NEGÓCIO CONSIGO MESMO
Sumário

I- Não constitui negócio consigo mesmo aquele em que uma sociedade vende a outra um determinado bem, no caso um veículo, apesar de representadas pelo sócio-gerente que é comum a ambas não se demonstrando que o sócio-gerente, assim actuando. visou prosseguir o seu interesse próprio, individual e pessoal (artigo 261.º do Código Civil).
II- No negócio consigo mesmo intervém um só sujeito que age simultaneamente na qualidade de parte e na qualidade de representante da outra parte ou  age na qualidade de representante de todas as partes, isto quer os poderes lhe advenham da representação voluntária, legal ou orgânica.
III- As pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo são, tão-só, os representados, excluindo-se os terceiros, eventualmente, lesados com o negócio jurídico.

(SC)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa  


I – RELATÓRIO

 O. […] Lda. intentou acção declarativa de condenação com processo comum e forma sumária, contra F.[…] e F.[…], alegadamente, alegando em síntese ser proprietária de um veículo automóvel, o qual se encontra registado em seu nome, sendo que os RR se encontram na sua posse recusando-se a entregá-lo, pedindo que sejam pois condenados ao reconhecimento da propriedade do automóvel e a entregá-lo à Autora.
 
Regularmente citados os RR. deduziram contestação impugnando a versão dos factos, alegando que o negócio de compra e venda foi feito por F.[…], na qualidade de sócia gerente de duas empresas, a ora Autora e a sociedade F. […9 Lda., mais referindo que para o efeito pediu uma segunda via do documento de registo de propriedade invocando extravio, sabendo que a propriedade do veículo não lhe pertence, razão pela qual litiga com má fé, terminando pela sua absolvição do pedido.    

Prosseguiram os autos a sua normal tramitação até à realização da audiência de discussão e julgamento, proferindo-se de seguida sentença que julgou improcedente acção e absolveu os RR do pedido.

Inconformada a Autora recorreu, recurso recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Tendo alegado extraiu as seguintes conclusões:

1) Existe negócio consigo mesmo, quando o representante celebra negócio consigo mesmo.

2) No caso dos autos o representante não celebrou negócio consigo mesmo, mas como um seu representado.

3) Ainda que houvesse negócio consigo mesmo, que não há, tal negócio seria anulável.

4) A anulabilidade para operar tem de ser invocada por quem tem legitimidade.

5) No caso dos autos, os RR não só não tem legitimidade, como não invocaram a anulabilidade.

6) Assim a douta sentença recorrida não poderia ter reconhecido da anulabilidade do negócio como o fez.

7) Tendo-se provado a propriedade do veículo, resultante do registo a favor da Autora, tendo-se igualmente provado que os RR o possuem e se recusam a entregá-lo à Autora, deveria a acção ter sido julgada procedente por provada.

8) Ao assim não se entender, (…) fez uma deficiente interpretação dos artº261, 287 e 1311 do CCivil.

Culmina a apelante as suas alegações pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente e provada.  

Os RR juntaram contra – alegações, corroborando a justeza do julgado e reclamando ainda, que além do mais, conheça este Tribunal oficiosamente da nulidade de que padece o negócio, por existência de fraude à lei, abuso de direito e desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, mantendo-se a sua absolvição do pedido.
   
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

 II – FUNDAMENTAÇÃO
          A. OS FACTOS

A instância recorrida fixou como provada a factualidade seguinte:

