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VENDA EXECUTIVA
PRÉDIO
ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
HIPOTECA
RECIBO
RENDA
Sumário
I- O arrendamento de prédio onerado com hipoteca não caduca com a venda judicial do imóvel, não comportando integração analógica a expressão “ direitos reais” que consta do artigo 824.º/2 do Código Civil por forma a abranger o contrato de arrendamento cuja natureza é obrigacional. II- A indisponibilidade para dispor ou dar de arrendamento não resulta da hipoteca (artigo 695.º do Código Civil), mas da penhora conforme prescreve o artigo 819.º do Código Civil. III- O adquirente de imóvel em venda judicial pode requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, aplicando-se com as devidas adaptações o regime da execução para entrega de coisa certa; é, pois, o detentor que pode em embargos ou oposição à execução invocar título, no caso contrato de arrendamento, obstativo da entrega do imóvel ao comprador. IV- Constitui, portanto, objecto de oposição à execução para entrega de coisa certa a invocação de um contrato de arrendamento em relação à fracção cuja entrega é reclamada pelo adquirente (artigos 815.º, 901.º, 929.º VI. O contrato de arrendamento pode ser provado mediante a junção de recibos comprovativos do pagamento de renda (artigo 7º do Regime do Arrendamento Urbano).
(SC)
Texto Integral
No processo nº […] que correu termos no Tribunal Judicial da comarca de Almada, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) instaurou execução contra A. […] e H. […]
Oportunamente foi penhorada uma fracção autónoma de um determinado prédio urbano.
Esta fracção foi vendida em 06.10.99, por proposta em carta fechada, como consta da acta de fls. 111 e 112, à própria CGD.
Esta requereu o prosseguimento da execução nos termos do artigo 901º do CPC contra a detentora.
Veio então N.[…] deduzir oposição, dizendo ser arrendatária da fracção vendida, há mais de 20 anos.
A CGD contestou
Em 22.04.2002 procedeu-se a audiência preliminar, onde esteve presente o ilustre mandatário da CGD, não estando presente o ilustre mandatário da oponente.
Foi seleccionada a matéria de facto considerada assentes e elaborada a B.I..
Além disso, com o acordo do patrono da ora apelada, foi ordenado que se notificassem as partes para, no prazo de 15 dias, deduzirem eventuais reclamações contra o despacho de condensação e, apresentarem, querendo, os respectivos meios de prova.
A oponente foi notificada por carta de 13.05.2002 (fls. 84).
Em 03.06.2002 reclamou a mesma em relação ao artigo 7 da BI.
Em 12.06.2002 apresentou o rol de testemunhas (fls. 90). Por despacho de 21.02.2003 foi indeferida aquela reclamação.
E não foi admitido o rol de testemunhas.
Para tanto foi referido que o “embargante” foi notificado para os termos do artigo 512º do CPC, por ofício de 13.05.2002, tendo apenas apresentado o rol em 12.06.2002, ou seja, fora do prazo legal.
Desta parte do despacho recorreu a oponente.
O recurso foi recebido como agravo para subir imediatamente e em separado.
Em 22.06.2005 procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido respondido “não provado” a todos os artigos da BI, por não terem sido ouvidas as testemunhas arroladas.
Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo os embargos sido julgados improcedentes.
