada de qualquer capital, mas antes, a “extinção” do crédito que o adquirente (credor) detinha sobre a sociedade em processo de insolvência. Por esta via se extinguiram, compensando-se, duas obrigações: o crédito sobre a sociedade em processo de insolvência e a dívida dessa mesma sociedade.
Como bem se refere na sentença recorrida (e nos diz a experiência), existe uma forte probabilidade de as referidas ações não virem a ter qualquer correspondência com o seu valor facial, ocorrendo, muitas vezes, a futura (e tantas vezes inevitável) insolvência que se quis evitar com a medida aprovada no plano.
Em suma, contra a vontade do credor, são-lhe atribuídas participações sociais da sociedade em processo de insolvência, que ‘formalmente’ extinguem o crédito, mesmo que o credor tenha recebido títulos sem qualquer valor de mercado, e mesmo que a sociedade venha mesmo no futuro a ser declarada insolvente.
Afirmámos que a extinção é ‘formal’, dado que o credor da insolvente é obrigado a adquirir ações de uma sociedade insolvente, pelo seu valor facial, quando de acordo com o valor de mercado, certamente nenhum valor teriam.
Por isso, em bom rigor, o verdadeiro valor de tais participações dependerá sempre da capacidade reditícia da sociedade a que respeitam as participações, só podendo substancialmente considerar-se extinto o crédito quando as participações sociais adquiridas tenham um valor de mercado coincidente com o seu valor facial.
Esta posição de fragilização da posição do credor terá justificado a opção do legislador (deliberada e ponderada face ao regime anterior, como já se fundamentou), por uma norma de natureza excecional, que condiciona desfavoravelmente a posição dos codevedores e dos garantes da obrigação: o n.º 4 do artigo 217.º CIRE que, recapitulando, dispõe: «As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.».
O sentido desta norma é inequívoco e, salvo melhor opinião, incontornável.
De acordo com o ensinamento dos professores Pires e Lima e Antunes Varela[10], o critério de interpretação enunciado no artigo 9.º do Código Civil poderá sintetizar-se nestes termos: o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma, ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Como se refere no acórdão do STJ, proferido no processo n.º 59465 (DR. Série I. 6 de junho de 1964, n.º 134/64, pp. 769 a 770), muitas vezes, apesar da clareza do texto, opta-se por uma interpretação que esquece o ensinamento inserto no projeto do código civil francês, concebido na fórmula «quando uma lei é clara não se deve pôr de parte a sua letra sob o pretexto de penetrar o seu espírito». In casu, face ao confronto do artigo 63.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de abril, com a disciplina legal que lhe sucedeu, inserta no n.º 4 do artigo 217.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), parece não restarem margens para dúvidas quanto: i) à manutenção da obrigação do garante (avalista), apesar das providências de recuperação integradoras do plano de insolvência; ii) ao facto de, na nova disciplina legal, o legislador ter expressamente eliminado a exigência para tal manutenção, da não aceitação (ou votação favorável) por parte do credor, do plano condicionante do crédito.
Resta uma questão: quid juris, se os garantes ou codevedores procedem ao pagamento de uma dívida que, entretanto, foi cobrada pelo credor?
Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda na obra citada[11], decorre da última parte do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, que os avalistas (in casu, os embargantes/recorrentes), «independentemente do que paguem, apenas poderão exigir pela via do regresso o que, homologado o plano, o próprio credor poderia solicitar ao devedor e nos termos e condições que o próprio plano estabeleceu – ou que dele decorrem por determinação legal».
Duas situações se nos deparam: se se frustra a recuperação da devedora insolvente, culminando na sua insolvência adiada, isso permitirá o direito de regresso dos codevedores ou dos terceiros garantes contra a devedora (solidária); se ocorre a hipótese (pouco habitual) de recuperação, poderá equacionar-se uma situação de enriquecimento sem causa caucionada pelo próprio regime legal, legitimando a ação dos avalistas contra o credor originário.
Concluindo, pese embora a suscetibilidade das questões suscitadas, na situação em apreço, ressalvando sempre todo o respeito devido pela divergência, face ao percurso normativo já enunciado, à clareza do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, e à autonomia da obrigação dos recorrentes (avalistas), não poderá deixar de improceder a tese defendida pelos recorrentes.
Decorre do exposto que a decisão recorrida não merece censura, devendo, em consequência, manter-se.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, mantendo em consequência a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
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O presente acórdão compõe-se de vinte e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 17 de outubro de 2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] Vide, entre outros, José A. Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito, Coimbra Editora, 2009, pág. 81.
[2] Diploma legal a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[3] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2009, Quid Juris, pág. 724, Nota 12.
[4] Processo n.º 597/11.0TBSSB-A.L1.S1, acessível no site da IGFEG.
[5] Processo n.º 1355/13.2TBLRA-A.C1, acessível no site da IGFEG.
[6] Processo n.º 20931/12.7TYLSB-A.L1-7, acessível no site da IGFEG.
[7] No citado aresto decidiu-se: «A inserção no Plano de Revitalização duma sociedade de cláusulas relativas aos garantes – nomeadamente determinando que é também pressuposto do cumprimento do Plano de Recuperação a extinção dos processos judiciais intentados contra terceiros garantes, com vista à cobrança de créditos detidos sobre a empresa, e que os credores apenas poderão exigir a terceiros garantes do cumprimento das obrigações da Empresa, após o incumprimento por parte desta do Plano de Recuperação -, viola, de forma grosseira e não negligenciável, regras relativas ao conteúdo do plano, nomeadamente o disposto no nº 4 do art. 217º do CIRE, a impor a não homologação daquele.».
[8] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, 2011, pág. 1099 e seguintes.
[9] Vide, quanto a esta temática, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coutinho de Abreu e outros, Almedina, volume I, pág. 453.
[10] Código Civil Anotado, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 58/59.
[11] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2009, Quid Juris, pág. 725, Nota 12.