a)  Do título de registo de propriedade relativo ao veículo de matrícula […] consta declarado a indicação de O. […] Lda. como proprietário, sendo a data da propriedade registada em 06/04/2004, e o número de registos anteriores de propriedade de 2.
b) Os R.R. estão na posse do dito automóvel, e recusam-se a entregá-lo à A.
c) Da declaração para registo de propriedade, (contrato verbal de compra e venda), de 5/4/2004, consta declarada a venda do veículo de matrícula […], constando declarado como vendedora F. […] Lda., tendo assinado F.[…], e constando declarado como compradora O.[…] Lda., tendo assinado F.[…], cf. fls. 26;
d) Da certidão da conservatória de registo comercial de Sesimbra, sob a matrícula […] relativo à sociedade F. […]Lda., consta declarado o registo da gerência de F.[…] pela ap. […]
e) Da certidão da conservatória de registo comercial de Sesimbra, sob a matrícula […] relativo à sociedade O.[…] Lda. consta declarado o registo da gerência de F.[…] pela ap. […];
f) Desde data que não foi possível apurar, mas que ocorreu até ao ano de 2004, os RR foram vistos a circular com o veículo referido em a);
g) Pela ap nº […] da Conservatória de Registo Automóvel, F.[…] requereu em nome da F. […] Lda. segunda via de título de registo de propriedade relativo ao veículo identificado em a), com fundamento em extravio do título.

B.ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Importa agora conhecer do objecto do recurso, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, pressupondo a análise das seguintes questões:

- Caracterização do negócio consegue mesmo;

- Legitimidade e regularidade da invocação da anulação.

- Apreciação dos factos provados e a solução jurídica preconizada para o caso espécie na sentença sindicada.

1.1Negócio consigo mesmo
Acerca da figura contratual do negócio consigo mesmo recorrida, faremos um rápido excurso na doutrina e jurisprudência.

Numa definição abrangente, diremos que na formação dos contratos consigo mesmo intervém um só sujeito que age simultaneamente na qualidade de parte e na qualidade de representante da outra parte, ou, age na qualidade de representante de todas as partes, isto quer os poderes lhe advenham de representação voluntária, legal ou orgânica (1).

 O negócio celebrado pelo representante consigo mesmo (negotium a semet ipso), tanto em nome próprio como em nome alheio (em representação de terceiro), é anulável, a não ser que, o representado tenha especificamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua, por sua natureza, a possibilidade de um conflito de interesses – n.º 1 do art.º 261 do C.Civil.

Trata-se de uma manifestação clara de dupla representação, no sentido da celebração de negócio mediante a isolada intervenção do representante de duas terceiras pessoas, distintas dele próprio, o que, à partida, como já se salientou, possibilitaria a fragilização de uma das partes, atendendo ao presumível conflito de interesses, naturalmente, suscitado entre os mandantes. O contrato consigo mesmo desempenha, na verdade, uma figura de relevo para a consideração de conflitos de interesses em resultado da atribuição dos poderes de representação.

1.2 Anulabilidade 

Prevê-se então no artº261, nº1 do CCivil que o negócio feito pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, é anulável salvo se o representado tenha expressamente consentido na celebração, ou que, o negócio excluía por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses (2).

O legislador não qualificou o negócio consigo mesmo como um negócio com abuso de poderes representativos, sancionado este com a ineficácia (3) e considerou-o apenas inquinado por vício determinante da sua anulabilidade.

A anulabilidade do negócio consigo mesmo visa proteger o representado e por tal, se acaso se puder concluir, através de um comportamento concludente do representado, que este consentiu o negócio, ele é valido.

Com efeito, ao contrário da nulidade, a anulabilidade não encerra uma falha estrutural do negócio jurídico, dizendo o somente que o interesse de determinada pessoa não foi suficientemente atendido aquando da contratação, e daí que, a lei atribua apenas a ela o direito potestativo de impugnar o negócio, tal como estabelece o artº287, nº1 do CCivil.

Para além do mais a anulabilidade apenas pode ser invocada no prazo de um ano subsequente à cessação do vício e admite confirmação, de acordo com o previsto no artº288 do CCivil.

Isto é o negócio anulável, não obstante o vício de que enferma, é, em princípio, tratado pela lei como válido, a menos que seja anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade para o fazerem, sob pena de passar a ser considerado, definitivamente, válido, uma vez que a anulabilidade não pode ser, oficiosamente, declarada pelo Tribunal.