Dela recorreu a embargante, formulando as seguintes conclusões: A) B) Julgou-se como provado na douta sentença em crise que "em 9/6/98, o (fiel) depositário informara que tinha sido informado de que a fracção estava arrendada à embargante e recebeu dela (embargante), a título de rendas, as quantias mencionadas a fls. 147 a 159 do processo executivo e a fls. 20 dos presentes embargos; C) Deu-se como provado também que o (fiel) depositário enviou à embargante as cartas de fls. 10 e 21; D) Julgou-se ainda como provado que a embargante procedeu aos depósitos (bancários) referidos a fls. 24 a 31; E) Reconheceu-se também que ".... a embargante contactou o (fiel) depositário alegando a sua qualidade de arrendatária e de ter procedido ao pagamento de quantias a título de rendas, .."; F) Muito mal andou o douto Tribunal de 1ª Instancia ao julgar improcedentes os embargos deduzidos; G) Porque ao exigir que fizesse prova da referida qualidade de arrendatária junto da embargado, Caixa Geral de Depósitos, estaria a exigir da embargante uma inconcebível e inaceitável "probatio diabolica", H) Porque a Caixa Geral de Depósitos desde o início se recusou liminarmente a receber da embargante o pagamento das rendas, forçando-a ao legal e competente depósito liberatório nessa mesma instituição, por força das disposições legais; I) Se até para pagar os valores mensais das rendas foi difícil, então para provar junto da Caixa Geral de Depósitos a sua qualidade de arrendatária do imóvel em dissídio, tal tarefa era completa e inteiramente impossível; I) Porque se a lei permite facilmente à Caixa Geral de Depósitos, na qualidade de senhoria, recusar o recebimento das rendas postas à sua disposição pela inquilina, mais facilmente lhe permitiria "fugir" à comunicação da sua qualidade de arrendatária do imóvel "in dissidium” J) Discorda-se frontalmente do conteúdo da douta sentença do Tribunal de 1ª Instancia que julgou improcedentes os embargos deduzidos; K) Entende-se que, bastando ter ficado provado que "... a embargante contactou o (fiel) depositário alegando a sua qualidade de arrendatária e de ter procedido ao pagamento e depósito de quantias a título de rendas...” L) Tal é suficiente para que os presentes embargos sejam merecedores do necessário procedimento de mérito, ao contrário do que foi decidido na douta sentença do Tribunal de 1.a Instancia; M) Pelos factos expendidos, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser a douta sentença do Tribunal de 1ª Instancia reformulada no sentido de serem julgados procedentes os embargos deduzidos, em virtude de ter sido dado como provado que "... a fracção estava arrendada à embargante e recebeu dela, a título de rendas, as quantias ..." o que só por si é suficiente e indispensável para conceder provimento aos presentes embargos.
A apelada pede a confirmação da sentença. ** Entretanto, o agravo subiu em separado a esta Relação.
Mas, por despacho do então relator, de 21.06.2004, foi decidido não conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que o mesmo deveria ter subido “em momento ulterior, com o recurso dominante...”. E foi decidido que o agravo deveria subir diferidamente.
Há, pois, que conhecer agora do recurso de agravo, uma vez que, se este for provido, terá de ser anulado o julgamento proferido na oposição (art.º 710º do CPC)
E como o agravo devia ter subida diferidamente decide-se aqui e agora com este recurso de apelação
A agravante formulou as seguintes conclusões: A) Para existir a obrigatória e coerente logicidade nos actos jurídicos do processo civil é necessário que a apresentação do requerimento de prova da parte, nos termos do Artº512º do C.P.Civil, seja sequencial e posterior à decisão da reclamação ao despacho saneador; B) “Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”, conforme dispõe expressamente o nº6 do artº 161º do CPC. C) Pelo que deve a parte de ter a possibilidade se carrear para o processo todos os meios legais para prova dos factos “sedimentados” como sendo controvertidos. D) Tal só acontecerá quando se mostrem analisadas e julgadas quaisquer reclamações contra o despacho saneador que tenham sido apresentadas, nos teremos do nº2 do art.º 511º do CPC. E) De modo a que a parte não seja apanhada de surpresa com novos factos dados como controvertidos após decisão de eventual reclamação, quando anteriormente tinha apresentado requerimento de prova que não podia de forma alguma ponderar e considerar tal status quo. F) Pelos factos expendidos, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência deverá o despacho do tribunal a quo que não admitiu o requerimento de prova da agravante ser reformulado no sentido da competente admissão do mesmo aos presentes autos.
A agravada pugna pela manutenção do despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Vejamos em 1º lugar o agravo.
I Como ficou referido, os factos são, no essencial, quanto ao agravo, os seguintes:
Em 22.04.2002 procedeu-se à audiência preliminar prevista no artigo 508º-A do CPC, onde esteve presente o ilustre mandatário da CGD, não estando presente o ilustre mandatário da oponente.
Foi aí ordenado que se notificassem as partes para, no prazo de 15 dias, apresentarem eventuais reclamações contra o despacho de condensação e, querendo, os respectivos meios de prova.
A oponente foi notificada por carta de 13.05.2002.
Só em 12.06.2002 apresentou o rol de testemunhas.
O DIREITO.
