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DESISTÊNCIA DO RECURSO
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário
I – A desistência do procedimento criminal, em relação aos crimes em que é admissível, apenas é possível até à leitura da sentença em 1ª instância, correspondendo a expressão “publicação”, do art.116, nº2, do Código Penal, ao acto processual previsto no art.373, do Código Processo Penal. II- A desistência do pedido civil é admissível até ao trânsito em julgado da sentença. III- O recurso para o Tribunal Constitucional não é um recurso ordinário, razão por que a sentença deve ser considerada como transitada em julgado, apesar da interposição desse recurso.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
(…)
O objecto do recurso, tal como ressalta das conclusões, reconduz-se à apreciação da relevância das desistências, da queixa e do pedido de indemnização civil, apresentadas em 16Mar.06.
* * *
IIº O recorrente foi acusado e condenado por crime de burla, na forma continuada, p.p., pelo art.217, nº1, do Código Penal.
Trata-se, como resulta do nº2, daquele preceito legal, de crime de natureza semi-pública, o que permite ao queixoso desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, “...até à publicação da sentença da 1ª instância” (art.116, nº2, do Código Penal).
Pretendendo aproveitar a desistência, apresentada mais de um ano depois de ter sido proferida a sentença de 1ª instância, defende o recorrente que aquela expressão “publicação” não se refere à publicidade da sentença mas à sua publicação na imprensa.
Na versão do recorrente, a desistência seria possível, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, desde que não estivesse publicada nos jornais.
É manifesto que não lhe assiste razão.
Com efeito, a publicação da sentença na imprensa constitui uma forma de publicitação da decisão reservada para casos particulares que o justificam (por exemplo, art.189, nº1, do Código Penal e art.378, do Código de Processo Penal), mas que não constitui regra, nomeadamente em relação aos crimes particulares e semi-públicos, não existindo qualquer razão que justificasse que fosse esse acto o limite até a qual pudesse ser apresentada a desistência da queixa.
Por razões de política criminal, o legislador admitiu que o procedimento criminal, em relação a certo tipo de crimes, ficasse dependente de um pressuposto processual, a queixa, assim como admitiu a possibilidade desta ser retirada. Esta questão foi discutida pela Comissão Revisora do Código Penal, tendo sido questionado o autor do projecto se não seria preferível que, pelo menos nos crimes semi-públicos, uma queixa apresentada não pudesse ser retirada, tendo o mesmo se pronunciado no sentido de ser de manter essa possibilidade “...porque há muitos crimes semi-públicos em que se compreende perfeitamente a eficácia do perdão de parte, podendo mesmo dizer-se que é essa a regra geral” (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, em relação ao art.120 do Projecto).
Contudo, uma vez alcançado o resultado do procedimento criminal, ou seja, uma sentença, nenhuma desistência em relação à acção penal é possível, razão por que foi estabelecido um termo final até ao qual a desistência é relevante.
Esse termo é, sem dúvida, a leitura da sentença em 1ª instância, como de forma clara resulta das referidas Actas, correspondendo a expressão “publicação”, prevista no citado art.116, nº2, do Código Penal, ao acto processual previsto no art.373, do Código Processo Penal.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (1), “nesta opção terá jogado o seu papel a consideração de que, após a decisão em 1ª instância, tornam-se muito mais prováveis negociações extraprocessuais da desistência; as quais ... se revelam por vezes político-criminalmente indesejáveis e o legislador terá querido, por isso, limitar”(2).
Assim, nenhuma censura merece o despacho recorrido ao considerar irrelevante a desistência de queixa apresentada muito depois da leitura da sentença em 1ª instância.
Em relação ao pedido civil, o acórdão deste Tribunal da Relação de 2Jun.05 (fls.416), rejeitou o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
É certo que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional. Contudo, os recursos para esse tribunal, não se destinam a confirmar ou alterar a decisão recorrida, mas a apreciar a conformidade das normas aplicadas com a Constituição, limitando-se, eventualmente, a considerar que se aplicou uma norma inconstitucional e que, nessa medida, deve ser reformulada a decisão recorrida.
O recurso para o Tribunal Constitucional não é, pois, um recurso ordinário, razão por que após o acórdão de 2Jun.05, deve considerar-se a decisão como transitada, atenta a noção de trânsito em julgado que nos é dada pelo art.677, do Código de Processo Civil.
É, pois, evidente que a decisão do pedido civil transitou muito antes da apresentação da desistência de fls.478 que, por isso, não podia ser homologada.
Assim, é manifesto que o recurso não merece provimento, o que justifica a sua rejeição em conferência, nos termos dos arts.420, nº1 e 419, nº4, al.a, do CPP (3).
______________________________________ 1.-As Consequências Jurídicas do Crime, pág.678.
2.-No regime penal anterior ao Código Penal de 1982, o chamado “perdão de parte” era possível até ao trânsito em julgado (CP de 1886, art.125, nº4, e §6), o que não acontece com o regime penal posterior, como reconheceu o S.T.J., no assento de 16Dez.87 (BMJ nº372, pág.129).
3.-Como decidiu o Ac. do S.T.J. de 15Fev.01 (Relator Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt) “Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso”.