Assim, não basta ter interesse na anulação para legitimar a intervenção da parte que a invoca (regime da nulidade), exigindo-se, pois que, seja a pessoa no interesse da qual a lei estabelece a anulabilidade. Há, portanto, sempre que resolver uma questão de direito e não, como na nulidade, apreciar somente o facto do interesse na destruição.

Ora, as pessoas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade do negócio consigo mesmo são, tão-só, os representados (4), excluindo-se os terceiros, eventualmente, lesados com o negócio jurídico.

2.1 O Caso em Análise.    

Está provado nos autos que como título de aquisição da viatura questionada, a sociedade autora e a sociedade F.[…], ambas representadas pela sócia-gerente F.[…], acordaram, em data não apurada, que a última vendia à primeira o veículo automóvel supra identificado por preço não apurado.

Somente a partir daqui fará então sentido a discussão da questão do negócio consigo mesmo.  

2.2. Compra e venda do veículo automóvel
 
Revertendo agora os conceitos enunciados ao caso dos autos.

O referido acordo/negócio surge-nos nas vestes de um contrato bilateral, indocumentado, verbal, por antinomia, celebrado em data indefinida por uma pessoa, F.[…], na posição simultânea de representante da sociedade vendedora, F.[…]Lda. e da sociedade compradora, ora Autora, O.[…]Lda. tendo aquela a qualidade de sócia-gerente de ambas as empresas comerciais envolvidas no negócio jurídico.

Paralelamente, desconhecendo-se se constitui acto sequencial ao contrato versado, a referida F.[…] obtém junto da Conservatória do Registo Automóvel, o averbamento do respectivo registo de propriedade da viatura a favor da ora Autora O.[…], anteriormente registado a favor da sociedade vendedora.

Estes os factos provados.

Neste contexto, a situação em análise seria subsumida ao tipo descrito na segunda parte da definição da figura do negócio consigo mesmo atrás indicada – o negócio é feito por uma única pessoa na qualidade de representante de ambos os contratantes.

Por isso soçobra a apelante (conclª2) ao pretender excluir a presença de negócio consigo mesmo em virtude de negócio se desenvolver entre a representante a favor de um seu representado.

Sucede, porém, tal como se observa na douta sentença, que a gerente F.[…] actuou em consonância com as regras do Código das Sociedades Comerciais a este propósito, e estatutariamente (5) detém poderes para por si mesma representar e vincular ambas as sociedades no negócio jurídico, não exorbitando, por conseguinte, os limites dos poderes de representação e vinculação das sociedades.

Terá, assim, de se ponderar o interesse individual, “os interesses que são relevantes são apenas interesses próprios (pessoais) morais ou materiais do sócio individualmente considerado." (6)

Nesta ordem de raciocínio, resguardado o devido respeito, o facto de F.[…] ter a qualidade de sócia-gerente de ambas as sociedades representadas no negócio não permite, sem mais, alcançar a conclusão de que o negócio da compra e venda do automóvel foi celebrado na prossecução do seu próprio interesse individual e pessoal.

Na verdade, é consabido que a personalidade jurídica das sociedades e do seus sócios são distintas (7), ressalvando-se as situações limite de desconsideração da personalidade da sociedade face aos sócios, e outras, tal como resulta do disposto no artº78 da LSC.

 Ao constituírem entidades jurídicas próprias diferenciadas de cada um dos seus sócios, cada sociedade comercial é em si própria um sujeito de direito, até face àqueles e consequentemente a posição jurídica de um sócio não tem como efeito um direito sobre os bens da sociedade.

Isto é, a aquisição/alienação de um bem pela respectiva sociedade, no caso, uma viatura automóvel, não o torna, “quo tale”, acréscimo ou diminuição no património do (s) seus sócio(s).

Em face do disposto nos artigos 397º, n.º 2 e 251º n.º 1, al. g) do CSC quando o gerente de uma sociedade por quotas queira celebrar consigo qualquer contrato, terá de obter previamente uma deliberação da sociedade que representa para celebrar tal negócio e na qual o sócio interessado não pode votar nem por si, nem por representante.