Como resulta do preceituado no nº 1 do artigo 508º-A citado, no caso de ter lugar a audiência preparatória, e sendo a acção contestada, nesta será seleccionada a matéria relevante considerada assente, organizar-se-á a base instrutória e serão decididas as reclamações deduzidas pelas partes.
E, como resulta do nº 2 do mesmo artigo, a audiência preparatória servirá ainda para as partes indicarem os meios de prova...
Como vimos, teve lugar a audiência preliminar.
Por isso, as partes poderiam aí ter reclamado da selecção da matéria de facto, e o juiz deveria conhecer das reclamações eventualmente deduzidas (art.º 511º). Poderiam também as partes ter indicado os meios de prova.
A verdade é que apenas se encontrava presente o mandatário da CGD.
Por isso, como estabelece o nº 4 do artigo 508º-A, se faltar algum dos mandatários, pode este apresentar o requerimento para produção de prova nos cinco dias subsequentes àquele em que se realizou a audiência preliminar.
Neste prazo nada foi requerido.
No caso de não se ter realizado a audiência preliminar e a acção tiver sido contestada, o juiz, no despacho saneador, seleccionará a matéria de facto, podendo então as partes apresentar as respectivas reclamações no início da audiência final (art.º 508-B, nº 2).
Portanto, tendo a selecção da matéria de facto sido feita na audiência preliminar, a reclamação é também aí feita e decidida.
Não havendo audiência preliminar, a reclamação só pode ser feita na audiência final.
Entretanto, como se disse, o Ex. juiz da 1ª instância ordenou que as partes fossem notificadas para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentarem reclamações contra o despacho de condensação e indicarem os respectivos meios de prova.
Deste despacho não foi interposto recurso.
Por isso, não tinha a ora agravante direito a apresentar o rol de testemunhas em data posterior.
Diz a agravante que a sua reclamação à matéria do artigo 7 da BI apenas foi apreciada em 13.02.2003, pelo que só a partir desta data começaria a contar-se o prazo para apresentação do rol de testemunhas, nos termos do artigo 512º. E isto porque só depois de esclarecida a questão sobre a matéria de facto a provar é que poderia ser organizada a estratégia da defesa. Caso contrário “seria apanhada de surpresa”.
Tendo em consideração o que já foi referido nenhuma justificação tem tal interpretação. E a verdade é que a própria agravante apresentou o rol de testemunhas em data anterior à decisão de tal reclamação (em 12.06.2002), o que se traduz numa clara contradição com a posição assumida no recurso, nesta parte.
De qualquer forma o prazo legal já havia decorrido, pelo que não pode deixar de ser julgado improcedente o recurso de agravo.
II
Vejamos agora a apelação.
Foram dados como provados os seguintes factos:
Em 4/7/97, a embargada instaurou execução contra A.[…] e H.[…];
No apenso A, por falecimento dos executados, respectivamente em 4/4/97 e 4/1/97, foi proferida sentença que julgou habilitada, como sucessora dos executados, M.[…];
O prédio urbano com os números […] da Costa da Caparica, submetido ao regime de propriedade horizontal, está descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada […] Estas hipotecas são as inscritas sob os nºs. 21.000 (Ap. 31, de 29.09.77) e 20.638 (Ap. 27, de 16.07.77). ;
Sobre a fracção autónoma designada pela letra "H" desse prédio, foi inscrita em 10/7/98 a penhora efectuada em 13/5/98 e por despacho de 7/10/99, a mesma foi adjudicada, por compra, à exequente, ora embargada;
A embargada requereu a entrega da fracção em 17/10/00;
Em 9/6/98, o depositário informara que tinha sido informado de que a fracção estava arrendada à embargante e recebeu dela, a título de rendas, as quantias mencionadas a fls. 147 a 159 do processo executivo e a fls. 20 dos presentes embargos;
O depositário enviou à embargante as cartas de fls. 19 e 21;
A embargante procedeu aos depósitos referidos a fls. 24 a 31;
Em 27/12/98 faleceu L.[…], no estado de casado com a embargante.
O DIREITO.
No essencial é esta sentença recorrida:
«A embargante estruturou a sua oposição em torno da alegação da existência de uma relação de arrendamento, que lhe conferiria os direitos a que se arroga.
Uma vez que a embargada contesta a existência dessa relação jurídica, competia à embargante provar os factos relevantes para a demonstrar — artigo 342° do Código Civil. Não o fez.
O facto de se ter provado que a embargante contactou o depositário alegando a sua qualidade de arrendatária e de ter procedido ao pagamento e depósito de quantias a título de rendas, não a dispensava de provara existência desse arrendamento, posto que o mesmo não é aceite como válido pela embargada.
Perante o exposto, devem improceder os embargos».
E na verdade não podia ser outra a solução, tendo-se apenas em consideração os factos dados como provados.
Com efeito, não foi dado como provado que a embargante seja arrendatária da fracção em causa. E este era o fundamento alegado na oposição deduzida
Os vários factos constantes da BI respeitam precisamente à prova do arrendamento, ou seja, saber se entre o executado A.[…] e L.[…], marido da ora apelante, havia sido celebrado um contrato de arrendamento relativo à fracção em causa.
E, como não foram inquiridas testemunhas, foi respondido “não provado” a todos os números da BI.
Com efeito foi referido na fundamentação: «não foram ouvidas testemunhas; os documentos juntos encontram-se impugnados, pelo que, desacompanhados de outros meios probatórios, que não foram apresentados, não permitem fazer prova dos factos controvertidos».
No essencial diz a apelante nas conclusões deste recurso:
- que o fiel depositário afirmou que tinha sido informado de que a fracção estava arrendada à embargante e recebeu dela (embargante), a título de rendas, as quantias mencionadas a fls. 147 a 159 do processo executivo;
- que se deu como provado que o depositário enviou à embargante as cartas de fls. 10 e 20 e que esta procedeu aos depósitos bancários referidos;
- que, ao exigir-se que fizesse prova da qualidade de arrendatária junto da Caixa Geral de Depósitos, estaria a exigir-se da embargante uma inconcebível e inaceitável "probatio diabolica",
- que basta ter ficado provado que “a embargante contactou o (fiel) depositário alegando a sua qualidade de arrendatária e de ter procedido ao pagamento e depósito de determinadas quantias a título de rendas” para que os presentes embargos sejam julgados procedentes.
Embora por razões não totalmente coincidentes, parece-nos que tem razão a apelante quanto à prova do contrato de arrendamento.
A embargante alegou ser arrendatária da fracção em causa há mais de 20 anos (o contrato teria sido celebrado em 1979 entre seu falecido marido e o executado A.[…]) conforme recibo de renda junto por fotocópia. Trata-se de um facto constitutivo do seu alegado direito, pelo que lhe competia fazer a respectiva prova (art. 342º nº 1 do CC).
Mas, de forma alguma seria exigível uma probatio diabolica, pois se ela era inquilina já teria pago rendas em data anterior e poderia facilmente provar por testemunhas que ocupava a fracção. Além disso, como é óbvio, poderia juntar o respectivo contrato de arrendamento.
Mas já não seria suficiente para prova do arrendamento o facto ter sido considerada como inquilina pelo fiel depositário.
Verdade é que o contrato pode ser provado através da exibição do recibo das rendas.
Nos termos do nº 1 do artigo 7º do RAU, o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.
Porém, na falta deste, pode o arrendamento ser provado pela exibição do recibo de renda (nº 3 do mesmo artigo), nos casos, como o dos autos, de arrendamento para habitação não sujeito a registo.
É que se trata de uma formalidade “ad probationem”.
Ora, consta dos autos o seguinte (além doutros documentos):
- Um recibo de renda de 10.000$00, com data de 08.12.79, em nome do marido da apelante (de fls.64 consta a certidão de óbito do marido);
- um recibo de renda de igual quantia, de 01.01.80, em nome da apelante;
- um recibo de renda de 01.04.97, de 15.382$00, em nome da embargante;
- Uma carta com data de 29.11.93 enviada à embargante para actualização da renda para 13.262$50 a partir de 01.01.94;
- Uma carta com data de 27.11.94 enviada à embargante para actualização da renda para 14.158$00 a partir de 01.01.95
- Um recibo de renda de 01.05.98, de 15.923$00, em nome da embargante;
- Uma carta do fiel depositário dirigida à embargante no sentido de proceder ao pagamento das rendas;
- Recibos de renda emitidos pelo fiel depositário;
Estes recibos foram emitidos ao longo do tempo pelos alegados senhorios, ou seja, pelos executados António e Helena e depois pela filha destes, habilitada como sucessora dos Não foi arguida a falsidade destes documentos.