É de admitir que face à celebração pelo gerente, sem prévio consentimento ou por ausência da deliberação dos sócios, de contrato entre a sociedade e o próprio gerente, directamente ou por pessoa interposta, decorre, com as necessárias adaptações, a aplicação do princípio geral estabelecido no artº261 do CCivil.

Disposição que não pode deixar de aplicar-se à representação da sociedade pelo gerente quando este queira consigo celebrar qualquer contrato e não tenha previamente obtido o consentimento da sociedade por deliberação dos sócios, situação que não é a apresentada nos autos, porquanto o negócio não é favor da representante/sócia. (8)

Sublinha-se, contudo, não foi a F. […] que adquiriu para si a propriedade da viatura, foi a sociedade comercial aqui Autora, da qual a senhora em causa é sócia, e ao tempo desempenhando as funções de gerente.  

Do que desde já se conclui, que inexiste prova factual (directa ou indirecta) que manifeste que as sociedades representadas não quiseram o negócio celebrado pela sua sócia – gerente, que como vimos não carecia para a prossecução de deliberação dos sócios ou de intervenção de outro (s) sócio (s) no acto.

Na douta sentença refere-se que, deverá presumir-se que a situação é conflituante pois que uma sociedade vende património a outra, o que salvo melhor opinião, na casuística não revela dos factos.


Pode até alinhavar-se o juízo oposto, dado que as sociedades têm manifestamente interesses comuns, ou, não teriam sócios e gerentes comuns, situação que no âmbito do direito comercial apenas depende da sua vontade, e não tem restrições legais específicas.


De resto, dos factos e dos articulados apenas ressalta que em concreto os RR insurgem-se pelo facto de não assim não poderem usufruir da viatura, o que não implica que tenham vetado ao tempo o negócio e a partir de quando e quais motivos para a sua oposição, para além da evidente alternância das funções de gerente entre a referida F.[…] e a Ré.          


Queremos com isto significar, que dos factos provados, nada existe que permita inferir como se fez na decisão recorrenda que a sociedade vendedora F. […] Ldª não conhecesse o negócio ou não o consentisse, ou, em última análise, que tomando conhecimento subsequente haja não ratificasse a acção da referida sócia F.[…], sendo dado adquirido que nos termos do CSC, a sócia gerente dispõe de poderes para por si realizar a venda do bem em questão a um terceiro, que não a seu favor ou devia conhecer esse abuso.


Finalmente, outro obstáculo acresce à procedência da acção em torno do negócio consigo mesmo, qual seja, o da falta de legitimidade dos RR para invocarem a anulabilidade do contrato, uma vez que não são os representados.


Muito embora tenham invocado a invalidade, nenhum dos RR detém legitimidade substantiva, enquanto terceiros, para o efeito, e apesar de se afirmarem lesados pelo negócio, por não usufruírem desta viatura, facto que, ademais também não consta provado.

Deste modo, afigura-se-nos que os elementos de prova produzidos são, totalmente insuficientes no sentido de se poder sustentar a existência de negócio anulável nos termos do artº261 do CCivil, e em consequência, inoperante a elisão da presunção legal de que beneficia a Autora derivada do registo de propriedade da viatura automóvel inscrito a seu favor.

As desavenças pessoais entre sócios a propósito do uso do” veículo da gerência” hão -de ter outra solução que não a preconizada na decisão em recurso respeitante apenas à determinação dos patrimónios das sociedades comerciais que integram.

3. Nulidade do contrato.

Por último, a questão da nulidade do contrato de compra e venda suscitada  subsidiariamente,   e na ampliação do recurso,   ao abrigo do art.º  684 – A do CPC,   pelos RR  recorridos. 

Sustentam os RR que para além do mais, o negócio é nulo por três ordens de motivos: fraude à lei, abuso de direito e desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.

Em nosso entender, salvo melhor opinião, não lhes ampara, porém a argumentação.

Senão vejamos.

Nos termos do disposto no art.º 334 do CCivil, diz-se que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.