De resto, nem a própria CGD alega que não existia um contrato de arrendamento, limitando-se a dizer que “opõe reservas ao invocado arrendamento” (pelas razões constantes da contestação).
E na verdade não consta dos autos de execução que tenha sido dado conhecimento à CGD da existência do contrato de arrendamento. Além disso, também nada foi referido a este respeito no auto de penhora. Mas isto não significa que tal arrendamento não exista.
Ora, nos termos do artigo 376.º, n.º 1 do Cód. Civil, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.
Portanto, temos de concluir pela existência do aludido contrato de arrendamento.
III
Uma vez que na sentença recorrida se considerou não provado o contrato de arrendamento, não foram, naturalmente, apreciadas as questões suscitadas pela CGD em sede de excepção.
Esta alegou que, mesmo que se entenda que foi celebrado o contrato de arrendamento e que o mesmo é válido, com a venda judicial realizada em 06.10.99 esse arrendamento teria caducado ou seria ineficaz e inoponível em relação a ela. Para tanto invocou os seguintes acórdãos do STJ: 06.07.2000 (CJ VIII-II-150), 05.06.96 (rec. 88379), 29.10.98 (re. 826/98) e 19.11.98 (rec. 2236/98)
Diz a CGD que o contrato teria caducado nos termos do nº 2 do artigo 824º do CC porque o mesmo teria sido celebrado em 1979 e, nessa data, já o prédio onde se situa o andar se encontrava onerado com as hipotecas a que se reportam as inscrições nºs. 20633 e 2100, que garantiam a quantia exequenda, como resulta da certidão de ónus e encargos junta aos autos.
E na verdade verifica-se o seguinte:
Em 16.07.1977 foi registada uma hipoteca voluntária sobre o prédio, sendo sujeito activo a CGD e sujeito passivo “Serra e Irmãos Ldª”.
Em 29.09.1977 é registada nova hipoteca com os mesmos interessados.
Pela AP 14/900802 foi registada uma acção movida pelos executados contra a referida sociedade “Serra e Irmão Ldª” na qual se pediu que a sentença produzisse os efeitos da declaração negocial da ré a que estaria obrigada pelo contrato promessa de compra e venda em relação à fracção H.
Pela AP.30/980710 foi registada uma penhora efectuada em 13.05.98 precisamente na execução em causa e em relação à mesma fracção.
A execução (hipotecária) foi instaurada contra os executados com o fundamento de que a fracção H se encontrava registada a seu favor, mas que se mantinha a hipoteca, nos termos do nº 2 do artigo 56º do CPC.
Portanto, os executados teriam comprado esta fracção, mas, não obstante, as hipotecas referidas mantinham-se.
E embora nada tenha sido dito a este respeito, a verdade é que o prédio ainda se encontrava onerado com as hipotecas a que se reportam as referidas inscrições nºs. 20.633 e 21.000, ambas do ano de 1977.
No acórdão do STJ de 06.07.2000 CJ Ano VIII, tomo II-150 foi decidido: A venda judicial, em processo executivo, de fracção hipotecada faz caducar o seu arrendamento, não registado, quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca, por na expressão “direitos reais” mencionado no artigo 824º, nº 2 do CC se incluir, por analogia, aquele arrendamento.
De igual modo se decidiu no acórdão do STJ de 03.12.98 BMJ 482-219.: Na expressão “direitos reais” constante do artigo 824º, nº 2 do CC, inclui-se, por analogia, o arrendamento, registado ou não; assim, a venda judicial, em processo executivo, de um imóvel hipotecado faz caducar o arrendamento, não registado, dessa coisa celebrado posteriormente, à constituição daquela garantia real.
Portanto, foi decidido que a venda judicial, em processo executivo, de fracção autónoma de um prédio urbano, faz caducar ao arrendamento quando este for posterior ao registo de hipoteca sobre essa mesma fracção, face ao preceituado nos artigos 824º, nº 2 do CC e 888º do CPC (art.º 907º na reforma anterior a 95). É que na expressão “direitos reais” constante do nº 2 do artigo 824º do CC deve incluir-se, por analogia, segundo estes doutos acórdãos, o arrendamento.
Num caso semelhante foi decido em sentido contrário no acórdão do STJ de 20.09.2005 CJ (stj) Ano XIII-III-29..
Com efeito aí foi decidido nomeadamente:
- o disposto no artigo 824º, nº 2 do CC, sobre a transmissão dos bens na venda em execução, não pode aplicar-se directamente ao arrendamento, porque não previsto na sua letra; e não pode aplicar-se-lhe por analogia, por o não recomendar o regime fortemente vinculístico da específica legislação que regula este instituto, designadamente no que toca à estabilidade da posição do arrendatário;
- A hipoteca não gera, por si só, qualquer indisponibilidade para onerar ou dar de arrendamento os bens hipotecados; o que gera indisponibilidade (para dispor ou dar de arrendamento) é a penhora.
- A inoponibilidade do arrendamento à execução só existe se ele foi constituído depois da penhora e não quando foi constituído depois da hipoteca mas antes da penhora. Também é esta a questão que aqui se coloca.
Em todos os acórdão citados foi feita uma abordagem quase exaustiva da questão, onde foi indicada abundante doutrina e jurisprudência em ambos os sentidos.
Por isso não nos alongaremos em considerações a tal respeito, remetendo-se, no essencial, para aqueles doutos arestos, adiantando-se desde já que se seguirá a doutrina do último acórdão, o qual, aliás, se pronunciou sobre os fundamentos em que assentaram as decisões proferidas nos dois anteriores.
Em todos os acórdãos se discutiu a questão de saber se o arrendamento tem natureza real ou obrigacional.
Trata-se com efeito duma questão discutível (como de resto resulta do que foi referido naquelas decisões do STJ).
Seguindo-se a tese da natureza real mais facilmente se podia decidir pela aplicação ao caso do artigo 824º, nº 2.
A verdade é que temos entendido que o arrendamento tem natureza obrigacional. Este mesmo entendimento foi perfilhado, por exemplo, no citado acórdão do STJ de 03.12.98.
Não há qualquer dúvida de que o arrendamento desvaloriza a fracção em caso de venda, designadamente na venda judicial, o que significa que fica diminuída a garantia dada ao credor pela hipoteca. Mas este argumento não pode ser decisivo no sentido da caducidade do arrendamento.
E a hipoteca encontra-se registada. Por isso, quando foi feito o arrendamento (em data posterior ao registo) o senhorio sabia que a fracção se encontrava hipotecada, com as legais consequências E o arrendatário também podia ter tomado conhecimento desse facto, bastando para o efeito dirigir-se à competente Conservatória do Registo Predial. Mas como nos casos que agora nos interessa considerar o arrendamento não está sujeito a registo, normalmente não é feita tal diligência.
Mas o simples facto de o senhorio e o inquilino terem ou poderem ter conhecimento da hipoteca, tal não justifica, por si só, que o arrendamento caduque nos termos referidos. Da mesma forma não impediria a caducidade ainda que se demonstrasse que o arrendatário não conhecia nem podia conhecer essa mesma hipoteca, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário.
Como estabelece o artigo 1057º do CC o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras de registo.
Por sua vez determina o nº 1 do artigo 824º que “ a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida”.
Portanto, em princípio, o adquirente em praça, de um prédio arrendado, sucede nos direitos e obrigações do executado; neste caso seria na qualidade de senhorio.
Um dos argumentos invocados no sentido de que o arrendamento não caduca é retirado do artigo 1051º do CC no qual se enumeram os casos em que caduca o arrendamento. Neste sentido argumenta-se que aí se indicam todos os casos em que o arrendamento caduca. E, assim sendo, não caducaria nos termos do artigo 824º, nº 2.
Trata-se também de questão discutível.
No citado acórdão do STJ de 20.09.2005 foi entendido que “a enumeração dos casos de caducidade do contrato de locação feita no artigo 1051º do CC é taxativa”. Em sentido contrário o também citado acórdão do mesmo tribunal de 06.07.2000, onde se diz nomeadamente que “o carácter taxativo nunca é de presumir”. Neste aresto cita-se a propósito o outro acórdão do STJ referido (de 03.12.99): “apesar de um manifesto intuito de proteger o bem da estabilidade da habitação, não pode entender-se que o legislador houvesse querido deixar sem protecção os direitos dos credores titulares de garantias reais registadas com anterioridade relativamente à celebração da invocada relação locatícia, pelo que os bens arrematados em hasta pública por credor com garantia real anterior se transmitirão para o adquirente novo proprietário livres e desembaraçados do ónus locatício, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 824º do Código Civil vigente”.