A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida. Por um lado, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico, por outro, evitando que, observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se excedam manifestamente os limites que se devem observar tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.

Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem (9).

Ora, como retro se analisou, o negócio de compra e venda da viatura efectuou-se em normalidade de circunstâncias, ou, pelo menos, do que se infere dos factos provados, entre duas sociedades comerciais, sendo certo que, não é a conduta da sócia gerente que está questionada neste processo no qual não é parte, sublinhando-se ainda  que não há prova do negócio instrumentalizar interesse pessoal da mesma.

De outro passo, e consta dos estatutos da sociedade aquela agiu dentro dos poderes que lhe estavam conferidos.  

No tocante ao vício da nulidade por fraude à lei,    invocam os recorridos que, a F. […] alegou junto da Conservatória do Registo Automóvel facto inverídico, o extravio dos documentos da viatura, o que de todo, não tem suporte nos factos provados, apenas constando provada a declaração feita no registo, distinto da prova de que a mesma não corresponde à verdade.

De igual modo, os RR insistem em alegar factos  que não estão provados nos autos, nomeadamente, que a Autora sociedade , funcionaria no negócio como o “alter-ego” e como “cúmplice “da sócia F.[…].


Reconhecendo o interesse da temática da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, não tem no caso dos autos cabimento, salvo o devido respeito. Basta pensar que a viatura pode teoricamente ser tão importante para o uso dos gerentes da sociedade A como para o uso dos gerentes da sociedade B, crendo que, conforme o exposto, não ficou provado que a compra e venda fosse motivada por interesses pessoais da sócia F.[…].


E, valem aqui as considerações tecidas no ponto 2.2 acerca da diferenciação das pessoas jurídicas sócios e sociedade.


Não se divisa, pois, vício de nulidade que inquine o contrato.
     
4. Concluindo

Do que vem dito, resulta que em qualquer ângulo de visionamento do problema, a acção de reivindicação (artº1311 do CCvil) terá que ser julgada procedente, dado que, a Autora logrou provar a bondade do  título de aquisição – registo de propriedade do veículo de que beneficia, porquanto provou a titularidade do facto constitutivo do direito, e a “desconformidade ao direito na relação com a coisa” (10) mantendo-se os RR na sua posse, a que a entrega deverá pôr cobro.
         
III-DECISÃO  

Pelo que fica exposto, acorda este Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença, e em consequência, condenar os RR a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre a viatura,  a quem deverão  restituí-la de imediato.  

 As custas serão suportadas pelos RR.
 
Lisboa, 10 / 10 / 06

(Isabel Salgado)
(Soares Curado)
(Roque Nogueira)



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1.-Vaz Serra Contrato Consigo Mesmo, RLJ, ano 91º, nº31229 e seg.

2.-Rodrigues Bastos escreveu a propósito : “desde que a proibição se justifica em razão do conflito de interesses apontado, é claro que nos casos em que tal colisão não se dá, não haveria fundamento para declarar anulável o negócio" in Das Relações Jurídicas”, III, pag.140.

3.-A doutrina não é unânime na classificação das ineficácias e na sua distinção em relação às invalidades- Cf.ex Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português,1999 I,pag.566 e anotação na pag.567.

4.-V.ex. Ac. do S.T.J. de 14/10/2004, in www.dgsi.pt).r

5.-Os pactos sociais e os registos comerciais estão juntos autos.

6.-Acórdão do STJ de 28 de Setembro de 1995 in BMJ 449, pag.388.

7.-In Prof. Ferrer Correia, "Temas de Direito Comercial e de Direito Internacional Privado", 1989, pag. 135.

8.-Verificar-se-á, aliás, nulidade do negócio , por violação do preceituado no artº 397º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, quando se realiza entre uma sociedade e um seu administrador.

9.-Jorge Coutinho de Abreu IN Do Abuso de direito, pag. 43.

10.-Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Faculdade de Direito de Lisboa, LEX, 1995, pag. 30.