Também na doutrina tem sido defendido que esta enumeração não é taxativa (Cunha e Sá, in “Caducidade do Contrato de Arrendamento”, pags. 90 e 91, Oliveira Ascensão, in ROA, nº 45, pag. 335 e Pinto Furtado, in “Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos” pag. 432 Embora considere que se trata de uma enumeração “tendencialmente exaustiva”.
Parece-nos, pois, que esta enumeração não impediria (por si só) que se considerasse que o arrendamento poderia caducar com outros fundamentos. E no caso sub judice tratar-se-ia de um caso de caducidade que nem sequer teria directamente a ver com as relações entre senhorio e inquilino, não valendo então os argumentos invocados acerca do carácter vinculístico do direito de arrendamento.
Mas o disposto no artigo 824, nº 2 não pode aplicar-se directamente ao arrendamento como resulta claramente da sua letra, pois aquele não é um direito real e, a ser entendido como tal, sempre seria um direito real de gozo e não de garantia.
E também não se vêem razões ponderosas que justifiquem a sua aplicação por analogia. O artigo 10º, nº 2 do CC diz-nos efectivamente que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Parte-se assim do princípio de que os casos análogos devem ser tratados da mesma maneira, quando não especialmente previstos. Mas nem sempre é fácil o recurso à analogia. Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que se trate de casos que justifiquem igual tratamento no sentido de serem resolvidos da mesma forma pelo recurso à analogia.
A hipoteca não gera qualquer indisponibilidade para onerar ou dar de arrendamento os bens hipotecados. O artigo 695º do CC estabelece expressamente que é nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados.
O arrendamento em causa é posterior ao registo da hipoteca, mas anterior à penhora.
Ora, como determina o artigo 819º do CC, sem prejuízo das regras de registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração de bens penhorados. Portanto, a penhora é que gera esta indisponibilidade (para dispor ou dar de arrendamento). Na verdade, com a venda em acção executiva, o arrendamento celebrado pelo executado após a penhora do imóvel sobre que incide o contrato torna-se totalmente ineficaz. Mas nada na lei nos diz que o mesmo acontece em relação à hipoteca, mesmo que com registo anterior ao contrato de arrendamento.
IV
O arrendamento a que os autos se reportam teria sido celebrado (no dizer da própria inquilina) em 1979, ou seja, depois do registo das referidas hipotecas. E estas mantinham-se à data da venda judicial.
É certo que as hipotecas incidiam sobre um prédio constituído em propriedade horizontal para pagamento de dívidas da construtora do edifício e não para pagamento de dívidas dos ora executados. Todavia, essas hipotecas mantinham-se, face ao princípio da indivisibilidade consagrado no artigo 696º do CC. Na verdade, constituída uma hipoteca sobre um determinado prédio, para garantia de uma dívida, a mesma mantém-se sobre cada uma das fracções autónomas em que o prédio foi dividido.
Todavia, registada uma hipoteca sobre um determinado prédio que depois foi constituído em propriedade horizontal, cada um dos compradores das várias fracções pode expurgá-la relativamente à fracção que lhe passa a pertencer (art.º 721º), mantendo-se a hipoteca indivisível em relação às restantes. No caso sub judice os executados não terão expurgado a hipoteca, e daí a instauração da execução.
Há, pois, que concluir que o arrendamento invocada pela oponente, embora constituído sobre uma fracção hipotecada, com registo anterior ao contrato de arrendamento, não caducou nos termos do nº 2 do artigo 824º do CC.
V
A CGD diz ainda o seguinte em sede de excepção:
- a omissão da notificação referida no nº 1 do artigo 892º do CPC, além de consubstanciar uma formalidade que a lei impõe, se omitida, tem os mesmos efeitos que a falta de citação, o que, nos termos do nº 1 do artigo 201º do mesmo código, impõe a nulidade do acto, no caso a venda judicial.
- Porém, nos termos do artigo 205º deveria tal nulidade ser arguida no momento em que foi cometida até o acto terminar ou no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida, interveio no processo.
- Como a oponente interveio no processo em 19.10.2000, encontra-se precludido, por caducidade, o direito que assistia à oponente de atacar a venda realizada em 06.10.99.
- E o mesmo sucederia em relação ao invocado direito de preferência.
Vejamos.
O que está em causa não é já a execução para pagamento de quantia certa instaurada contra A.[…] e mulher.
O que agora está em causa é a execução instaurada pela CGD contra a ora apelante.
Com efeito, a oposição por esta deduzida surge na sequência do prosseguimento da execução nos termos dos artigos 901º e 928º do CPC.
O artigo 901º concede ao adquirente dos bens penhorados o direito de requerer o prosseguimento da execução contra o seu detentor, enxertando-se assim, na acção executiva para pagamento de quantia certa, uma execução para entrega de coisa certa.
Por outro lado, estabelece o nº 1 do artigo 929º que o executado pode deduzir embargos à execução pelos motivos especificados nos artigos 813º, 814º e 815º, na parte aplicável.
Finalmente, nos termos do artigo 815º, pode o executado alegar quaisquer factos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.
Constitui, pois, objecto de oposição à execução para entrega de coisa certa a invocação de um contrato de arrendamento em relação à fracção reivindicada.
Portanto, apenas estão em causa os embargos de executado deduzidos à execução para entrega de coisa certa. E daí que não tenha cabimento a discussão das restantes questões suscitadas.
VI
Entretanto parece-nos que se justificam algumas considerações a propósito dos pedidos formulados pela oponente.
Como dissemos, a oposição deduzida surge na sequência do prosseguimento da execução nos termos dos artigos 901º e 928º do CPC.
Por isso são absolutamente incompreensíveis os pedidos formulados sob as alíneas a) e b) dos embargos.
Na alínea a) pede a oponente que seja “a acção julgada improcedente” e ela própria absolvida da instância.
Na alínea b), em alternativa ao pedido feito em a), pede que lhe seja dada preferência na alienação da fracção arrendada.
O primeiro pedido é pura e simplesmente absurdo, sendo desnecessárias quaisquer considerações a tal respeito.
O segundo pedido também não tem a menor justificação, pois não estamos em presença de qualquer acção de preferência.
É certo que, nos termos do artigo 896º do CPC, o preferente pode exercer o seu direito pelo modo aí previsto. Mas isso nada tem a ver com a acção de preferência que poderia ser proposta nos termos do nº 4 do artigo 892º do CPC e 47º do RAU. Além disso sempre faltaria um pressuposto fundamental, ou seja, o depósito do preço.
A oponente pede finalmente, em alternativa, que lhe seja comunicada a identidade do novo senhorio a fim de lhe poder pagar a renda (alínea c.)
Parece não haver qualquer dúvida de que o pedido não se encontra correctamente formulado.
Parece-nos, contudo, poder (e dever) entender-se que a oponente pretende que seja decidido que se deve manter o contrato de arrendamento e, consequentemente, que não seja feita a entrega do local arrendado à CGD. E a ser assim manter-se-ia no andar, pois não poderia prosseguir a execução para entrega de coisa certa.
E é esta a posição defendida nas alegações de recurso, onde já se pede expressamente que os embargos sejam julgados procedentes «em virtude de ter sido dado como provado que "... a fracção estava arrendada à embargante e recebeu dela, a título de rendas, as quantias ... "o que só por si é suficiente e indispensável para conceder provimento aos presentes embargos».
E, como dissemos, o arrendamento constitui meio de oposição à execução para entrega de coisa certa. **
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e revoga-se a sentença recorrida julgando-se procedente a oposição deduzida, assim se mantendo o contrato de arrendamento.
Custas pela apelada.
Lisboa, 17.10.2006.
Pimentel Marcos Abrantes Geraldes Maria do Rosário Morgado
_______________________________ 1.-Estas hipotecas são as inscritas sob os nºs. 21.000 (Ap. 31, de 29.09.77) e 20.638 (Ap. 27, de 16.07.77).
2.-CJ Ano VIII, tomo II-150
3.-BMJ 482-219.
4.-CJ (stj) Ano XIII-III-29.
5.-Embora considere que se trata de uma enumeração “tendencialmente exaustiva”